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FILOSOFIA
BIOÉTICA
Prof. Sebastião Donizeti Bazon
http://www.unar.edu.br
 
 
 
 
 
 
BIOÉTICA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Ms. Sebastião Donizetti Bazon
 
2 
 
SUMÁRIO 
 
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA .............................................................................................. 3 
PROGRAMA DA DISCIPLINA ..................................................................................................... 4 
UNIDADE 1. O QUE É BIOÉTICA ................................................................................................ 6 
UNIDADE 2. A ÉTICA E A BIOÉTICA ........................................................................................ 10 
UNIDADE 3. CONTEXTO HISTÓRICO DO NASCIMENTO DA BIOÉTICA ............................ 15 
UNIDADE 4. A FILOSOFIA DA BIOÉTICA ................................................................................ 20 
UNIDADE 5. O PROGRESSO CIENTÍFICO E A BIOÉTICA ....................................................... 25 
UNIDADE 6. O RELATÓRIO DE BELMONT ............................................................................. 30 
UNIDADE 7. A TEORIA PRINCIPIALISTA ................................................................................. 35 
UNIDADE 8. O PERÍODO PÓS-PRINCIPIALISTA DA BIOÉTICA: H. TRISTAM ENGELHARDT40 
UNIDADE 9. O PERÍODO PÓS-PRINCIPIALISTA DA BIOÉTICA: PETER SINGER ................. 45 
UNIDADE 10. A VOLTA DAS PERSPECTIVAS CRÍTICAS NA BIOÉTICA ................................ 50 
UNIDADE 11. A BIOÉTICA PERIFÉRICA ................................................................................... 55 
UNIDADE 12. A BIOÉTICA BRASILEIRA ................................................................................... 60 
UNIDADE 13. BIOÉTICA DE INSPIRAÇÃO FEMINISTA .......................................................... 65 
UNIDADE 14. TEMAS DA BIOÉTICA: O ABORTO................................................................... 70 
UNIDADE 15. TEMAS DA BIOÉTICA: DISCUSSÃO SOBRE O ABORTO ................................ 75 
UNIDADE 16. ABORTO: O DIREITO DE NASCER ................................................................... 80 
UNIDADE 17. ABORTO: O DIREITO SOBRE A VIDA .............................................................. 85 
UNIDADE 18. TEMAS DA BIOÉTICA: A EUTANÁSIA .............................................................. 90 
UNIDADE 19. A EUTANÁSIA NO BRASIL ................................................................................ 95 
UNIDADE 20. A CLONAGEM E A BIOÉTICA ......................................................................... 100 
 
 
 
 
3 
 
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA 
 
A Bioética (grego: bios, vida + ethos, relativo à ética) é um ramo da 
Filosofia moral que se interage com outras disciplinas como Medicina e Direito, 
e tem como objetivo discutir as questões relativas ao avanço das ciências da 
saúde e suas consequências para a vida humana. A disciplina tem como objeto 
de estudo, as polêmicas geradas pelo avanço das ciências da saúde que muitas 
vezes não acompanha uma reflexão sobre a vida humana e a dignidade do 
homem, questões como aborto, eutanásia, clonagem, suicídio assistido, são 
debatidos sob uma ótica científica e também filosófica, propondo assim uma 
profunda reflexão sobre o valor da vida e os avanços científicos. 
A bioética se apresenta sob três formas de estudos: a abordagem 
historicista, filosófica e temática. A abordagem historicista se remete aos 
conteúdos e eventos ocorridos no passado, e que têm relação com os abusos 
cometidos contra a vida humana, tanto pela parte da ciência, como pela parte 
do homem, por exemplo, as pesquisas realizadas nos campos de concentração 
nazistas e as duas guerras mundiais. 
 A abordagem filosófica exige que os seus debatedores tenham certo 
conhecimento da história da filosofia, principalmente da filosofia moral e por 
último e a mais utilizada é a abordagem temática, que se utiliza de casos do 
cotidiano e da vida para propor uma reflexão sobre determinados assuntos. 
 
 
 
4 
 
PROGRAMA DA DISCIPLINA 
 
Ementa 
Introdução a temas e problemas da filosofia, no tratamento referente à 
Bioética. Explicação dos fundamentos filosóficos da ética e da bioética. Reflexão 
teórica e prática sobre os aspectos e consequências morais da interação 
humana em diferentes contextos que envolvem a vida. 
 
Objetivo 
Explicar a origem da bioética e seus primeiros estudos dessa nova 
disciplina. 
 
Metodologia 
Disciplina oferecida na modalidade a distância (EAD). Incentiva-se a 
formação de grupos de estudo autônomos, orientados pelo professor. 
 
Avaliação 
No sistema EAD, a legislação determina que haja avaliação presencial, 
sem, entretanto, se caracterizar como a única forma possível e recomendada. Na 
avaliação presencial, todos os alunos estão na mesma condição, em horário e 
espaço pré-determinados, diferentemente, a avaliação a distância permite que o 
aluno realize as atividades avaliativas no seu tempo, respeitando-se, 
obviamente, a necessidade de estabelecimento de prazos. 
A avaliação terá caráter processual e, portanto, contínuo, sendo os 
seguintes instrumentos utilizados para a verificação da aprendizagem: 
 Trabalhos individuais ou a partir da interatividade com seus pares; 
 Provas realizadas presencialmente; 
 Trabalhos de pesquisa. 
 
5 
 
As estratégias de recuperação incluirão: 
Retomada eventual dos conteúdos abordados nas unidades, quando não 
satisfatoriamente dominados pelo aluno; 
Elaboração de trabalhos com o objetivo de auxiliar a vivência dos 
conteúdos. 
 
Referências 
Bibliografia Básica 
ENGELHARDT, H.T. Fundamentos da bioética. SP: Loyola, 2008. 
ENGELHARDT, H.T. Bioética Global. SP: Paulinas, 2012. 
MARINO, JR, R. Em busca de uma bioética global. SP: Hagnos, 2009. 
 
Bibliografia Complementar 
CASSIRER, E. Ensaio sobre o homem. SP: Martins Fontes,2001. 
DURAND, G. Introdução geral à bioética. SP: Loyola, 2003. 
GILES, T. R. Ramos Fundamentais da Filosofia: lógica, teoria do conhecimento, 
ética profissional. SP: EPU, 1995. 
GOZZO, D. Bioética e direitos fundamentais. SP: Saraiva, 2012. 
PEGORARO, O. Ética é justiça, Petrópolis, vozes 1999. 
 
 
 
6 
 
UNIDADE 1. O QUE É BIOÉTICA 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Definir, de modo geral, o termo bioética. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
A primeira aparição do termo bioética ocorreu em um artigo publicado 
em 1927, na Alemanha, pelo filosofo Fritz Jahr. Para o filósofo, o pensamento 
separatista entre o homem e o restante dos seres vivos só ocasionou um estado 
de imoralidade perante à natureza e a si próprio. Esse tipo de pensamento que 
começou desde a antiguidade e teve a sua crise no final do século XVIII, 
ocasionou o surgimento de um tipo de pensamento unificador; o pensamento 
romântico, que por causa do seu contexto histórico e intelectual não vigorou 
por muito tempo, fazendo com que suas ideias não se desenvolvessem em 
tempo suficiente. 
Vários pensadores, segundo Jahr, fizeram referências à criação de uma 
ética que englobasse os não humanos e o respeito à vida sob todas as suas 
formas. Por exemplo, o filósofo e teólogo Schleiermacher condenava toda ação 
que infligisse a vida de qualquer ser, independente da sua espécie, sem 
nenhuma justificação racional. Outro filósofo, que denunciava os abusos 
cometidos contra qualquer tipo de vida, era o pensador alemão Schopenhauer 
que, através de suas influências indianas, falava que a compaixão pelos animais 
e plantas era uma característica especial e sublime da ética. A esperança para 
Jahr está no século XX, pois segundo ele, a sociedade adquiriu outra forma de 
pensamento, por causa das guerras, da expansão das ideias socialistas e das 
críticas que Nietzsche fez ao sistema moral. A sociedade ocidental começou a se 
 
7 
 
abrirpara novas ideias que fugissem do seu espírito conservador, pois houve a 
necessidade de mudanças de seus padrões morais e comportamentais. 
No entanto, a bioética, como conhecemos hoje, é resultado de um 
estudo iniciado pelo filósofo americano Van Rensselaer Potter. Seu livro 
Bioética: uma ponte para o futuro, publicado em 1971, se tornou um marco 
histórico importante para os estudos da nova disciplina. Potter era um 
cancerologista estadunidense preocupado com questões sobre a preservação 
do planeta e a democratização do conhecimento científico.. 
Embora sendo autoridade histórica da institucionalização da palavra 
bioética, muitos pesquisadores questionam a originalidade do termo 
empregado por ele. Essas críticas apontam para dois locais, onde 
provavelmente o termo se originou: o primeiro local seria a Universidade de 
Wisconsin, em Madson, com Potter; o segundo lugar a Universidade de 
Georgetown, em Washington, com Andre Hellegers. Mas, diante desse 
questionamento, Potter continua a ser aclamado como uma referência histórica 
no campo da bioética, por suas ideias contidas em sua famosa obra. 
 
 
 
 
 
 
 
Van Rensselaer Potter, criador do termo 
moderno de bioética. 
 (Fonte: 
http://abioetica.blogspot.com.br/2011/06/potte
r.html) 
 
http://abioetica.blogspot.com.br/2011/06/potter.html
http://abioetica.blogspot.com.br/2011/06/potter.html
 
8 
 
A obra Bioética: uma ponte para o futuro, livro baseado em artigos feitos 
pelo filósofo entre os anos de 1950 e 1960, tem como principal preocupação a 
existência de uma assimetria entre a ética humana e o desenvolvimento da 
ciência que estuda a vida. Muitas vezes o resultado dessa assimetria ocasiona 
uma separação da esfera dos valores humanos com a esfera da ciência. 
Para Potter, os valores éticos não podem estar separados de fatos 
biológicos. Para que isso não ocorra, o filósofo propõe que haja uma 
democratização nos estudos científicos, pois o especialista pode entender muito 
sobre determinado organismo de um animal ou uma planta, mas, por causa 
desse condicionamento técnico, ocorre uma ausência na área humana, que são 
os valores. A ponte que Potter está propondo em seu livro é uma disciplina 
capaz de acompanhar o desenvolvimento cientifico (principalmente a ciência 
aplicada a questões sobre a vida e a saúde), com uma vigilância ética, que 
muitas vezes a ciência acaba deixando de lado. Para que essa vigilância ocorra, 
é necessário que exista uma abertura no campo cientifico, proporcionando uma 
interação com outras disciplinas como, por exemplo, a Filosofia e o Direito. 
A crítica feita por Potter ao sistema fechado das ciências não é 
totalmente sua, pois antes dele existiram outros pensadores que já 
questionavam essa atitude da ciência e sua arrogância perante outras 
disciplinas. Karl Popper foi um dos principais filósofos que criticou as bases da 
ciência que se desenvolvia, pois, segundo o filósofo, uma teoria que se fecha e 
não oferece meios para uma possível resposta empírica, deve ser reconhecida 
como mito. 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
De Newton até o século XX ocorreu uma mistificação da ciência, 
tornando-se algo elevado, pois os ocidentais reconheciam nas ciências a 
verdade sólida, completamente e definitivamente confiável. Quando era 
 
9 
 
descoberto um novo fato ou uma lei científica, o sistema científico se fechava e 
não dava espaço para que ocorresse qualquer mudança. Dessa forma o 
conhecimento científico era considerado o mais confiável dos conhecimentos 
que os seres humanos podiam possuir. Com Popper, o pensamento científico 
teve uma importante transformação, pois, ao criticar o princípio de 
verificabilidade – princípio utilizado pelo círculo de Viena, que estabelecia o 
significado de uma proposição e suas condições empíricas de verdade –, o 
filósofo propôs a falseabilidade como princípio para a ciência evoluir. Esse 
princípio consiste em afirmar que teorias que não podem ser refutadas não são 
teorias científicas, ou seja, teorias que não oferecem possibilidades de 
respostas, não são consideradas teorias científicas. A excentricidade no 
pensamento de Potter está em criticar as ciências da saúde e biológicas, pois a 
crítica feita por ele na primeira metade do século XX afetou somente as ciências 
naturais, como a física e a química, deixando quase intactas as ciências 
biológicas. 
O que Potter apresenta como proposta em seu livro é a ideia da 
constituição de uma ética aplicada às situações de vida pois, para ele, esse seria 
o caminho para a sobrevivência da espécie humana. Todavia, para que ocorra 
essa nova disciplina, não é preciso um rigoroso conhecimento da técnica, mas 
sim respeito aos valores humanos. Os ingredientes necessários para que se 
realize essa nova disciplina com prudência, que segundo o filosofo julga 
necessário, está na junção do conhecimento biológico associado a valores 
humanos. Os efeitos dessa união resultarão no espírito da bioética. 
 
 
 
10 
 
UNIDADE 2. A ÉTICA E A BIOÉTICA 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Compreender o relacionamento da ética com a bioética. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
A bioética surge da necessidade de refletir atitudes científicas de uma 
maneira mais humanizada. Por isso, a ética contribui de forma significativa para 
fundamentar os pressupostos da bioética e também por guiá-la em suas 
análises. 
Para ajudar nesta reflexão, trago um excerto do artigo do pesquisador e 
doutor em clínica médica José Roberto Goldim1. 
 
A Bioética e a Ética 
Atualmente, a ética passou a fazer parte do discurso da população, dos 
meios de comunicação, de profissionais de várias áreas, com seu significado 
nem sempre utilizado de forma correta. Talvez devido ao pouco conhecimento 
formal que a maioria das pessoas tem da ética, muitas não sabem propriamente 
o que é a ética, qual a sua finalidade e como ela atua. 
Muitas vezes, a palavra ética é utilizada também como adjetivo, com a 
finalidade de qualificar uma pessoa ou uma instituição como sendo boa 
adequada ou correta. Esse uso pode ter sido influenciado pela definição de ética 
proposta por George Edward Moore, de que ela é “a investigação geral sobre 
aquilo que é bom” O ideal é sempre utilizá-la na forma adverbial, ou seja, ela 
própria merecendo ser qualificada – eticamente adequada ou eticamente 
 
1
 Disponível: <http://www.ufrgs.br/bioetica/complex.pdf>, acesso em: 02/08/2014. 
 
11 
 
inadequada –, mas não pressupondo que a ética, no seu sentido substantivo, 
sempre se associe ao bom, ao adequado e ao correto. 
Ricardo Timm de Souza afirmou que a maior revolução epistemológica 
do pensamento ocidental foi à proposta por Emanuel Lévinas, ao postular que a 
ética fosse considerada como filosofia primeira, invertendo a subordinação 
tradicional à lógica e à ontologia. 
Três autores contemporâneos podem auxiliar na compreensão adequada 
dessas questões fundamentais. 
Adolfo Sanches Vasques caracterizou a ética como sendo a busca de 
justificativas para verificar a adequação ou não das ações humanas. Joaquim 
Clotet afirmou que a “ética tem por objetivo facilitar a realização das pessoas. 
Que o ser humano chegue a realizar-se a si mesmo como tal, isto é, como 
pessoa”. Complementando, Robert Veatch dá uma boa definição operacional de 
ética ao propor que ela é “a realização de uma reflexão disciplinada das 
intuições morais e das escolhas morais que as pessoas fazem”. 
 
A Bioética e a Humildade 
A humildade é uma virtude, ou seja, um traço adequado do caráter de 
uma pessoa. Potter definiu humildade como sendo a consequência apropriada 
que segue a afirmação “posso estar errado” e exige responsabilidade de 
aprender com as experiências e conhecimentos disponíveis. 
Durante um longo período da história da humanidade, pensou-se que 
seria possível conhecer a totalidadedas informações sobre um determinado 
tema. Ao atingir esse nível de conhecimento, seria possível conhecer todo o seu 
passado e também o seu futuro. A essa possibilidade, foi dado o nome de 
“demônio de Laplace”, pois quem detivesse todo esse conhecimento tudo 
poderia prever. 
 
