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F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a Aula 10 – Crise de 2008 F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s CRISE DE 2008 - CAUSAS E ATORES A crise de 2008 não pertence a apenas um único modelo de crise, não foi apenas uma simples crise bancária ou cambial, nem mesmo uma crise de falta de liquidez, ou crise de inadimplência. A crise de 2008 é resultado de uma combinação de fatores que provavelmente não se repetirá tão cedo, e que, por isso mesmo, nos alerta para a próxima crise financeira. A crise de 2008 é resultado de erros de política econômica, tidas como praticantes de boas políticas monetárias, erros dos mercados financeiros dificilmente eficientes, erros dos agentes econômicos que viveram sobre manias de títulos lastreados em hipotecas, ou seja, títulos garantidos por dívidas, ingenuamente confiantes em técnicas e métodos econométricos afinados para medir volatilidades e exposições a riscos. A crise de 2008 foi uma profunda crise de confiança, decorrente de uma cadeia de empréstimos originalmente imobiliários baseados em devedores insolventes que, ao levar os agentes econômicos a preferirem a liquidez e assim liquidar seus créditos, levou bancos e outras empresas financeiras à situação de quebra mesmo que elas próprias estejam solventes. Há uma série de fatos a respeito desta crise financeira: Primeiro, sabemos que é uma crise bancária que ocorre no centro do capitalismo, não é uma crise de balanço de pagamentos – comuns entre os países em desenvolvimento que tentavam até os anos 1990 crescer com poupança externa, ou seja, com déficit em conta corrente e endividamento externo. Os grandes déficits em conta corrente que marcaram a economia norte-americana nesta década, combinados com grandes déficits públicos, não são, porém, estranhos à crise bancária. A falta de confiança não é apenas nos bancos e no mercado, é também na economia norte- americana como um todo, gravemente enfraquecida por essas políticas irresponsáveis. P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s Finanças Internacionais Segundo, sabemos que a causa direta da crise foi a concessão de empréstimos hipotecários de forma irresponsável, para credores que não tinham capacidade de pagar ou que não a teriam a partir do momento em que a taxa de juros começasse a subir como de fato aconteceu. E sabemos também que esse fato não teria sido tão grave se os agentes financeiros não houvessem recorrido a irresponsáveis “inovações financeiras” para securitizar os títulos podres transformando-os em títulos AAA por obra e graça não do Espírito Santo, mas de agências de risco interessadas em agradar seus clientes. Terceiro, sabemos que tudo isto pode ocorrer porque os sistemas financeiros foram sistematicamente desregulados desde que, em meados dos anos 1970, começou a se formar a onda ideológica neoliberal ou fundamentalista de mercado. Para ela os mercados são sempre eficientes, ou, pelo menos, mais eficientes do que qualquer intervenção corretiva do Estado, e, portanto, podem perfeitamente ser autorregulados. Para esta ideologia que, desde o governo Reagan, se transformou no instrumento do soft power americano, este era o sistema econômico mais eficiente – o único caminho para os demais países – dado que as alternativas seriam formas de “socialismo social democrata” europeu, de “populismo” no Terceiro Mundo, e de “estatismo disfarçado” na Rússia e na China que seriam muito inferiores. Quarto, sabemos que esta ideologia ultraliberal era legitimada nos Estados Unidos pela teoria econômica neoclássica – uma escola de pensamento que foi dominante entre 1870 e 1930, que entrou em crise e foi substituída pela teoria macroeconômica keynesiana, que se tornou dominante nas universidades até meados dos anos 1970, e voltou à condição dominante desde então por razões essencialmente ideológicas. Economistas como Milton Friedman, James Buchanam, Mancur Olson, Robert Lucas, Kydland e Prescott apontaram suas armas contra o Estado e se encarregaram de demonstrar matematicamente, “cientificamente”, com o auxílio dos pressupostos do homo economicus, das “expectativas racionais” e da “escolha racional” que o credo neoliberal era correto. P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a CRISE DE 2008 - CAUSAS E ATORES F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s Finanças Internacionais Quinto, sabemos que esse tipo de teoria econômica não foi utilizado tanto pelos formuladores de política econômica nos governos. Não foram utilizados porque a pressuposição neoclássica de mercados eficientes dispensa qualquer política econômica a não ser a de ajuste fiscal; o resto deve ser liberalizado, desregulado, já que os mercados seriam autorregulados. Como os governos e os analistas precisavam orientar sua política monetária, continuaram a usar o instrumental keynesiano de forma pragmática. Os experimentos macroeconômicos neoclássicos foram reservados para os países em desenvolvimento. Como, entretanto, os países ricos liderados pelos Estados Unidos não escaparam da prescrição desrreguladora, agiram como o “escorpião que morde sua própria cauda”. Sexto, agora, quando vemos o Estado surgir em cada país como a única tábua de salvação, como o único possível porto seguro, fica evidente o absurdo da oposição entre mercado e Estado proposta pelos neoliberais e neoclássicos. Um liberal pode opor coordenação do mercado à do Estado, mas não pode se colocar, como os liberais se colocaram, contra o Estado, buscando diminuí-lo e enfraquecê-lo. O Estado é muito maior do que o mercado. Ele é o sistema constitucional legal e a organização que a garante; é o instrumento por excelência de ação coletiva da nação. Cabe ao Estado regular e garantir o mercado e, servir de emprestador de última instância P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a CRISE DE 2008 - CAUSAS E ATORES F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s Finanças Internacionais A crise financeira internacional, originada em meados de 2007 no mercado norte-americano de hipotecas de alto risco (subprime), adquiriu proporções tais que acabou por se transformar, após a falência do banco de investimentos Lehman Brothers, numa crise sistêmica. O desenrolar da crise colocou em xeque a arquitetura financeira internacional, na medida em que explicitou as limitações dos princípios básicos do