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CAPÍTULO 1 Os Estados Unidos no Pós-Guerra Fria 1.1 AS BASES DA HEGEMONIA: ESTRUTURA POLÍTICA E PENSAMENTO ESTRATÉGICO O Sistema Norte-Americano e a Construção da Liderança - Desde a Declaração de Independência de 1776, os norte-americanos alimentam um sentimento de superioridade frente às demais nações (excepcionalismo norte-americano). - A dinâmica tradicional de polarização domina a política interna e externa dos Estados Unidos desde a fundação da república, o que pode ser exemplificado pelo processo de ratificação da Constituição (vigorada em 1789). "De 1776 a 1789, o país não possuiu uma carta definitiva, encontrando-se dividido entre os defensores de uma União sólida, com centralização de poder em nível federal, e os que advogavam a prevalência dos governos estaduais e dos interesses individuais sobre a nação." (p. 2) • Embora esse embate assuma diferentes formas ao longo da história, ele sempre gira em "(...) torno das mesmas oposições sobre o papel sociopolítico-econômico do Estado: o Estado nacional contra a sociedade (e o indivíduo), que se expressam na divisão "grande Estado" e "pequeno Estado".(p. 2) • No século XVIII essa avaliação respondia a uma realidade concreta de um país recém independente que precisa se fortalecer e se preservar de ameaças. Governo Washington: • Tradição de Washington: agenda que embasa duas correntes táticas para o exercício de poder nacional: o isolacionismo (minoritária) e a do internacionalismo unilateral (recorrente nas RI, pois permite ao país maior margem de manobra e liberdade, para que ele se guie por seu interesse nacional). Os EUA não deixam de agir no mundo, mas o fazem de forma tópica, através de alianças não permanentes e em caso de extrema necessidade. • O fortalecimento das bases de poder nacional no século XIX permite o início da transição da retórica à prática, com ênfase ao engajamento externo e na projeção de poder. • Destino Manifesto: política externa atrelada a um sentido de missão e expansão para disseminar e universalizar o experimento liberal e democrático • Expansão de fronteiras entendida como um direito e um dever, para a construção de um mundo que se espelhe nos ideais de liberdade norte-americanos o Duas dimensões da expansão das fronteiras: interna, justificando a expansão continental do país do séc XVIII e XIX, e a externa com o avanço no continente e no Pacífico (a exemplo da Doutrina Monroe, de 1823), até o Wilsonianismo do pós-Primeira Guerra e a consolidação da hegemonia contemporânea a partir de 1945. - Com o fim da Primeira Guerra Mundial, a agenda Wilsoniana atribui aos EUA um papel de relevo no mundo, visando a construção de uma ordem internacional estável sustentada pela democracia, segurança coletiva e a autodeterminação dos povos. • democracias vistas como mais pacíficas; cooperam entre si, compartilham valores comuns (o que favorece a paz e a estabilidade) • Para que essas negociações ocorram, Wilson propõe o estabelecimento da Liga das Nações (OI multilateral), que seria composta por todos os Estados do sistema internacional, defendendo a segurança coletiva • Essa visão idealista wilsoniana lança as bases do internacionalismo multilateral. Os EUA ao assumirem essa função na construção da ordem mundial caminham em direção ao papel da hegemonia. • No entanto, as forças internas não apoiam essa perspectiva e em 1920 os EUA se retiram da Liga das Nações e, posteriormente, em 1929, a Grande Depressão leva o país a acentuar um isolacionismo e tendência ao unilateralismo. Século Americano: pós-Segunda Guerra com a retomada de sua postura ativista (rumo à hegemonia) • construído a partir da noção de excepcionalismo da república democrática • caráter liberal do país refletido nas estruturas de poder • "A hegemonia era composta por três pilares: o estrutural, o institucional e o ideológico, que, na classificação de Nye Jr (2002) correspondem aos poderes: duro, brando e de cooptação." (p. 5) • A dominação dos EUA trazia previsibilidade às outras nações e aos organismos internacionais e algumas limitações ao próprio