12 
 
Werner Heisemberg, na década de 1930, formulou o princípio da 
incerteza, demonstrando a impossibilidade de conhecer simultaneamente a 
posição e a velocidade de uma partícula. Essa impossibilidade de poder 
conhecer tudo provocou, em consequência, o “exorcismo do demônio de 
Laplace”. 
Atualmente, é aceito que o tempo é uma variável fundamental em todo e 
qualquer processo. Ele provoca mudanças, e mais do que isso: associando-o à 
indeterminação, os processos não só mudam como podem mudar a sua própria 
maneira de mudar. 
A inclusão das noções de indeterminação e de mudanças provocadas 
pelo tempo alterou definitivamente as discussões científicas. Contudo, não 
houve a esperada contrapartida de humildade de grande parte dos cientistas e 
de outros profissionais envolvidos com a geração e aplicação do conhecimento. 
Hans Jonas, já em 1968, disse que “a humildade seria necessária como um 
antídoto para a ruidosa arrogância tecnológica atual”. 
Na Bioética, a humildade é uma característica fundamental. Ao assumir 
que a incerteza e a mudança são componentes sempre presentes, assume-se, 
igualmente, que os resultados das reflexões são sempre passíveis de discussão. 
A humildade permite reconhecer que não são definitivos nem imutáveis. 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
A Bioética e a Responsabilidade 
Os conhecimentos e discussões gerados pela Bioética e pela ecologia 
contribuíram para ampliar a noção de responsabilidade. Durante muito tempo, 
ela era associada apenas aos deveres existentes entre seres humanos 
contemporâneos e geograficamente próximos. 
Peter Singer desencadeou, no início da década de 1970, um grande 
debate sobre os direitos dos animais. Fritz Jahr, em 1927, já havia proposto, 
 
13 
 
segundo suas próprias palavras, um imperativo bioético: “Respeita, em princípio, 
cada ser vivo como uma finalidade em si e trata-o como tal, na medida do 
possível”. O próprio título de seu artigo propunha uma visão da Bioética como 
sendo um “panorama sobre as relações éticas dos seres humanos para com os 
animais e as plantas”. A inclusão das plantas na discussão bioética é ainda 
altamente inovadora, mesmo nos dias atuais. 
Em 1948, Aldo Leopold, em seu texto sobre ética da terra, fez outra 
ampliação dessa discussão, quando postulou o direito das gerações futuras a 
receberem um ambiente preservado. Nessa mesma tradição, Hans Jonas, em 
1968, propôs um outro imperativo, com a finalidade de prevenir possíveis 
consequências das ações humanas: “Nas tuas opções presentes, inclui a futura 
integridade do ser humano entre os objetos da tua vontade”. 
A expansão dessa discussão sobre direitos e deveres com a inclusão de 
todos os seres vivos, tanto contemporâneos quanto ainda não existentes, 
amplia a responsabilidade e a perspectiva atual da Bioética, como já haviam 
antecipado Fritz Jahr e Van Rensselaer Potter. 
A ecologia profunda, de Arne Ness, que serviu de base para a terceira 
definição de Bioética de Potter, já havia rompido com a perspectiva usual da 
relação dos seres humanos com a natureza, no sentido de domínio sobre a 
mesma – em que o ambiente natural era visto apenas como um recurso para ser 
desfrutado, considerando os demais seres vivos como inferiores – e de centrar 
essas discussões políticas apenas no âmbito nacional. A sua proposta visava 
gerar uma relação harmoniosa com a natureza, reconhecendo-a como tendo 
valor intrínseco e buscando o reconhecimento da igualdade entre as diferentes 
espécies, e esta perspectiva deveria ser discutida na abrangência de biorregiões, 
além de reconhecer as tradições das minorias. 
Atualmente, discutir apenas a preservação do ambiente natural passou a 
ser uma tarefa difícil e até mesmo ultrapassada. A diferenciação entre objetos 
 
14 
 
artificiais e objetos naturais, que pode parecer imediata e sem ambiguidade, na 
realidade não o é. Essas diferenças não são nem imediatas nem estritamente 
objetivas, tamanho o grau da intervenção humana e das inter-relações 
existentes. 
A preservação apenas de ambientes naturais intocados por si só os 
tornaria artificiais, pois, ao protegê-los, estariam sendo impostas barreiras 
artificiais de acesso e utilização. As reservas e parques naturais são exemplos 
dessa ambiguidade entre o natural e o artificial, entre o natural e o naturalizado 
(Lenoir). 
Na área da saúde, essa questão também está cada vez mais presente. 
Distinguir os processos de ação naturais do organismo humano dos provocados 
por intervenções externas a ele pode ser difícil e, em determinadas situações, 
impossível. 
As intervenções, quando avaliadas de uma perspectiva ecológica, deixam de ter 
apenas uma conotação individual, passando a merecer uma discussão com as 
demais pessoas direta ou indiretamente envolvidas. A ética da razão 
comunicativa de Karl-Otto Apel deu uma importante contribuição nesse 
sentido. Ao levar em conta as consequências diretas e indiretas das ações 
realizadas e por utilizar o discurso argumentativo exercido por todos os 
indivíduos para obter normas consensuais, torna-os corresponsáveis por todas 
as ações. 
 
 
 
15 
 
UNIDADE 3. CONTEXTO HISTÓRICO DO NASCIMENTO 
DA BIOÉTICA 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Compreender o contexto histórico do nascimento da Bioética. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
Para melhor entender os princípios da bioética, é necessário entender o 
contexto histórico e social que Potter viveu, pois as transformações sociais, 
políticas e tecnológicas que ocorreram na década de 60, impulsionaram o 
nascimento da bioética que conhecemos hoje. Houve importantes processos de 
transformações da sociedade que marcaram profundamente o espírito do 
filósofo, tanto no campo das ciências, como no campo da moralidade. Os 
avanços científicos e tecnológicos fizeram surgir dilemas morais inesperados à 
prática da biomédica. A causa desses dilemas está nos eventos ocorridos nos 
anos da década 1960, nos Estados Unidos e no mundo, que são: as conquistas 
dos direitos civis, o que fortaleceu o ressurgimento de movimentos sociais 
organizados, como o feminismo, o movimento hippie e o movimento negro, 
entre outros grupos de minorias sociais. O resultado disso foi o manifesto de 
diferentes opiniões na sociedade, que buscavam respeito, proteção das leis e o 
pluralismo moral. 
Outro resultado dessas manifestações sociais foram as transformações 
em instituições já tradicionais, como os padrões de família, as crenças religiosas, 
e até mesmo a socialização das crianças por meio das escolas. As 
transformações não se restringem ao campo moral. Neste período ocorreram 
transformações significativas no campo tecnológico, desenvolvendo-se 
tecnologias que privilegiavam o bem estar das pessoas e a qualidade de vida 
 
16 
 
das populações. Enfim, a década de 1960 foi sem dúvida um marco para as 
transformações da sociedade em todos os seus sentidos, por isso, o surgimento 
da bioética pode ser visto, então, como a principal resposta no campo ético a 
essas grandes mudanças. 
 
Martin Luther king, líder do movimento negro que lutava por direitos civis na década de 60. 
(Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Martin_Luther_King,_Jr.) 
 
 
Em 1967, acontece o primeiro transplante de coração, pela equipe do cirurgião sul-africano Christian 
Barnard, no Hospital Groote Schuur, na Cidade do Cabo, África do Sul. 
(Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-76382011000400029) 
 
 
17 
 
 Ainda nesse período de transformações, ocorreram dois outros 
acontecimentos que contribuíram para que a bioética fosse definida como um 
novo campo disciplinar:as denúncias cada vez mais assíduas, relacionadas às 
pesquisas científicas com seres humanos, um tema fortemente impulsionado 
pelas histórias de atrocidades cometidas por pesquisadores nos campos de 
concentração da Segunda Guerra Mundial; e a abertura gradual da medicina, 
que, de uma profissão fechada e autoritária, passou a dialogar com os 
estrangeiros que são os filósofos, teólogos, advogados e, posteriormente, com 
os sociólogos, psicólogos que passaram a opinar sobre a profissão médica, 
porém sob outras perspectivas profissionais. 
 Essa invasão, por outras áreas do conhecimento em medicina, tem como 
causa a especialização cada vez mais direcionada dos médicos e com isso 
ocorre uma despersonalização do exercício médico. O efeito desse processo foi 
uma perda significativa de confiança na relação médico e paciente. A imagem 
do médico como amigo e confidente – no antigo modelo do médico de família 
– foi perdendo a força, até chegar a um estado de distanciamento e 
estranhamento entre o paciente e o médico. Esses fatores contribuíram para 
que a ética clássica médica de inspiração hipocrática fosse perdendo a força e 
que causassem o nascimento de outra ética. 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
O filósofo americano Albert Jonsen, em 1993, escreveu um livro intitulado 
O Nascimento da Bioética, onde ele relata fatos que ocasionaram a consolidação 
da bioética. Dentre os fatos mencionados no livro, o filósofo ressalta três 
acontecimentos que foram cruciais para a consolidação da disciplina. O primeiro 
fato foi à divulgação do artigo da jornalista Shana Alexander, intitulado “Eles 
decidem quem morre”, publicado na revista Life, em 1962, que contava a 
história e os desdobramentos da criação de um comitê de ética hospitalar em 
 
18 
 
Washington, nos Estados Unidos (Comitê de Admissão e Políticas do Centro 
Renal de Seattle). 
O Comitê de Seattle, como ficou conhecido, tinha o objetivo de definir 
prioridades para a alocação de recursos em saúde. Uma das primeiras medidas 
foi a seleção, dentre os pacientes renais crônicos, daqueles que poderiam fazer 
parte do programa de hemodiálise recém-inaugurado na cidade. O problema 
está em que não havia disponibilidade para todos os pacientes, pois o número 
de internados era muito grande. A solução que os médicos encontraram foi 
delegar os critérios de seleção para um pequeno grupo de pessoas, 
basicamente todos leigos em medicina. O grupo elegia os critérios não-médicos 
de seleção para o tratamento, resultando em um processo de transferência de 
responsabilidade da decisão médica para o domínio publico. Para a jornalista, 
esse evento marcou a necessidade de pensar uma ética nova para os 
profissionais da saúde, pois esse fato ocorrido mostrou que as noções de 
valores e responsabilidade da ética médica estavam equivocadas. 
O segundo evento ocorreu em 1966, com a publicação de um artigo do 
médico anestesista Henry Beecher. O médico colecionava publicações que 
envolvessem seres humanos em condições pouco respeitosas, extraindo os 
dados de jornais de grande prestígio internacional, como por exemplo, o New 
England Journal of Medicine, Journal of American Medical Association, Journal of 
Clinical Investigation, entre outros. O resultado dessa união de artigos gerou o 
livro, Ética e pesquisa clínica, que reúne 22 relatos de pesquisas realizadas com 
recursos provenientes de instituições governamentais e companhias de 
medicamentos em que os alvos de pesquisa eram os chamados “cidadãos de 
segunda classe”. Adultos com deficiências mentais, idosos, recém-nascidos, 
crianças com retardos mentais, pacientes psiquiátricos, presidiários, mendigos, 
são considerados os cidadãos de segunda classe, por não poderem assumir 
 
19 
 
uma postura moralmente ativa perante os pesquisadores ou autoridades dos 
experimentos. 
O terceiro e ultimo evento considerado crucial para a consolidação da 
bioética, segundo Jonsen, foi a resposta do público a uma atitude médica 
arbitrária que ocorreu na África do Sul, em 1967, com o cirurgião cardíaco 
Christian Barnard. O médico transplantou o coração de uma pessoa quase 
morta em um paciente com doença cardíaca terminal. Esse acontecimento 
repercutiu na mídia internacional, gerando repulsa dos cidadãos em relação à 
atitude do médico. O problema central dessa atitude está em como o médico 
pode garantir que o doador esteja realmente morto no momento do 
transplante. A situação levou a Escola de Medicina da Universidade de Harvard, 
em 1968, a procurar definir critérios para a morte cerebral, a fim de controlar 
casos semelhantes a esse. Os preceitos foram divulgados somente em 1975, 
mas ainda hoje é referência para o debate internacional sobre morte encefálica. 
 
 
 
20 
 
UNIDADE 4. A FILOSOFIA DA BIOÉTICA 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Compreender os pressupostos filosóficos existentes na bioética. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
A bioética necessitou importar vários conceitos da filosofia para definir 
suas bases e fundamentos. Para refletir sobre a colaboração da filosofia na 
bioética, trago um excerto do doutor em filosofia Bernardo Alfredo Mayta 
Sakamoto2 
A Bioética pode ser entendida como uma amálgama de três concepções 
filosóficas modernas: o jusnaturalismo, o princípio da dignidade kantiano e o 
utilitarismo. 
 
O jusnaturalismo ou direito natural 
O Direito Natural é um direito espontâneo que surge da própria natureza 
social do homem. É constituído por um conjunto de princípios de caráter 
universal, eterno e imutável. São direitos naturais: reproduzir-se, constituir 
família, os direitos à vida e à liberdade. Estes direitos refletem exigências sociais 
comuns a todos os homens. 
O Direito Natural é um direito legítimo, que nasce da própria vida 
humana, no seio do povo. O adjetivo natural, aplicado a um conjunto de 
normas, já evidencia o sentido da expressão, qual seja, o de preceitos de 
convivência criados pela própria Natureza e que, portanto, precederiam às leis 
 
2
 Disponível <www.unioeste.br/cursos/cascavel/pedagogia/eventos/2008/2/Artigo%2010.pdf>, acesso em: 03/08/2014. 
 
21 
 
escritas ou ao direito positivo que são normas criadas e impostas pelo Estado 
(jus positum). 
O fundamento do Direito Natural reside na própria natureza humana. 
Para além da legislação positiva há um Direito Natural formado por princípios 
imutáveis e verdadeiros que o homem descobre graças a sua razão. 
 
A dignidade humana 
Para Immanuel Kant (1724-1804) cada ser humano é dotado de 
dignidade. A dignidade humana consiste nas particularidades únicas do ser 
humano: razão, inteligência, sentimentos e vontade de decidir. Nossa dignidade 
está dada pela capacidade de pensar, refletir, inventar e executar nossos 
projetos. Nós podemos aprender, memorizar, dominar nossos impulsos, isto é, 
somos capazes de dirigir nossa conduta ou comportamento. Também 
possuímos a afetividade que nos permite amar a outros seres, comunicar-nos, 
aderir-nos a valores e, sobretudo, nos dá consciência de nós mesmos e de 
nossa existência. 
Para Kant, a Dignidade Humana é o conceito primordial que não 
distingue idade, sexo, etnia, cor, crença religiosa ou política, situação civil ou 
econômica. Todos nós queremos ser tratados como “alguém” e não como 
“algo”. Ninguém quer ser instrumento de outro. O homem deve sempre levar 
uma vida digna e de autodomínio, uma vida de ser humano. Kant na 
Fundamentação da Metafísica dos Costumes nos diz: “Age de tal maneira que 
uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outra, 
sempre e simultaneamente como fim e nunca como um meio” (KANT, 2003, 
p.59). Em outras palavras, nunca trates ao outro como meio, mas sim como fim. 
 
 
 
 
22 
 
O utilitarismo 
O utilitarismo filosófico, de origem britânica, admite como útil tudo o 
que serve à vida ea sua conservação, mediante acréscimo de felicidade e bem-
estar. Cada ação deve atingir a felicidade máxima, não só para o agente, mas 
para o conjunto da humanidade. 
Jeremy Bentham (1748-1832) acreditava que a natureza dos homens é 
regida por dois princípios: o prazer e a dor. A felicidade é o objetivo de todas 
nossas ações e, para unir nossa felicidade pessoal com a felicidade geral, existe 
o critério em medir a ação por suas consequências individuais e sociais. 
Bentham considerava que o princípio da utilidade pode proporcionar um 
critério científico para nossas ações e, com isso, reformar a sociedade. O 
“cálculo felicíssimo” de Bentham permite valorizar nossas ações pela quantidade 
de pessoas afetadas na ação. Assim, se queremos avaliar uma ação, basta 
calculara quantidade de felicidade ou dor que esta produziu, este cálculo nos 
permite estabelecer a retribuição justa, segundo Bentham, dando ao autor da 
ação a mesma quantidade de prazer ou de dor. 
Na Bioética, o utilitarismo serve para calcular os riscos e benefícios nos 
pacientes, avanços na biologia e os efeitos das biotecnologias. 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
Os fundamentos da Bioética 
Os fundamentos da Bioética têm natureza pragmática, útil e são, a não 
maleficência, a beneficência, a autonomia e a justiça. A Bioética considera-os em 
todos os casos submetidos a sua avaliação. Os fundamentos da Bioética 
constituem o referencial teórico para justificar suas normas. 
 
a) O fundamento da não maleficência. 
 
23 
 
Foi extraído do Juramento de Hipócrates e que realizam ainda hoje os 
médicos (primum non nocere) “Nunca prejudicarei ou farei mal a quem quer 
que seja. A ninguém darei remédio mortal nem conselho que o induza à 
destruição”. 
 A não maleficência indica que devemos evitar causar qualquer dano às 
pessoas. É dever de todo cidadão proteger os indivíduos ou a sociedade de 
todos os danos e evitar expô-los ao perigo. Na área das ciências da vida, o 
pesquisador deve garantir que os prejuízos previstos sejam evitados. Em 
algumas situações, o fundamento de não maleficência obriga causar o menor 
dano aos pacientes e aos sujeitos de uma pesquisa. 
 
b) O fundamento da beneficência. 
Extraído também do Juramento de Hipócrates: “Aplicarei a medicina para 
o bem dos doentes, segundo o saber e minha razão”. Este fundamento da 
Bioética significa agir em beneficio dos outros, em fazer o bem de outrem. Não 
só fazer o bem, mas fazer o maior bem possível e ao maior número de pessoas. 
A Beneficência nos exige, por um lado, evitar causar o mal e, por outro lado, 
maximizar os benefícios e minimizar os danos. No contexto médico, é um dever 
agir no interesse do paciente. 
 
c) O fundamento da autonomia. 
Refere-se ao livre arbítrio das pessoas: cada indivíduo é soberano sobre 
seu corpo e sua mente. Pela Autonomia exige-se, que os indivíduos devam ser 
tratados como agentes autônomos e, em segundo lugar, que os indivíduos 
sejam protegidos quando tenham autonomia diminuída (crianças, doentes, 
anciãos etc). 
A pessoa autônoma é capaz de deliberar sobre suas metas pessoais e ser 
capaz de agir segundo essas metas. Respeitar a autonomia é considerar as 
 
24 
 
opiniões e escolhas de uma pessoa, evitando a obstrução de suas ações, a 
menos que elas sejam claramente prejudiciais para si mesmo ou para os outros. 
Duas condições são essenciais à Autonomia: a liberdade e a ação. A liberdade é 
a independência do controle de influências e a ação é a capacidade de agir 
intencionalmente. 
A Autonomia exige igualdade de direitos ao cidadão: educação básica, 
moradia, segurança, assistência médica, trabalho, entre outras, que são as 
condições básicas para o exercício da cidadania. 
 
d) O fundamento da justiça. 
Desde Aristóteles a Justiça é considerada a maior das virtudes porque 
envolve todas as ações. A Justiça exige que se trate aos seres humanos de 
maneira equitativa, no sentido de dar a cada qual o que lhe corresponde. A 
Justiça é interpretada através da visão da justiça distributiva. Esta é considerada 
como sendo a distribuição correta, equitativa e apropriada para a convivência 
na sociedade. Pela justiça distributiva se trata às pessoas de acordo com suas 
necessidades e suas capacidades: os que precisam mais devem receber mais. A 
injustiça ocorre quando um benefício que uma pessoa merece é negado sem 
uma boa razão. 
 
