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RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

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RELIGIOSIDADE BRASILEIRA
Prof. Maximiliano Wolfgramm Silva
NESTE CAPÍTULO, VOCÊ VAI APRENDER
· A conhecer os principais elementos constitutivos da religiosidade brasileira;
· A compreender a influência das diferentes religiões no estabelecimento das relações sociais, políticas, econômicas e culturais;
· A identificar, conhecer e refletir acerca de elementos e princípios da tradição cristã presentes no mundo ocidental, marcadamente no Brasil, em uma perspectiva da identidade confessional da instituição.
INTRODUÇÃO
Neste capítulo, fazemos um corte histórico específico, o qual tem início em 1500 e segue até os dias de hoje. Além disso, diferentemente do capítulo anterior, que tratava do Cristianismo em uma perspectiva mais universal, temos aqui um foco territorial que considera a história do Brasil. Entre outras coisas, isso significa que não abordaremos a religiosidade dos povos indígenas da Terra brasilis, termo comumente utilizado para se referir ao período anterior à chegada dos colonizadores portugueses ao que hoje chamamos de Brasil.
A construção histórica não se deterá em um encadeamento de datas, personagens e eventos, mais salientará elementos que contribuam para a construção de uma compreensão panorâmica da história e das características atuais da religiosidade brasileira.
DEUS AINDA É BRASILEIRO
O Papa Francisco é conhecido por seu carisma, simplicidade e bom humor. Para os brasileiros, isso foi evidenciado pouco tempo depois que ele assumiu o pontificado. Ciente da rivalidade que tem caracterizado a relação entre brasileiros e argentinos, ele falou a um repórter: “Vocês querem tudo. Vocês já têm um Deus brasileiro, queriam um Papa brasileiro também?”[1]
Papa Francisco. Fonte: Wikimedia
“Deus é brasileiro! ” Essa frase, dita tantas vezes e em tantos contextos por muito de nós, fala de uma característica ainda essencial da cultura brasileira: somos um povo religioso. Mesmo que mudanças significativas tenham sido percebidas nas últimas décadas, o fato é que, conforme dados do censo do IBGE, mais de 90% dos brasileiros acreditam na existência de Deus ou acreditam em uma dimensão transcendente de nossa existência.[2] Ainda que a mesma pesquisa indique que 86,8% de nossa população se declara cristã, é possível dizer que diversidade é uma das características religiosas desta nação. Isso se dá pelo crescimento da religiosidade afro-brasileira, pela difusão de doutrinas como o espiritismo kardecista, pela maior popularização de crenças e práticas orientais, mas também pela diversidade presente dentro do próprio cristianismo. Este jeito de ser religioso se deve a diferentes processos históricos, os quais normalmente têm origem no sincretismo em seus diferentes níveis ou em processos de caracterização identitária. Sobre esses processos queremos falar brevemente. 
O censo de 2010 indicou significativa mudança no quadro religioso brasileiro. Destaca-se um significativo crescimento no número de evangélicos e, pela primeira vez, queda no número de católicos. Acesse este link para maiores detalhes. Fonte: Revista VEJA / IBGE
O CATOLICISMO PORTUGUÊS NO BRASIL COLONIAL
Quando os portugueses aportaram em terras brasileiras, eles trouxeram consigo a fé oficial de Portugal. Uma compreensão mais ampla do espírito dessa presença considera os desdobramentos da Reforma Protestante sobre o catolicismo, os quais foram expressos através do concílio de Trento. Esse concílio, ocorrido na cidade de Trento no norte da Itália entre 1545 e 1563, foi em grande parte uma reação do catolicismo romano aos movimentos reformatórios que estavam tomando conta da Europa e, entre outras coisas, enfraquecendo o domínio do Papa. O concílio fortaleceu a relação entre o papado romano e as coroas de Espanha e Portugal, solidificando um tratado conhecido como Padroado. Esse tratado garantia a autonomia daqueles países para indicar bispos católicos, bem como estruturar a presença da igreja em seus territórios. Por outro lado, as coroas portuguesa e espanhola garantiam a defesa e se comprometiam com a expansão da fé católico-romana em todo o mundo. Tal tratado delineou as características religiosas da presença europeia no Brasil.
Imagem da primeira missa celebrada no Brasil de Vitor Meireles. Poucos dias depois da chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil, Henrique de Coimbra celebra a primeira missa em solo brasileiro. Fonte: Wikimedia. Clique aqui para saber mais.