sistema de regulação supervisão bancária e financeira atualmente em vigor, bem como pôs em questão a sobrevivência de um perfil específico de instituições financeiras. É importante delinear alguns dos principais fatores que transformaram uma crise de crédito clássica em uma crise financeira e bancária de imensas proporções. Numa crise de crédito clássica, o somatório dos prejuízos potenciais (correspondente aos empréstimos concedidos com baixo nível de garantias) e sua distribuição já seriam conhecidos, enquanto que na atual configuração dos sistemas financeiros, os derivativos de crédito e os produtos estruturados lastreados em crédito imobiliário replicaram e multiplicaram tais prejuízos por um fator desconhecido e redistribuíram, globalmente, os riscos deles decorrentes para uma grande variedade de instituições financeiras. As incertezas sobre a efetiva situação dos balanços dessas instituições levaram a um congelamento dos mercados interbancários, expresso em spreads extremamente elevados. Como as maciças injeções de liquidez das autoridades monetárias, que foram flexibilizando suas exigências e passaram a aceitar praticamente todo e qualquer colateral como garantia, não foram capazes de reverter esse processo de “empoçamento da liquidez” emescala mundial, os países da União Européia, dos Estados Unidos e de outros países desenvolvidos,seguiram o exemplo do Reino Unido e anunciaram, garantias a esses créditos. P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a CRISE DE 2008 - CAUSAS E ATORES F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s Finanças Internacionais O primeiro fator decorre do princípio básico da autorregulação pelo mercado que tem norteado, nas últimas décadas, o conjunto das medidas de supervisão e regulação. Esse princípio pode ser expresso da seguinte forma: a governança corporativa e a gestão de riscos dos bancos evoluíram a tal ponto que suas decisões podem ser consideradas as mais próprias e eficientes para evitar a ocorrência de episódios que possam desembocar em risco sistêmico. Foi ele que orientou, em grande medida, as mudanças dos Acordos de Basiléia que incorporaram, na sua segunda versão (Basiléia II), as notas das agências de ratings e os modelos internos de precificação de ativos e de gestão de riscos como critérios alternativos para a classificação dos riscos de crédito e incentivos à utilização de mecanismos de mitigação desses riscos, dentre os quais os derivativos de crédito. O segundo fator está associado à forte interação entre bancos universais e as demais instituições, resultante da arquitetura financeira. Os bancos, que desde os anos 1980 buscavam diversas maneiras de retirar os riscos de crédito de seus balanços e torná-los mais líquidos, passaram a utilizar, de forma mais intensa, inovações financeiras com o objetivo de alavancar suas operações sem ter de reservar os coeficientes de capital requeridos pelos acordos de Basiléia. Mas, essa estratégia só foi viável porque outros agentes se dispuseram a assumir a contraparte dessas operacoes, ou seja, assumir esses riscos contra um retorno que, à época, parecia elevado. Esses agentes foram as instituições financeiras que formam o chamado shadow banking system. Empregado, pela primeira vez por Paul McCulley, diretor executivo da maior gestora de recursos do mundo, a Pimco, o termo shadow banking system inclui o leque de instituições envolvidas em empréstimos alavancados que não tinham, até a eclosão da crise, acesso aos seguros de depósitos e/ou às operações de redesconto dos bancos centrais. P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a CRISE DE 2008 - CAUSAS E ATORES F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s Finanças Internacionais Nesse leque enquadram-se os grandes bancos de investimentos independentes, os hedge funds, os fundos de pensão e as seguradoras. Nos EUA, ainda se somam os bancos regionais especializados em crédito hipotecário e as agências patrocinadas pelo governo. Esta definição contém um elemento implícito que é importante sublinhar: as instituições financeiras do shadow banking system não estão sujeitas às normas dos Acordos de Basiléia, as quais no caso norte-americano só se aplicam aos grandes bancos universais com operações internacionais. A emergência deste sistema bancário “sombra” está associada a dois movimentos simultâneos e complementares: Em primeiro lugar, como mencionado acima, os bancos submetidos aos requisitos de capital do Acordo de Basiléia I passaram a utilizar crescentemente um conjunto de instrumentos para retirar os riscos de seu balanço e viabilizar o aumento da sua alavancagem, processo que ficou conhecido como arbitragem regulatória. Em segundo lugar, uma grande variedade de instituições evoluiu no sentido de desempenhar um papel semelhante ao dos bancos tradicionais sem estarem incluídas na estrutura regulatória existente e, portanto, sem disporem das requeridas reservas em capital. No âmbito do primeiro movimento, para excluir os riscos de crédito dos balanços, os bancos recorreram, principalmente, aos chamados “produtos estruturados”– instrumentos resultantes da combinação entre um título representativo de um crédito (debêntures, bônus, títulos de crédito negociáveis, hipotecas, dívida de cartão de crédito etc.) e um leque de derivativos financeiros, e aos derivativos de crédito. Essa alquimia financeira foi possível, por sua vez, graças à atuação das agências de classificação de riscos (rating). P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a CRISE DE 2008 - CAUSAS E ATORES F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s Finanças Internacionais Ao auxiliar as instituições financeiras na montagem dos “pacotes de crédito” que lastreiam os títulos securitizados de forma a garantir a melhor classificação possível, essas agências tiveram participação relevante na criação do mito que ativos de crédito bancário podiam ser precificados e negociados como sendo de “baixo risco” em mercados secundários. Ademais, elas incorreram em sério conflito de interesses na medida em que parte substancial de seus rendimentos advinha dessas atividades. Não estando habilitados a obter recursos de depositantes para adquirir esses instrumentos, os integrantes do “shadow banking” foram buscá-los no mercado de capitais, sobretudo emitindo títulos de curto prazo (commercial papers), comprados por fundos mútuos de investimentos. Não