 
 
25 
 
UNIDADE 5. O PROGRESSO CIENTÍFICO E A BIOÉTICA 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Entender a relação existente entre o progresso científico e a bioética. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
O progresso científico trouxe impactos para a sociedade moderna nos 
últimos séculos. Várias áreas foram afetadas, inclusive a vida, por isso, a bioética 
busca compreender esses impactos científicos e morais causados pela ciência. 
Para ajudar nesta reflexão, trago um excerto dos pesquisadores João Rui Duarte 
Farias Nogueira, Rui Pedro Cardoso Loureiro e Ernestina Mª V. Batoca Silva3 
 
O Progresso Científico e a Bioética 
A medicina mudou mais nos últimos cinquenta anos que nos cinquenta 
séculos precedentes. Sucederam-se duas revoluções: a revolução terapêutica 
que começou em 1937 com as sulfamidas e a revolução biológica que a seguiu 
de perto com a engenharia genética e patologia molecular. Estas duas 
revoluções não só diminuíram o sofrimento dos Homens como vieram 
igualmente colocar novos problemas éticos (BERNARD, 1992). 
Na atualidade, como refere BERNARDO (1992), ocorreu uma 
extraordinária explosão científica e especialmente tecnológica que abalou e 
perturbou o ritmo da Vida Humana e a capacidade de adaptação a esta terceira 
revolução comandada pela informática, pela robótica, pela telepática e a 
biotecnologia. É neste contexto que surge um novo domínio da ética. O 
progresso já realizado e previsível nos domínios da biologia, e nomeadamente a 
 
3
 Disponível: <http://www.ipv.pt/millenium/millenium30/2.pdf>, acesso em: 30/07/2014. 
 
26 
 
biologia humana, põe questões e lança grandes desafios à reflexão ética. No 
campo da genética há amplas perspectivas de novos conhecimentos. As 
pesquisas, as experiências, as intervenções sobre os genes, os processos de 
fecundação, a ação sobre o cérebro, a programação e a reorientação da 
personalidade estão em voga. 
Em Fevereiro de 1997, foi anunciado o primeiro caso bem sucedido de 
clonagem reprodutiva de mamífero, realizada por transferência nuclear a partir 
de células somáticas do adulto. Este acontecimento fez cair o dogma de 
irreversibilidade da diferenciação celular em animais superiores e abriu a nossa 
imaginação às possibilidades perturbadoras de clonar seres humanos. 
Pouco depois, surgiu a possibilidade de desviar o processo de clonagem 
na sua fase pré-implantatória para a produção de células e tecidos com 
potencialidade terapêutica. Em Novembro de 1998 foi anunciado o isolamento 
de células estaminais humanas a partir de embriões e fetos, a possibilidade de 
as cultivar indefinidamente in vitro sem alteração das suas características e, mais 
tarde, a sua capacidade de serem indiferenciadas in vitro, de modo a originarem 
células e tecidos de enorme interesse terapêutico. Em Junho de 2000, o anúncio 
da sequenciação quase completa do genoma humano veio marcar o início de 
uma nova forma de fazer biologia e de entender quem somos, como ficamos 
doentes, e como envelhecemos (OSSWALD, 2001). 
Em 2003 sucedem-se as notícias ao nível dos media sobre o nascimento 
de seres humanos clonados. 
Perante estas novas possibilidades de pensar a ciência, e o próprio futuro 
da espécie humana, o meio científico necessitou do contributo da bioética. 
Segundo NEVES (2001), a bioética é um dos novos saberes da 
contemporaneidade que mais tem evoluído. A sua história é extremamente 
recente, tendo tido início formal e institucionalem Dezembro de 1970, quando 
o oncologista norte-americano Van Rensselaer Potter introduz o neologismo ª 
 
27 
 
bioéticaº, no seu texto ª Bioethics the Science of Survivalº. No entanto, qualquer 
que seja o nosso horizonte de reflexão, retomando a história ou recuando à 
pré-história da bioética é evidente o curto espaço de tempo que medeia entre a 
total inexistência do que hoje entendemos por bioética e a sua extraordinária 
divulgação. 
SERRÃO (2001) refere que na proposta inicial de Potter, a bioética seria 
uma nova disciplina do conhecimento humano, na qual se cruzassem os 
conhecimentos sobre a natureza da vida e sobre a essência de todas as 
manifestações da vida. O bios contribuía com os dados da biologia científica, 
estrutural e molecular, da genética, enquanto genoma e fisioma, e outros dados 
científicos que definem a vida como natureza. O ethos contribuía com os 
saberes específicos sobre as peculiaridades das diferentes formas de vida 
construídas com e sobre a natureza ± a vida vegetal, a vida animal e a vida 
humana. 
ARCHER (1995) cit. in ANTUNES (1998:13) realça a importância da 
bioética ao afirmar ªo conceito de bioética, tal como foi apresentado por Van 
Potter (1970), tornou-se avassalador ao abranger não apenas as questões éticas 
relacionadas com o exercício clínico ± a ética em cuidados de saúde ± mas 
também tudo o que interfere com o fenômeno vital. 
De fato, apesar de todas as inovações que a ciência tem proporcionado 
ao homem, permitindo-lhe viver mais e melhor, é indiscutível a necessidade de 
imposição de limites à sua ação. Consideramos, nesta perspectiva, pertinente a 
afirmação de OSSWALD (2001:10) ªperdida a sua inocência nas câmaras de gás 
de Auschwitz ou no braseiro de Hiroshima, a ciência encara, hoje como nunca 
antes, o problema da sua fundamentação ética. Também NEVES (2001) 
concorda com esta perspectiva, referindo que o irreprimível progresso técnico 
científico, especialmente o biotecnológico, passa a conhecer limites que lhe são 
afinal impostos exteriormente pelo Homem, na sua interrogação sobre o dever 
 
28 
 
ser, sobre o dever fazer. A dinâmica do poder que estimula o progresso da 
ciência cede então ao sentido do dever que constitui a ética. 
Conclui-se então que o conhecimento não constitui por si só um valor 
absoluto, mas que se deverá subordinar invariavelmente às finalidades 
humanas. Apenas sob esta orientação se poderá vir a assegurar que o 
desenvolvimento histórico e o progresso científico em particular protagonizem 
um bem, tomando a preservação do humano como o único referencial 
universal. 
Transdisciplinar na sua estratégia, a bioética pretende descortinar e 
propor, em cada nova encruzilhada que a biologia abre à Humanidade, 
caminhos que conduzam à felicidade genuína e sustentável tanto da pessoa 
como da sociedade (OSSWALD, 2001). 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
A Declaração de Helsínquia, apresentada pela Associação Médica 
Mundial, afirma de forma peremptória que os interesses da pessoa humana, 
nomeadamente os respeitantes à vida e saúde, se sobrepõem aos interesses da 
ciência. Nesta declaração surge igualmente a noção da imprescindibilidade do 
respeito pela autonomia e pela dignidade humana. Este consenso não resolve, 
obviamente, todos os problemas de interpretação e aplicação do princípio 
fundamental. De fato, a ofensa da dignidade humana, configurada pela 
experiência cruel, causadora de lesão ou morte, de sofrimento ou perda de 
função, não é posta em causa; mas há quem questione a dignidade do ser 
humano em determinados estados da vida (por exemplo no embrionário) ou 
condições de saúde (por exemplo demência ou estado vegetativo persistente). 
A Ministra da Saúde da Alemanha, Nida Rumelin, e o filósofo N. Hoerster 
defenderam a tese de que a dignidade humana só tem de ser respeitada 
quando o ofendido está consciente da sua própria dignidade, isto é, tem 
 
29 
 
autoestima. Hoerster propõe mesmo que a expressão direitos humanos seja 
substituída pela de direitos pessoais, reservando o conceito de pessoa para os 
seres humanos capazes de consciência e de autoestima. As consequências deste 
conceito são claras: o número dos excluídos do círculo das pessoas seria 
gigantesco e abrangeria uma parte considerável da Humanidade, incluindo os 
fetos, os bebês, os débeis mentais, os dementes, os escravizados e oprimidos. 
De resto, a fundamentação da polemica asserção é extremamente frágil, já que 
a dignidade humana é um princípio que o Homem se outorga a si mesmo e que 
só pode sobreviver se for extensivo a todos os representantes da espécie, por 
fazer parte da sua essência (OSSWALD, 2001). 
A bioética surge assim como uma renovada consciência do dever nas 
circunstâncias descritas de acelerado progresso biotecnológico. Por isso, ela 
emerge primeiramente no mundo ocidental, científico - tecnologicamente mais 
desenvolvido. 
 
 
 
30 
 
UNIDADE 6. O RELATÓRIO DE BELMONT 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Entender os pressupostos do relatório de Belmont. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
Vimos à origem do termo bioética e seu significado, e também o 
contexto histórico que gerou a nova disciplina. O motivo do seu 
desenvolvimento está nas transformações sociais e nas denúncias feitas pelos 
jornais sobre a arbitrariedade e imoralidade existentes nas pesquisas médicas. 
As consequências desses fenômenos foram gigantescas, gerando revolta 
popular e pressão sobre o governo para que se tomasse alguma atitude. 
Nesse período o governo e o congresso estadunidenses decidiram 
instituir, em resposta a essas acusações e pressões, um comitê nacional com o 
objetivo de definir princípios éticos norteadores para pesquisas. A elaboração 
do relatório de Belmont foi de grande importância para a consolidação da 
bioética e seu funcionamento, estabelecendo princípios que vão guiar as 
pesquisas cientificas, fazendo que o abuso médico não volte a acontecer. 
Em 1974, formou-se, a “Comissão Nacional para a Proteção de Sujeitos 
Humanos na Pesquisa Biomédica e Comportamental”, fruto de muitas 
reivindicações e pressões da população que se organizava e exigia uma posição 
do governo perante essas denúncias de abusos médicos. O comitê foi 
responsável pela ética das pesquisas relacionadas às ciências do 
comportamento e à biomedicina. Após quatro anos, o resultado do trabalho da 
comissão ficou conhecido como relatório Belmont, um documento que ainda 
hoje é um marco histórico e normativo para a bioética. Através desse relatório, 
foi possível elaborar três princípios, tidos como universais, que seriam as bases 
 
31 
 
para todos os debates, formulações, críticas e dilemas que envolvessem 
assuntos morais e pesquisas cientificas. 
Os elaboradores desse relatório julgaram entre todos os princípios 
analisados, três que mais se aproximavam da universalidade e que possuíam um 
profundo fundamento moral. Para eles, esses princípios escolhidos pertenciam à 
historia das tradições morais do ocidente, existindo uma inerência muito grande 
entre eles, fazendo com que garantissem a sua harmonia e funcionamento 
quando aplicados. Os princípios escolhidos foram: 
1. Respeito pelas pessoas: este princípio carrega consigo outros dois 
pressupostos éticos: que as pessoas devem ser tratadas como agentes 
autônomos e que as pessoas com autonomia diminuída (os socialmente 
vulneráveis) devem ser protegidas de qualquer forma de abuso. Isso 
significa que a vontade da pessoa é inviolável em relação a pesquisas 
científicas, sendo somente possível a realização da pesquisa, com o 
consentimento do paciente depois da compreensão da totalidade desta e 
suas consequências. 
2. Beneficência: entre os três princípios escolhidos, esse é o que mais faz 
referência à história das regras médicas no ocidente. Esse princípio deve ser 
visto como um compromisso do pesquisador na pesquisa científica para 
garantir o bem-estardas pessoas envolvidas direta ou indiretamente com o 
experimento. 
3. Justiça: esse princípio está intimamente relacionado às teorias da filosofia 
moral que atuam nos Estados Unidos. Esse princípio exige que os bens de 
saúde sejam distribuídos igualmente e sem peso indevido para qualquer 
uma das partes. 
Em uma época que vigorava a incerteza nas pesquisas médicas, o 
relatório de Belmont representou um marco divisório para os estudos de ética 
aplicada. A estruturação feita através dos três princípios foi o início para que as 
 
32 
 
universidades se posicionassem e se organizassem para a produção de artigos e 
teses sobre a bioética. O relatório Belmont trouxe a formalização definitiva da 
bioética, fazendo que os centros universitários reconhecessem a bioética como 
uma nova disciplina. 
O marco da década de 1970 foi a definição de bioética como uma nova 
disciplina a ser estudada. A produção de livros e propostas teóricas específicas 
começa a intensificar-se, mas, dentre as muitas publicações desse período, duas 
vêm sendo particularmente importantes e, por isso, abordaremos a seguir. 
 O livro Problemas Morais na Medicina, organizado pelo filósofo Samuel 
Gorovitz, publicado em 1976, trouxe uma série de reflexões sobre situações 
médicas conflituosas, como o aborto e a eutanásia. 
 A iniciativa desse livro foi expor suas ideias e argumentações a respeito 
de assuntos clássicos de conflito moral na saúde. Gorovitz em seu livro faz 
críticas ao tradicionalismo da ética médica. Para o filósofo, é necessário romper 
com o senso comum que o médico é especialista em decisões médicas, e 
também em decisões éticas. Para acabar com o autoritarismo médico, era 
preciso primeiro colocar em dúvida a responsabilidade e arrogância médica 
diante de situações de conflito. Por isso, Gorovitz propõe a autonomia do 
sujeito como princípio regulador, pois o valor da vida está relacionado com 
determinada visão de mundo, ou filosofia de vida, e só o sujeito particular pode 
decidir, de acordo com a sua perspectiva, o rumo de sua vida. 
Além dessa postura vanguardista do livro, a opção por temáticas já 
apontava para os assuntos que viriam com o tempo, sendo posteriormente o 
campo analítico preferencial da bioética: a relação médico-paciente, 
consentimento livre e esclarecido, paternalismo, eutanásia, suicídio assistido, 
aborto, além de questões relacionadas à justiça social foram exaustivamente 
discutidos. Com Gorovitz, a bioética recebe os primeiros estudos críticos e uma 
atenção maior para a disciplina. 
 
33 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
S. Gorovitz, responsável por introduzir 
temas na bioética. 
(Fonte: 
http://asnews.syr.edu/newsevents_2011/releases/sam_gorovitz_speech.html) 
 
No entanto, foi só com a publicação de Princípios da Ética Biomédica, de 
autoria do filósofo Tom Beauchamp e do teólogo James Childress, em 1979, que 
a bioética consolidou sua força teórica, especialmente nas universidades 
estadunidenses. Beauchamp e Childress fizeram a primeira tentativa bem 
sucedida de regular os dilemas relativos às opções morais das pessoas no 
campo da saúde. Seu objetivo era fornecer uma análise sistemática dos 
princípios morais que devem ser utilizados na biomedicina. 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
A trilha aberta, deixada pelo relatório de Belmont, possibilitou a ideia de 
mediação dos conflitos morais, tendo como referência, certos princípios que 
irão regularizar as atitudes no campo da saúde. De acordo com os princípios 
definidos pelo relatório de Belmont, cuja elaboração teve como participante o 
http://asnews.syr.edu/newsevents_2011/releases/sam_gorovitz_speech.html
 
34 
 
próprio Beauchamp, o livro Princípios da Ética Biomédica estabeleceu um quarto 
princípio como base para a teoria da bioética. 
O novo princípio era da não-maleficência, que, para muitos estudiosos, 
seria uma derivação do mandamento hipocrático de beneficência. Ocorreu 
também uma mudança de princípio estabelecido pelo relatório de Belmont: a 
mudança seria a substituição do primeiro princípio do respeito às pessoas pelo 
principio de autonomia; essas alterações causaram grande impacto para a 
bioética dos anos de 1970. 
 
 
 
35 
 
UNIDADE 7. A TEORIA PRINCIPIALISTA 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Compreender a teoria principialista. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
As mudanças ocasionadas pelas as ideias de Beauchamp e Childress 
fizeram com que a teoria principialista, termo genérico pelo qual ficou 
conhecida a teoria dos quartos princípios éticos, constituísse a teoria dominante 
da bioética por duas décadas, confundindo-se, inclusive, com a própria 
disciplina. 
Alguns conceitos do relatório Belmont receberam críticas da obra 
Beauchamp e Childress, sendo o princípio de respeito às pessoas o mais 
criticado. Segundo os autores, o relatório teria colocado sobre a mesma base 
dois princípios que não têm uma ligação clara e possível: o princípio do respeito 
à autonomia e o princípio de proteção e segurança às pessoas incompetentes. 
Por isso, o primeiro princípio do relatório foi substituído pelo princípio da 
autonomia, que se refere somente à decisão do sujeito como centro nas 
decisões médicas. Se o princípio da autonomia gerou tantas discussões e 
deliberações em relação ao proposto pelo relatório Belmont, as modificações 
no princípio de beneficência ocorreram de uma forma mais tranquila em relação 
ao anterior, pois era preciso diferenciá-lo do princípio de não-maleficência. 
A obra apresentou também um tripé básico de ética aplicada, que ligava 
a ideia de beneficência, autonomia e não-maleficência ao respeito à autonomia 
das pessoas e a proteção e segurança de seus interesses, mesmo em situações 
de vulnerabilidade física ou social. 
 
