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A (in)existência do abuso de poder religioso no Direito Eleitoral

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Artigo Paraná Eleitoral v.7 n.2 p. 235-256
235
A (in)existência do abuso de poder 
religioso no Direito Eleitoral: uma revisão 
jurisprudencial sobre o tema
Pedro Henrique Costa de Oliveira e Ridivan Clairefont de 
Souza Mello Neto
Resumo
-
religiosa, erigindo-a na categoria de direito fundamental. Entretanto, no ordenamento 
jurídico brasileiro nenhum direito possui caráter absoluto, sendo necessária a imposi-
ção de limites a seu exercício. Inobstante a inexistência uma espécie autônoma desse 
tipo de abuso na legislação pátria, tal fato não pode servir como escudo para a prá-
tica de abusos por parte de autoridades religiosas. Objetiva-se, portanto, a partir de 
aportes doutrinários sobre o tema, fazer uma análise da controvertida jurisprudência 
dos tribunais eleitorais brasileiros, no sentido da (im)possibilidade de sindicar a ocor-
rência do abuso de poder religioso no processo eleitoral e, por conseguinte, aplicar as 
e jurisprudencial como procedimento metodológico, conclui-se pela possibilidade de 
-
so de poder expressamente previstos na legislação (infra)constitucional.
Palavras-chave: abuso de poder religioso; ações eleitorais; legitimidade das eleições; 
laicidade; liberdade religiosa.
Sobre os autores:
Pedro Henrique Costa de Oliveira é mestrando em Direito, Políticas Públicas e 
Desenvolvimento Regional no Centro Universitário do Pará (Cesupa). Especialista 
em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 
(PUC-Minas) e em Direito Eleitoral pelo Instituto Brasiliense de Direito Público 
(IDP). Professor Assistente de Direito Administrativo do Cesupa. Ex-presidente 
da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/PA (2015-2018). Membro-fundador 
da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep). Advogado. 
E-mail: pedrohco.adv@gmail.com
Ridivan Clairefont de Souza Mello Neto é mestrando em Direito, Políticas 
Públicas e Desenvolvimento Regional no Cesupa. Especialista em Direito 
Eleitoral pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas). 
Professor Assistente de “Introdução ao Estudo do Direito” e “Direito 
Internacional Público” no Cesupa. Membro do Grupo de Pesquisa Democracia, 
Poder Judiciário e Direitos Humanos. Advogado. E-mail: ridivan@hotmail.com
236 Pedro Henrique Costa de Oliveira e Ridivan Clairefont de Souza Mello Neto: A (in)existência do abuso de poder 
Abstract
controversial jurisprudence of the Brazilian electoral courts, in the sense of (not) 
Keywords: 
Artigo recebido em 15 de março de 2019; aceito para publicação em 20 de março de 2019.
Introdução
Sabe-se que a vedação ao abuso de poder é um tema muito caro 
para o Direito Eleitoral, tendo em vista que essa prática por parte 
do candidato acaba por gerar anomalias no procedimento demo-
crático. Em razão disso, houve uma preocupação tanto constitucio-
nal quanto infraconstitucional em vedar tais tipos de conduta, com 
o objetivo de garantir a lisura eleitoral e a legitimidade das eleições.
A vedação ao abuso de poder nas eleições consta do artigo 14, 
§ 9º, da Constituição Federal de 1988 (CF/1988). Nesse disposi-
tivo constitucional são expressas a vedação ao abuso de poder eco-
nômico e ao abuso de poder político. No primeiro caso, busca-se 
impedir a utilização de recursos 6nanceiros com o 6to de obter 
vantagens eleitorais, enquanto no segundo a intenção nada mais é 
do que impossibilitar a utilização da máquina estatal com a mesma 
6nalidade.
Entretanto, é cediço que a sociedade evolui rapidamente e, em 
razão disso, novas formas de abuso podem se fazer presentes no 
jogo eleitoral. Nesse sentido, o presente estudo de casos tem entre 
Paraná Eleitoral: revista brasileira de direito eleitoral e ciência política 237
uma de suas 6nalidades analisar a 6gura do chamado “abuso de 
poder religioso” e a possibilidade de aplicação de sanções cons-
tantes na legislação vigente, por exemplo, as do artigo 22 da Lei 
Complementar 64/1990 (LC/1990) – Lei de Inelegibilidades –, que 
são: a declaração de inelegibilidade e a cassação de registro ou 
diploma do candidato.
Trata-se de um tema extremamente controvertido, tendo em vista 
que não há previsão expressa da existência desse tipo de vedação. 
Portanto, o problema que se apresenta neste artigo é justamente se 
há possibilidade de aplicar as sanções constantes da legislação elei-
toral a uma espécie de abuso que não possui previsão legal.
Além disso, os casos são passíveis dos mais variados debates, 
pois envolvem a necessidade de sopesar direitos fundamentais, 
como a liberdade de religião constante do artigo 5º, VI e VIII, da 
CF/1988, com outros princípios ou valores, como o da lisura elei-
toral insculpido do próprio artigo 23 da LC 64/1990.
Deve-se destacar também o caráter de laicidade do Estado pautado 
na própria Constituição, bem como a impossibilidade de o Estado 
impedir o funcionamento de cultos religiosos e igrejas, conforme 
artigo 19, I, da CF/1988. Sendo, assim, necessário que se proceda, a 
partir dos fundamentos trazidos pela doutrina, à análise jurispruden-
cial para que, ao 6nal, se apresente a conclusão de qual entendimento 
melhor se aplica sob a perspectiva de haver a possibilidade de aplicar 
sanções constantes da LC 64/1990 para uma espécie de abuso que 
não se encontra, autonomamente, na legislação de regência.
Discurso religioso e abuso de poder
O princípio constitucional do pluralismo político possibilita a 
participação política dos mais variados segmentos da sociedade 
no processo eleitoral, inclusive dos religiosos. Assim como qual-
quer direito, o princípio da liberdade religiosa não é absoluto. 
Seu exercício pressupõe a existência de limites para que não haja 
abuso. No entanto, a utilização do discurso religioso como ele-
mento propulsor de candidaturas, propiciando que a orientação 
política adotada por líderes religiosos – personagens centrais 
carismáticos que exercem fascinação e imprimem con6ança em 
seus seguidores – tutele a escolha política dos 6éis, induzindo o 
voto não somente pela consciência pública, mas, primordialmente, 
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pelo temor reverencial, o que não se coaduna com a laicidade do 
Estado brasileiro (Brasil, 2018b).