podendo criar moeda ao conceder crédito diretamente, eles utilizaram esses recursos de curto prazo para adquirir os títulos emitidos pelos bancos com rentabilidade vinculada ao reembolso dos créditos que esses concederam. Tornaram-se, dessa forma, participantes do mercado de crédito, obtendo recursos de curto prazo com os quais financiavam créditos de longo prazo (hipotecas de 30 anos, por exemplo), atuando como quase bancos. Já os bancos sujeitos à regulação intensificaram a criação de pessoas jurídicas – Special Investment Vehicles (SIV), conduits ou SIV-lites –, que adquiriam esses títulos estruturados, com recursos provenientes da emissão de títulos de crédito de curto prazo. Essas pessoas jurídicas não eram tecnicamente propriedades dos bancos nem seus resultados figuravam nos balanços, constituindo parte relevante do shadow banking system junto com diversos outros intermediários financeiros. Dessa forma, os bancos universais obtinham mais recursos, além de receitas com comissões, que lhes permitiram conceder novos créditos e elevar seus lucros, num processo de crescente alavancagem. O papel central dos derivativos de crédito, negociados em mercados de balcão, na constituição das complexas relações entre o sistema bancário tradicional e o sistema “sombra” deve ser destacado. A acentuada expansão dessa modalidade de derivativo, sobretudo a partir do final da década de 1990, elevou fortemente os riscos agregados presentes nesses mercados (associados à sua opacidade e à inexistência de câmara de compensação), que constituiu o principal palco dessas relações. P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a CRISE DE 2008 - CAUSAS E ATORES F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s Finanças Internacionais Utilizando os mecanismos já existentes de swaps, os derivativos de crédito permitiram que os bancos retirassem riscos de seus balanços, ao mesmo tempo em que as instituições financeiras do shadow banking system passaram a ter novas formas de assumir exposição aos riscos e rendimentos do mercado de crédito. Os mais utilizados são os swaps de inadimplência de crédito (credit default swaps, CDS que transferem o risco de crédito entre o agente que adquire proteção e a contraparte que aceita vender proteção. Por esse mecanismo, o detentor de uma carteira de crédito compra proteção (paga um prêmio) do vendedor de proteção. Em troca, esse assume, por um prazo predeterminado, o compromisso de efetuar o pagamento das somas combinadas nos casos especificados em contrato, que vão de inadimplência ou falência àredução da classificação de crédito ou outros eventos que possam causar queda do valor da carteira. Foi a partir desta transferência de riscos pelos bancos que ocorreu o milagre de sua multiplicação. Nos casos em que esses riscos foram transferidos dos balanços dos bancos para outras instituições financeiras por meio de títulos securitizados e produtos estruturados, esses ativos foram “reempacotados” e deram origem a outros ativos que, por sua vez, foram vendidos a outras instituições. Enquanto esta operação se restringiu a operações no mercado à vista, era o risco original que ia trocando de mãos. Porém, ao serem acoplados aos derivativos de crédito, esses ativos deram origem a “ativos sintéticos”, isto é, ativos que replicam os riscos e retornos dos ativos originais, mas sem que seja necessário possuí-los. Estes ativos “virtuais” possuem tal propriedade porque negociam compromisso futuros de compra e venda de ativos, mediante o pagamento de um “sinal” o que abre a possibilidade de vender o que não se possui e/ou comprar o que não se deseja possuir. P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a CRISE DE 2008 - CAUSAS E ATORES F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s Finanças Internacionais Nos mercados de balcão, multiplicaram-se as mais diversas combinações “virtuais” dos ativos de crédito securitizados com operações de derivativos de crédito. Na construção dessa imensa pirâmide invertida – cuja base é constituída pelas operações de crédito bancário originais – os riscos iniciais foram multiplicados por um fator n e sua distribuição passou a constituir uma incógnita. Boa parte do tamanho desta pirâmide ainda está envolta em sombras, mas existem dados estatísticos confiáveis sobre a vertente constituída pelos derivativos. O Bank for International Settlements (BIS) publica dados quadrimestrais sobre os volumes de derivativos negociados nos mercados de balcão. No relatório, de junho de 2008, o BIS aponta um volume nacional total desses derivativos de US$ 596 trilhões, dos quais US$ 58 trilhões são de derivativos de crédito. Não é de estranhar nem o congelamento das operações interbancárias, nem o ceticismo dos mercados diante da versão original do Plano Paulson que destinava US$ 700 bilhões para a aquisição dos ativos nos balanços dos bancos, denominados de “lixo tóxico”. A crise revelou a obsolescência da estrutura de supervisão descentralizada, dado o grau de imbricação entre as diversas instituições financeiras (bancos, fundos de pensão, segura- doras e fundos de investimento) e mercados (de crédito, de capitais e de derivativos). Vale mencionar que esse problema já foi reconhecido pelo governo norte-americano. Um dos pilares da proposta de reestruturação da estrutura regulatória do sistema financeiro, anunciada no final de março de 2008, consiste exatamente na consolidação das diversas agências reguladoras do país. Ademais, nessa proposta, o Federal Reserve teria poderes ampliados, passando a supervisionar, além das holdings financeiras, os bancos de investimento, seguradoras e fundos de investimento (inclusive hedge funds). Igualmente, o episódio da falência do britânico Northern Rock mostrou que a retirada das funções de supervisão do banco central e sua transferência para uma instituição autônoma podem ter conseqüências deletérias, sobretudo, se não há uma contínua e rápida troca de informações. P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a CRISE DE 2008 - CAUSAS E ATORES F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s Finanças Internacionais Algumas iniciativas deveriam impor limites ao avanço da securitização e dos derivativos de crédito, dentre as quais: • os reguladores poderiam colocar restrições à complexidade de instrumentos que poderiam ser emitidos e adquiridos pelas entidades reguladas; • os bancos centrais