36 
 
O princípio que menos sofreu alterações foi o princípio da justiça. Os 
autores esclarecem que esse princípio permaneceu quase intocável, porque o 
seu referencial de maior peso argumentativo e teórico habita em outras áreas 
do conhecimento, como, a economia, a política e a saúde pública. Esse vazio 
existente nos debates sobre o princípio de justiça não foi apenas uma 
característica da teoria principialista, mas também de toda a bioética durante 
duas décadas. 
Enfrentar o paradigma da justiça no campo dos conflitos morais é uma 
tarefa mais dura e dramática do que a defesa dos três outros princípios citados. 
Só recentemente o tema da justiça começou a ser debatido no campo da 
bioética, por pensadores que estão fora do círculo tradicional da produção do 
pensamento bioético. 
A obra escrita por Beauchamp e Childress é direcionada a um público 
bastante eclético: médicos, enfermeiros, professores, pesquisadores, 
responsáveis pela elaboração de políticas públicas de saúde, estudantes, 
teólogos e cientistas sócias, entre outros. A causa dessa grande variedade está 
no espírito multidisciplinar que a obra pode alcançar, e também na falência de 
autoridade técnica no campo ético, permitindo que estrangeiros (profissionais 
de outras áreas) tenham acesso à obra e a seus debates. 
Para os autores, a bioética, por ser um exercício de ética aplicada, deveria 
interagir-se com o seu conteúdo teórico em, pelo menos, três esferas da 
realidade: a prática terapêutica, a oferta de serviços de saúde e a pesquisa 
médica e biológica. Para que essa iniciativa se realizasse, os autores buscaram 
embasamento em algumas das ideias clássicas da filosofia ocidental, como o 
utilitarismo de Jeremy Bentham e John Stuart Mill, a deontologia dos gregos 
antigos, como a filosofia de Aristóteles e Hipócrates, e também pegaram 
influências do imperativo categórico de Immanuel Kant. 
 
37 
 
Para que se possa fazer uma análise dos quarto princípios da teoria 
principialista, é necessário ter em mente a composição e a origem dos 
elementos que fazem parte dos princípios estabelecidos. Por isso é preciso ter 
conhecimentodas escolas citadas. O primeiro princípio e o mais significativo na 
bioética, o da autonomia, estabelece, como pré-requisito para o exercício das 
moralidades, a existência da pessoa autônoma; mesmo que para o exercício da 
autonomia seja necessário que o indivíduo seja autônomo, o princípio aponta 
para dois outros valores fundamentais do pensamento liberal, especialmente o 
de inspiração estadunidense: a competência e a liberdade individual. 
Esse princípio tem como pressuposto a democracia e a igualdade dos 
indivíduos na sociedade como pré-requisitos para que diferentes morais 
possam coexistir. Nessa construção ideal de sociedade, entramos em alguns 
problemas analíticos, pois não sabemos até que ponto o indivíduo pode exercer 
a sua autonomia sem ser barrado ou impedido por forças exteriores a ele. 
A ideia de consentimento foi à saída formal encontrada para que se 
pudessem garantir os interesses e a proteção dos pacientes. No entanto, para 
os autores, a validez de um consentimento só é possível, a partir do momento 
que o indivíduo demonstre competência para decidir; domínio de informações 
detalhadas a respeito do seu caso e das diferentes possibilidades terapêuticas a 
ele relacionadas; capacidade para compreender as informações recebidas para 
que pudessem embasar o processo de tomada de decisões; e oportunidade 
para escolher livre e voluntariamente a opção mais adequada para o caso, sem 
estar submetido à coerção de outras pessoas ou instituições. 
A autonomia se torna algo relativo, pois depende do caso e da situação 
para que ela possa ser exercitada, tanto pela própria pessoa ou grupo, como ao 
respeito à autonomia que as “protegem”, sejam elas os cuidadores ou os 
profissionais da saúde. 
 
38 
 
O princípio da não-maleficência tem, como herdeira, uma tradição 
existente desde a antiguidade, com o médico Hipócrates (460 a.C.) e sua 
máxima primum non nocere – “acima de tudo, não cause danos”. Por ser um 
princípio negativo, ele vai contrapor o princípio da beneficência que tem um 
caráter positivo, por isso o princípio da não-maleficência em sua aplicação sofre 
fortes críticas e algumas situações de sua prática vêm sendo contestada. As 
críticas se fundamentam na má definição entre os dois princípios, beneficência e 
não-maleficência. Alguns exemplos irão esclarecer esse problema no campo da 
bioética: o caso da suspensão de tratamentos extraordinários para pacientes, 
com morte física iminente; o tratamento de recém-nascido com sérias 
limitações físicas; o aborto de crianças com anomalias fetais graves; o processo 
decisório de pessoas incompetentes. 
 A dúvida moral desses e de outros casos é causada pelas indefinições 
dos valores que existem nos princípios de beneficência e não-maleficência. 
Sendo assim, não é possível fazer uma clara distinção desses dois princípios; por 
exemplo, não é possível dizer se a interrupção da gestação em casos de graves 
anomalias fetais será sempre uma atitude baseada no princípio da beneficência 
ou da não- maleficência. A fragilidade desses dois princípios não é derivação de 
um deslize da teoria principialista, mas decorrente da impossibilidade de 
encontramos saídas boas ou más universalmente válidas. 
E por último, o princípio da justiça que se difere dos três outros 
princípios comentados, por mostrar maior ênfase para o papel das sociedades e 
dos movimentos sociais organizados na bioética. A justiça distributiva traz à luz 
um problema que já existe um bom tempo: os conflitos existentes entre 
reivindicações e interesses particulares e com a vida coletiva e o bem para a 
sociedade. O princípio da justiça serviria para sanar e equilibrar essas diferenças 
conflituosas que existem na sociedade, sendo, entre os princípios, este o de 
maior grau de importância na década de 1990 no campo da bioética. 
 
39 
 
Todavia a sua aplicabilidade é ainda bastante limitada, pois a sua 
dificuldade está nas sérias dúvidas sobre o que pode ser necessário para a 
sociedade e que, ao mesmo tempo, também garantiria os interesses individuais. 
Por isso, o princípio da justiça foi, entre os princípios da teoria principialista, o 
que menos se repercutiu no cenário da bioética, tendo só a sua importância 
maior na década de 1990 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
A teoria principialista escrita pelos autores Beauchamp e Childress tratava 
de assuntos que basicamente estavam ligados à relação médico-paciente. Isso 
ocasionou uma hegemonia acadêmica nas universidades e na bioética por 
quase duas décadas, sendo a principal ética estudada nos Estados Unidos e nos 
países periféricos, importadores das teorias bioéticas. Mas, a partir da década de 
1980, vários críticos e pesquisadores da teoria principialista, empenharam-se em 
demonstrar a existência de falsas ideias na teoria principialista. 
O que fascinava os pesquisadores em relação à teoria principialista era 
seu idealismo universalizante, tornando-a a principal técnica ética, facilmente 
propagada em congressos, seminários, e encontros. O suposto espírito 
transcultural da teoria principialista fazia seus seguidores defenderem que os 
valores éticos propostos serviam para toda a humanidade. E foi exatamente 
esse espírito universalista que caiu e ocasionou a segunda crítica dos teóricos 
pós-principialista. 
 
 
 
40 
 
UNIDADE 8. O PERÍODO PÓS-PRINCIPIALISTA DA 
BIOÉTICA: H. TRISTAM ENGELHARDT 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Compreender o período pós-principialista da bioética e o pensamento de 
H.Tristam Engelhardt (1941 -) 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
No final da década de 1980 e durante a década de 1990, a bioética 
passou por grandes transformações nos Estados Unidos. As críticas sobre o 
caráter universalizante da teoria Principialista se torna algo mais frequente, 
resultando em um abalo nas bases da bioética que tinha se estabelecido. 
Com a crise interna no campo da bioética, ocorreu uma abertura para 
vários pensadores que, por terem um pensamento diferente da teoria 
hegemônica, não tinham voz perante as universidades e congressos. A quebra 
de tabus e uma análise nas estruturas da bioética tornam-se a principal 
característica desse período. O relativismo moral também tomou conta do novo 
cenário da bioética, pois a ideia de constituir uma ética de caráter 
universalizante, como a teoria principialista, só causou opressão em culturas 
ditas como periféricas. Esse relativismo a que os filósofos aderiram em suas 
teorias tem como propósito pensar o respeito à vida de uma forma que não 
imponha sobre a cultura de determinado país, certos padrões de outra cultura, 
possibilitando assim, o desenvolvimento e a liberdade do individuo com a sua 
cultura. 
H.Tristam Engelhardt é um dos autores que demonstrou, muito 
precocemente, uma preocupação com a relatividade moral em relação à saúde 
e a doença dos seres humanos. Sua obra mais famosa, Os Fundamentos da 
 
41 
 
Bioética, publicada em 1986 e revista em 1996, se tornou de grande importância 
para os estudos bioéticos e constitui uma referência obrigatória para os 
iniciantes na disciplina. 
 
Engelhardt, responsável por introduzir o relativismo na bioética. 
(fonte: http://www.svots.edu/events/st-ambrose-society-hosts-public-lecture-dr-h-tristam-engelhardt) 
 
A base do pensamento de Engelhardt é a constatação da falência de 
modelos éticos universalizantes, como por exemplo, a teoria principialista. Por 
expor uma teoria de cunho relativista, o autor, que possui fortes influências 
cristãs e liberalistas, acaba se tornando alvo de muitos pesquisadores que, por 
não entenderem o que realmente o autor quer mostrar, acabam fazendo juízos 
equivocados, afirmando que Engelhardt propõe um “modelo libertário’ para a 
bioética, muitas vezes comparando-o com os princípios do filósofo Paul 
Feyerabend, que propõe um tipo de “tudo vale” para as ciências. 
Embora o autor não consiga esconder a suainspiração libertária, a sua 
proposta teórica vai muito além da mera defesa da liberdade ou individualismo 
na bioética. No modelo engelhardtiano, o limite de uma aplicação prática 
ocorre no momento que aquela aplicação irá agredir um inocente, ou seja, a 
http://www.svots.edu/events/st-ambrose-society-hosts-public-lecture-dr-h-tristam-engelhardt
 
42 
 
aplicação só é válida quando a pessoa estiver ciente de todos os efeitos da 
aplicação, e estiver previamente consentido em participar. 
O inocente, para Engelhardt, é aquele que desconhece o que está sendo 
feito e, portanto, não é capaz de exercer sua autonomia. A permissão seria a 
condição básica para que ocorra a sobrevivência de diferentes morais, pois 
somente com o consentimento individual, as decisões poderiam ser julgadas 
eticamente aceitáveis ou não. Segundo o autor, não existe bom ou mau 
definidos, ambos são relativos em cada comunidade moral e seu período 
histórico e social. Somente com a permissão, começa a autoridade moral, 
podendo avaliar os casos sob uma visão estreita e concedida, que foi dada a 
uma pessoa para avaliar a situação. 
A combinação entre o respeito e a permissão determina inicialmente o 
discurso ético secular, que deverá intermediar pacificamente o encontro entre 
os estranhos morais. Outro conceito estudado na bioética depois de Engelhardt 
foi a ideia de estranhos morais, que, para o autor, seriam as pessoas que não 
compartilham as mesmas ideias morais relacionadas ao bem-viver. Para que 
exista conflito moral entre os estranhos morais, não é necessário que eles 
tenham que ser inimigos, pois basta apenas que exista uma discordância entre 
os seus valores e crenças, fazendo surgir uma desarmonia suficiente para 
ocasionar um distúrbio de convivência. 
Em contrapartida, existem os amigos morais que são aqueles que 
dividiriam uma mesma moralidade essencial, que é o pleno acordo quanto à 
menção de julgamento moral para os seus atos na sociedade. Segundo 
Engelhardt, o nascimento e consolidação da bioética teriam se fortalecido do 
caos e da fragmentação, que o contexto histórico oferecia, pois as sociedades 
contemporâneas são herdeiras das ideias e valores iluministas, no entanto, esses 
valores entraram em decadência no inicio do século XX e a bioética se apoiou 
nessa base insegura. 
 
43 
 
Só através do reconhecimento da diferença moral e cultural dos povos, e 
a perda do referencial absoluto para que ocorra uma avaliação moral, é que se 
deu o renascimento da bioética como um discurso de ética aplicada às 
situações de saúde e doença. 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
A proposta de uma ética universalizante e absoluta como um referencial 
para os conflitos morais não funcionaria mais hoje, pois houve uma grande 
mudança na mentalidade das pessoas e no contexto histórico. Para o autor, o 
modelo que mais se adequaria com a atual sociedade e com o projeto da 
bioética é aquele que mantém os valores particulares do indivíduo e da 
comunidade. Com o quadro relativista, a bioética se depara com problemas de 
enfrentamento de situações concretas da vida cotidiana. A saída para 
Engelhardt quanto aos encontros que ocasionam os conflitos no cotidiano, seria 
a difusão de tolerância como um valor mediador para a sobrevivência humana 
na diferença moral. A prática da liberdade moral seria a condição de existência 
da diversidade. Tolerância e liberdade seriam dois valores capazes de suportar o 
encontro entre moralidades, dando base para o relativismo conceitual. 
A associação entre relativismo e tolerância fez com que o modelo teórico 
do autor assumisse para si a lógica cultural como a única e legítima instância de 
julgamento sobre as crenças sociais, rompendo-se assim, a fronteira para o 
relativismo nas práticas sociais. Essa linha de pensamento, muito comum com 
os antropólogos culturais, tem uma fragilidade enorme quando transferida para 
os limites de cada cultura, que, em última instância, se converte em dominação 
e opressão. 
É nesse imobilismo prático que a teoria de Engelhardt nos limita a viver e 
que reside a sua obra. A não conclusão dos conflitos morais se torna algo 
pouco aceitável para os pesquisadores que buscam tranquilidade e segurança 
 
44 
 
em uma teoria. A verdade para o autor está inerentemente ligada com os 
interesses e jogos de poder característicos de cada cultura. A autoridade moral 
passa, então, a substituir a ética universal, pois a autoridade moral de cada 
grupo e cultura são responsáveis por determinar as mudanças dos agentes do 
imperativo moral. 
 
 
 
45 
 
UNIDADE 9. O PERÍODO PÓS-PRINCIPIALISTA DA 
BIOÉTICA: PETER SINGER 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Compreender o pensamento de Peter Singer (1946 -). 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
O filósofo australiano Peter Singer é conhecido por suas grandes 
contribuições teóricas e conceituais no campo bioético. Conceitos como, 
ideologia especista, ou seja, convicções que os seres humanos são superiores 
aos outros animais são de sua autoria e conceitualização, e são hoje de uso 
corrente entre pesquisadores do mundo inteiro. 
Singer foi, durante muito tempo, presidente da associação internacional 
de Bioética (IAB), a entidade mais importante no mundo nessa área. Os livros de 
Singer, em especial Liberdade Animal (1975), Ética Prática (1979) e Deve o Bebê 
Viver? A Questão das Crianças Deficientes (1988) vêm sendo largamente 
discutidos e, muitas vezes rejeitados por pessoas pertencentes a movimentos 
sociais, como: pessoas portadoras de deficiência, grupos religiosos, defensores 
dos direitos humanos, entre outros. O que faz com que Singer tenha tantos 
questionadores é o fato de o autor tocar em temas considerados tabu, 
especialmente em assuntos como eutanásia, suicídio assistido e infanticídio. 
 
 
 
 
 
 
 
46 
 
 
 
 
 
Singer quebrou vários tabus no campo bioético e 
introduziu novos conceitos, que são estudados até 
hoje 
 
(Fonte: http://www.anda.jor.br/20/12/2013/filosofo-
peter-singer-fala-obra-liberta) 
 
Esses temas são reconhecidamente, entre outros, os mais intimamente 
que provocam reações na sociedade, e fazem as comunidades morais 
expressarem suas crenças, muitas delas conflitantes entre si. Na sociedade 
existem comunidades religiosas e laicas. As religiosas defendem o princípio da 
heteronomia e as laicas defendem o princípio de autonomia, mas o problema 
está no momento que esses dois princípios se cruzam e entram em conflito nas 
questões relacionados ao aborto ou à eutanásia, impossibilitando qualquer 
forma de diálogo pacífico. Para resolver esse problema, o autor se apoia nas 
teorias utilitaristas do século XIX. 
O utilitarismo foi uma teoria desenvolvida pelos filósofos Jeremy 
Bentham e John Stuart Mill, durante o século XIX. O utilitarismo se baseia nos 
princípios de dor e prazer, que servirão como guia para a ação humana, tendo 
como máxima a seguinte frase “maior felicidade para o maior número de 
indivíduos”. Esse princípio tira do centro o egoísmo ético e propõe uma 
abrangência como forma de resolver os problemas morais. Singer se autodefine 
consequencialista no campo moral. A sua preocupação está nos resultados das 
ações consideradas boas ou más, certas ou erradas, justas ou injustas, e não 
com a definição do que venha ser o certo, a bondade ou a justiça. 
Singer se fundamenta na premissa clássica do utilitarismo para resolver 
os problemas morais na bioética, tendo como reflexão, as ações que devem ser 
 
47 
 
consideradas éticas; se ela está aumentando ou diminuindo a felicidade coletiva. 
Para o autor, o limite da sensibilidade seria o referencial para as ações éticas ou 
não. O limite da sensibilidade, para Singer, é o entendimento de sofrimento, de 
alegria ou felicidade, sendo o único limite defensível de interesses alheios. 
Valores como autonomia passa para segundo plano, pois princípios 
como felicidadee diminuição do sofrimento são valores emergenciais, e que, 
necessitam de uma atenção maior. É nessa parte entre a liberdade e a felicidade 
que muitos pesquisadores se apoiam para formular criticas contra a teoria de 
Singer. Em resposta a essas criticas, Singer defende que jamais propôs alguma 
forma de subordinação dos interesses dos indivíduos à lógica do Estado, ou 
mesmo jamais traduziu suas convicções éticas em regulamentações totalitárias 
perante comunidades de deficientes, propondo qualquer forma de extermínio. 
Quando afirma que um embrião ou um feto pode ser considerado substituível, 
isto é, que deve ser considerada eticamente legítima a interrupção da gestação 
em casos de má-formação fetal, Singer está partindo de algumas premissas que 
devem ser sempre explicitadas ao discutir suas ideias. 
A primeira delas, é a crítica ao princípio da santidade humana que, para o 
autor, é um erro especista, por afirmar que a vida é um dom, uma vez que 
cotidianamente dispomos de centenas de vidas de animais não-humanos em 
pesquisas e experimentos científicos. Exibir a ideologia especista na ciência foi 
um projeto específico de Singer. No livro Liberdade Animal, o foco é sobre os 
direitos dos animais não-humanos, pois segundo o autor, os racistas violam o 
principio de equidade ao favorecerem os interesses da própria raça, os sexistas 
violam esse mesmo princípio por favorecer os interesses do próprio sexo, e os 
especistas fazem o mesmo, favorecendo os interesses da sua espécie em 
relação a outra espécie. 
 A meta do autor não é diminuir a dignidade e respeito ao ser humano, 
mas sim abalar nossas convicções e certezas a respeito do ser humano e sua 
 