Trata-se, em verdade, da necessidade de discutir a legitimidade 
desse tipo de prática diante da utilização intencional do poder caris-
mático do sacerdote e de uma espécie de “subordinação” sacra do 
eleitor aos dogmas religiosos. Questiona-se, principalmente, se isso 
não estaria por afetar o livre convencimento do cidadão.
Logo, “não é democrático impor vedação para que os segmentos 
religiosos participem do processo eleitoral. De igual modo, não é 
democrático a utilização do aparato e da estrutura religiosa para 
de6nir o resultado de uma eleição” (Azevedo, 2017, p. 8).
Nesse contexto, dissertando sobre o aumento da participação 
das igrejas no processo eleitoral e a necessidade de imposição 
de limites a essa participação, Ana Santano e Geovane Silveira 
(2018, p. 66) asseveram:
A participação crescente das igrejas no processo eleitoral resul-
tou em questionamentos doutrinários sobre quais seriam os limites 
da participação das entidades religiosas no processo de escolha dos 
representantes. Isto porque as igrejas são fonte de forte in>uência 
junto aos cidadãos, que ao escolherem determinada fé, passam a 
professar os preceitos ali estabelecidos. A partir disso, surgiram os 
primeiros casos junto à Justiça Eleitoral, requerendo-se a invalida-
ção dos votos obtidos por meio do uso indevido das igrejas, seja por 
meio de coações morais ou pela in>uência indevida exercida junto 
aos eleitores. Após as primeiras decisões, surgiu-se a concepção de 
que essa seria uma nova forma de abuso, caracterizada por meio do 
poder religioso.
Insta, precipuamente, consignar que o que se está a tratar aqui 
é algo extremamente caro para a democracia, visto que sempre se 
deve buscar garantir a legitimidadeda eleição por meio da tentativa 
de vedar condutas que possam solapar a proteção do voto livre e 
garantido a cada cidadão, conforme a proteção prevista pela pró-
pria Carta Magna de 1988.
Sobre essa necessidade de garantir a liberdade de voto sem a 
existência de eventuais coações ou in>uências na escolha de cada 
cidadão, é importante observar o que diz Kufa (2016, p. 116):
Paraná Eleitoral: revista brasileira de direito eleitoral e ciência política 239
Tem-se, então, que da obrigatoriedade de votar decorre a liberdade 
de escolha como garantia constitucional do cidadão e defesa do Estado 
Democrático de Direito, devendo este, através da Justiça Eleitoral, asse-
gurar que a opção eleitoral seja alcançada, pelo voto secreto, sem coações 
morais ou materiais sobre a formação da vontade do eleitor e que seu 
exercício se dê de forma plena, sem qualquer tipo de interferência.
Assim, entende-se que o abuso de poder religioso pode ser de6-
nido como intimidação carismática ou ideológica, com base na 
con6ança que as pessoas depositam em alguém que tem a tarefa de 
guiá-los. Além do mais, haveria plena possibilidade de tal conduta 
se con6gurar como uma espécie de coação moral sobre a escolha 
do indivíduo acerca de seu candidato.
O desvirtuamento das práticas e crenças religiosas, visando a 
in>uenciar ilicitamente a vontade dos 6éis para a obtenção do voto, 
para a própria autoridade religiosa ou terceiro, seja através da prega-
ção direta, da distribuição de propaganda eleitoral, ou, ainda, outro 
meio qualquer de intimidação carismática ou ideológica, casos que 
extrapolam os atos considerados como de condutas vedadas, previstos 
no art. 37, § 4º, da Lei nº 9.504/97. (Kufa, 2016, p. 123)
Logo, de extrema importância que se discuta sobre a presente 
celeuma, tendo em vista que as condutas ora analisadas possuem 
o condão de in>uenciar diretamente o voto de cada cidadão, por 
meio da coação religiosa.
Silva (2015, p. 75) identi6ca o abuso de poder religioso como 
uma quarta modalidade de abuso de poder, a6rmando:
Partidos políticos e candidatos, valendo-se da estrutura eclesiás-
tica e do apoio de ministros religiosos com discursos carregados de 
conotação religiosa e moral, estariam subvertendo a legitimidade do 
pleito e in>uenciando diretamente o resultado das eleições, ao arrepio 
da legislação eleitoral.
Já se vislumbra, portanto, a possibilidade de existência da 
6gura do abuso de poder religioso diante dos argumentos apre-
sentados. Entretanto, a questão não é de simples solução, tendo 
240 Pedro Henrique Costa de Oliveira e Ridivan Clairefont de Souza Mello Neto: A (in)existência do abuso de poder 
em vista a ausência de previsão especí6ca da modalidade na 
legislação (infra)constitucional.
Impede-se sua aplicação isolada, ou seja, dissociada das demais 
espécies de abusos previstos em lei, em função da incidência do 
princípio constitucional da legalidade especí6ca em matéria eleito-
ral, o qual impossibilita a criação pretoriana de direitos e obriga-
ções, sobretudo para limitar direitos políticos.
As regras eleitorais se referem à concretização do princípio de legi-
timação do exercício do poder político. Exige-se, para a sua imposição, 
ampla discussão parlamentar […]. A legitimidade para a restrição de 
direitos – direitos políticos, como a elegibilidade, ou liberdades, como 
a liberdade de expressão – está, por força do princípio do Estado de 
Direito, no órgão representativo. Apenas o parlamento pode ditar nor-
mas sobre a disputa eleitoral (SALGADO, 2015, p. 251, grifo nosso).
Nessa esteira, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) optou pela ado-
ção do princípio da tipicidade das ações eleitorais: “não há como se 
admitir ilimitado exercício de ação na Justiça Eleitoral porque isso 
implicaria a insegurança dos pleitos, comprometendo o processo elei-
toral como um todo […], daí decorrendo a tipicidade dos meios de 
impugnação que vigora nesta Justiça Especializada” (Brasil, 2004).