Ao refletir sobre o clássico Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, Rogério Souza destaca uma interessante característica do português do século XVI – a miscibilidade. O termo se refere à capacidade ou condição de misturar elementos de uma forma homogênea. De acordo com Souza, essa característica do português quinhentista se deve à posição geográfica de Portugal, uma nação localizada entre dois mundos, o europeu e o africano, cuja história é marcada por domínios e influências distintos. Em sua tese, essa condição formou no povo português um espírito mais tolerante, onde o catolicismo estava mais aberto a elementos pagãos.[3] Essa característica cultural portuguesa contribuiu para o sincretismo presente em solo brasileiro.
As religiosidades indígenas e africanas que interagiram com o catolicismo português apresentavam grande diversidade em sua estrutura. Os ritos, crenças, espíritos e deuses indígenas eram tão diversos quanto eram os povos que ocupavam a terra brasilis. Os africanos escravizados e trazidos forçadamente ao Brasil, cuja cultura era marcada pela diversidade dos povos e tribos que compunham o mosaico africano, trouxeram sua compreensão religiosa aberta, várias divindades e seus respectivos rituais. Com todos esses elementos trabalhando juntos, ao mesmo tempo em que a colônia se tornou marcadamente católica, sua religiosidade era composta de variados elementos. Não se afirma aqui que o catolicismo no Brasil colonial permitia uma livre expressão de manifestações religiosas diversas da romana, mas sim uma maior tolerância quanto a uma expressão mais sincrética de religiosidade popular.
A REFORMA PROTESTANTE CHEGOU AO BRASIL?
Tendo criado uma tradição teológica distinta do catolicismo, o protestantismo é uma importantíssima manifestação da fé cristã. Sua presença em solo brasileiro, no entanto, é tardia. Mesmo que haja registros da chegada de um luterano em terras brasileiras em 1532, foi somente no século XIX que um número mais expressivo de europeus protestantes aportou no Brasil, em sua maioria fugindo de crises econômicas e políticas e buscando melhores condições de vida na américa.
Quando se pensa na história do protestantismo no Brasil, eles são normalmente organizados em dois grupos: o protestantismo de imigração e o protestantismo de conversão ou expansão. Quando os protestantes chegaram ao Brasil, ele ainda era um país oficialmente católico, o que cerceava a liberdade de expressão de fés que diferiam da católico-romana, mesmo que também fossem cristãs. Casamentos realizados por comunidades protestantes não eram reconhecidos, e seus locais de culto não podiam ter aparência externa de prédios religiosos, de igreja. No início, a liderança espiritual desses grupos ficava a cargo de leigos escolhidos dentre os próprios imigrantes. Com o passar do tempo, pastores de outros países como Alemanha e Estados Unidos foram enviados ao Brasil, passando a atender às comunidades protestantes aqui instaladas. Entre outras coisas, as condições de vida e vivência religiosa encontradas no Brasil contribuíram para que essas comunidades religiosas tivessem um estilo mais voltado para si mesmas, o que os caracterizou como “fechados,” conforme defendem autores como Cândido Camargo.
Historiadora revela que a primeira igreja evangélica do Brasil foi criada por índios da tribo potiguara convertidos por holandeses em Pernambuco. Fonte: Wikimedia. Clique aqui para saber mais.
Também vieram ao Brasil cristãos de tradição protestante oriundos dos Estados Unidos, os quais tinham como objetivo a adaptação à cultura brasileira e o crescimento da fé cristã protestante emnosso território. Eles já traziam em sua bagagem a experiência com movimentos de renovação e avivamento ocorridos nos Estados Unidos, os quais haviam trazido características próprias a esses grupos de protestantes. Eles eram, em sua maioria, de origem batista, presbiteriana, metodista e episcopal. Estavam mais abertos à cultura do país e buscavam trazer para a fé cristã protestante o maior número de pessoas possível.
OS MOVIMENTOS PENTECOSTAL E NEOPENTECOSTAL
O pentecostalismo surge nos Estados Unidos e chega ao Brasil no início do século XX. Caracteriza-se por celebrações fervorosas, que buscam evidenciar de maneira externa, visível, a presença do Espírito Santo em cada crente. Logo no início, seus cultos traziam uma grande ênfase na glossolalia, também conhecida como o dom de falar em línguas estranhas. Tal prática era percebida como um sinal visível da presença de Deus Espírito Santo na vida das pessoas. A ênfase nos dons do Espírito e na glossolalia remetiam esse movimento ao evento bíblico conhecido como o Dia de Pentecostes. Assim, ele passou a ser conhecido como pentecostalismo.