poderiam aceitar como colateral nas operações compromissadas ou na janela de redesconto somente classes suficientemente transparentes de ABS; • um requerimento regulatório poderia ser instituído obrigando o originador a reter a equity tranche. Isto porque, quando o originador dos empréstimos está muito distante do investidor, são menores os incentivos para uma “originação” cuidadosa.Uma forma de mitigar esse problema seria o “originador” reter a tranche mais arriscada; • a reintermediação, com a incorporação das instituições fora de balanço (Conduits, SIV, quasi- banks) nos balanços dos bancos, que já iniciou nos EUA e na Europa, deveria ser estimulada; • e criação de uma câmara de compensação para os derivativos de crédito que cobre margens de garantia dos participantes, para minimizar os riscos de contraparte, e traga alguma transparência à distribuição de riscos. É preciso reconhecer, contudo, a capacidade limitada da regulação e supervisão financeira, em controlar a qualidade dos créditos detidos pelo sistema bancário em face desse tipo de risco e do caráter inerentemente instável da atividade financeira. P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a CRISE DE 2008 - CAUSAS E ATORES F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s Finanças Internacionais Cada crise financeira marca o fim de um ciclo de crescimento econômico e endividamento. No capitalismo moderno, que conta com sistemas financeiros sofisticados e onde os investimentos que alicerçam o crescimento assumem proporções crescentes, diante dos desafios da concorrência em escala internacional, não há crescimento econômico sem aumento do endividamento. E, como nos ensinou Hyman P. Minsky, não há crise financeira sem endividamento. Por trás da crise sistêmica há dois conjuntos de fatores explicativos. Um, de natureza conjuntural, envolve a política monetária americana, que elevou a taxa básica de juros de 1,00% para 5,25% a.a. entre o segundo trimestre de 2004 e o segundo de 2007. Embora isto não tenha gerado uma forte recessão nos EUA – o crescimento real do PIB caiu apenas de 4,2% nos 12 meses anteriores (terceiro trimestre de 2003 ao segundo de 2004) para a média anual de 3,5% no período de juros crescentes – certamente dificultou o refinanciamento de dívidas longas (caso típico do crédito imobiliário). Contribuiu também para a crise a demora do governo em reconhecer a gravidade do problema, por falha de interpretação ou da supervisão bancária. O fato é que, durante boa parte da crise (2006-07), o FED mostrou-se mais preocupado com a inflação (que requer juros mais altos) que com a deflação de ativos (que exigia um corte rápido nos juros). Mas a política monetária foi mais um elemento propagador que, propriamente, causador da crise, já que no crédito subprime (a famílias de renda baixa e sem comprovação e garantias), pivô da crise, os contratos já previam aumentos dos juros após alguns anos. Assim, outro fator conjuntural que atuou decisivamente na formação da crise foi o excesso de “otimismo espontâneo”, que levou a flagrantes erros de avaliação de riscos por parte dos bancos credores, dos devedores e dos que compraram derivativos destes créditos. É inevitável, porém, reconhecer a presença de um fator estrutural na raiz dos eventos recentes: o novo modelo de regulamentação financeira (ou a falta dela), que já havia mostrado seus efeitos devastadores para as economias emergentes, no episódio da crise asiática, e agora mostra sua cara também aos mercados norte-americano e europeu, que o venderam para o resto do mundo como panacéia. P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a CRISE DE 2008 - CAUSAS E ATORES F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s Finanças Internacionais Até a crise asiática, os defensores do modelo – cujo maior entusiasta era o FMI – atribuíam o problema ao que consideravam ser limitações típicas dos países em desenvolvimento: a fragilidade dosfundamentos macroeconômicos e da supervisão bancária. A crise teria sido, então, detonada por um surto de sabedoria dos investidores estrangeiros que, percebendo o perigo, desencadearam um “corretivo” movimento de fuga de capital, forçando os emergentes a ajustarem suas políticas macroeconômicas, de modo a reduzir o crescimento, acumular reservas internacionais e manter equilíbrio fiscal e baixa inflação. A economia norte-americana tem, há quase uma década, déficits públicos e externos crescentes, a supervisão bancária foi, obviamente, falha, mas a crise não foi detonada por uma fuga de capital. O mundo foi mais paciente e crédulo com os EUA. A crise norte-americana não veio de fora, foi “fogo amigo”. Começou nos intestinos do “eficiente” sistema financeiro dos EUA, sendo a liberalização financeira o ventilador que se encarregou de espalhar seus ativos para todo o mundo. SISTEMA HIPOTECARIO NORTE AMERICANO: Importante lembrar que nos Estados Unidos o pacto federativo é muito mais intenso e complexo do que o existente no Brasil, em virtude de que os estados membros possuem uma ampla autonomia em diversos aspectos legais, com vasta competência legislativa, dentro da qual se inclui a legislação sobre garantias hipotecárias, de tal modo que algumas regras podem variar de estado para estado, diversidade normativa esta que contribui negativamente para a própria eficácia do sistema como um todo. A primeira figura existente que mereceria destaque seriam os credores originais – originators – dos mortgate loans ou empréstimos hipotecários, os quais forneceram recursos aos financiados subprime para que estes pudessem adquirir unidades habitacionais. Os originators mais comuns seriam os bancos comerciais, os quais se sujeitam ao regime da legislação federal. Porém, existem outros, como os credores independentes, que se regem pelas legislações estaduais de cada estado federado. P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a CRISE DE 2008 - CAUSAS E ATORES F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s Finanças Internacionais xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx Por outro lado, os servidores – services compõem os entes cuja função primordial seria receber os pagamentos mensais dos empréstimos bancários, bem como administrar os assuntos correlatos a eles. Em regra, são compostos por bancos (não necessariamente o banco prestamista) ou por terceiros contratados pela instituição financeira para o