48 
 
tirania diante dos animais não-humanos. Em contraste com os maus-tratos 
sofridos pelos animais em laboratório ou pelo exagero de nossa dieta carnívora, 
Singer põe por terra que o princípio de que a vida seja um bem inviolável ou 
santo. A vida humana é assim considerada, um desrespeito à vida de outros 
animais. 
Esse discurso sobre a santidade humana causou um grande alvoroço na 
comunidade científica e ética mundial. Para diversos críticos, o filósofo estaria 
igualando esferas separadas pela ética, humanos e os não-humanos, indicando 
assim, que a realização de pesquisas com ratos seria o mesmo que realizar 
pesquisas com os seres humanos. 
Essas comparações que Singer faz dos humanos com os não humanos, 
chegando a até afirmar que algumas pesquisas são eticamente mais 
defensáveis, quando realizadas com fetos órfãos, portadores de anomalias 
incompatíveis com a vida extra-uterina, como por exemplo, a anencefalia do 
que com gorilas ou macacos, dado o grau de consciência e senso de si que os 
animais teriam em detrimento dos fetos sem cérebro, tem uma justificativa. 
Considerando que o limite da sensibilidade é a base para as ações éticas, Singer 
não hesita em afirmar que não podemos atribuir o valor maior a vida de um 
feto, em relação à vida de um animal do mesmo nível de autoconsciência, 
racionalidade e capacidade de sentir, pois nenhum feto é uma pessoa e não tem 
o mesmo direito à vida que uma pessoa tem. 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
Para o autor, o fato de um feto anencéfalo ser membro da espécie 
humana não lhe garante automaticamente o titulo de pessoa humana. O que 
determina o status de pessoa humana é a capacidade de se relacionar-se 
socialmente com outras pessoas, ter a noção de tempo histórico, a linguagem, 
ou seja, somente atributos que um ser vivo poderia desenvolver naturalmente, 
 
49 
 
do que o mero pertencimento a uma espécie. Na busca de diferenciar pessoas 
de membros da espécie, Singer não cai na tentativa de enumerar “indicadores 
de humanidade”, isto é, uma sequência de qualidades que diferenciariam os 
humanos de outros animais, tal como inúmeros autores da bioética fizeram. 
A proposta de Singer é aumentar a dignidade dos animais não-humanos, 
desmascarando a supremacia irrefletida dos humanos. Pouco importa quais 
sejam os indicadores, apenas a constatação que animais não-humanos sentem 
mais prazer e sofrimento que alguns fetos portadores de graves anomalias são 
válidos para o referencial de sua teoria. 
Por causa dessas ideias, a imagem de Singer começou a ser vinculada com 
adjetivos de nazista, preconceituoso, ou até mesmo de assassino. Em efeito 
disso, muito das aparições públicas em congressos e em mídias, é para 
esclarecimentos de suas ideias e pressupostos, e menos para debates e trocas 
de conceitos. 
 
 
 
50 
 
UNIDADE 10. A VOLTA DAS PERSPECTIVAS CRÍTICAS NA 
BIOÉTICA 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Entender a importância das perspectivas críticas na bioética. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
A bioética teve seu campo demarcado no final da década de 1970. A 
teoria principialista representou para muitos pesquisadores a base necessária 
que a bioética precisava para se desenvolver e tornar-se uma nova disciplina. 
Mas a prática dessa nova disciplina mostrou algo diferente de suas 
perspectivas anteriores. A proposta progressista da disciplina: a possibilidade de 
mediar dilemas morais em saúde de forma abrangente e pluralista não teve 
correspondência nas publicações e na prática dos primeiros pesquisadores da 
bioética. O erro estava em confundir a disciplina da bioética com uma das suas 
correntes teóricas, como por exemplo, a confusão da teoria principialista com a 
própria bioética. 
Por muito tempo, a teoria principialista ficou colada à própria bioética 
provocando sérios mal-entendidos à disciplina. As consequências disso 
resultaram em marcas profundas na proposta teórica e social da disciplina, 
fazendo que alguns críticos desenvolvessem ideias contrárias à teoria 
predominante. 
Com a proposta de renascer o pensamento crítico no campo da bioética, 
os filósofos Danner Clouser e Bernard Gert foram de grande importância para 
essa fase. Após analisarem o livro Princípios da Ética Biomédica, os filósofos 
encontraram dois grandes problemas. O primeiro deles foi de origem 
 
51 
 
epistemológica, sendo o de importância maior para os primeiros estudos 
críticos. 
Segundo Clouser e Gert, o problema existente está na infração que a 
teoria principialista fez a qualquer estrutura de uma teoria moral. Pois, segundo 
os autores, o ciclo realidade e conflito, moral e resolução, exige a referência de 
uma teoria moral, e a teoria principialista nada mais fez do que recortar várias 
teorias éticas da história da filosofia e costurar todas elas juntas em sua própria 
teoria. Para os críticos, o status teórico das ideias de Beauchamp e Childress 
pode ser considerado uma compilação grosseira e reduzida de quatro grandes 
teorias da filosofia moral em quatro princípios: a autonomia de Kant; a 
beneficência de John Stuart Mill; a não-maleficência da tradição hipocrática; e a 
justiça de John Rawls. 
 
 
 
 
Os críticos da teoria 
principialista afirmam que os 
filósofos Beauchamp e Childress 
realizaram uma “costura” de 
conceitos sem se importar com 
o contexto histórico. 
 
 
(Fonte: 
http://en.wikipedia.org/wiki/Im
manuel_Kant) 
 
Eis o resultado dessa mistura de teorias: os quatro princípios da teoria 
principialista não se encontram unidos por um corpo forte teórico, pois, já que 
não existe uma teoria moral que ligue os princípios, não existe também um guia 
http://en.wikipedia.org/wiki/Immanuel_Kant
http://en.wikipedia.org/wiki/Immanuel_Kant
 
52 
 
que promova a ação através de ideias claras e coerentes que as justifiquem. A 
dificuldade em instrumentalizar os princípios diante de casos concretos de 
conflito moral tem como causa, a soberania que cada princípio exerce sobre o 
outro, existindo uma espécie de disputa. Como não existem prioridades e nem 
procedimentos específicos sobre qual valor deve predominar, as soluções 
dependem de julgamentos particulares sobre a importância de cada princípio. 
Uns dos exemplosmais significativos desse conflito existente entre os 
princípios da teoria principialista é a dependência do fumo. O que deve ser mais 
importante: respeitar a autonomia do indivíduo e não proibi-lo de fumar, 
mesmo diante de um quadro de infecção pulmonar, ou, em nome da 
beneficência, impedi-lo de comprar cigarros? Em casos de lista de espera por 
um pulmão, deve-se considerar a pessoa não-fumante prioritária em respeito 
ao princípio da justiça social? A escolha entre qualquer um dos valores exige 
reflexão sobre que tipo de moralidade e sociedade que queremos para nós e 
para as futuras pessoas que virão. 
Não existe fundamentação quanto à natureza da dependência do fumo, 
ou mesmo quanto à pessoa que determine o porquê de escolher qualquer um 
dos princípios. Não existe uma hierarquia prevista do princípio da autonomia 
sob o da beneficência ou da mal-maleficência sob a justiça, por exemplo. A 
conclusão deixada por Clouser e Gert era que, uma vez não estabelecida à inter-
relação e a hierarquização entre os princípios, estas competiriam entre si e 
falhariam como instrumentos de mediação para os conflitos morais, tal como no 
exemplo do fumo. 
O que se pode notar, nesses vinte anos de predomínio da teoria 
principialista no campo da bioética, é o domínio do princípio da autonomia 
sobre os outros três princípios. Mesmo sendo um dos princípios mais 
fundamentais em uma sociedade democrática, os criadores da teoria 
principialista não fizeram uma hierarquia de valores com os seus princípios, pois 
 
53 
 
a priorização da autonomia teria sido a mais aceita pela bioética, por ser ela 
uma força conquistada pelo uso e não pelos pressupostos teóricos do 
principialismo. 
A segunda crítica se foca no desenvolvimento da bioética mostrada 
como categoria de “princípio” que teria sido utilizada de forma errônea pelos 
autores da teoria principialista. Na historia da filosofia moral, a ideia de princípio 
estava relacionada como guia para ação humana, delimitando o campo de 
atuação de uma determinada teoria que orientaria o agente moral no processo 
de tomada de decisões. Mas, para Clouser e Gert, os princípios da teoria 
principialista não cumpririam esses requisitos teóricos e práticos, porque eles 
são recortes de outras teorias éticas da historia da filosofia. Esses princípios 
funcionam somente como lembretes de tópicos ou como pontos que um 
agente moral deveria considerar para a tomada de decisão. A ideia de “faça isso, 
não faça aquilo” não significa o resultado de um sistema moral unificado que 
oriente a ação. Para os críticos, a teoria principialista se resume em ser uma 
simples teoria sofisticada para lidar com os problemas específicos em algumas 
áreas. 
Outro problema na teoria principialista é a negação da interdependência 
sociomoral dos indivíduos e suas atitudes solidárias na coletividade que foram 
desconsideradas na teoria de Beauchamp e Childress. Esse processo foi 
resultado da sobrevalorização da ideologia individualista pela cultura 
estadunidense, mas principalmente das bases filosóficas das quais o 
principialismo inspirou-se. Segundo a teoria principialista, a ética seria fruto de 
uma atividade racional do ser humano, onde não existe espaço para as emoções 
ou mesmo para as contradições, características da dúvida moral. 
Através das críticas iniciadas pelos filósofos Clouser e Gert, os limites da 
teoria principialista se tornaram cada vez mais explícitas, dando abertura para 
que pesquisadores oriundos de países periféricos da bioética pudessem 
 
54 
 
expressar as incompatibilidades locais com os princípios eleitos por Princípios 
da Ética Biomédica tidos como universais. Esse acontecimento foi inédito, pois o 
discurso multiculturalista surge com aspectos críticos às propostas 
universalizantes da ética filosófica. Isso marca a segunda fase da critica ao 
principialismo: o resgate das diferenças culturais assumindo um papel decisivo 
na articulação das diferenças entre as crenças morais. 
 
 
 
55 
 
UNIDADE 11. A BIOÉTICA PERIFÉRICA 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Compreender a bioética periférica. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
 Os conceitos de bioética central e periférica foram desenvolvidos pelo 
antropólogo brasileiro Roberto Cardoso de Oliveira, que se dedicou a uma 
análise do conhecimento antropológico e de suas formas de difusão pelo 
mundo. Com o seu modelo analítico, Cardoso de Oliveira fez uma relação entre 
os países centrais e periféricos na produção de conhecimento antropológico, 
mapeando o pensamento bioético e sua expansão nos mais diferentes centros 
de ensino e pesquisa. 
Em um artigo intitulado A língua bioética, Seus Dialetos e Idioletos, Volnei 
Garrafa, Débora Diniz e Dirce Guilhem produziram algo semelhante à obra de 
Cardoso de Oliveira para o pensamento bioético. Segundo os autores, é 
possível pensar a bioética levando em conta a relatividade social e histórica, 
fazendo que países comecem a produzir ideias, sem precisar importar conceitos 
dos países tidos como centrais em produção da bioética. 
As bioéticas periféricas seriam aquelas desenvolvidas nos países 
periféricos da bioética, isto é, países em que a disciplina surgiu mais 
tardiamente e onde os estudos vêm se caracterizando pela importação de 
teorias dos países centrais, aqueles onde originalmente nasceu e se consolidou. 
Mas o problema consiste em que os conceitos de centro e periferia não aludem 
a um quadro valorativo, ou seja, centro e periferia existem em relação relativa 
que varia de país para país, dependendo das referências a serem consideradas. 
Por exemplo, o Brasil é um país periférico na produção do pensamento bioético 
 
56 
 
e que, em algumas situações, especialmente no contexto da América do Sul, 
vem assumido características centrais 
As qualificações de central e periférico são provisórias, pois pode um país 
inicialmente ser periférico e com o tempo ser tornar central. Países como 
Dinamarca, Espanha, Brasil e o Japão são considerados periféricos no que diz a 
respeito à estruturação e à produção de estudos bioéticos. Um país que pode 
unanimemente ser considerado central seriam os Estados Unidos, sendo que 
alguns pesquisadores consideram a bioética um movimento exclusivamente 
estadunidense. Dentro desse conceito, a bioética brasileira se caracteriza como 
importadora de teorias de países centrais, ou, mais especificamente, se definiria 
importadora da bioética estadunidense, sendo a teoria principialista, a principal 
importação. Durante muito tempo, a teoria principialista foi sendo importada 
por diversos países como fonte de solução de problemas morais decorrentes de 
situações cotidianas da prática médica e de avanços científicos e tecnológicos. 
 
Roberto Cardoso de Oliveira, crítico importante da bioética periférica. 
(Fonte: http://www.buscape.com.br/o-trabalho-do-antropologo-roberto-cardoso-de-oliveira-
8571396825.html#precos) 
 
http://www.buscape.com.br/o-trabalho-do-antropologo-roberto-cardoso-de-oliveira-8571396825.html#precos
http://www.buscape.com.br/o-trabalho-do-antropologo-roberto-cardoso-de-oliveira-8571396825.html#precos
 
57 
 
Mas essas transferências de teorias morais não acontecem de forma 
passiva e receptiva, pois, para outras realidades, muitas vezes ocorrem certas 
rejeições a realidades especificas, seguindo as suas próprias regras e costumes. 
Quando ocorre uma transferência de teorias éticas, ela não só traz consigo o 
seu conceito, mas também traz os contextos socioculturais de onde foram 
constituídas, apesar de que esse aspecto passa, muitas vezes, imperceptível para 
vários pesquisadores. Assim como a técnica, que ambiciona universalidade por 
composição, todas as teorias bioéticas seriam também transculturais, a despeito 
de suas inspirações filosóficas e morais, muitas vezes locais. Por exemplo, a 
teoria principialista possui fortes características da culturaestadunidense, que 
por causa de seu contexto histórico e social, o apelo à autonomia tem um 
caráter elevado, que é um resultado caro das tradições filosóficas anglo-
saxônicas, o que para outros países acaba se tornando uma espécie de camisa-
de-força para adequá-lo a outras realidades culturais e morais. 
A inadequação da teoria principialista com outras culturas necessita de 
desdobramento crítico e de uma análise detalhada sobre concepções éticas e 
culturas particulares, resultando em uma tarefa que se assemelharia com a 
mesma função de um etnógrafo de diferentes moralidades. Pois somente uma 
sensibilidade etnográfica sobre diferentes moralidades possibilitaria uma 
avaliação completa sobre os limites de cada princípio, identificando também as 
suas utilidades, seus conflitos, entre outros. Porém, a tendência dos 
pesquisadores periféricos é muito conservadora e ainda se fundamenta na 
teoria principialista, sem avaliações críticas com relação às consequências dos 
choques culturais e morais. No entanto, apesar de essa tendência ser 
predominante nos meio periféricos, existem algumas críticas que valem a pena 
ser lembradas. 
Um exemplo é a crítica de Leonardo de Castro, um pesquisador filipino, 
que no artigo Transferindo Valores pelo Transporte de Tecnologia, faz uma 
 
58 
 
análise bastante crítica sobre a incorporação de novas tecnologias de 
transplante de órgãos que provocou o surgimento de novos dilemas morais nas 
Filipinas. Ele diz que, paralelamente à introdução de novas tecnologias médicas, 
ocorre também uma transferência de valores, fato que pode acarretar 
consequências não previstas pela técnica. Para o pesquisador, caso não haja o 
acompanhamento crítico da adoção de alguma nova tecnologia, os resultados 
socioculturais podem ser desastrosos para a integridade moral de um povo. 
Para exemplificar esses efeitos, o pesquisador analisou o processo de 
introdução da tecnologia de transplantes de órgãos nas Filipinas perante os 
conceitos nativos de morte. Para os filipinos, a violação do corpo vai contra os 
princípios básicos da sua cultura, mas o interessante dessa análise é que ele 
mesmo sendo crítico em relação à ciência faz um apelo não negativista perante 
a ciência. Ao contrário, propõe-se apenas que essa associação técnica-
moralidade seja reconhecida para que não ocorram rejeições grosseiras às 
novas descobertas científicas, tal como se processou nas Filipinas com a 
tecnologia de transplantes. 
Outro exemplo de crítica foi o “Congresso de Bioética Estados Unidos -
Japão”, que aconteceu em Tóquio, em 1994, sendo um marco importante no 
debate de bioética. O evento foi registrado no livro Bioética Japonesa e 
Ocidental: Estudos de diversidade Moral, organizado pelo filósofo japonês 
Kazumasa Hoshino, autor de uma série de livros e artigos sobre bioética. 
Para o autor, o foco de discussão do evento estava nas questões 
relacionadas às similaridades e diferenças entre os costumes japoneses com os 
costumes do ocidente (principalmente dos estadunidenses), no se refere aos 
serviços de saúde, transplante de órgãos, concepções de morte, e os 
sentimentos dos japoneses em relação aos valores morais ocidentais que foram 
enraizados em sua cultura. O aprofundamento foi o conflito entre as 
 
59 
 
moralidades que a aplicação não questionada da teoria principialista causou ao 
redor do mundo, tendo os valores japoneses como contrapartida. 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
 Foi nesse contexto de diferenças morais que o filósofo Kazumasa lançou 
uma das suas ideias críticas em relação à bioética, que se resume na arrogância 
dos ocidentais e da sua cultura em achar que eles possuem o domínio da 
verdade. Para o autor, a prova da arrogância está na teoria principialista, pois 
carrega consigo certa presunção ocidental em supor que os princípios éticos 
universais seriam os de inspiração anglo-saxônica. A crítica realizada por 
Kazumasa não foi facilmente saboreada pelos pesquisadores americanos, pois o 
caráter relativista exigido pelo autor traz consigo uma exigência de revisão 
filosófica sobre as tentativas de estabelecer padrões universalmente válidos de 
julgamento moral, coisa que os ocidentais não queriam fazer, pois já tinham 
alcançado estabilidade na teoria principialista. 
Indiferentemente ao fato de a crítica culturalista e relativista do autor 
poder um dia ser consumada pela bioética, o resultado do movimento feito 
pelo autor foi a elevação da diferença, o pluralismo moral como valor a ser 
considerado, e a urgência de novos modelos éticos que contemplem a 
diversidade moral de uma maneira diferente da teoria principialista. 
 