O Pentecostes era uma festa judaica que ocorria 50 dias após a festa da Páscoa celebrando as colheitas. De acordo com o Novo Testamento, nessa festa, 50 dias depois da ressurreição de Jesus, o Espírito Santo desceu sobre os discípulos em forma de “línguas de fogo” trazendo, entre outras coisas, o dom de anunciar a mensagem de Jesus em várias línguas. Fonte: Wikimedia
Se espalhando por todo Brasil, especialmente a partir do trabalho da Igreja Assembleia de Deus, que teve origem no estado do Pará, o pentecostalismo se diversificou grandemente, atraindo inúmeros adeptos. Essa diversificação deu origem ao movimento neopentecostal que, mantendo a ênfase nos dons do Espírito Santo, desenvolveu um discurso mais voltado para a cura. Além disso, as pregações de seus líderes apontam para a mudança no status socioeconômico de uma pessoa como uma evidenciação da presença de Deus em sua vida, o que dá origem à chamada teologia da prosperidade. A Igreja Universal do Reino de Deus se torna a grande representante desse movimento, fortalecido por inúmeras outras denominações que acabaram surgindo, como a Igreja Internacional da Graça de Deus, Renascer em Cristo e Igreja Mundial do Poder de Deus. É a partir daí que surgem figuras de reconhecimento nacional como Edir Macedo, R. R. Soares e Valdemiro Santiago.
Foram os movimentos pentecostais e neopentecostais que provocaram profunda mudança no cenário religioso brasileiro. A mesma é evidenciada, entre outras coisas, pelo censo de 2010, que pela primeira vez registrou uma queda no número absoluto de católicos no Brasil, apontando que mais de 27% da população brasileira se identifica como pertencendo à tradição evangélica. O ativismo desse grupo também pode ser percebido na política brasileira em seus diferentes níveis, com especial atenção para o congresso nacional e a bancada evangélica, a qual tem trazido para a pauta de Brasília demandas características dos evangélicos brasileiros.
No artigo O Pentecostalismo no Brasil: uma reflexão sobre novas classificações, a antropóloga Mariana Picolloto apresenta os frutos de um estudo etnográfico nos faz conhecer um pouco mais da evolução do pentecostalismo no Brasil. Clique aqui para acessar o artigo.
CULTOS AFRO-BRASILEIROS
Durantes os séculos XVI, XVII e XVIII o mundo viveu a maior migração forçada de pessoas de sua história, também conhecida como diáspora africana. Apesar de os números não serem precisos, acredita-se que mais de 10 milhões de africanos, das mais diversas tribos e nações, foram capturados e trazidos para as américas. A maior parte deles aportou no Brasil, e aqui foram escravizados. Obviamente, essas pessoas trouxeram consigo sua identidade religiosa e cultural e, no meio de inúmeras adversidades, buscavam achar seu caminho em uma terra estranha e inóspita.
Como o catolicismo era a religião oficial do país, os africanos aqui trazidos deveriam se adaptar à fé de seus senhores. Mesmo que tenham ocorrido inúmeras conversões, em grande parte as expressões cristãs dessas pessoas eram externalidades que buscavam satisfazer os olhares atentos dos europeus. Número significativo de escravos e seus descendentes, no entanto, mantiveram várias características de suas culturas africanas. Aqui entra outro elemento que precisa ser considerado: a diversidade cultural africana. As milhões de pessoas aqui trazidas provinham de diversos grupos na África, com tradições religiosas distintas, apesar de conectadas por elementos semelhantes, como o animismo. Assim, ao compor sua vivência religiosa, essas pessoas precisaram lidar com o catolicismo romano, com o contato com povos indígenas e com a diversidade da própria cultura-africana.
Iemanjá, considerada a Orixá mais popular em terras brasileiras, para o povo Egba, é a divindade da fertilidade associada a rios e desembocaduras. No Novo Mundo, através de um processo de assimilação de diferentes culturas promovido pela diáspora africana, passou a ser associada também aos mares. Está marcadamente presente em nossa cultura através da arte e de ritos que se espalham por todo o país. Em grande parte, representa o arquétipo materno dentro dos cultos afro.