Frederico Alvim (2011, p. 211), entretanto, critica esse modelo de 
tipicidade cerrada das ações eleitorais que visam sindicar ocorrên-
cia de abuso de poder, uma vez que “a regra de tipicidade estreita a 
via do questionamento judicial, expondo as eleições a ações dani-
nhas não antevistas pelo legislador”:
Subsistem as hipóteses em que o poder religioso opera, isola-
damente, como elemento de supressão da liberdade para o exercí-
cio do sufrágio e de quebra da paridade eleitoral, tornando-se um 
inegável fator de risco para a legitimidade das eleições. Para esses 
casos, urge uma adequação legislativa: o conhecimento sociológico 
clama por uma recon6guração das hipóteses de cabimento da ação 
de investigação judicial eleitoral.
[…] tem-se falado na possibilidade de enquadramento da modali-
dade religiosa no conceito de abuso de poder de autoridade, previsto 
no caput do art. 22, LC 64/1990. Trata-se de visão, sem dúvida, pos-
sível, sobretudo quando se toma a expressão no sentido oferecido por 
Paraná Eleitoral: revista brasileira de direito eleitoral e ciência política 241
Bourricaud, para quem o termo designa o ascendente exercido pelo 
detentor de um qualquer poder, que leva aqueles a quem se dirige 
a reconhecer-lhe uma superioridade que justi6que o seu papel de 
comando ou de orientação. (Alvim, 2011, p. 211)
A teoria do abuso de poder se desenvolveu a partir da teoria 
do abuso de direito. Para con6guração do deste é necessário 
o exercício de um direito subjetivo, é dizer, ele pressupõe uma 
ação prima facie permitida. Porém quando, pela intenção do 
autor, pelo objeto ou pelas circunstâncias nas quais se realiza 
uma ação, se ultrapassa de forma manifesta os limites normais 
do exercício do direito, tem-se o ato abusivo (Atienza e Ruiz 
Manero, 2014, p. 35).
A teoria do abuso de poder no Direito Eleitoral 6xa-se sob as 
premissas do abuso de direito, porém não se encerra nelas, eis que 
dotada de peculiaridades (Alvim, 2011, p. 20). Nessa senda, leciona 
Garcia (2006, p. 5-6):
A grande massa de atos lesivos ao procedimento eletivo e que 
serão aleatoriamente enquadrados sob a epígrafe do “abuso de 
poder”, em verdade, não caracteriza abuso de direito. São atos que 
desde o nascedouro carregam a mácula da ilegalidade, pois prati-
cados em frontal e >agrante dissonância do ordenamento jurídico. 
Como não se trata de exercício irregular de um direito, pois direito 
nunca houve, impossível será falar-se em abuso de direito. Por tais 
motivos, o abuso de poder pode ser conceituado como o uso exor-
bitante da aptidão para a prática de um ato, que pode apresentar-se 
inicialmente em conformidade ou desde a origem destoar do orde-
namento jurídico.
Destaca-se que o Direito Eleitoral possui um entendimento pró-
prio acerca do que seja abuso de poder, visto que em geral a utili-
zação desarrazoada de determinados meios acaba por resultar na 
modi6cação do resultado de determinada eleição. Nesse sentido, no 
Direito Eleitoral, por abuso de poder:
Compreende-se o mau uso de direito, situação ou posição jurídicas 
com vistas a se exercer indevida e ilegítima in>uência em dada elei-
ção. Para caracterizá-lo, fundamental é a presença de uma conduta 
242 Pedro Henrique Costa de Oliveira e Ridivan Clairefont de Souza Mello Neto: A (in)existência do abuso de poder 
em desconformidade com o direito (que não se limita à lei), podendo 
ou não haver desnaturamento dos institutos jurídicos envolvidos. No 
mais das vezes, há a realização de ações ilícitas ou anormais, deno-
tando mau uso de uma situação ou posição jurídicas ou mau uso de 
bens e recursos detidos pelo agente ou bene6ciário ou a eles disponi-
bilizados, isso sempre com o objetivo de se in>uir indevidamente em 
determinado pleito eleitoral. (GOMES, 2016, p. 311)
Note-se, portanto, que o conceito de abuso de poder é >uído e 
aberto. Sua delimitação semântica ocorrerá na análise de um caso 
concreto pelo intérprete. O abuso, assim, desvia o exercício dos 
direitos subjetivos dos justos e verdadeiros 6ns da ordem jurídica(Ribeiro, 2001, p. 20). Nesse contexto:
Haverá abuso sempre que, em um contexto amplo, o poder – não 
importa sua origem ou natureza – for manejado com vistas à concre-
tização de ações irrazoáveis, anormais, inusitadas ou mesmo injusti-
6cáveis diante das circunstâncias que se apresentarem e, sobretudo, 
ante os princípios e valores agasalhados no ordenamento jurídico. 
(Gomes, 2015, p. 258)
Ao tratar da ideia de abuso de poder religioso, José Jairo 
Gomes (2015) não o apresentou como espécie de abuso de poder, 
tendo apenas tratado das espécies previstas em lei. Porém, o que 
chama atenção é sua de6nição de abuso ao a6rmar que haverá 
abuso de poder sempre que a conduta for anormal, desarrazoada e 
afetar os valores garantidos no ordenamento jurídico.
Ora, é evidente que situações de utilização da in>uência religiosa 
se enquadrariam perfeitamente nessa conceituação. Entretanto, o 
autor não apresenta essa “novidade” da entidade da in>uência reli-
giosa enquanto instituto autônomo de abuso de poder.
Por outro lado, Rodrigo López Zilio (2016) sustenta que os 
conceitos de abuso de poder são de natureza indeterminada 
e, portanto, não se faz necessário o instituto da taxatividade 
para a con6guração de eventual abuso que possa vir a surgir. 
O autor diz:
O que a lei prescreve e taxa de ilícito é o abuso de poder, ou seja, 
é a utilização excessiva – seja quantitativa ou qualitativamente – do 
Paraná Eleitoral: revista brasileira de direito eleitoral e ciência política 243
poder, já que, consagrado o Estado Democrático de Direito, possível 
o uso da parcela do poder, desde que observado o 6m público e não 
obtida vantagem ilícita.
O abuso de poder econômico, o abuso de poder político, o abuso 
do poder de autoridade, a utilização indevida de veículos ou meios de 
comunicação social e a transgressão de valores pecuniários se caracte-
rizam como conceitos jurídicos indeterminados que, necessariamente, 
passam a existir no mundo jurídico após a recepção fática. Portanto, 
para a caracterização de tais abusos na esfera eleitoral, prescinde-se do 
fenômeno da taxatividade. (Zilio, 2016, p. 557, grifo nosso)
Nesse sentido, existe a possibilidade de aceitar a caracteriza-
ção da espécie de abuso de poder religioso mesmo com a ausên-
cia de previsão legal, tendo em vista que por se tratar de con-
ceito indeterminado haveria evidentes chances de que o mundo 
dos fatos 6zesse surgir uma nova forma de abuso que viria a 
se enquadrar na interpretação dos termos do que se encontra 
vigente.