 
 
60 
 
UNIDADE 12. A BIOÉTICA BRASILEIRA 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Entender a bioética brasileira. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
A análise multiculturalista e o pluralismo moral têm sido estudados por 
alguns pesquisadores brasileiros, pois a bioética brasileira consiste em um 
atraso na adoção da perspectiva crítica da teoria principialista. A hegemonia do 
principialismo que predomina no Brasil se deve em grande parte às condições 
intelectuais da parceria entre a bioética e a medicina no país. Certas 
características do pensamento e da pratica médica brasileira vêm sendo 
incorporadas pelos praticantes da bioética como características da própria 
disciplina, ou seja, as ideias principialistas se confundem com a própria 
disciplina bioética, dando um caráter conservador ao estudo da bioética e 
estreitando-lhe campo de atuação. 
O Brasil, por ter uma medicina basicamente periférica, importa teorias e 
práticas de países centrais da medicina. Isso reflete em uma vinculação entre o 
campo da prática médica com o campo dos estudos bioéticos, marcando 
profundamente todo o pensamento bioético brasileiro, como a eleição de seus 
temas de estudo e pela trajetória acadêmica e profissional de seus 
pesquisadores. Essa tradição importadora é bem vista pelos pesquisadores 
brasileiros e profissionais da saúde, que, restringindo-se à segurança da esfera 
da técnica, julgam menores os problemas do campo moral. 
Acreditam certos pesquisadores brasileiros que todas as teorias bioéticas 
seriam transculturais, mesmo levando em consideração a inspiração filosófica e 
moral local, como é o caso da teoria principialista, que possui fortes referências 
 
61 
 
à cultura estadunidense. A aplicação dessa teoria acrítica gera muitas vezes, 
certas reações ofensivas, por causa da inadequação de certos princípios morais 
da teoria com a realidade brasileira. Isso resultou depois de muito tempo do 
domínio da teoria principialista no Brasil, em inquietações que começaram a 
surgir, mesmo entre um número restrito de pesquisadores. 
Um exemplo desse processo foi a perspectiva crítica da bioética dos 
trabalhos desenvolvidos em conjunto pelo dentista Volnei Garrafa, a enfermeira 
Dirce Guilhem e a antropóloga Débora Diniz, que compartilham a ideia 
relativista, característica da fase pós-principialista. A proposta dos autores, além 
de motivar o crescimento e desenvolvimento crítico no Brasil, é também, 
encontrar características no campo das bioéticas mais adequadas à realidade 
sociocultural brasileira diante dos dilemas morais. Em razão disso, os autores 
não acham correto ficar de fora do debate, assuntos como: desigualdade, 
vulnerabilidade, pobreza, racismo, entre outras perspectivas críticas sobre a 
sociedade e suas moralidades. 
Mas essas poucas produções críticas da bioética se devem a uma 
estruturação tardia entre nós. Somente nos anos de 1990, o tema começou a 
ensaiar seus primeiros passos sólidos no país. Em 1993, foi lançada a revista 
bioética editada pelo conselho federal de medicina (CFM). A revista teve e ainda 
tem uma importante referência para o estudo e a pesquisa do tema no país. 
Outra conquista importante para a bioética brasileira foi à criação da Sociedade 
Brasileira de Bioética(SBB), uma entidade cujo intuito é agregar os 
pesquisadores e difundir a bioética no país. 
Em 1996 foi editada uma norma de caráter nacional, conhecida por 
Resolução 196/96, que regulamentou a criação da Comissão Nacional de Ética 
em pesquisa (Conep), uma instância sobrerreguladora dos Comitês de Ética em 
Pesquisa (CEPs), que foram também, institucionalizados em nível local, com o 
objetivo de acompanhar eticamente as pesquisas que envolvem seres humanos. 
 
62 
 
Fica a cargo de a Conep avaliar tanto os conflitos surgidos nos comitês de ética 
locais como grandes projetos que tenham referências multicêntricas. Ou seja, 
com a promulgação da Resolução 196/96, todos os centros de pesquisa do país 
(aí inclusos hospitais, centros de pesquisa, universidades) tiveram de se 
organizar para a estruturação dos comitês de ética. 
Com a criação dos comitês de ética em pesquisas, houve uma ampla 
divulgação e popularização da bioética, mais especificamente da teoria 
principialista, por ela ter sido a referência teoria para o texto da Resolução. Em 
uma iniciativa absolutamente pioneira no mundo, e com objetivo de popularizar 
e divulgar a bioética entre os médicos do Brasil, de 1998 a 2000, foi divulgado o 
primeiro e ainda único programa educativo veiculado pela mídia televisiva 
sobre bioética, tendo sido produzidos 77 vídeos educativos sobre os mais 
variados temas. 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
 Refletindo a bioética no contexto brasileiro trago um excerto dos 
pesquisadores Danillo da Silva Alves e César Augusto Soares da Costa4 onde 
analisa a bioética e o biodireito brasileiro. 
 
Da Bioética ao Biodireito no contexto Brasileiro 
A perspectiva culturalmente crítica dos princípios éticos dominantes na 
bioética, segundo Diniz e Guilhem (2005, p 73-76), é um trabalho solitário, pois, 
regra geral, a bioética brasileira se caracteriza por certo atraso na adoção da 
perspectiva crítica da teoria principialista; sendo que grande parte desse 
fenômeno tardio, deve-se às condições intelectuais da parceria entre a bioética 
e a medicina no país.Além disso, a escassez crítica da bioética brasileira é reflexo 
da estruturação tardia entre nós, que somente nos anos 1990 o tema começou 
 
4
 Disponível: <http://www.eumed.net/rev/cccss/12/sasc.pdf>, acesso em 10/08/2014. 
 
63 
 
a ensaiar seus primeiros passos sólidos no país, sendo lançado em 1993 o 
periódico Bioética editado pelo Conselho Federal de Medicina; outra conquista 
importante ainda neste mesmo ano foi a criação da Sociedade Brasileira de 
Bioética (SBB). Já em 1996 foi editada uma norma de caráter nacional, 
conhecida por Resolução 196/96, que regulamentou a criação da Comissão 
Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), uma instancia sobrerreguladora dos 
Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs), que foram também instituídos em nível 
local, com o objetivo de acompanhar eticamente as pesquisas que envolvem 
seres Humanos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1997). 
A bioética no contexto brasileiro, de acordo com Garrafa (2003, p. 403-
411) recuperou o tempo perdido com um vigor inusitado, tendo sua maioridade 
foi atingida com a realização do Sexto Congresso Mundial, que contou com o 
apoio decisivo da Sociedade Brasileira de Bioética, realizado em Brasília em 
novembro de 2002. Se até 1998, no Brasil, a bioética ainda era uma cópia 
colonizada dos conceitos vindos dos países anglo-saxônicos do Hemisfério 
Norte; logo, a partir do surgimento e consolidação de vários grupos de estudo, 
pesquisa e pós-graduação pelo nosso país, a história começou a mudar. Em 
suma, a bioética principialista aplicada stricto sensu na realidade, é incapaz e/ou 
insuficiente para proporcionar impactos positivos nas sociedades excluídas dos 
países pobres e, consequentemente, nas suas organizações políticas. Além do 
mais, é necessário reforçar que já está plantada a semente da construção 
afirmativa de novas bases de sustentação teórico-prática de uma bioética 
compromissada com a realidade concreta constatada no país e na região 
(UNESCO, 2003), com a qual nos defrontamos todos os dias e que não deveria 
mais estar acontecendo neste momento do desenvolvimento histórico da 
humanidade (BERLINGUER, 1993). Portanto, a discussão bioética surge, assim, 
para contribuir na procura de respostas equilibradas ante os conflitos atuais e 
os das próximas décadas. Já tendo sido sepultado o mito da neutralidade da 
 
64 
 
ciência, a bioética requer abordagens pluralistas baseadas na complexidade dos 
fatos (GARRAFA, 2006. p. 9) 
Os avanços técnicos e científicos e a complexidade de cada um dos 
ramos do saber provocam o imprescindível intercambio de informações, 
objetivando a melhor efetividade do fim maior, ou seja, o “bem-estar” com 
responsabilidade. (NAMBA, 2009, p. 13). Assim sendo a bioética dominou a 
esfera do direito como “pano de fundo” de debates de situações controversas, 
porém, hoje em dia já há algumas normas sobre a consideração de valores, o 
que acirra as discussões. Nessa ótica, afirma Oliveira (2010, p. 65-67) que se faz 
imperioso visualizar a possibilidade de uma legislação que venha regulamentar 
as situações não previstas e que estão despontando com o desenvolvimento 
das pesquisas em genética de um modo geral, que venha a proteger o ser 
humano integralmente, para garantir, desta forma, o respeito ao princípio da 
dignidade humana. 
Para Diniz (2006, p. 9) o biodireito é o estudo jurídico que, tomando por 
fontes imediatas à bioética e a biogenética, teria a vida por objeto principal, 
salientando que a verdade científica não poderá sobrepor-se à ética e ao 
direito, assim como o progresso científico não poderá acobertar crimes contra a 
dignidade humana, nem traçar, sem limites jurídicos, os destinos da 
humanidade. Igualmente, a tutela da dignidade da pessoa humana, em 
conformidade com Oliveira (2010, p.110), é valor fundamental e deve ser 
respeitada por todos. [...] 
Dessa maneira, pode-se dizer de forma mais concisa que Biodireito é o 
conjunto de leis positivadas que visam estabelecer a obrigatoriedade de 
observância dos mandamentos bioéticos, e, ao mesmo tempo, é a discussão 
permanente sobre a adequação ou não do texto legal - necessidade de 
ampliação ou restrição da legislação (SANTOS, 2001). 
 
 
65 
 
UNIDADE 13. BIOÉTICA DE INSPIRAÇÃO FEMINISTA 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Entender a bioética de inspiração feminista. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
A bioética de inspiração feminista surgiu no início da década de 1990, 
quando começou a produção dos primeiros estudos e livros sobre o tema. A 
proposta bioética feminista não era apenas a introdução dos conceitos do 
feminismo na disciplina bioética. A força da bioética feminista se concentrou na 
crítica das desigualdades sociais, especialmente a desigualdade existente entre 
os gêneros, sendo uma influente potência de provocação aos princípios 
universalistas e abstratos da teoria principialista. 
No entanto, vale lembrar, que a bioética feminista não tinha preocupação 
em pertencer às correntes críticas da teoria principialista. Os estudos da bioética 
feminista têm, como referencial, o caráter analítico do movimento feminista. De 
forma não intencional, as teorias feministas na bioética converteram-se em um 
forte corpo crítico às teorias predominantes da época. Mesmo assim, houve 
certas seduções por alguns princípios expostos da teoria principialista de 
Beauchamp e Childress. Rosemarie Tong, uma filósofa de inspiração feminista, 
afirma que no começo da teoria feminista na bioética, houve certo 
acomodamento de muitas pesquisadoras nos princípios da teoria principialista, 
pois alguns dos pressupostos da teoria tocavam em assuntos fundamentais de 
gênero, como por exemplo, o principio da beneficência. 
As perspectivas críticas apontam para a necessidade de demarcar a 
fronteira de situações emque a autonomia pode vir mascarada pela vontade. 
 
66 
 
Um exemplo frequentemente utilizado pelas feministas é o uso e o 
acesso às novas tecnologias reprodutivas – muitas vezes as mulheres que se 
submetem aos tratamentos reprodutivos não estariam exercendo livremente a 
autonomia reprodutiva, mas estariam reproduzindo os papéis hegemônicos 
remetidos às mulheres, em que a maternidade é quase um imperativo social. Em 
nome disso, o desejo por filhos, embebido em meio ao imaginário social 
associado à feminilidade, faz com que as mulheres se submetam 
voluntariamente às terapias invasivas e de alto custo das tecnologias 
reprodutivas, sendo que muitas vezes essa solicitação pode ser fruto de uma 
imposição social e familiar, e não expressão de um desejo pela filiação. 
Esse relacionamento entre o feminismo com assuntos bioéticos, permitiu 
a discussão de assuntos e situações que tradicionalmente eram silenciadas pelas 
teorias éticas universalizantes do principialismo ou das éticas que postulavam 
princípios universais. O resultado disso foi a exposição em congressos 
internacionais e nacionais, em discussões sociais e acadêmicas e, mais 
recentemente, no ensino e na pesquisa da bioética. 
O foco da discussão da teoria crítica da bioética feminista é o 
pressuposto que não possível falar de autonomia como um mediador para os 
conflitos morais em contextos de profunda desigualdade social. Ou seja, a 
tarefa da bioética é a análise, a discussão e o desenvolvimento de mecanismos 
éticos de intervenção perante todos os tipos de desigualdade social. Logo, a 
tarefa da bioética não é traçar um mapa ético sobre como deveria ser a 
humanidade, sobre qual princípio deve ser regido, como a beneficência, a não-
maleficência ou a autonomia, mas encontrar mecanismos de reparação social 
que torne possível o apelo a esses princípios. 
Por isso, a bioética de inspiração feminista, assim como outras correntes 
teóricas críticas, não busca defender interesses específicos de determinado 
grupo da sociedade. Confundir bioética feminista com discurso sexista é, antes 
 
67 
 
de tudo, uma tarefa eficaz para manter a desigualdade entre os gêneros e a 
opressão na sociedade. 
A perspectiva crítica da bioética feminista não buscou características 
típicas da moral da mulher em oposição à moral masculina, mas se baseou em 
alguns aspectos dos estudos éticos que ocorriam na década de 1980, quando se 
fundamentava uma ética feminina, principalmente no livro Uma voz Diferente: 
Teoria Psicológica e Desenvolvimento das Mulheres, da pesquisadora Carol 
Gilligan. A bioética feminista reconhecia na pesquisadora Gilligan, a tradição 
fundamental para a entrada de abordagens não universalizantes no campo da 
ética, e especialmente de abordagens centradas nas experiências das mulheres. 
Porém o que permaneceu de Gilligan, na bioética atual, não foi o seu 
essencialismo das éticas entre homem e mulher, mas a possibilidade de pensar 
uma teoria ética diferentes dos modelos existentes. Do mesmo modo que 
podemos pensar em teorias éticas entre homens e mulheres, podemos pensar 
teorias diferentes do modelo proposto pelo principialismo. Outro 
desenvolvimento dos estudos de Gilligan entre os pesquisadores da bioética 
feminista foi a delimitação do objeto de análise da ética feminina e dos estudos 
feministas. 
Muitos pesquisadores da bioética confundem as abordagens feministas 
da ética com a bioética feminista, de uma maneira que a primeira tende a 
englobar e silenciar a segunda. Em razão disso, os pesquisadores da bioética 
feminista procuram deixar claras as fronteiras dos estudos femininos e 
feministas da ética. Pois a ética feminina se refere à procura da única voz que 
caracterizaria a eticidade feminina. Já a ética feminista discute a situação das 
mulheres em contextos sociais de desigualdade e opressão. 
Susan Sherwin é uma das mais expoentes pesquisadoras da ética 
feminista, que para ela, a ética feminista é um resultado de uma perspectiva 
política explicita do feminismo, em que a opressão das mulheres é vista como 
 
68 
 
política e moralmente inaceitável. Para Sherwin, a ética feminista é uma crítica 
às práticas que determinam a opressão das mulheres. 
Mesmo sofrendo fortes críticas, a teoria essencialista de Gilligan em seu 
livro teve uma importância histórica inegável. Desde o inicio da publicação da 
obra, Uma voz Diferente: Teoria Psicológica e Desenvolvimento das Mulheres 
ocorreram diversas análises e questionamentos, resultando em um perigo que 
um leitor desatento pode sofrer que é o apelo ao essencialismo ético baseado 
em papéis de gêneros. Pois, segundo Sherwin, o fato de que características 
associadas a gênero são em geral regras associadas à opressão. Embora esse 
tipo de ética faça uma abordagem séria das experiências morais femininas, 
tanto na estrutura familiar, como nos cuidados com os outros membros da 
família, a ética desenvolvida por Gilligan é ética que perpetua a subordinação 
feminina, reforçando estereótipos sociais ao considerar o cuidado, como parte 
da essência feminina, e não dos papéis de gênero associados a homens e 
mulheres em cada sociedade. 
Os estudos da teoria crítica aplicados à bioética demonstram a 
necessidade de modificação não só dos pressupostos hierárquicos de gêneros, 
mas também a urgência em se refletir sobre os pressupostos ideológicos do 
próprio feminismo. Em relação a isso, a filósofa Susan Wolf organizou um livro 
chamado Feminismo e Bioética, onde resumiu esse conjunto ideológico 
silencioso que nutria as discussões feministas da bioética, principalmente 
aquelas influenciadas pela teoria principialista. 
Desse modo, a estrutura seria composta pelos princípios universais, 
ocidentais (euro-americano), classista (classe média), racistas (branco) e sexistas 
(masculino) que contribuem boa parte das teorias éticas. Para Wolf, o que 
separa as teorias críticas da bioética e mais especificamente entre o feminismo e 
a bioética, são certas preferências ideológicas da teoria crítica: 
1. Preferência por regras e princípios abstratos; 
 
69 
 
2. Preferência pelo individualismo liberal que tira a importância dos grupos; 
3. Preferência por espaços institucionais de aplicação prática, como por 
exemplo, os hospitais e escolas médicas; 
4. Preferência pelo isolamento perante as teorias críticas da pós-
modernidade. 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
Com a falência desses pressupostos ideológicos, a filósofa Susan Wolf 
reclama a necessidade de um reordenamento, em nome desse etnocentrismo 
disfarçado da ideologia tradicional da bioética. Segundo Wolf, o estilo 
argumentativo e reflexivo das primeiras teorias da bioética conduziu a disciplina 
para um elitismo, tendo como consequência a exclusão de interesses de 
determinadas partes da sociedade, deixando de lado a parte de um conjunto de 
indivíduos e grupos, tradicionalmente oprimidos e vulneráveis. Para reverter 
esse quadro, a autora defende a análise da bioética crítica em diversas teorias 
da disciplina bioética, principalmente a teoria principialista, tendo como 
possibilidade, uma nova escrita da bioética tradicional. 
Por exemplo, o princípio da autonomia, defendido tanto pela teoria 
principialista, deve ser entendido para além do paradigma moral do sujeito 
autônomo: aquele sujeito racional, independente, indistinguível dos demais, o 
sujeito generalizável por excelência. Entendido dessa forma, o conceito de 
autonomia transforma-se em um perigo, pois elimina a possibilidade de 
inclusão para as pessoas que não são consideradas plenamente racionais, como 
é o caso das crianças, mulheres e membros de outros grupos de oprimidos. 
 