exercício de seu mister. Já os securitizadores – securitization sponsors são formados, em regra, pelos bancos de investimento, os quais reúnem carteiras de crédito hipotecário, de modo a formar grupos de pacotes de títulos em função do risco, mediante a cobrança de elevadas comissões por essas tarefas, e vendem o crédito relativo a eles a investidores.Para de certa forma garantir uma maior segurança aos compradores interessados nos títulos e facilitar a sua alocação e negociação no mercado, os securitizadores se utilizam das agências de qualificação de risco – rating agencies – as quais, teoricamente, analisam e qualificam os pacotes hipotecários, a serem postos em circulação, em função do risco de inadimplemento no prazo fixado para pagamento. Por fim, os investidores – investors seriam compostos pelos acionistas dos credores originais e dos securitizadores, formados em sua maioria por enormes fundos de investimento e de pensão, os quais, por seu gigantismo e enorme capacidade de alocação de recursos, possuem muita força e importância no cenário econômico, além de constituem a coluna vertebral da rede de segurança social presente nos Estados Unidos. Faz se necessário enumerar que no sistema americano não existe propriamente a figura da hipoteca, tal como desenhada e delineada no sistema jurídico brasileiro. Em ambos os institutos jurídicos, a posse do imóvel é mantida com o devedor, mas a dívida é garantida por meio da transmissão da propriedade ao credor (mortgates) ou a um terceiro (deed of trust), denominado trustee, o qual protege os interesses do credor. Caso haja o inadimplemento da obrigação, o credor ou o trustee assumem o controle da propriedade – foreclosure - e podem aliená-la a terceiros para quitar e adimplir a dívida P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s Finanças Internacionais CRISE DE 2008 - CAUSAS E ATORES Uma peculiariedade do sistema americano, que contribui contrariamente a sua eficácia e segurança, seria a diversidade de regras e regulações para a execução das dívidas, em razão da grande independência conferida por seu sistema legal a cada um de seus estados membros. Conforme regramento vigente na maior parte dos estados federados, em caso de inadimplemento da dívida por parte do devedor ou de eventuais terceiros garantidores, em linhas gerais, a execução poderá ser judicial ou extrajudicial. Caso o credor opte pela segunda, mais célere e menos onerosa, a dívida será assegurada tão somente pelo imóvel oferecido em garantia, ao passo que na primeira, mais morosa e menos módica, caso o valor pecuniário obtido com o leilão do bem oferecido em garantia seja insuficiente para cobrir o débito, pode o credor prosseguir com a execução em face dos demais bens do devedor. Via de regra, além do contrato de empréstimo – loan agreement, para o prosseguimento da execução as leis americanas estabelecem a necessidade da apresentação pelo exequente da promissory note, que seria o documento assinado pelo credor e devedor enumerando os termos e as condições da dívida, bem como da juntada do security instrument, o qual disciplina que, caso o devedor não pague o empréstimo concedido, poderá o credor vender a propriedade oferecida em garantia para se reembolsar dos valores dispendidos. Sendo assim, para se dar uma cessão válida do crédito hipotecário deve o cedente transferir ao cessionário ambos os documentos: promissory note e o security instrument, apesar de não haver na legislação americana a obrigatoriedade do registro da transação no órgão competente para se gerar um efeito constitutivo. Frisa-se que nos Estados Unidos, diferentemente do sistema espanhol, alemão e brasileiro, não há registros de direitos, mas apenas registros de documentos, tal como ocorre com algumas peculiariedades na França e na Itália. P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s Finanças Internacionais CRISE DE 2008 - CAUSAS E ATORES Sabe-se que nos primeiros os documentos inscritos são dotados de fé-pública registral, a qual confirma a existência e a titularidade do direito, ao passo que nos segundos o efeito principal ocorre caso entre em conflito com um direito não inscrito (oponibilidade do documento registrado apenas em face do não registrado), de tal modo que o documento não registrado não pode servir de prova do direito caso possua alguma divergência com outro registrado, sem que esse registro, no entanto, constitua direito algum para o titular que inscreveu o ato. No sistema americano, antigamente, quando os credores originais – originators transferiam seus direitos oriundos dos empréstimos a terceiros adquirentes, as alienações eram registradas e inscritas manualmente no Registro de propriedade dos condados em que domiciliados os prestatários. No entanto, atualmente, pelo simples fato de que um mesmo crédito hipotecário pode ser alienado várias vezes em um curto espaço de tempo, o sistema de registro de transações, feito em caneta e papel, mostrou-se obsoleto e arcaico diante da necessidade de celeridade e, principalmente, de redução de despesas visadas a todo custo pelo mercado. Sendo assim, o poderoso sistema financeiro americano, através de seus principais agentes, resolveu desenvolver autonomamente, sem uma mudança legislativaou uma regulação por parte dos estados federados ou do governo federal, um processo de transferências eletrônicas dos créditos provenientes dos mortgages e dos deed of trusts com o objetivo de eliminar e preterir o registro – recording – nas repartições registrais públicas e dotar as transações dos títulos de uma maior rapidez a um custo menor. P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s Finanças Internacionais A principal justificativa utilizada pelo mercado financeiro para a criação de um sistema paralelo de registro, que foi denominado de Mortgate Electronic Registration System – MERS, sem as devidas mudanças legislativas, foi a ineficiência e a morosidade dos Public Recording System existentes nos condados americanos, já que no decorrer do lapso temporal da apresentação até o registro do documento, o crédito representado já havia sido transacionado e circulado dezenas de vezes (GONZÁLEZ, 2012, p. 48). Entretanto, para muitos o mesmo foi criado como uma forma de instrumentalizar a cessão dos créditos hipotecários entre seus membros sem alterar a legislação, com uma redução nos custos dos processos de tranferência pela ausência de