país, o que fortalecia a legitimidade política de seu domínio e sua credibilidade; país visto como um jogador honesto (honest broker) e mantenedor do equilíbrio (holder of the balance). • Para a manutenção do status quo como maior potência regional em todos os continentes, a tarefa da contenção da União Soviética foi usada como uma forma de gerar consenso interno e menor questionamento do papel global. • "A junção destes elementos levou à construção do (...) sistema de organizações multilaterais e redes de interdependência externas e do reforço do aparato militar e diplomático norte-americano para a projeção do poder hegemônico" (p. 5) Enfim, a hipocrisia • Alguns autores ressaltam o caráter misto da dominação americana que, ia desde a aproximação com a China (país comunista na década de 70) até o modelo político interno. Era questionado como o país que se dizia buscar promover democracia externa detinha um caráter tão segregacionista internamente (acentuado, por exemplo, pelo movimento pelos direitos civis liderado por Martin Luther King). Política e sociedade: participação, formulação de políticas e sistema decisório - A Constituição de 1789 gerou um grande debate sobre sua relação com os governos estaduais e a participação popular, debate esse que resultou em um documento que, com algumas mudanças, perdurou até 2012. • Bill of Righs: determinava normas sobre a limitações do poder dos governantes e os direitos básicos e individuais do cidadão (expressão livre das ideias, direito à posse de armas e o direito à autodefesa). - Existe um grande incentivo à participação popular na esfera micropolítica, o que gera maior fragmentação de grupos econômicos, sociais e étnicos (lobbies). Esses grupos proporcionam maior visibilidade e efetividade àqueles que possuem maior capacidade de organização e recursos financeiros, podendo-se destacar o lobby judaico, cubano, hispânico e negro (em termos raciais e étnicos) e o complexo industrial-militar, farmacêutico e agrícola (no setor econômico-financeiro). - “Estes mecanismos (denominados de “filtros”) impõem restrições à participação, com o objetivo de evitar a "tirania da maioria" (p. 7), o que nos leva a uma das maiores contradições do sistema eleitoral norte-americano: a instituição de eleições presidenciais indiretas. O sistema eleitoral americano - O Colégio Eleitoral: é composto por 538 delegados divididos proporcionalmente entre os estados e tem a função de eleger o Presidente. • O colégio eleitoral não sofreu qualquer modificação desde a sua criação, e esse mecanismo dificulta a visibilidade de forças independentes organizadas em outros partidos políticos. (Polarização do sistema partidário entre democratas x republicanos) • Além disso, os partidos majoritários tendem a criar disputas intrapartidárias; no Partido Republicano essa linha vem se instrumentalizando pelo forte apelo em uma sociedade em crise por lideranças jovens neoconservadores que desejam reforçar sua influência no partido, dividindo-o entre os conservadores e neoconservadores (ex: movimento “Partido do Chá”, de 2010). No Partido Democrata essa polarização interna é vista na oposição entre os moderados e a esquerda. • Partido republicano: Estado mínimo, defensor das liberdades individuais e dos valores norte-americanos, com teor religiosos, apelo popular ao interior mais conservados do país e centros urbanos mais ricos • Democratas: papel ativo do Estado no setor do bem-estar e aproximação às massas urbanas Os reflexos da fragmentação partidária. • “Essas fragmentações partidárias refletem-se no sistema político e nas relações Executivo/Legislativo/Judiciário/Sociedade e entre o Executivo e os governos estaduais, e que também emanamda lógica interna do país estabelecida pela Constituição. No que se refere ao equilíbrio entre os poderes do Executivo entre o Executivo e os governos estaduais, evita-se que um poder predomine de forma decisiva sobre o outro.” (p. 9). • “A centralização do poder e a autonomia convivem, assim como uma divisão de tarefas que permita a contenção mútua entre os poderes. O modelo político é misto, com