Ademais, o que Zilio (2016) busca de6nir diz respeito ao fato de 
que os próprios tipos previstos em lei, como o abuso de poder eco-
nômico e abuso de poder político, são de textura aberta e, portanto, 
necessitam ser interpretados em cada caso, afastando a incidência 
do fenômeno da taxatividade.
Em realidade, é interessante observar que o próprio entendi-
mento de qual seja o conteúdo das espécies de abuso de poder pre-
vistas em lei é incerto. Isso ocorre porque a legislação apenas indica 
a existência do abuso, sem de6nir seus parâmetros.
Alvim (2012, p. 410) aduz que “inexiste, em nosso ordenamento, 
um conceito jurídico-legal a respeito do abuso de poder nas elei-
ções. Constituição Federal e legislação esparsa ocupam-se do insti-
tuto, entretanto sem conceituá-lo”.
Resta evidente, portanto, que há di6culdade em estabelecer o 
próprio conteúdo das espécies de abuso de poder já previstos na 
legislação e na Constituição. Isso se deve principalmente ao que já 
foi indicado anteriormente em razão de serem conceitos jurídicos 
indeterminados, passando a ser função da jurisprudência interpre-
tar e aplicar tais institutos.
Por isso, há claríssima margem para que se proceda com a pos-
sibilidade de, em que pese não existir a 6gura do abuso de poder 
244 Pedro Henrique Costa de Oliveira e Ridivan Clairefont de Souza Mello Neto: A (in)existência do abuso de poder 
religioso, haja a con6guração desse tipo de prática desde que anali-
sada a partir da interpretação das espécies já existentes.
Além do que foi apresentado, é preciso destacar que a doutrina 
levanta argumentos pautados na ideia de laicidade do Estado ver-
sus a possibilidade de manifestação religiosa. Há a formação de 
argumentação, inclusive no RE 189-04 TRE-RS, no sentido de que 
seria temerária a impossibilidade de que cidadãos comuns possam 
se reunir para eleger representantes.
Entretanto, sobre esse ponto faz-se mister que se leve em consi-
deração outras fundamentações, tais como o fato de que o Estado 
brasileiro, por ser laico, conforme o art. 5º, inciso VI, da CF/1988, 
não pode permitir que instituições religiosas in>uenciem indevi-
damente no processo democrático de escolha dos representantes 
do povo.
Além do mais, destaca-se que a própria legislação eleitoral veda 
que haja qualquer espécie de 6nanciamento, com dinheiro em espé-
cie ou equivalente, desse tipo de entidade ou a realização de eventos 
em ambientes públicos tais como templos ou igrejas.
Sobre o papel das instituições religiosas dentro da lógica da 
campanha eleitoral é interessante observar o que a6rma Caramuru 
Afonso Francisco (2002, p.48):
A utilização de tais entidades para 6ns de publicidade de candi-
daturas ou de partidos políticos, seja pelo aproveitamento de espaços 
para 6xação de cartazes ou distribuição de propaganda, para monta-
gem de escritórios políticos ou comitês de propaganda, seja pelo apro-
veitamento de reuniões para divulgação de ideias e de plataformas, a 
utilização de sinais, símbolos, logotipos são indisfarçáveis formas de 
contribuição para candidatos e partidos.
Luiz Eduardo Peccinin (2018, p. 145) aponta a possibilidade de 
sindicar o abuso de poder religioso sob a ótica da proteção à liber-
dade do voto, “nos casos especí6cos em que o discurso religioso 
se coloca como argumento de temor reverencial, recompensa ou 
ameaça divinas para a conquista do apoio do 6el eleitor”, impe-
dindo a formação de seu livre convencimento e vontade política. 
O que enseja, inclusive, o manejo de representação por capta-
ção ilícita de sufrágio, prevista no art. 41-A da Lei 9.504/1997 
(Lei das Eleições).
Paraná Eleitoral: revista brasileira de direito eleitoral e ciência política 245
Outrossim, Auracyr Cordeiro (2014) assinalando pela necessi-
dade de reprimir tal prática, aduz que “é abuso manejar as igre-
jas como escada para vencer eleições, e por elas tornar-se agente 
público. A6nal, todos sabem que às igrejas cabe o estudo, a difusão 
e o culto do sagrado, tarefa incompatível com a lida do Estado”.
Apresentados estes apontamentos doutrinários, abordar-se-á, 
doravante, a evolução jurisprudencial da 6gura do abuso de poder 
religioso no processo eleitoral, analisando decisões antagônicas de 
tribunais regionais eleitorais para, após, analisar o entendimento 
6rmado pelo TSE sobre a matéria.
O abuso de poder religioso na jurisprudência dos tribunais 
eleitorais
Ante a patente controvérsia acerca do tema, faz-se necessário 
que se apresente os posicionamentos divergentes, bem como seus 
fundamentos.
Como dito, o entendimento sobre a existência ou não da 6gura 
do abuso de poder religioso é de complexo entendimento na juris-
prudência. Por consequência, a compreensão acerca da possibili-
dade de aplicação ou não das sanções, tais como as constantes do 
artigo 22 da LC 64/1990, acaba por não ser uniforme.
O primeiro precedente no país que determinou a cassação 
de mandatário – in casu, vereador – foi um recurso eleitoral 
(RE 49381/RJ) julgado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio 
de Janeiro (TRE-RJ), o qual trata de situação ocorrida nas eleições 
municipais de 2012. Segue o escólio:
Recurso Eleitoral. Ação de investigação judicial eleitoral. Eleições 2012. 
Uso indevido dos meios de comunicação. Abuso do poder religioso. 
Utilização da igreja para intensa campanha eleitoral em favor de can-
didato a vereador. Pregações, apelos e pedidos expressos de votos. 