pagamento de taxas às repartições registrais públicas, em benefício exclusivo dos interesses da indústria do financiamento hipotecário, já que o mercado sempre busca soluções alternativas e, via de regra, menos onerosas para resolver eventuais empecilhos presentes em seu processo produtivo. Assim, em um cenário econômico no qual as instituições financeiras desejavam transacionar seus créditos com celeridade e obtendo o maior lucro possível, a publicação das transferências nos órgãos públicos competentes mostrou-se um grande problema, pois demandava tempo e gastos, de modo que algumas entidades se reuniram e criaram o MERS. O sistema foi propagandeado como uma maneira inovadora de simplificação do sistema de transferência de crédito hipotecário, evitando as exigências de documentação e o registro das cessões nas repartições públicas, de modo a reduzir tempo e custos do sistema financeiro, inclusive refletindo nos valores que seriam dispendidos pelos devedores, em razão da diminuição do custo do processo de concessão do crédito. P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a CRISE DE 2008 - CAUSAS E ATORES F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s Fnanças Internacionais Na visão da maioria dos economistas e dos estudiosos sobre o tema, a crise financeira de 2008 foi a maior da história do capitalismo desde a grande depressão de 1929 e podemos enumerar que a causa direta da sua ocorrência, iniciada no mercado americano de hipotecas de alto risco, foi a ganância das instituições financeiras para angariar novos mercados e formas de alavancar seus rendimentos, dentro de um contexto global de enfraquecimento da figura regulatória do Estado. Importante lembrar que o mercado de financiamento imobiliário americano, apesar de ultrapassar a casa dos trilhões de dólares, vivia um momento de crescimento lento e gradual, no início da década de 90, influenciado pelo envelhecimento da população e proporcionando quase que unicamente incrementos pelo crescimento vegetativo, de modo que a maneira encontrada pelos financistas para uma majoração de seus lucros foi a sua abertura para os tomadores de empréstimos ( subprime). P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a CRISE DE 2008 - CAUSAS E ATORES Em linhas gerais, o MERS foi desenvolvido para que fosse feito um registro automático, sem qualquer supervisão ou fiscalização, instrumentalizado na plataforma autonomamente pelas próprias entidades participantes, com a facilidade de que figuraria como principal e como agente do principal, transferindo rapidamente o crédito dos credores originais – originators aos investidores – investors em seus registros sem deixar de exercer a titularidade sobre o mesmo em seu nome próprio. No ápice da crise econômica de 2008, o MERS reunia as principais entidades financeiras americanas e administrava cerca de metade das hipotecas que vigoravam no país, realizando auto- 169 Temas sobre a constitucionalização dos direitos fundamentais: um debate crítico maticamente e autonomamente os procedimentos de registro e transferência de seus créditos sem qualquer supervisão ou controle estatal, fato este que se mostrará primordial para o agravamento da crise. F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s Finanças Internacionais Sendo assim, para aumentar a sua rentabilidade, já que as operações de financiamentos no âmbito do mercado prime mostravam-se estagnadas e com rendimentos inferiores a seus anseios, o sistema financeiro ofereceu aos americanos de renda mais baixa e instável a possibilidade de gozarem de empréstimos habitacionais. Frisa-se que os interesses dos indivíduos subprime e das instituições financeiras mostravam- - se coincidentes, já que aqueles concordariam e supostamente suportariam pagar juros mais altos pelos empréstimos do que aqueles comumente pactuados no mercado, em razão da sua condição social, ao passo que os financistas imaginaram e calcularam ser o risco da concessão aceitável, quando sopesado aos montantes mais elevados que perceberiam pela disponibilização do capital. No ímpeto de aumentar suas linhas de crédito, muitos artifícios foram utilizados pelos bancos para convencer os tomadores dos financiamentos imobiliários a contratarem os empréstimos oferecidos, principalmente por meio de contratos maquiados com taxas de juros com percentuais diferenciados ao longo do tempo, de modo que figurariam muito baixas nos primeiros anos do acordo e aumentavam-se substancialmente no decorrer de sua vigência para compensar a redução inicial. Até o final de 2006, a maior parte dos contratos celebrados pelas instituições financeiras ainda estava na fase inicial de juros mais baixos, de modo a possibilitar o seu cumprimento por parte dos cidadãos subprime, razão pela qual os índices de inadimplência eram pequenos e insignificantes. Entretanto, posteriormente, na fase dos juros altos, a prestação mais elevada contratada passou a não se encaixar no rendimento e no orçamento dos “sub-cidadãos” e os empréstimos deixaram de ser adimplidos e quitados, justamente em um período em que a economia americana começou a mostrar sinais de enfraquecimento e desaceleração. P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a CRISE DE 2008 - CAUSAS E ATORES F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s Finanças Internacionais Cumpre destacar que, na ânsia de aumentar seus rendimentos por meio da cobrança de taxas de juros mais elevadas, os credores aumentaram a concessão de emprestimos subprime, além de usarem cada vez mais modelos estatísticos na análise de crédito, ao invés do juízo mais subjetivo e pontual do analista bancário, valendo-se de índices coletados em um período no qual a economia norte-americana passou por uma sustentada prosperidade, de modo que o risco de perda dos valores conferidos foi subestimado por meio de uma análise incorreta dos parâmetros de muitos financiados. Essa crise setorial no âmbito das hipotecas americanas subprime ganhou grandes proporções pelo fato de que os bancos, desde os anos 1980, vinham tentando de variadas maneiras retirar os riscos de crédito5 de seus balanços e torná-los mais líquidos, de forma que passaram a se utilizar das chamadas inovações financeiras com o objetivo de alavancar suas operações sem ter de reservar os coeficientes de capital requeridos e exigidos. Sendo assim, os credores originais dos créditos valeram-se das chamadas