poderes compartilhados e existência de controles e equilíbrios” (p. 9) O Executivo x Legislativo na política externa • “(...), existem três fatores que afetam as interações entre o Congresso e o Executivo e definem a resposta a esta pergunta: a percepção do Congresso de que o Presidente estaria abusando de suas prerrogativas, e o crescente impacto do partidarismo na política externa e as agendas que se encontram em disputa.” (p. 10) o Abuso de prerrogativas: embora sejam evitados, “(...) existem mecanismos constitucionais previstos que poderiam ajudar o Presidente a impor decisões sobre o Legislativo em situações de emergência nacional (...)” (p. 10) o “Na maioria das vezes, o Executivo solicita ao Legislativo mandatos especiais de negociações, a via rápida (fast track), ou busca a validação de sua ação em casos de guerra com pedidos de autorização ao Congresso.” (p. 10) o Todo poder constitucional que é dado ao Presidente é compartilhado pelo Congresso de alguma forma. Eles dividem poder. A ascensão hegemônica - “A partir da ascensão hegemônica dos EUA em 1945, as condições da emergência da Guerra Fria impulsionaram a formação do consenso sobre o engajamento internacional (em torno da contenção principalmente), que formavam um ‘centro moderado’ do qual participavam moderados e republicanos.” (p. 11) o Centro moderado = coalizão liberal; sofre a primeira quebra em 1970 pela Guerra do Vietnã, mas prevalece até 1989. Desde então não foi possível estabelecer uma nova coalizão. o “O Congresso transitou de um modelo de ‘Congresso apoiador’ na Guerra Fria (mais ativo e menos assertivo) para um ‘Congresso competitivo’ pós- Vietnã (ativo e assertivo), para um ‘Congresso estratégico’ (menos ativo e mais assertivo) do pós-Guerra Fria (...). Portanto, em épocas de emergência nacional e de guerra, é mais provável que se observe a proeminência da Presidência, enquanto épocas de paz geram não à ascendência do congresso, mas lutas políticas entre os departamentos Legislativo e Executivo sobre política externa” (p. 11) Estratégia, economia e sociedade (1989/2012) • As atribuições de Executivo e do Congresso não são claras; dependem das circunstâncias, questões e épocas históricas. • O sistema define-se como permeável à sociedade, uma vez que ela pode participar diretamente das ações do governo por meio de pressões diretas e indiretas, ainda que a participação e influência destes grupos de interesse não sejam similares, variando de acordo com sua organização, construção ideológica e recursos financeiros. O acesso ao sistema, portanto, é mais limitado do que aparenta, e isso se estende à lógica partidária. o “Apesar de multipartidário, o sistema norte-americano restringe o avanço das forças independentes por meio de legislações sobre financiamento de campanha, conquista de votos no Colégio Eleitoral, dentre outros mecanismos. Como opção, ou essas forças agregam-se a um dos partidos majoritários, (...), ou concentram suas ações via grupo de interesses.” (p. 12). Ocorre um misto entre pluralismo e o elitismo. • “Estes debates sobre o papel dos Estados Unidos no mundo e a organização de suas relações internas refletem o contexto atual do país, mas também os valores e tradições históricas nacionais, que correspondem aos fundamentos do sistema norte-americano.” (p. 12) Os Debates Norte-Americanos - Com o encerramento da bipolaridade surgem uma série de debates sobre o papel dos Estados Unidos no mundo pós-Guerra Fria, pensando em equilíbrio de poder mundial, recursos de poder e nas condições da sociedade. • “No que se refere à tática e ao exercício hegemônico do poder, as correntes se dividiam entre os que defendiam a reforma e atualização do estilo ‘especial’ de lideranças criado em 1945 e a quebra deste padrão. Em linhas gerais, a polarização ocorria entre os defensores dos dois tipos de internacionalismo presentes na história norte-americana: o multilateral e o unilateral.” (p. 13) Associados aos democratas/republicanos moderados e aos neoconservadores, respectivamente. • Ronald Regan fortalece essa corrente neoconservadora com sua chegada ao poder em 