Para os povos aqui trazidos, sua religiosidade também se transformou em um elemento de resistência. Foi através dela que eles puderam manter várias características de sua cultura, não somente aquelas ligadas à sua espiritualidade, mas também à suas línguas e culinária, por exemplo.
Apesar de ter estado sempre presente na história do Brasil desde o início da escravização africana, foi somente no séc. XIX que as religiões afro-brasileiras começaram a se organizar. Mesmo assim, existe ainda grande diversidade religiosa dentro dos cultos afro-brasileiros. No entanto, podemos destacar duas principais vertentes: o Candomblé e a Umbanda. O primeiro tem suas raízes em quatro nações africanas: Kêtu, Fan, Jejê e Angola, que creem na pluralidade de divindades, conhecidas como orixás. Essas entidades são ligadas a elementos da natureza, o que aponta para o animismo que marca essa manifestação religiosa. Apesar dos orixás serem correlacionados a figuras católicas, o que é uma consequência de processos sincréticos, existe no Candomblé uma busca por suas raízes africanas. Esta busca procura aproximá-lo cada vez mais de suas origens pré-escravatura. Na Umbanda, temos um sincretismo bem mais evidente, unindo nessa manifestação elementos da cultura religiosa africana, europeia e indígena, bem como elementos do espiritismo kardecista. Alguns o consideram como sendo uma religião genuinamente brasileira. Uma das características que une esses grupos é a diversidade, assim, nem tudo que é observado em uma comunidade será, necessariamente, observado em outras.
ESPIRITISMO KARDECISTA
O espiritismo kardecista teve origem na França no séc. XIX com Leon Hippolyte Denizard Rivail, mais conhecido como Allan Kardec. Kardec seria, na verdade, um espírito iluminado que revelou através de Leon a doutrina espírita. O espiritismo kardecista apresenta-se como um movimento científico, filosófico e religioso, que busca através da racionalidade evidenciar a existência de uma realidade que transcende a matéria.
Em suas afirmações mais essenciais, faz uso de conceitos provindos de religiões diversas, como reencarnação, carma e caridade. Afirma que nossa essência é espiritual e que, através das inúmeras vidas que vivemos (encarnações), aperfeiçoamos o nosso espírito através das situações que vivenciamos (carma) em busca da plena caridade (amor desprendido). Nesse processo cíclico de evolução espiritual, nossa alma enquanto faísca divina se aproxima cada vez mais da plena realidade transcendente.
Em nenhum lugar do mundo as ideias de Leon Rivail encontram solo tão fértil quanto no Brasil. Acredita-se que isso se deve, em grande parte, ao espírito sincrético que tem caracterizado a religiosidade brasileira ao longo da história, conforme já afirmamos anteriormente.
SHEILAISMO – SOBRE NOVASFORMAS DE RELIGIOSIDADE
Vivemos hoje no Brasil fenômenos que também estão presentes em todo o mundo ocidental. A globalização tem trazido o diferente cada vez para mais perto de nós. Se antes o hinduísmo era uma realidade distante, muitas vezes resumido a um tópico curioso para conversas descompromissadas, hoje recebo em minha casa um amigo indiano. Ele, por convicções religiosas, entende que a vaca é um animal sagrado por apontar para a realidade maior que é Brahman. Isso levanta para mim questões bem práticas como, por exemplo, o que vou oferecer para o jantar.
A aldeia global na qual vivemos demanda conversas sobre tolerância e diversidade religiosa. Isso fortalece uma atitude pluralista na qual as diferentes manifestações religiosas são cada vez mais valorizadas pelo que elas são. Ao mesmo tempo, vivemos uma época de afirmação identitária. Inseguros no meio de tanta diversidade e sentindo-se ameaçados no meios da liquidez que caracteriza a contemporaneidade, muitos grupos vivem um processo de autoafirmação, através do qual salientam suas características identitárias se distinguido de outros movimentos religiosos. Soma-se a isso a ênfase contemporânea na autonomia de cada indivíduo, a qual tende a enfraquecer figuras de autoridade externas, inclusive religiosas, e fortalecer perspectivas individuais de vida e mundo. Tudo isso se alinha a uma ideologia de mercado que entende o capitalismo não apenas como a forma através da qual trocamos bens e serviços, mas também como um conjunto de significados que estrutura a vida a partir da perspectiva do mercado. Nesse cenário, também as manifestações religiosas competem entre si, buscando atrair a atenção e a fidelidade das pessoas. Isso também tem contribuído para uma diversidade cada vez maior dos bens simbólicos e religiosos disponíveis no mercado brasileiro.