inovações financeiras para conferir liquidez a seus ativos, de modo que grande parte dessas hipotecas podres foi securitizada8 e alienada a investidores não só dos EstadosUnidos, mas de todo o mundo, razão pela qual uma crise inicialmente setorial originada pelas perdas causadas pelo crescente default dos emprestimos subprime no mercado americano resultou uma crise financeira à nível internacional. Portanto, os derivativos de crédito e os produtos estruturados lastreados em crédito imobiliário replicaram e multiplicaram os prejuízos do inadimplemento por um fator desconhecido, distribuindo e dinamizando, globalmente, os riscos deles decorrentes para uma imensa variedade de instituições financeiras nos mais díspares países, disseminando e alastrando a crise pelo planeta. P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a CRISE DE 2008 - CAUSAS E ATORES F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s Finanças Internacionais Conforme enumera Faria (2011), pode-se dizer que a crise financeira de 2008 decorreu da convergência de uma série de fatores dentro os quais destaca o crescimento descontrolado da emissão de derivativos, a multiplicação da feitura de operações não padronizadas fora de mercados regulados, a utilização de arbitragens com taxas de juros e taxas de cambio, a opacidade de novos tipos de operações e de fundos de investimento, a presença de níveis elevados e não controlados de alavancagem, a existência de conflitos de interesse entre as agências de classificação de risco e as instituições financeiras a serem auditadas, a utilização de políticas de remuneração que incentivam os executivos a promoverem uma excessiva exposição ao risco dos ativos sob seu comando e, por fim, da ausência de uma regulamentação estatal em algumas esferas do mercado. P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a CRISE DE 2008 - CAUSAS E ATORES Vale lembrar o péssimo papel apresentado pelas agências de classificação de risco no “auxílio” às instituições financeiras na montagem dos pacotes de crédito que lastreiavam os títulos securitizados. Infelizmente, as agências de qualificação de risco na qualidade de empresas que deveriam qualificar e avaliar, por meio de uma taxonomia própria, os ativos financeiros das instituições financeiras por meio de notas, segundo o grau de risco de inadimplemento, mostraram-se extremamente falhas e imparciais ao qualificarem de forma extremamente positiva títulos sem um bom lastro de pagamento, misturando créditos prime e subprime, talvez pelo fato de terem incorrido em sério conflito de interesses, na medida em que parte substancial de seus rendimentos advinha dos serviços às instituições envolvidas nas praticas predatórias de emissão de títulos securitizados. F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s Finanças Internacionais Destaca-se, contudo, entre os demais fatores responsáveis pela crise, a grande desproporção entre os volumes de ativos nos mercados de derivativos quando comparados com os contratos negociados em bolsa e com os contratos celebrados na própria economia real. Assim, muitas instituições financeiras por meio da utilização sem limites da securitização de créditos hipotecários, pela ausência de uma regulamentação e um controle por parte do Estado, alavancaram valores em muito superior ao seu próprio capital. Logicamente que em um cenário caracterizado pela enorme dificuldade das autoridades governamentais em neutralizar o poderio econômico do sistema financeiro, na qual não existia uma regulação e um controle eficiente, multiplicaram-se operações especulativas e de curto prazo, em detrimento de investimentos produtivos e geradores de riqueza em médio e longo prazo, resultando em uma riqueza financeira totalmente desconectada e desamparada da riqueza real Dessa forma, incentivou-se a formação de um ambiente com alta tolerância ao risco, dentro do qual houve uma grande disponibilização de credito ao mercado sem o devido critério, aliada a regulação deficiente por parte do Estado, formando-se “bolhas de ativos”, criando-se a falsa percepção no mercado de que a aquisição de ativos com recursos financiados seria uma operação bastante lucrativa, em razão da crescente valorização no preço dos imóveis propiciada pelo próprio círculo vicioso criado. Dentro deste contexto, a utilização pelos agentes financeiros do MERS, como mecanismo facilitador do registro, compensação e liquidez de transações, permitiu a feitura desses empréstimos hipotecários predatórios e propiciou a formação da bolha de títulos de credito hipotecários sem lastro de pagamento, ao possibilitar e ao facilitar, no âmbito do mercado americano, a securitização das hipotecas e a ocultação dos titulares de seu crédito sob um véu de opacidade, com grande celeridade e sem nenhuma supervisão e controle por parte das próprias entidades envolvidas ou pelo Estado. P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a CRISE DE 2008 - CAUSAS E ATORES F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s Finanças Internacionais Assim, anteriormente ao MERS, não havia a possibilidade de as entidades financeiras ocultarem dos reguladores governamentais a extensão e o volume do risco das perdas financeiras sofridas em consequência da prática de empréstimos predatórios, bem como enfrentavam uma maior dificuldade operacional para a circulação dos créditos securitizados, em razão da existência de um maior controle exercido por parte do Estado. Entretanto, com a criação do Mers pelas principais instituições financeiras detentoras de financiamentos imobiliários, os créditos concernentes às hipotecas subprime e seus respectivos direitos foram transferidos e centralizadas em sua figura, de modo que não se poderia mais aferir com concretude e segurança a identidade real dos credores proprietários dos títulos transacionados. Com o aumento da inadimplência dos devedores e o agravamento da crise havia a necessidade de serem excutidas as garantias para que os credores retomassem os imóveis e recuperassem ao menos parte de seus créditos, de modo que o sistema foi colocado à prova e mostrou-se um verdadeiro desastre. Da mesma forma como ocorre na legislação brasileira, na grande parte dos estados federados americanos a execução dos créditos hipotecários apenas pode ser exercida pelo credor hipotecário real do crédito garantido. No entanto, a dificuldade iniciou- se no fato de