1980, valorizando o poder militar, o excepcionalismo norte-americano, a promoção de democracia liberal e etc. Já no pós-Guerra Fria essa visão se torna dominante apenas com Bush filho. • “Em termos de ordenamento do poder global, as duas visões, unipolares e multipolares, se completavam para descrever a realidade. No campo militar, a supremacia era incontestável. Prevalecia, na dimensão do poder duro, estrutural, a unipolaridade. Nas demais esferas relativas ao poder brando, política, economia, cultura e sociedade, a dispersão de recursos (principalmente no setor econômico) era maior, indicando tendências de desconcentração de poder.” (p. 13) Sistema definido como unimultipolar por Huntington. • Há um “(...) choque entre modernidade e tradição na vida dos cidadãos e no papel desempenhado pelo Estado na economia e na política.” (p. 14) • “A política é reflexo da sociedade da qual emerge e representa suas contradições, não podendo dela ser descolada. Em duas décadas de pós-Guerra Fria, essas tendências produziram três grandes estratégias diferentes: o Engajamento & Expansão (1993) no governo democrata de Bill Clinton (1993/2000), Doutrina Bush (2002) com o republicano George W. Bush (2001/2008) e a Doutrina Obama (2010), do democrata Barack Obama (2009/2012).” (p. 14) A Reforma Estratégica: de George H. Bush a Bill Clinton (1989/2000) - O primeiro governo a enfrentar o fim da Guerra Fria foi o de George H. Bush (1989), que de início não previa que a Queda do Muro deteria alcance o suficiente para transformar estruturalmente o sistema, tanto que, em janeiro de 89, ele e Gorbachev se reuniram na Cúpula de Malta para estabelecer como seria uma administração americano-soviética do sistema internacional. No entanto, acontecimentos posteriores (como a Revolução de Veludo) viriam marcar de maneira definitiva o fim da zona de influência soviética. - Os EUA sentiam um misto de vitória e indefinição diante desses acontecimentos, que despontavam em meio à uma crise econômica. O caminho escolhido por Bush pai foi a reforma do internacionalismo multilateral, agindo de maneira moderada e com apoio de instituições multilaterais (e consonância com seu discurso de nova ordem mundial). - Em relação à URSS, a maior preocupação era em não gerar sentimentos revisionistas. • “Bush pai adotou uma política de distanciamento político nessas situações, e baixa ou quase nenhuma ajuda econômica.” (p. 15) Isso devido à crise interna, o que frustrou “(...) as expectativas de que haveria um ‘Plano Marshall Europeu Oriental”. (p. 15) • O país não se ausentou no campo externo, a exemplo das negociações no Acordos de Olso em 93 e da revisão de missão da OTAN. • A estrutura das forças militares do pós-Guerra Fria foram mantidas, pois estas permitiam a organização de forças estratégicas por continentes, bem como sua projeção de poder. • Alterações ocorrem a partir de 2001, com a criação de mais dois comandos: USNORTHCOM (em resposta ao 11/09) e USAFRICOM, criado em 2007 para o continente africano “Na ausência do inimigo soviético, foram criadas duas categorias de Estados que passaram a representar focos de ameaça no sistema internacional: os rogue States (Estados párias ou bandidos) e os failed States (Estados falidos).” (p. 5) • Estados párias: governos autoritárioscom pretensões de hegemonia nacional, que não respeitam as normas da comunidade internacional. Exemplos dados: Irã e Coreia do Norte • Estados falidos: Estados com fragmentação social e ética, com graves problemas humanitários. • Conter essas nações se torna prioridade para os Estados Unidos, visando a mudança de regime em direção à democracia por meio de meios político- econômicos, o que é visto pelos neoconservadores como um estado de paralisia A busca por um novo inimigo - Haviam três possibilidades: “(...) o amarelo, caracterizado pelo crescimento do Japão, o vermelho representado pela China, comunista, e o verde, relacionado à expansão do islamismo.” (p. 16) Temores que foram sistematizados por Samuel Huntington em sua tese sobre o choque de civilizações, que aponta os conflitos culturais como característica