Citações bíblicas com metáforas alusivas ao bene6ciário. Pesquisas deintenção dentro dos cultos. Discursos do candidato no altar. Distribuição 
de material publicitário na porta da igreja. Pressão psicológica relatada 
em depoimentos testemunhais. Violação a moralidade, a liberdade de 
voto e ao equilíbrio da disputa ao pleito. Potencialidade lesiva irrele-
vante. Gravidade da conduta con6gurada. Manutenção da cassação ou 
246 Pedro Henrique Costa de Oliveira e Ridivan Clairefont de Souza Mello Neto: A (in)existência do abuso de poder 
denegação do diploma do candidato e da inelegibilidade de todos os 
representados. Desprovimento do recurso. (Brasil, 2013, grifo nosso)
O referido caso, oriundo do município de Magé, foi julgado pelo 
TRE-RJ em razão de campanha realizada dentro de entidades reli-
giosas em favor de candidato a vereador. Naquela oportunidade, os 
pastores se utilizaram do culto religioso para fazer ostensiva campa-
nha eleitoral, bem como distribuir material de campanha, além de 
garantir fala ao candidato no altar durante a celebração religiosa.
Em razão disso, foi apresentada Ação de Investigação Judicial 
Eleitoral (AIJE) com o objetivo de investigar tal conduta durante o 
período eleitoral, a6rmando-se que esse comportamento seria espé-
cie de violação à liberdade de voto e à igualdade de oportunidade 
entre os candidatos.
O posicionamento (ratio decidendi) do TRE-RJ, em sede de 
recurso eleitoral apresentado pelos investigados, foi no sentido 
de que este tipo de abuso, em que pese não ter regulamentação 
expressa, merece a mesmo reprimenda das demais categorias legal-
mente previstas. Sendo assim, o recurso fora desprovido, manten-
do-se a decisão zonal que determinou a cassação do vereador.
Apesar do posicionamento 6rmado pelo TRE-RJ, deve-se des-
tacar que o tema é controverso na jurisprudência, visto que ante 
a inexistência de uma 6gura típica denominada “abuso de poder 
religioso”, há argumentos em sentido contrário a6rmando pela 
impossibilidade de sanção por tal prática.
Representando essa segunda linha de entendimento, veja-se 
recurso eleitoral do TRE-RS (RE n.º 189-04) sobre a 6gura do 
abuso de poder religioso:
Recurso. Ação de investigação judicial eleitoral. Abuso de poder eco-
nômico. In>uência religiosa. Prefeito e vice. Eleições 2016. Interposições 
contra sentença que julgou improcedente a ação de investigação judi-
cial eleitoral instaurada para apuração de abuso de poder. Evento em 
igreja evangélica com apresentação de candidato a prefeito, menção ao 
número da legenda e pedido de apoio aos presentes.
1. A normalidade e a legitimidade das eleições devem ser protegi-
das contra a in>uência do abuso de poder econômico ou do poder de 
autoridade, assim como a utilização indevida de veículos ou meios de 
comunicação social em benefício de candidato ou de partido político. A 
Paraná Eleitoral: revista brasileira de direito eleitoral e ciência política 247
legislação eleitoral não relaciona especi$camente a in%uência religiosa 
como uma daquelas espécies de poder cujo abuso deva ser reprimido, 
ainda que exista, na Lei das Eleições, restrição à interferência de enti-
dades religiosas na vida política, em especial no tocante à propaganda 
eleitoral e no $nanciamento de partidos e candidatos. 2. Os tribunais 
eleitorais, ao se manifestarem sobre o abuso do poder religioso, por 
vezes o colocam em categoria própria, por vezes o inserem em categoria 
diversa, como abuso do poder econômico ou uso indevido dos meios 
de comunicação.
3. A con6guração do abuso exige a comprovação da ocorrência de 
conduta excessiva, irrazoável, estranha ao contexto que lhe é próprio. 
No caso da in>uência religiosa, a conduta que merecerá reprimenda 
será aquela que ocorra de forma reiterada e que atinja número expres-
sivo de eleitores, sendo que, em investigação judicial, tenda a ser consi-
derada no contexto do abuso do poder econômico. 4. No caso concreto, 
a realização do evento da Igreja Evangélica Assembleia de Deus não se 
tratava de culto propriamente dito, mas de uma “campanha de orações” 
ou “reunião de líderes”, que ocorrem eventualmente, com a presença 
estimada de duzentas pessoas. Inviável a caracterização do abuso, seja 
de poder econômico, dos meios de comunicação ou de poder religioso, 
visto que ocorreu em único episódio, com duração de dois minutos e 
quarenta segundos, onde apresentado candidato a prefeito para avalia-
ção dos ouvintes. Ademais, resta temerário a$rmar que cidadãos que 
comungam das mesmas crenças não possam se organizar para eleger 
representantes que defendam as mesmas convicções. 5. Inexistência de 
previsão no ordenamento jurídico para amparar a tese de ocorrência 
de abuso de poder de autoridade religiosa. A autoridade mencionada 
no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 é aquela decorrente da liga-
ção com a Administração Pública. 6. No tocante à alegada prática de 
captação ilícita de recursos, não há nos autos qualquer prova de que 
tenha ocorrido oferecimento ou promessa de vantagem, ainda que de 
cunho religioso, aos eleitores presentes no encontro realizado na igreja. 
Provimento negado a ambos os recursos. (Brasil, 2017, grifo nosso)
Pela decisão acima se percebe que o posicionamento do TRE-RS 
gira em torno do entendimento de que a legislação não trata da in>uên-
cia religiosa como uma das espécies de abuso que deve ser reprimido. 
Desse modo, o posicionamento desse tribunal foi restritivo em relação 
ao adotado pelo TRE-RJ, tendo em vista que 6rma entendimento em 
248 Pedro Henrique Costa de Oliveira e Ridivan Clairefont de Souza Mello Neto: A (in)existência do abuso de poder 
sentido contrário ao a6rmar ser impossível aplicar as sanções cons-
tantes do art. 22 da LC 64/1990 por entender inexistir esse tipo de 
vedação legislativa (6gura do abuso de poder religioso).
No caso do RE 49381/RJ, houve entendimento pela necessidade 
de reprimenda em razão do abuso de poder religioso, pois essa prá-
tica realiza uma espécie de pressão psicológica para que o indivíduo 
vote em determinado candidato e, como consequência, restando 
induvidosos o comprometimento do equilíbrio na disputa e a liber-
dade do voto.