 
 
70 
 
UNIDADE 14. TEMAS DA BIOÉTICA: O ABORTO 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Entender e definir o aborto e suas formas. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
O tema do aborto, entre os diversos temas da bioética, é aquele sobre o 
qualmais se tem escrito, debatido e realizado congressos científicos e 
discussões públicas. Todavia essas discussões não resultaram em avanços 
substanciais sobre a questão nestes últimos anos ou mesmo que se tenham 
alcançado alguns acordos morais ainda que temporários para esse problema. 
A problemática do aborto é um modelo claro tanto da dificuldade de se 
estabelecer diálogos sociais frente a posições morais distintas quanto do 
obstáculo em se criar um discurso acadêmico independente sobre a questão, 
pois as paixões e os sentimentos interferem de forma significativa nos escritos 
sobre o aborto. Uma das maiores dificuldades que os leitores não iniciados têm 
perante os livros sobre esse tema, é saber distinguir os argumentos filosóficos e 
científicos consistentes das inúmeras manipulações retóricas que visam apenas 
arrebatar multidões para o campo de batalha travado sobre o aborto. 
Os estudos bioéticos sobre o aborto oscilam entre textos acadêmicos, 
políticos e religiosos, tornando-se a tarefa de organizar um panorama de 
estudos sobre esse assunto uma tarefa árdua. Entretanto isso não impede de 
organizar os principais pontos que marcaram os debates contemporâneos. 
 
 
 
 
71 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
O termo aborto designa a atividade de remoção de um embrião ou feto 
do útero impedindo que esse venha a nascer ocasionando em sua morte. O 
aborto se expressa em quatro tipos fundamentais: 
1. A interrupção eugênica da gestação: casos de aborto ocorridos em 
nome de práticas eugênicas, isto é, situações em que se interrompe a gestação 
por valores racistas, sexistas, étnicos, entre outros. Muito utilizado pela medicina 
nazista por abortar crianças por serem judias ou ciganas. Esse processo ocorre 
contra a vontade da gestante. 
2. Interrupção terapêutica da gestação: aborto ocorrido em nome da 
saúde materna, sendo em situações que se interrompe a gestação para salvar a 
vida da mãe. 
3. Interrupção seletiva da gestação: aborto ocorrido em casos de 
anomalias fetais, tendo como exemplo o caso da anencefalia. 
4. Interrupção voluntária da gestação: aborto ocorrido em nome da 
autonomia reprodutiva da gestante ou do casal, neste caso, leva-se em conta a 
vontade da gestante ou do casal que opta por não ter mais o filho, podendo ser 
fruto de um estupro ou de uma relação consensual. 
Com exceção do primeiro tipo, todas as outras formas de aborto, por 
princípio, levam em consideração a vontade da gestante ou do casal em manter 
a gravidez. Para os pesquisadores, o princípio de autonomia é um dos 
princípios base para essas ações, sendo esse princípio um dos pilares 
fundamentais da teoria principialista que tem tanta influência na bioética. 
Para muitos pesquisadores a interrupção terapêutica da gestação é um 
conceito agregador, subdividido com o conceito de interrupção seletiva da 
gestação. Isso ocorre através da tradição semântica herdada, principalmente, de 
países onde a legislação permite ambos os tipos de aborto, não sendo 
necessária, assim, uma divisão entre as práticas. Entretanto, consideramos que, 
 
72 
 
mesmo para estes países onde o conceito de interrupção terapêutica da 
gestação é mais adequado, em alguma medida ele pode causar confusões e 
controvérsias. 
O problema está que existe uma diferença entre os limites gestacionais 
para os casos em que se interrompe a gestação em nome das anomalias fetais 
ou em nome da saúde materna. O alvo das atenções muda de um caso para o 
outro: no primeiro, a saúde do feto é a razão do aborto; no segundo, a saúde 
materna. Outro motivo que nos faz diferenciar a saúde materna da saúde fetal 
para a escolha de uma terminologia diferenciadora foi o fato de que vários 
escritores denominaram a interrupção seletiva da gestação de interrupção 
eugênica da gestação. 
O termo “seletivo”, para nós, remete diretamente à prática a que se 
refere: é aquele feto que, devido à malformação fetal, faz com a gestante não 
deseje mais a continuidade da gestação. Porém tratar o aborto seletivo como 
eugênico é nitidamente confundir as práticas. Especialmente porque a ideologia 
eugênica ficou conhecida por não respeitar a vontade do indivíduo. A diferença 
fundamental entre a prática do aborto seletivo e a do aborto eugênico é que 
não há obrigatoriedade de se interromper a gestação em nome de alguma 
ideologia de extermínio de indesejáveis. 
Vários autores, principalmente dos movimentos sociais e feministas, 
optaram por falar de autonomia ao invés de falar da interrupção voluntária da 
gestação. Em ambos os conceitos existe uma relação de dependência e não de 
exclusão, apesar de que o princípio que rege essa interrupção ser o da 
autonomia reprodutiva é um conceito que abrange vários aspectos da saúde 
reprodutiva e, não exclusivamente o aborto. 
Outro ponto importante no estudo do tema sobre o aborto são os 
adjetivos que vários autores utilizam para infamar os pesquisadores que são a 
favor dessa prática. Adjetivos como aborteiros, homicidas, assassinos e 
 
73 
 
carniceiros, tendo relatos até de incêndios provocados em clínicas de aborto e 
profissionais sendo agredidos por grupos ao contrário do aborto – grupos 
“defensores da vida”, como se autodenominam. Ao falar do feto abortado como 
“criança inocente”, ofensas como hipócritas soam de ambos os lados, tanto a 
favor à prática como contra a prática. A discordância em definir o feto abortado 
varia de “embrião” e “feto” até “criança”, “não-nascido”, “pessoa” ou “individuo”. 
A posição dos grupos contra o aborto apela até para vídeos com retórica 
sedutora e violenta, como é o caso do vídeo grito silencioso, que foi editado por 
grupos contrários à prática do aborto e mostra as reações de um feto de 12 
semanas (tempo máximo permitido por várias legislações para a interrupção 
voluntaria da gestação) durante um aborto. A ideia do vídeo é provocar, no 
espectador, a compaixão pela suposta dor do feto durante o aborto e, 
consequentemente, sustentar o princípio de direito à vida desde a fecundação, 
sendo esse um dos pilares fundamentais da argumentação contrária ao aborto. 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
Para melhor desenvolvimento desse assunto, é necessário compreender 
as taxas percentuais de abortos realizados no mundo. A Conferência 
Internacional sobre a População e Desenvolvimento ocorrida no Cairo, em 1994, 
é considerada um marco para as legislações e as políticas internacionais e 
nacionais acerca do aborto. Considera-se que, até antes da conferência do 
Cairo, o tema do aborto não compunha a agenda da saúde pública de inúmeros 
países. O aborto, juntamente à prática do coito interrompido, tem sido durante 
o século XIX e XX o método de controle de natalidade mais usado e difundido. 
Em razão disso, as taxas mundiais de aborto são bastante elevadas, tendo 
como recordistas alguns países da América Latina e África. Apesar de ser de 
difícil mensuração, uma vez que o aborto é considerado crime em inúmeros 
países, calcula-se que a taxa mundial de abortos por ano esteja entre 32 e 46 
 
74 
 
abortos a cada 1000 mulheres na idade de 15 a 44 anos, a depender da 
prevalência dos métodos anticonceptivos, de sua eficácia e das leis e políticas 
relativas ao aborto. 
 Nos países ocidentais, o pico etário do aborto ocorre entre mulheres de 
20 anos, como, por exemplo, na Inglaterra, onde 56% dos abortos são 
praticados por mulheres com menos de 25 anos, ao passo que nos Estados 
Unidos este número é de 61% na mesma faixa etária. O aborto na América 
Latina, segundo os dados do Instituto Allan Guttmacher, há uma ligação 
acentuada entre renda e acesso ao aborto praticado por médicos. Enquanto 
apenas 5% das mulheres pobres rurais têm acesso ao aborto médico, este 
número é de 19% entre as mulheres pobres urbanas e de 79% entre as 
mulheres urbanas de renda superior. No Brasil, para o ano de 1991, estimou-se 
que o total de abortos induzidos foi de 1.443.350,constituindo uma taxa anual, 
por 100 mulheres de 15 a 49 anos, de 3.65. Nos Estados Unidos, por exemplo, 
esta taxa é de 2,73. 
 Segundo um relatório publicado em junho de 1998, que vem 
acompanhando a legislação do aborto desde 1985 no cenário mundial, 61% da 
população mundial vivem em países onde o aborto induzido é permitido por 
algumas razões específicas ou não apresenta restrições, ao passo que 25% da 
população convivem em países onde o aborto é radicalmente proibido. Os 
autores argumentam, ainda, que comparando dados da primeira pesquisa – de 
1985 – com os levantados no último estudo há um direcionamento mundial 
para a liberalização do aborto. Dos vinte países que modificaram suas 
legislações desde o primeiro estudo, 19 realizaram mudanças para legislações 
mais abertas às práticas abortivas. 
 
 
 
75 
 
UNIDADE 15. TEMAS DA BIOÉTICA: DISCUSSÃO SOBRE 
O ABORTO 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Compreender a discussão sobre a prática do aborto. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
A discussão do aborto habita entre dois princípios que fazem 
extremidades, que são: a heteronomia da vida (a vida humana é sagrada por 
princípio) e a autonomia reprodutiva. Mas entre esses princípios, existe uma 
infinidade de variâncias que, aparentemente, são incoerentes aos princípios 
maiores, sejam eles o da heteronomia ou da autonomia. Eis alguns exemplos: 
alguns líderes políticos que, reconhecidamente são defensores da liberdade do 
indivíduo e, consequentemente, defensores da autonomia individual, porém são 
adeptos do princípio da heteronomia da vida que concerne ao aborto. Outro 
exemplo, são grupos defensores da vida que, lutam por direitos de autonomia 
de reproduzir, por exemplo, o grupo denominado “Católicas pelo direito de 
decidir”. Este movimento é composto por católicas, seguidoras da doutrina 
cristã, que defendem o direito da mulher em ter ou não a sua gestação. 
Este fenômeno ocorre porque, no campo da moral, com raras exceções, 
as pessoas não se comportam com a coerência lógica comum aos tratados de 
filosofia moral. As escolhas morais processam-se de inúmeras maneiras – com 
influências da família, do matrimônio, da escola, dos meios de comunicação, 
entre outro – o que acaba por mesclar princípios e crenças inicialmente 
inconciliáveis. Na verdade, grande parte da população encontra-se confusa 
entre extremos morais apresentados. Poucos são os grupos morais e religiosos 
que se identificam com os mesmos. 
 
76 
 
 Os que defendem a descriminalização do aborto e a sua legalização 
partem do princípio da autonomia reprodutiva da mulher e/ou do casal, 
baseando-se no princípio da liberdade individual, herdeira da tradição filosófica 
anglo-saxã, cujo pai é o filósofo John Stuart Mill. É em torno do princípio à 
autonomia reprodutiva que os proponentes da questão do aborto se 
estabelecem. E, talvez, o que melhor represente a ideia de autonomia 
reprodutiva para os proponentes seja a analogia feita em 1971, por Tomson, no 
artigo A Defesa do Aborto, onde ilustra a sua ideia com uma história fictícia 
sobre uma mulher que é presa pelos fluxos sanguíneos com um violinista 
famoso. Essa história provocou uma verdadeira onda de debates e discussões, 
argumentando que o exemplo de Tomson serviria apenas para casos onde a 
gestação foi fruto da violência sexual e outros que sustentavam que o respeito 
ao princípio de autonomia era a questão-chave do relato. 
Já os oponentes do aborto têm como base a heteronomia, isto é, a ideia 
de que a vida humana é sagrada por princípio. Na bioética, os oponentes do 
aborto não são apenas aqueles vinculados a crenças religiosas, sendo, ao 
contrário, esta uma idéia bastante difundida até mesmo entre os bioeticistas 
laicos (esta aceitação da ideia da intocabilidade da vida humana entre os 
bioeticistas laicos fez com que Singer falasse em “especismo” do Homo sapiens, 
ou seja, um discurso religioso baseado nos pressupostos científicos da evolução 
da espécie e na superioridade humana). Na verdade, o princípio da heteronomia 
da vida está tão aprofundado na formação dos profissionais de saúde que 
temas como a eutanásia e a clonagem não são aceitos com facilidade. 
Enquanto os grupos que são a favor do aborto se unem em torno da 
autonomia, os grupos que são contra o aborto esforçam-se por desdobrar o 
princípio da heteronomia em peças de retóricas que irão determinar, de uma 
vez por todas, os debates sobre abortos. Desde então, os oponentes ao aborto 
se fazem presentes com um discurso ativo, ao passo que os grupos que são a 
 
77 
 
favor ao aborto se caracterizam por ter assumido um posicionamento reativo 
aos argumentos contrários ao aborto. 
Uma vez aceito o princípio da heteronomia da vida humana, os teóricos 
preocupados em sustentá-lo partem constantemente ao encontro de 
argumentos filosóficos, morais ou científicos para mantê-lo. Alguns já se 
tornaram clássicos ao debate sobre o aborto como, por exemplo, a crença de 
que o feto é uma pessoa humana desde a fecundação e também o argumento 
da potencialidade do feto em se tornar pessoa humana. Sustentar a ideia que o 
feto é pessoa humana desde a fecundação é transferir para o feto os direitos e 
conquistas sociais considerados restritos aos seres humanos, em detrimento 
dos outros animais. O primeiro direito – e o mais adotado pelos oponentes da 
questão do aborto – é o direito à vida. Todas as implicações jurídicas e 
antropológicas do status de pessoa humana seriam, com isso, reconhecidas no 
feto. 
Para os mais extremistas, sendo o feto uma pessoa humana torna-se 
impossível qualquer dispositivo legal que permita o aborto. Em relação à ideia 
de potencialidade, tem ainda maior número de defensores do que a que 
concede o status de pessoa ao feto em fecundação. A teoria da potencialidade 
sugere que o feto humano representa a possibilidade de uma pessoa e, 
portanto, não pode ser eliminado. Para os representantes da teoria da 
potencialidade, de feto para pessoa completa é apenas uma questão de tempo 
e, é claro, de evolução. Assim, em nome da futura transformação do feto em 
criança, sendo o de grande marco o nascimento, o aborto não pode ser 
permitido. 
Tanto para os defensores da teoria da potencialidade quanto para os 
defensores da ideia de que o feto é já uma pessoa desde a fecundação, o 
aborto possui o significado moral e jurídico de assassinato – e é desta maneira 
 
78 
 
que seus expoentes se referem à prática. Diante desses argumentos os que são 
a favor da legalidade do aborto assumem, então, uma argumentação reativa. 
Os bioeticistas defensores do aborto analisam os argumentos que se 
afastam do princípio da autonomia e desconstroem a retórica utilizada pelos 
que são contra o aborto, especialmente aqueles que se utilizam dos 
argumentos expostos anteriormente. Frente à defesa de que o feto é uma 
pessoa humana desde a fecundação, os proponentes argumentam que a ideia 
de “pessoa humana” é antes um conceito antropológico que jurídico e 
necessita, portanto, da relação social para fazer sentido. O status de pessoa não 
é mera concessão, mas, sobretudo uma conquista através da interação social. 
A teoria da potencialidade se tornou a principal teoria que os 
proponentes combatem, pois a maioria dos que são contra o aborto se 
fundamenta nela. Em geral, os limites estabelecidos baseiam-se em 
argumentações científicas tais como: quando o feto começa a sentir dor, 
quando iniciam os movimentos fetais, quando há a possibilidade de vida extra-
uterina, etc., todavia, não são os dados evolutivos da fisiologia fetal que 
decidem quando se pode ou não abortar, mas sim valores sociais concedidos a 
cada conquista orgânica do feto. Sentir ou não dor, ter ou não consciência, 
assim como mobilidade, são valores sociais que, transferidos para o feto, 
estruturam os limites entre o que pode e que não pode ser feito. 
Existem extremistasque são contra a ideia da potencialidade que 
considera, a não distinção entre embrião, fetos ou recém-nascidos e que 
qualquer tentativa de limites de gestação para a execução do aborto que, 
resulta em um ritual metafísico. Outros admitem que se a teoria da 
potencialidade fosse verdadeira poderíamos afirmar que as células sexuais do 
ser humano são potencialmente pessoas, o que enfraqueceria seu poder de 
convencimento. 
 