da Nova Ordem - Em resposta à agenda de Bush, foi proposto o Defense Planning Guidance (DPG), em 1992 (...), que defendia o unilateralismo e o distanciamento de organismos como as Nações Unidas (por considera-los prejudiciais aos interesses do país), a contenção das potências regionais e o reposicionamento estratégico na Eurásia para a ocupação dos espaços da antiga União Soviética.” (p. 16) - “Essa expansão era vista como essencial para o controle dos recursos energéticos desse território e para o controle das suas rotas de passagem” (p. 16) Eleições de 1992 e a reorganização das forças neoconservadoras no tecido social norte- americano - Bush pai é criticado por seus excessos na política externa em detrimento da agenda doméstica e não é reeleito. Essa derrota distanciou os neoconservadores da linha de frente da política dos EUA - Sob um ideal de mudança e esperança, o democrata Bill Clinton (comeback kid) é eleito e cumpre dois mandatos na Casa Branca (1993 a 2000). Bill Clinton e o terrorismo - Como prometido em campanha, inicialmente seus esforços se direcionavam aos temas domésticos, no entanto “(...) a realidade da hegemonia rapidamente se imporia a este distanciamento. Ainda em 1993, o World Trade Center sofreria o seu primeiro atentado terrorista, atribuído a Al-Qaeda, ao qual se seguiria em 1995 um ataque terrorista interno, perpetrado por um grupo fundamentalista branco em Oklahoma City contra um prédio federal (...)” (p. 17) Além de outros ataques que sucederam em bases militares norte-americanas no Iêmen e na Arábia Saudita, e os atentados à bomba em suas embaixadas no Quênia e Tanzânia - Clinton cria uma força tarefa para o estudo do risco de ataques terroristas nos EUA Conceito estratégico de Clinton - Engajamento & Expansão (E&E) de 1993 “1. Fortalecer o núcleo principal das democracias de mercado, inclusive a norte-americana, favorecendo a disseminação dos valores e princípios democráticos para todo o sistema a partir desta comunidade 2. Incentivar, quando possível, a implementação e a consolidação de novas democracias e livres mercados em Estados significativos e importantes 3. Impedir a agressão de Estados hostis à democracia e incentivar a sua liberalização por meio de políticas específicas 4. Perseguir uma agenda humanitária para a melhora das condições de vida em regiões prejudicadas. Posteriormente, criar condições para que eventualmente essas comunidades possam integrar-se ao sistema pacífica e democraticamente” (p 18) - Agenda positiva na esfera dos direitos humanos, meio ambiente e cooperação na área de saúde - A dimensão econômica possuía caráter duplo: recuperação norte americana e o aumento de parcerias - “Clinton, porém, não conseguiu em nenhum momento do Congresso a via rápida para estas negociações, o que afetou negativamente sua capacidade de pressão em conversações específicas de integração regional (em particular nas Américas).” (p. 18) - Clinton também trouxe a revisão da Doutrina Estratégica (Quadrennial Defense Review, 1997), onde atualização dos sistemas de segurança, identificação de estados bandidos, estados falidos e a emergência do terrorismo são apontados. - A agenda foi bem sucedida e permitiu que o país recuperasse seu crescimento e renovasse sua economia, mas não garantiu aos democratas a reeleição em 2000. - Clinton estava com o processo de impeachment aberto e a visão crítica dos neoconservadores acerca de seu multilateralismo, não levou seu vice Al Gore (então candidato) à vitória presidencial. Neste ano, Bush filho vence as eleições, prometendo reafirmar o papel dos EUA como líder no âmbito externo e seus valores internos. - O país estava dividido; ambos os candidatos (Gore e Bush) receberam 50% dos votos, que pelo voto direto levaria Gore à vitória, mas pelo Colégio Eleitoral o resultado foi diferente. O 11/09, o Unilateralismo e o Recuo: George W. Bush (2001/2008) - A primeira fase de seu mandato acompanha baixa popularidade (uma vez que mais da metade da população não o apoiava) e resistência interna. - Adoção de uma ação mais realista e pragmática para o país no mundo, orientada