que, por o Mers propiciar uma opacidade do processo de transferência, inclusive aos credores, o credor final da cadeia de sucessões do crédito poderia não deter todos os documentos necessários para comprovar e executar seu crédito, de modo a não conseguir demonstrar a titularidade do seu direito de propriedade sobre o mesmo. Portanto, o sistema criou um verdadeiro embaraço legal, com a existência de direitos creditícios mal definidos, já que ninguém detinha a documentação adequada para comprovar a sua titularidade. . P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a CRISE DE 2008 - CAUSAS E ATORES F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s Finanças Internacionais A crise financeira internacional de 2008, originada pelas perdas causadas pelo crescente default dos empréstimos das hipotecas do mercado norte-americano de subprime e dinamizada em termos globais, uma vez que grande parte dessas hipotecas foi securitizada e distribuída a investidores do mercado global, nos induz a duas reflexões. Em primeiro lugar, ela põe em xeque os benefícios concretos da globalização financeira, com mercados financeiros desregulados, inclusive nos países desenvolvidos. Em segundo lugar, ela nos remete, a partir das medidas de natureza fiscal e monetária implementadas pelos EUA e países da zona do Euro e do Japão – tais como injeção de liquidez e de capital nos siste- mas financeiros por parte das autoridades econômicas destes países e a redução sincronizada da taxa básica de juros dos principais bancos centrais mundiais – para se evitar uma recessãoeconômica agu- da, tanto a repensar o próprio papel do Estado na economia quanto à necessidade de re-regulamentar os sistemas financeiros domésticos e reestruturar o sistema financeiro mundial (SFM). P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a CRISE DE 2008 - CAUSAS E ATORES Sendo assim, as confusões oriundas da impossibilidade de se aferir quem seria de fato o proprietário do crédito hipotecário e a real legalidade da execução das dívidas, somadas à crise financeira (estima-se que anteriormente o numero de hipotecas executadas era inferior a 1% e os devedores não desconfiavam da real titularidade do credito cobrado) ajudaram a disseminar e a transformar uma crise inicialmente setorial para uma crise de confiança geral, em razão da possibilidade de insolvência dos bancos que adquiriram os ativos podres em quantidades expressivas, inclusive instituições que teoricamente não transacionavam financiamentos imobiliários. Pode-se dizer que as dificuldades encontradas para se promover as massivas execuções hipotecárias dos empréstimos presumidamente inadimplidos colocaram em evidência a fragilidade e a ineficácia de todo o sistema de crédito imobiliário da maior economia do planeta, notadamente a sua sistemática de registro e transferência de direitos concernentes a imóveis. F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s Finanças Internacionais Quanto à segunda questão, a lição da crise é que não somente a ação estatal é fundamental para prevenir ou remediar a crise, como é necessária, sobretudo em momentos críticos – o que nos remete a idéia de Minsky que uma crise financeira tem que ser enfrentada pela ação de um Big Central Bank (banco central como emprestador de última instância) e de um Big Government (política anticíclica do governo), uma maior coordenação global entre as diferentes políticas nacionais, em particular dos grandes países desenvolvidos. P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a CRISE DE 2008 - CAUSAS E ATORES Em relação à primeira questão, como os mercados financeiros desregulamentados não são eficientes, na ausência de regras que estabilizem o referido mercado, as atividades especulativas e a valorização financeira da riqueza afloram naturalmente. Isto porque a liberalização dos mercados financeiros e a existência de novos instrumentos financeiros (como derivativos) ampliaram a possibilidade de realização de atividades especulativas. Torna-se, assim, necessária a regulamentação de operações derivativas “exóticas” e outras práticas (por exemplo, alavancagem excessiva de instituições financeiras) que ocasionam a festa dos investidores e bancos. F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s Finanças Internacionais Notas Importantes: • A expressão subprime referia-se às pessoas que estavam excluídas do mercado pelo simples fato de não possuírem garantias, renda ou histórico de crédito que possibilitassem ou incentivassem a concessão de um empréstimo por uma instituição financeira. • Risco de crédito é a possibilidade que o tomador do crédito não cumpra com as obrigações assumidas nas condições pactuadas. • Os Acordos de Basiléia formam um conjunto de acordos bancários firmados entre vários bancos centrais de todo o mundo para prevenir o risco de crédito ao disciplinar exigências mínimas de reserva de capital para as instituições financeiras. • O conceito de securitização vem alterando-se e modificando-se juntamente com o desenvolvimento do próprio mercado de capitais, de modo que atualmente podemos defini-lo como a prática financeira de se agrupar vários recebíveis financeiros e convertê-los em títulos padronizados e negóciáveis no mercado de capitais, de modo a transformar ativos relativamente não líquidos em títulos mobiliários líquidos, compartilhando os riscos associados a eles com os investidores que os adquirem. P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a CRISE DE 2008 - CAUSAS E ATORES F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s Finanças Internacionais P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a BOA NOITE A TODOS (AS) E MUITO OBRIGADO! Anderson Moura da S i lva a n d e r so n . m o u r a @ f m u . b r F i n a n ç a s I n t e r n a c i o n a i s Finanças Internacionais P r o f e s s o r M s . A n d e r s o n M o u r a d a S i l v a Bibliografia: Krugman, Paul. "A crise de 2008 e a economia da depressão." Revista de Economia Política 30.1 (2010): 180-182. Bresser-Pereira, Luiz Carlos. "A crise financeira de 2008." Revista de Economia Política 29.1 (2009): 133. A crise financeira de 2008 DE ALCÂNTARA MENDONÇA, Pedro José. Reflexões Sobre A Crise Financeira De 2008 E O Enfraquecimento Da Figura Do Estado1. TEMAS SOBRE A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: UM DEBATE CRÍTICO, P. 165.
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