A Revista ISTOÉ publicou um artigo cujas pesquisas indicam o aumento da migração religiosa entre os brasileiros. Clique aqui para acessar o artigo.
Tudo isso acaba facilitando o trânsito religioso, onde as pessoas se movem de uma tradição religiosa para a outra com relativa liberdade de consciência, buscando respostas para os mais diversos questionamentos e demandas pessoais. Mais do que isso, muitas pessoas acabam se sentindo confortáveis vivendo as experiências de distintas tradições religiosas ao mesmo tempo, como que numa dupla cidadania da fé. Assim, se torna cada vez mais comum conhecermos católicos que fazem oferendas a orixás, ou kardecistas que encontram em Lutero inspiração para sua evolução espiritual. Todos esses elementos trabalhando juntos abrem espaço para formas individualizadas de religiosidade, como é o caso de Sheila Larson. Entrevistada em uma pesquisa sobre religiosidade, ela afirmou: “Eu acredito em Deus. Eu não sou uma fanática religiosa. Não me lembro da última vez que fui à igreja. Minha fé me tem acompanhado por um longo caminho. Ela se chama sheilaismo. Apenas minha própria voz.”[4]
De certa maneira, esse conjunto de elementos da religiosidade brasileira caminham juntos com o grande paradigma religioso da atualidade: o pluralismo de princípio. Nele, o reconhecimento do direito do outro de ser outro se torna um princípio moral. A diversidade de vivências religiosas é tão grande quanto o número de indivíduos. Como tudo na vida, isso traz oportunidade e desafios para esta e as futuras gerações. V IDEO TEXTO DA SALA DE AULA 
INFOGRÁFICO
REFERÊNCIAS
[1] “Vocês têm Deus brasileiro, também querem um Papa?” Portal G1, acessado em 12. out.2019
[2] Censo 2010, Portal do IBGE. Acessado em 12. out.2019 <<>>
[3] Robério Américo do Carmo Souza, “O Hibridismo na Construção da Religiosidade: Repensando a Contribuição de Gilberto Freyre para o Debate.” Angelus Novus, no. 3 (Julho, 2012), 291–309, 292.
[4] Robert N. Bellah et al., Habits of the Heart: Individualism and Commitment in American Life (Los Angeles: University of California, 2008), 220.
ANDRADE, Maristela Oliveira de, A Religiosidade Brasileira: O Pluralismo Religioso, a Diversidade de Crenças e o Processo Sincrético. In: CAOS – Revista Eletrônica de Ciências Sociais 14, (Setembro 2009): 106–118.
BELLAH, Robert N. et al. Habits of the Heart: Individualism and Commitment in American Life. Los Angeles: University of California, 2008.
CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional. São Paulo: Paz e Terra, 1991.
DAVIS, David Brion. The Problem of Slavery in Western Culture. NY: Oxford, 1988.
KUCHENBECKER, Valter (coord.). O Homem e o Sagrado: A Religiosidade Através dos Tempos. Canoas: ULBRA, 2006.
MARQUESE, Rafael de Bivar Marquese. A Dinâmica da Escravidão no Brasil. Novos Estudos CEBRAP 74 (2006): http://dx.doi.org/10.1590/S0101-33002006000100007 (Acesso: 20 jun.2019).
MATTOSO, Kátia de Queirós. Ser Escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1990.
RIBEIRO, Claudio de Oliveira. Um Olhar sobre o Atual Cenário Religioso Brasileiro: Possibilidades e Limites para o Pluralismo. In: Estudos da Religião, no. 2 (Julho, 2013), 53-71.
SILVA, Vagner Gonçalves da. Religião e Identidade Cultural Negra: Católicos, Afro-brasileiros e Pentecostais. In: Cadernos de Campo 20, (2011): 295–303.
STEYER, Walter O. Os Imigrantes Alemães no Rio Grande do Sul e o Luteranismo. Porto Alegre: Singular, 1999.
WULFHORST, Ingo. Discernindo os Espíritos – O Desafio do Espiritismo e da Religiosidade Afro-brasileira. São Leopoldo: Sinodal, 1996.

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