pelo princípio de poder - Bush filho vai na contramão de Clinton (realocando orçamentos, deixando de lado ações multilaterais e etc); retórica da Casa Branca pendendo ao unilateralismo 2001 e o 11 de Setembro - Em contestação à dominação hegemônica, os ataques ao símbolo do poder social e econômico do país (World Trade Center) e estratégico-político (Pentágono e prédios públicos em Washington DC) mostram as fissuras da sociedade norte-americana. - “Embora não tenham afetado o equilíbrio de poder mundial naquele momento, os atentados (...) favoreceram a construção de um novo inimigo, o terrorismo fundamentalista islâmico de caráter transnacional (retomando o medo da onda verde) e a implementação de regras de censura e restrição de liberdades civis pelo Estado.” (p. 20) - Externamente, a Guerra Total Contra o Terrorismo (GWT, Global War on Terrorism) geraria guerras na Ásia Central e no Oriente Médio. - “(...) o 11/09 refletiu-se no Quadrenniel Defense Review de 2001 (..), que reafirma que foi aberta uma nova era de ameaças aos Estados Unidos e o mundo com foco no terrorismo e a necessidade de combate-lo em nível global.” (pág 21) 2002: Doutrina Bush substitui a E&E - “Mais do que o estabelecimento do terrorismo como inimigo, e da prioridade das guerras assimétricas, entre os Estado Unidos e países menores, entre os Estados Unidos e grupos privados transnacionais, a inovação da Doutrina Bush foi a introdução do conceito de prevenção como referencial de ação, em detrimento da contenção. Essa reafirmação do unilateralismo indica que os Estados Unidos voltavam à tradição das ‘alianças não permanentes’ do século XVIII (...), e que agiriam de forma decisiva contra seus inimigos, prevenindo a emergência de ameaças antes que surjam.” (p. 22); Doutrina Preventiva - Autores da linha oposta apontam que essas medidas apenas reforçam uma obsessão americana pelo mal, que traz impactos negativos ao sentimento igualitário e universalista e ascende uma plutocracia irresponsável; o poder hegemônico estaria ameaçando a democracia O declínio - A Guerra do Iraque (2003) oficializa essas posturas e traz consequências diretas para o país e o mundo - “Ao desconstruir o sistema de liderança norte-americana criada 1945, os Estados Unidos contribuíram para a crise de sua hegemonia, em termos materiais e ideológicos.” (p. 23) - “(...) em 2006 os republicanos perderam a maioria no legislativo, devido ao enfoque econômico e anti-guerra do Iraque dos democratas.” (p. 23) - Bush tenta empreender reformas que respondam “(...) a quatro fatores: à perda de legitimidade e credibilidade hegemônicas; ao definhamento e estagnação do sistema multilateral; à crescente valorização de coalizões anti-hegemônicas e a utilização de doutrinas preventivas por outrosEstados que temiam ser invadidos pelos norte-americanos (...); e à ascensão de novas potências e o distanciamento de aliados, que indicavam a consolidação de um sistema internacional com tendências multipolares e desconstrução de poder.” (p. 23) - As reformas não foram bem sucedidas; polarizações e divisões ideológicas seguiram se aprofundando Equilíbrio brando (soft balancing) - Países emergentes buscam diminuir a capacidade dos EUA de impor suas preferências a outros Estados, aceitando o equilíbrio de poder vigente, mas buscando também melhores resultados. Agenda de reforma externa - Empreendida por Rice, Secretário de Estado a partir do segundo mandato de Bush filho - Retoma à diplomacia norte-americana um padrão mais próximo de sua origem, baseado no multilateralismo assertivo, que reafirmava o compromissos com o sistema das OIs, na diplomacia transformacional que insere o componente político-econômico-social como mecanismo de promoção da mudança de regime (retoma a era Clinton) e a aproximação com potências regionais, reconhecendo o novo equilíbrio de poder. - Apesar de apresentar alguns avanços no campo externo, os últimos anos de Bush filho ficam marcados pela crise econômica que assolou o país entre 2007 e 2008. Assim, nas eleições seguintes os eleitores optaram por apostar em alguém que trazia propostas de