Já no acórdão do RE 189-04/RS, o que se constata é a preva-
lência da argumentação da necessidade de garantir que um grupo 
com interesses comuns, em especial religiosos, possa se reunir para 
eleger representantes. Ademais, como dito anteriormente, 6rmou-
-se a interpretação pela inexistência da 6gura do abuso de poder 
religioso impedindo que fossem aplicadas as sanções constantes do 
artigo 22 da LC 64/1990.
A6rmou, ainda, que haveria necessidade de, para eventual con6-
guração de abuso de poder religioso, ser realizado pedido com base 
em nome de Deus ou algum outro aspecto religioso com o 6to de 
afetar decisivamente o comportamento das pessoas ali presentes.
Resta claro, portanto, a ocorrência da controvérsia em dois aspec-
tos: existência ou não da 6gura do abuso de poder religioso (ainda 
que não haja previsão legal especí6ca); e possibilidade de aplicação 
de sanções como a inelegibilidade dos candidatos ou a cassação do 
registro ou diploma por um tipo de abuso de poder não positivado.
Por outro lado, cumpre frisar que a presente decisão do TRE-RS 
se encontra superada, tendo em vista que já houve decisões do TSE 
entendendo pela existência da possibilidade de abuso de poder reli-
gioso, por meio da conexão com os diversos matizes de abusos de 
poder existentes no ordenamento jurídico.
A primeira decisão da Corte Superior Eleitoral, analisando caso 
referente às eleições gerais de 2010, foi proferida nos autos do Recurso 
Ordinário (RO) n.º 2653-08/RO, o qual teve como relator o Ministro 
Henrique Neves da Silva. Veja-se a ementa do referido acórdão:
Eleições 2010. Recursos ordinários. Recurso especial. Ação de 
investigação judicial eleitoral. Abuso do poder econômico. Uso 
indevido dos meios de comunicação social e abuso do poder polí-
tico ou de autoridade. Não con6guração. 1. Os candidatos que 
Paraná Eleitoral: revista brasileira de direito eleitorale ciência política 249
sofreram condenação por órgão colegiado pela prática de abuso 
do poder econômico e político têm interesse recursal, ainda que já 
tenha transcorrido o prazo inicial de inelegibilidade 6xado em três 
anos pelo acórdão regional. Precedentes. 2. Abuso do poder reli-
gioso. Nem a Constituição da República nem a legislação eleitoral 
contemplam expressamente a $gura do abuso do poder religioso. 
Ao contrário, a diversidade religiosa constitui direito fundamental, 
nos termos do inciso VI do artigo 5º, o qual dispõe que: “É invio-
lável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o 
livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a 
proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. 3. A liberdade reli-
giosa está essencialmente relacionada ao direito de aderir e propa-
gar uma religião, bem como participar dos seus cultos em ambientes 
públicos ou particulares. Nesse sentido, de acordo com o art. 18 
da Declaração Universal dos Direitos Humanos, “toda pessoa tem 
direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este 
direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, 
assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozi-
nho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, 
pela prática, pelo culto e pelos ritos”. 4. A liberdade religiosa não 
constitui direito absoluto. Não há direito absoluto. A liberdade de 
pregar a religião, essencialmente relacionada com a manifestação da 
fé e da crença, não pode ser invocada como escudo para a prática de 
atos vedados pela legislação. 5. Todo ordenamento jurídico deve ser 
interpretado de forma sistemática. A garantia de liberdade religiosa 
e a laicidade do Estado não afastam, por si sós, os demais princípios 
de igual estatura e relevo constitucional, que tratam da normalidade 
e da legitimidade das eleições contra a in>uência do poder econô-
mico ou contra o abuso do exercício de função, cargo ou emprego 
na administração direta ou indireta, assim como os que impõem a 
igualdade do voto e de chances entre os candidatos. 6. Em princípio, 
o discurso religioso proferido durante ato religioso está protegido 
pela garantia de liberdade de culto celebrado por padres, sacerdo-
tes, clérigos, pastores, ministros religiosos, presbíteros, epíscopos, 
abades, vigários, reverendos, bispos, pontí6ces ou qualquer outra 
pessoa que represente religião. Tal proteção, contudo, não atinge 
situações em que o culto religioso é transformado em ato ostensivo 
ou indireto de propaganda eleitoral, com pedido de voto em favor 
dos candidatos. 7. Nos termos do art. 24, VIII, da Lei nº 9.504/97, 
250 Pedro Henrique Costa de Oliveira e Ridivan Clairefont de Souza Mello Neto: A (in)existência do abuso de poder 
os candidatos e os partidos políticos não podem receber, direta ou 
indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclu-
sive por meio de publicidade de qualquer espécie proveniente de 
entidades religiosas. 8. A proibição legal de as entidades religiosas 
contribuírem 6nanceiramente para a divulgação direta ou indireta 
de campanha eleitoral é reforçada, para os pleitos futuros, pelo 
entendimento majoritário do Supremo Tribunal Federal no sentido 
de as pessoas jurídicas não poderem contribuir para as campanhas 
eleitorais (ADI nº 4.650, rel. Min. Luiz Fux). 9. A propaganda elei-
toral não pode ser realizada em bens de uso comum, assim conside-
rados aqueles a que a população em geral tem acesso, tais como os 
templos, os ginásios, os estádios, ainda que de propriedade privada 
(Lei nº 9.504/97, art. 37, caput e § 4º). 10. O candidato que pre-
sencia atos tidos como abusivos e deixa a posição de mero expec-
tador para, assumindo os riscos inerentes, participar diretamente 
do evento e potencializar a exposição da sua imagem não pode ser 
considerado mero bene6ciário. O seu agir, comparecendo no palco 
em pé e ao lado do orador, que o elogia e o aponta como o melhor 
representante do povo, caracteriza-o como partícipe e responsável 
pelos atos que buscam a difusão da sua imagem em relevo direto e 
maior do que o que seria atingido pela simples referência à sua pes-
soa ou à sua presença na plateia (ou em outro local). 11. Ainda que 
não haja expressa previsão legal sobre o abuso do poder religioso, a 
prática de atos de propaganda em prol de candidatos por entidade 
religiosa, inclusive os realizados de forma dissimulada, pode carac-
terizar a hipótese de abuso do poder econômico, mediante a utili-
zação de recursos $nanceiros provenientes de fonte vedada. Além 
disso, a utilização proposital dos meios de comunicação social para 
a difusão dos atos de promoção de candidaturas é capaz de carac-
terizar a hipótese de uso indevido prevista no art. 22 da Lei das 
Inelegibilidades. Em ambas as situações e conforme as circunstân-
cias veri6cadas, os fatos podem causar o desequilíbrio da igualdade 
de chances entre os concorrentes e, se atingir gravemente a normali-
dade e a legitimidade das eleições, levar à cassação do registro ou do 
diploma dos candidatos eleitos.12. No presente caso, por se tratar 
das eleições de 2010, o abuso de poder deve ser aferido com base no 
requisito da potencialidade, que era exigido pela jurisprudência de 
então e que, não se faz presente no caso concreto em razão de suas 
circunstâncias. (Brasil, 2017, grifo nosso)
Paraná Eleitoral: revista brasileira de direito eleitoral e ciência política 251
A ratio decidendi desse caso parte da seguinte premissa: em que 
pese não haver a 6gura do abuso de poder religioso na legislação, 
a prática de atos em favor de candidatos durante cultos religio-
sos pode, ao se utilizar da estrutura da igreja, con6gurar hipóteses 
como, por exemplo, o abuso de poder econômico.
A decisão sustenta que, de fato, não existe a 6gura “típica” do 
abuso de poder religioso na legislação brasileira. Entretanto, há 
um modus operandi durante a campanha eleitoral que demonstra 
a utilização da estrutura religiosa, como os templos e a realização 
de cultos, para a execução de campanha eleitoral.
Sendo assim, frisa-se haver vedações expressas na legislação em 
relação ao recebimento de doações (em dinheiro ou estimáveis) de 
entidades religiosas. Tal conduta é proibida por meio do artigo 24, 
VIII, da Lei n.º 9.504/1997.
Logo, conclui-se pela necessidade de uma interpretação siste-
mática, no sentido de que mesmo não havendo uma vedação explí-
cita o abuso de poder religioso se concretizaria quando estivesse 
conectado com os abusos já previstos na legislação eleitoral. Nessa 
senda, o TSE, nos autos agravo regimental em RO 8044-83/RJ, 
estatuiu que:
[o] abuso de poder econômico con6gura-se por emprego despro-
porcional de recursos patrimoniais, públicos ou de fonte privada, 
vindo a comprometer valores essenciais a eleições democráticas e 
isentas, o que também pode ocorrer mediante o entrelaçamento com 
o instituto do abuso de poder religioso. (Brasil, 2018a, grifo nosso)
Consectariamente, a orientação pretoriana do TSE tem se assen-
tado no sentido de que, embora não exista no ordenamento jurídico 
a 6gura autônoma do abuso de poder religioso, tal constatação não 
obstaculiza a tutela da lisura, da normalidade e da legitimidade das 
eleições sob o viés do abuso de poder econômico, disciplinado nas 
legislações constitucional (art. 14, § 10, CF/1988) e infraconstitu-
cional (art. 22 da LC 64/1990).
Para paci6car tal entendimento, o TSE, no julgamento do 
RO 5370-03/MG, determinou a cassação dos mandatos do depu-
tado federal Franklin Roberto Souza (PP-MG) e do deputado esta-
dual Márcio José Oliveira (PR-MG) em virtude de pedido expresso 
de voto, pelo líder da igreja, durante a realização de evento religioso.
252 Pedro Henrique Costa de Oliveira e Ridivan Clairefont de Souza Mello Neto: A (in)existência do abuso de poder 
O voto condutor, de relatoria da ministra Rosa Weber, diferente-
mente do assentado pelo TRE-RS no RE 189-04 – que consignou, 
seguindo entendimento anteriordo TSE, que o abuso de poder de 
autoridade do art. 22 da LC 64/1990 refere-se à autoridade com 
ligação com a administração pública –, estatuiu que é possível a 
con6guração de abuso de poder de autoridade religiosa a partir da 
evolução semântica dos preceitos normativos, superando, portanto, 
a antiga jurisprudência.
Nesse contexto, parece-me de todo inadequada interpretação da 
expressão “autoridade” que afaste do alcance da norma situações fáti-
cas caracterizadoras de abuso de poder em seus mais diversos mati-
zes – reveladoras de idênticas e nefastas consequências –, sabido que 
a alteração semântica dos preceitos normativos deve, tanto quanto 
possível, acompanhar a dinâmica da vida. (Brasil, 2018b)
Com efeito, o TSE, nesse caso, procedeu à releitura do conceito 
de autoridade, à luz da Constituição e da teleologia subjacente à 
AIJE, que “consiste em proteger a legitimidade, a normalidade e a 
higidez das eleições, de sorte que o abuso de poder a que se refe-
rem os arts. 19 a 22 da LC 64/90 deve ser compreendido de forma 
ampla, albergando condutas fraudulentas e contrárias ao ordena-
mento jurídico-eleitoral” (Brasil, 2016).
É inexorável o poder de persuasão que sacerdotes, pastores, 
padres, diáconos e demais membros de comunidades religiosas têm 
sobre os 6éis. Nesse viés, caso haja extrapolação dessa ascendên-
cia, tal conduta deverá ser sancionada sob a ótica do abuso de 
autoridade.
Constata-se, portanto, ampla controvérsia a respeito do tema, 
tendo em vista que existem juízos que decidem pela impossibilidade 
de serem aplicadas sanções em razão do abuso de poder religioso 
e, ao mesmo tempo, outras que entendem a necessidade de aplica-
ção de penalidades, como cassação e inelegibilidade, quando esse 
tipo de abuso, em que pese não encontrar previsão legal especí6ca, 
estiver vinculado com outras 6guras típicas de abuso de poder.
Realizada a apresentação da controvérsia jurisprudencial e do 
entendimento doutrinário acerca do problema tratado neste estudo, 
impende proceder à análise crítica, bem como às respectivas conclu-
sões a respeito do tema.
Paraná Eleitoral: revista brasileira de direito eleitoral e ciência política 253
Conclusão
Preliminarmente, é de se reconhecer que o abuso de poder reli-
gioso não existe enquanto 6gura típica prevista na legislação. Mas 
reconhece-se a previsão do abuso de poder econômico e do abuso 
de poder político nos termos do art. 14, § 9º da CF/1988, além 
dos abusos previstos na legislação ordinária por delegação consti-
tucional. Entretanto, esta análise é muito mais complexa do que a 
simples veri6cação da existência ou não de uma 6gura típica acerca 
do tema.