mudança, elegendo o democrata Barack Obama. A Refundação Hegemônica? Barack Obama (2009/2012) - No início de seu mandato Obama enfrenta problemas para aplicar as reformas e reestruturações desejadas pela forte oposição dos republicanos, que apontavam suas políticas como sinônimo de “grande Estado” (com muita interferência na vida dos indivíduos), além de acusações de que ele seria socialista. - Uma de suas maiores preocupações era (...) sinalizar à comunidade internacional seu compromisso com o multilateralismo, as novas potências emergentes, os parceiros tradicionais e a renovação da projeção do país em continentes como a África (...).” (p. 26) O poder inteligente (Nye Jr.) - As mudanças no equilíbrio de poder mundial exigem que seja feito uso de todas ferramentas disponíveis (diplomática, econômica, militar, político, legal e cultural), de acordo com a exigência de cada situação; combinação de hard e soft power. Foi isso que levou Obama a ganhar o Prêmio Nobel da Paz em 2009. - Obama atualiza o Quadrennial Defense Review (QDR, 2010) e apresenta a Doutrina Obama (NSS-2010), onde o terrorismo permanece destacado como ameaça (apesar do abandono ao termo GWT), mas dessa vez junto à emergência das guerras cibernéticas. (Prevenção agressiva da NSS-2002 é substituída pelo foco em parcerias/cooperação) Os BRICS - Os EUA passam a se entender como parte de um ambiente internacional dinâmico, onde, dada a interconexão mundial, é preciso reconhecer a ascensão de novos centros de influência na ordem global, o que leva a novas possibilidades de articulação Norte-Sul e Sul- Sul. - Diante da pressão dos emergentes por reformas no sistema internacional, o governo norte-americano contrapôs ações unilaterais e declarações de teor hegemônico o “As demandas dos BRICS foram assim sistematizadas em sua primeira reunião de Cúpula em Ecaterimburgo na Rússia em 2009:” (p. 28) onde os países emergentes declaravam a urgência de haver maior representação nas instituições internacionais e afirmavam seu comprometimento com a diplomacia multilateral, com as Nações Unidas ocupando o papel centrar na administração dos desafios e dos perigos globais, reclamando uma reforma na mesma para lidar de maneira mais efetiva com os problemas contemporâneos. - Obama não via na ascensão dos emergentes o declínio da influência americana e europeia no mundo. Ele aponta possibilidade de crescimento dessas nações como resultado do mundo que foi moldado pelos EUA e por seus aliados democráticos. - O Secretário Assistente do Departamento de Estado Philip Gordon (2012) ressalta que cada vez mais os EUA possuem relações significativas com os BRICS e que, apesar de ser composto por países que compartilham interesses semelhantes, devem ser tratados a partir de sua individualidade Mundo pós-americano? - (...) estes poderes são do status quo, ou seja, não desejam a queda da hegemonia, mas sim a sua reforma e do sistema que valorizam. A imagem do mundo ‘pós-americano’, no qual os Estados Unidos serão menos dominantes como hegemonia, mas mais presentes como ??(página cortou) da ideologia democrática é bastante explorada neste sentido. Além disso, sempre se retoma o fator de ausência de adversários militares à ‘ordem interpenetrada’ criada pelos norte-americanos no pós-1945. Com isso, o cenário permanece favorável para a continuidade do ‘Século Americano” (...). (pp. 28-29) - Os EUA podem se manter como o centro do sistema mundial se buscarem consolidar uma ordem global na qual conquistam aliados, não inimigos, recriando instituições de governança básica do sistema. (Ikenberry, 2011) - O debate que fica é sobre como se dará a renovação dessa hegemonia diante de uma sociedade tão dividida, onde o debate interno segue polarizado em assuntos domésticos e internacionais. A autora também coloca que visões equivocadas e agressivas sobre diversos temas (vide vazamento de informações diplomáticas pelo Wikileaks) ainda estão presentes, junto a tópicos como o processo de paz no Oriente Médio que, mesmo se aplicando ao multilateralismo, seguem estagnados.
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