Nesse sentido, acredita-se correta a decisão tomada pelo TRE-RJ 
no julgamento do RE 49381, na esteira do entendimento 6rmado 
pelo TSE, uma vez que que houve reconhecimento de que a utiliza-
ção da igreja e sua estrutura con6gura espécie de abuso ao realizar 
uma forma de pressão psicológica nos 6éis para que votassem de 
acordo com os interesses da instituição.
Além disso, a decisão paradigmática deixa claro o fato de que, 
apesar de não haver previsão desse tipo de abuso expressa em 
lei, há a necessidade de reprimenda da mesma forma que para as 
demais categorias. Logo, não se deve entender como correta a deci-
são tomada pelo TER-RS no RE 189-04, analisada no tópico da 
controvérsia judicial, tendo em vista que um de seus fundamentos, 
além da ausência de previsão legal, seria o eventual perigo de haver 
limitação à liberdade religiosa ante suposta tentativa de vedar que 
pessoas se reunissem para eleger alguém com interesses comuns.
Ora, sabe-se que a liberdade religiosa, prevista no artigo 5º, 
VI e VIII da CF/1988, é garantia fundamental. Entretanto, enten-
de-se também que inexiste direito absoluto, e, no presente caso, o 
con>ito que se constata é entre direitos e liberdades fundamentais. 
No caso, há, em sentido oposto à liberdade religiosa, a necessidade 
em proteger o princípio democrático, a lisura eleitoral e o exercício 
pleno da cidadania.
Assim, resta evidente “que a in>uência do discurso religioso na 
formação da vontade do eleitor deve estar sujeita a limites, pois a 
violação desses limites pode comprometer a legitimidade do processo 
democrático do Estado de direito” (Almeida e Costa, 2015, p. 384).
Nos casos analisados não se discutiu se os cidadãos podem vir a 
votar com base em suas convicções e entendimentos religiosos. As 
justi6cações e parâmetros para voto devem ser do foro íntimo de 
254 Pedro Henrique Costa de Oliveira e Ridivan Clairefont de Souza Mello Neto: A (in)existência do abuso de poder 
cada um, podendo ser de cunho religioso desde que não seja por 
meio de pressão ou in>uência externa.
Logo, o que se discute é se a utilização da estrutura e das cele-
brações religiosas e os discursos proferidos por clérigos, ministros 
etc. podem persuadir o cidadão a votar em quem não votaria com 
base em uma espécie de “dominação carismática” que impede que o 
voto re>ita a real vontade do eleitor. Sendo assim, é de se concordar 
que o abuso de poder religioso, em que pese não esteja previsto na 
lei, é ato cotidianamente praticado no país e que merece a mesma 
reprimenda dos demais tipos de abuso.
Com efeito, observa-se que essa espécie de in>uência religiosa 
se coaduna perfeitamente com o conceito de abuso apresentado 
por Gomes (2015), no sentido de ser uma prática desarrazoada, 
anormal e injusti6cável dentro de determinado conceito. Ora, um 
ato que realiza pressão psicológica em um indivíduo e que possui 
a capacidade de alterar sua intenção de voto se caracteriza como 
desarrazoado e injusti6cável.
Como contra-argumento neste tema, e na tentativa de evitar 
punição por essa prática, pode-se alegar a ausência de lei vedando 
tal conduta. Porém, a conclusão do RO 265308/RO, de relatoria 
do Ministro Henrique Neves da Silva, é extremamente coerente e 
necessária para possibilitar a punição para esse tipo de comporta-
mento e dar uma solução temporária para o problema.
O RO 265308/RO reconheceu que, em que pese não haja previ-
são legal, a prática de atos de propaganda em favor de candidatos 
por entidade religiosa, inclusive de forma dissimulada, pode vir a 
caracterizar abuso de poder econômico por meio da utilização de 
fonte vedada nos termos do art. 24, VIII, da Lei 9.504/1997. 
Nessa senda, no julgamento do RO n.º 5370-03/MG, o TSE con6r-
mou sua jurisprudência, analisando o abuso de poder religioso sob a 
ótica do abuso de poder econômico, abrindo, inclusive, a possibilidade 
para sindicar tal conduta também sob o viés do abuso de autoridade.
De fato, ao se realizar uma análise mais aprofundada das condu-
tas praticadas pelas entidades religiosas e seus representantes, o que 
se veri6ca é que essa conduta está de certa forma ligada com abu-
sos de cunho econômico e de autoridade já previstos na legislação. 
Logo, torna-se escorreita a decisão de se reconhecer a 6gura do 
abuso de poder religioso, desde que ligada aos abusos previstos em 
lei, enquanto tal forma não for tipi6cada na legislação.
Paraná Eleitoral: revista brasileira de direito eleitoral e ciência política 255
Destaca-se, entretanto, a preocupação que se tem pela necessidade 
de positivar essa prática rotineira nas campanhas eleitorais. O que está 
tipicamente coadunado com o posicionamento bibliográ6co apresen-
tado, visto que abuso de poder possui natureza indeterminada e, em 
razão disso, não há necessidade de se buscar uma espécie de rol taxa-
tivo. Esse posicionamento, conforme já indicado, é defendido por Zilio 
(2016) e atende perfeitamente o problema que aqui se discute.
Nesse sentido, em resposta ao problema proposto no início do 
presente estudo, entende-se pela possibilidade de aplicação das san-
ções constantes da LC 64/1990, em especial do seu art. 22, é dizer, 
cassação do registro ou do diploma e imposição de inelegibilidade.
Entende-se ser possível, para o momento, a aplicação dessa san-
ção, desde que observado o requisito exigido pelajurisprudência, 
qual seja, que o ato praticado por meio do abuso de poder religioso 
esteja em conexão com as espécies de abuso prevista em lei.
Fato é que o TSE, nos dois casos analisados neste artigo, não 
enfrentou a 6gura do abuso de poder religioso como sendo uma 
espécie autônoma de abuso de poder, mas atrelou-a a outras moda-
lidades, como o abuso de poder econômico.
Por 6m, é importante frisar que se faz mais do que necessário que 
se tipi6que esse tipo de abuso com a 6nalidade de oferecer segurança 
jurídica no processo decisório e no campo da disputa eleitoral, sem-
pre buscando garantir a lisura eleitoral e legitimidade do voto.
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