79 
 
Todavia a maioria que defende o aborto argumenta que é necessária a 
imposição de limites gestacionais, sendo o nascimento um divisor de águas, 
estando assim o infanticídio fora das possibilidades. 
 
BUSCANDO O CONHECIMENTO 
Apesar das diferenças entre os proponentes e os oponentes não-
extremistas, há pontos em que o diálogo torna-se possível. Existe uma maior 
atração tanto no pensamento científico quanto do senso comum na aceitação 
do aborto quando do estupro, de risco à saúde materna ou anomalias fetais 
incompatíveis com a vida. 
Os conflitos voltam a existir quando é preciso definir os limites 
gestacionais a cada prática. O grande centro das diferenças está na 
possibilidade da mulher/casal em decidir sobre a reprodução. Assim, apesar de 
bastante difundido, o problema da moralidade do aborto é histórica e 
contextualmente localizado e qualquer tentativa de solucioná-lo tem que levar 
em consideração a diversidade moral e cultural das populações atingidas. 
Seja pela diversidade legal acerca da temática quanto pela multiplicidade 
argumentativa do debate bioético, o aborto é uma das questões paradigmáticas 
da bioética exatamente porque nele reside a essência trágica dos dilemas 
morais que, por sua vez, são conflituosos na bioética. 
 
 
 
80 
 
UNIDADE 16. ABORTO: O DIREITO DE NASCER 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Analisar o direito de nascer nos estudos bioéticos. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
Dando prosseguimento no estudo realizado pelo teólogo Edson Sallin5, 
agora vamos analisar um excerto onde fala do direito de nascer dos homens e 
sua relação com a bioética. 
[...] A pessoa humana é um ser em completo progresso e em extrema 
evolução. Quando argumentamos sobre o início da vida, praticamente 
deparamos em vários pressupostos, especialmente sobre o momento em que 
se inicia o ciclo vital. Pois a vida perde seu mistério quando, não sentimos mais 
amor nem prazer de viver. Contudo não é necessário que, apelamos para a 
interpretação bíblica da árvore do conhecimento, para reconhecer que 
precisamos ‘abrir’ nossos olhos frente às injustiças cometidas contra a vida. Este 
paradoxo, do mistério da vida estende- se em todas as suas dimensões a ser 
considerada humanamente a vida como premissa de qualquer sociedade. 
 
Alguns querem estabelecer este momento de implantação como o início 
da vida, porém o embrião vinha se desenvolvendo desde o momento 
da fecundação e chega vivo ao útero já com centenas de células 
formadas a partir da primeira célula - ovo. Não se pode afirmar que 
antes não havia um ser vivo da espécie humana que inclusive 
estabelecia relações com sua mãe, enviando-lhe mensagens para 
garantir sua existência, usando uma linguagem bioquímica, hormonal 
e imunológica (Manual CF 2008, n.72). 
 
 
5
 Disponível: <www.fapas.edu.br/theologia/artigos/200931_28.pdf>, acesso em: 05/08/2014. 
 
81 
 
Partindo deste ponto, podemos nos perguntar: quando e como inicia o 
ciclo vital? Ou ainda; quais os critérios para que o pré-embrião seja tratado 
como ser humano? 
Ao pressupor que, a vida inicia-se no momento da fecundação 
queremos antes de tudo, trazer presente a dignidade do embrião como um ser 
que tem o direito de nascer. Toda vida humana deve ser respeitada, protegida 
e amada desde no seu início; portanto, qualquer ser humano (não 
importando quem ele seja) deve ter seu direito reconhecido como ser humano, 
mesmo antes de nascer. Nestes termos, afirma o biólogo chileno Humberto 
Maturana: “A humanização do embrião ou do feto não é um fenômeno que 
acontece como fase do seu desenvolvimento, mas se verifica como parte da 
vida de relação cultural deste” (Maturana, 1992, p.143). 
Considerando estes fatos, o embrião parece ser ao mesmo tempo, bem 
menos que um ser humano, e, contudo, bem mais do que ele próprio. Ademais, 
o que queremos em afirmar ao fato do embrião ser tratado como humano em 
potencial? Duas coisas são importantes ressaltar aqui: 
1. Não podemos considerá-lo como pessoa atual, isto é, que seja por si; 
nem o embrião nem o feto são capazes de fazer valer a sua dignidade (a não 
ser através de outros). 
2. Falar de pessoa em potência a propósito do embrião significa tirar as 
consequências éticas do fato, isto é, que ele seja reconhecido e tratado como 
humano em potencialidade. 
Ao refletirmos mais profundamente sobre isso, somos, contudo 
tentados a encontrar respostas, muitas vezes difíceis num anglo racional. Sem 
dúvida de que a vida inicia seu ciclo vital desde o momento da concepção. São 
tantos problemas que surgem frente a estes pressupostos, que deparamos 
num abismo entre, tecnociência e defesa da vida. 
 
82 
 
Por outro lado, a ação conjunta do progresso tecnológico, 
provocado pelo impulso da globalização, provocou uma intensa 
mudança em relação ao modo de como às pessoas viam e 
compreendiam a vida. Neste sentido Moser afirma: 
 
A vida é um continuum, e a única aparente descontinuidade, ao 
longo do processo evolutivo de um ser humano, verifica-se durante o 
processo de fertilização, em especial após a singamia, na qual dois 
elementos biológicos distintos, com diferentes patrimônios 
genéticos, se fundem num único elemento que, se este sim, se 
desenvolverá progressivamente até o nascimento (Moser, 2004, 
p.157). 
 
A forma de encarar a vida nos últimos tempos começou a mudar. O 
próprio fato de que, o ser humano já não estava mais em primeiro lugar na 
sociedade, trouxe certas dicotomias em relação de como o início da vida era 
visto e compreendido. Assim sendo, o homem que antes vislumbrava o 
cosmos, começou a ater-se em descobrir os segredos da vida humana. “A 
transmissão da vida humana exige amor e respeito aos sábios planos do 
criador. O filho tem direito a ser concebido, levado no seio, posto no mundo e 
educado nas sólidas e benéficas relações matrimoniais” (Reinholdo, 1998, 
p.275). Estamos não só diante da noção de humano, mas numa noção de que 
deveremos respeitar a vida humana mesmo se tratando de um embrião em 
desenvolvimento. 
 
QUEM TEM DIREITO A VIDA? 
A vida humana é praticamente um dos grandes debates, e 
questionamentos que se conceitua. Por outrora, o avanço da modernidade, em 
especial a preocupação com o futuro da nossa espécie, tem provocado grandes 
angustias pelo modo como estamos conduzindo e ‘manipulando’ a vida dos 
 
83 
 
seres humanos. Por outro lado, o neoliberalismo, egocentrismo, pessimismo, 
individualismo, tem deixado rastos assustadores; em se tratando do 
desrespeito aos direitos humanos. 
Argumentar sobre a vida humana, vai muito além do ser da pessoa, pois, 
estamos argumentando a respeito da sua dignidade enquanto pessoa. A vida 
deve antes de tudo, ser respeitada desde a sua origem, logo, se 
desrespeitamos a vida mesmo antes de nascer, automaticamente, estaremos 
desrespeitando a pessoa no seu processo de desenvolvimento e o que ela 
significa. A pessoa humana encontra sentido para sua vida, quando consegue 
entender o valor que a mesma representa. Nestes termos, a pessoa não é 
simplesmente um fato biológico, nem uma substância metafísica dada 
plenamente desde o início da concepção, mas um ser que vai “evoluindo” ao 
longo de toda a vida. Para Heidegger o ser humano é diferente dos demais 
seres pela sua capacidade de existência, isto é, é o único que existe sob a 
modalidade da existência; os outros entes (afirmao autor) só existem e 
ocupam lugar. Segundo Pessini: 
Sendo o ser humano uma existência relacional, sempre em devir, ele 
é também e necessariamente um ente potencial, sempre em 
realização de suas virtualidades, do nascimento à morte. No momento 
da concepção, por exemplo, o novo ser humano está próximo à 
pura potencialidade, porquanto não tem nenhuma estrutura corporal 
definida, menos ainda a dimensão psíquica estruturada e nenhuma 
personalidade estabelecida-é a potencialidade em expansão, um ser 
humano inteiramente em vir- a-ser (Pessini, 2003, p.183). 
 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
Frente a isso, podemos nos perguntar: Quem tem o direito à vida? Ora, 
naturalmente somos seres humanos imperfeitos e inacabados, possuidores de 
inúmeras potencialidades que nos diferenciam dos demais seres. Muitas de 
nossas ações ajudam a desenvolver nossa natureza humana, isto é, o que nos 
 
84 
 
torna humanos não é por agirmos diferentes, mas por possuirmos dignidade e 
capacidade de usar a razão. Por isso que, a vida é um direito de todos; e esta 
deve ser colocada em primeiro lugar em todos os níveis da sociedade. É claro 
que, perante aos ‘olhos’ da sociedade este é um problema complicado, e com 
muitas interrogações; pois como defender a vida, enquanto a grande maioria é 
rechaçada ao esquecimento? 
Entretanto, o respeito pela pessoa em especial pela sua dignidade, deve 
ser reconhecido mesmo antes de nascer. De modo geral dignidade abrange 
toda a pessoa, isto é, aquilo que ela representa como pessoa e não outra coisa. 
Para Pessini: De modo geral, dignidade indica o status de uma entidade que, 
dadas suas qualidades intrínsecas ou seu méritos adquiridos, tem direito a, e 
merece respeito. Há uma intuição moral fundamental e, suponho universal que 
une dignidade e respeito, sendo, no entanto muito difícil articular 
discursivamente o conteúdo dessa intuição moral (Pessini, 2003, p.165). 
 
 
 
85 
 
UNIDADE 17. ABORTO: O DIREITO SOBRE A VIDA 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Analisar o direito à vida nos estudos bioéticos. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
A ideia de vida tem um espaço fundamental nos estudos bioéticos, temas 
como eutanásia e aborto lidam diretamente com o conceito de vida e a reflexão 
sobre os direitos dela. Para refletir sobre esse assunto, trago um excerto do 
artigo do teólogo Edson Sallin6 
 
Bioética e o Direito a Vida 
A bioética é considerada uma das áreas de estudo e reflexão que vem 
crescendo nos últimos tempos. Cada vez mais ela, busca responder as questões 
que estão relacionadas à vida humana, à natureza, enfim, a tudo aquilo que se 
refere aos aspectos do humano e da natureza. Nos dias atuais, em que a ciência 
e a técnica adquiriram tamanha força, a bioética é ‘um balde de água fria’ frente 
às técnicas usadas contra a vida humana; por conseguinte, é “o clamor da 
sabedoria humana, que vai além do mero contexto das discussões éticas das 
múltiplas profissões no âmbito das ciências da vida humana, buscando a 
promoção e proteção da vida [...]” (barchifontaine, 2004, p. 08). Desde a sua 
gênesis, a bioética tem mostrado sua força contra aqueles que ameaçam ou 
destroem não somente a vida humana, mas a natureza como um todo. Ela 
além de proteger a vida, tem denunciado as injustiças presentes, isto é, a 
 
6
 Disponível: <www.fapas.edu.br/theologia/artigos/200931_28.pdf>, acesso em: 05/08/2014. 
 
86 
 
desvalorização da pessoa e a sua dignidade,5 a fome, as guerras injustas as 
misérias, as diferenças, enfim um panorama de injustiças. Segundo Screccia: 
 
A bioética ai está como tentativa de reflexão sistemática a respeito de 
todas as intervenções do homem sobre os seres vivos, uma 
reflexão que se propõe um objeto específico e árduo: o de 
identificar valores e normas sobre a própria vida e sobre a biosfera 
(Screccia, 1996, p.57). 
 
Vive-se numa sociedade marcada não somente pelas indiferenças, mas 
pelo individualismo, pelo liberalismo, neoliberalismo, egocentrismo e assim por 
diante. Entre a tantas injustiças que sufocam o mundo, deparamos na 
desvalorização do ser humano. Deste ponto de partida, a bioética tem por 
finalidade valorizar em primeiro lugar a vida de cada ser humano em todas as 
suas fases; emergem nestes aspectos, reflexões sobre o início e o término da 
vida. Pois, em uma sociedade como a nossa, a vida humana é colocada em 
segundo plano e rechaçada ao esquecimento; nas quais, os interesses 
econômicos valem mais do que a própria pessoa. De fato o papel fundamental 
da bioética, é então buscar responder aos problemas presentes em especial aos 
que se relacionam com a vida humana. Frente a isso, Barchifontaine afirma: 
 
Hoje, a bioética pode ser definida como um instrumento de reflexão e 
ação, a partir de três princípios: autonomia, beneficência e justiça. Busca 
estabelecer um novo contrato social entre a sociedade, cientistas, 
profissionais de saúde e governos. Além de ser uma disciplina na área 
da saúde é também um crescente e plural movimento social 
preocupado com a biossegurança e o exercício da cidadania, diante do 
desenvolvimento das biociências. Procura resgatar a dignidade da 
pessoa humana e a qualidade de vida (Barchifontaine, 2004, p.90). 
 
Entretanto, a vida de qualquer ser humano deve ser valorizada em 
todas as suas dimensões. Neste ponto, deparamos numa questão que reza 
 
87 
 
assim: Como e quando inicia o ciclo da vida humana? Da percepção e 
compreensão da realidade cósmica é necessária uma ampla progressividade 
de atenção na diversidade que a própria vida representa. Quando 
abordamos a origem da vida, é preciso deparar-se nas seguintes questões e a 
partir destas procurar tirar conclusões; tais como: 
1. Que leitura devemos ter diante do pré-embrião? 
2. Quando tem início o ciclo vital? 
3. O feto tem dignidade? 
A procriação humana que, da origem a um novo ser humano, deve ser 
compreendida como um processo biológico nas quais, homem e mulher 
unem-se para gerar a ‘riqueza vital’ da vida. O problema que hoje se encontra 
é em relação ao fato, do início da vida; isto é, quando mesmo inicia o ciclo 
vital de um novo ser humano? O ponto crucial é então, definir se o embrião 
pode ou não ser considerado um ser humano, ou apenas um amontoado de 
células! “Visto que deve ser tratado como pessoa desde a concepção, o 
embrião deverá ser defendido em sua integridade, cuidado e curado, na 
medida do possível como qualquer ser humano” (Catecismo da Igreja 
Católica, nº2273). Num aspecto filosófico, a vida parte de uma animação, isto 
é, nos primeiros dias (antes dos 14 dias), o embrião seria uma animação, ou 
seja, um ser em potência. O que então nos faz cogitar é o fato de que 
maneira, ou quando o embrião torna-se um ser humano; é neste momento 
que vem a seguinte questão: terá iniciado a vida desde o momento da 
fecundação? Ora, há várias opiniões frente a isso, muitas das quais destacam-
se que a vida propriamente dita tem seu início no momento da 
fecundação, outros, porém afirmam que a vida inicia a partir do décimo 
quarto dia de gestação;9 outros apontam ainda, que a vida tem sentido 
quando estiver com todos os órgãos completos. Neste sentido Moser afirma: 
 
 
88 
 
Seriamos humanos a partir do momento em que o círculo familiar e cultural 
nos aceita como tais. Apesar de tal posicionamento poder ser chocante, 
essas teses não podem ser ignoradas, pois marcaram época em tempos 
não muito distantes. O objetivo delas é claro: tornar menos rígida a rejeição 
do aborto em certos casos mais complexos, na linha do tradicional 
aborto indireto, não querido em si mesmo, mas decorrente de certas 
intervenções necessárias para salvar a vida da mãe (Moser, 2005, p.149-
150). 
 
A preocupação pela pessoa humana e por tudo o que elarepresenta, 
não é somente uma tarefa da bioética, mas, de todos os seres humanos 
conscientes do que são de do que representam. Do ponto de vista científico, 
a pessoa é pessoa no momento em que expressa sua dignidade. Então, 
deparamos num problema da seguinte forma: Qual conceito que temos de 
pessoa? A pessoa é pessoa somente quando pode expressar sua dignidade? 
E antes, não seria considerada pessoa? Todas estas questões nos suscitam 
muitos debates e questionamentos. Ora, quando pensamos em pessoa 
propriamente dita, com certeza cogitamos em direitos e deveres, isto é, 
alguém que faz parte de uma dada sociedade. Na realidade, isso não é uma 
questão simples, pois, a visão que temos sobre pessoa ou quando ela é 
considerada pessoa, praticamente parte-se de uma concepção social. 
Ademias, o ser humano não pode ser compreendido como parte, mas, como 
um todo. “Uma vez que o indivíduo não pode ser compreendido como soma 
de partes que são acrescentadas uma à outra a partir de fora, deve ser vista 
como incluída em tal processo também a totalidade corpóreo-espiritual do 
homem” (Lexicon, 2007, p.183). 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
Hoje o debate sobre o ciclo da vida, está presente praticamente em 
todos os campos do conhecimento. Por ventura, o progresso científico trouxe 
 
89 
 
grandes conquistas para a humanidade; mas também, vários empecilhos entre 
ciência e defesa da vida. “A ciência e a técnica são recursos preciosos postos a 
serviço do homem e promovem seu desenvolvimento integral da existência e 
do progresso humano” (Catecismo da Igreja Católica, n°2293). Entre aqueles 
que lançam um olhar favorável à dignidade humana, muitos estão atentos em 
usufruir da vida, mesmo ainda não nascida. “Com o progresso das ciências, 
progride também o conhecimento da nossa natureza, progredindo 
igualmente, segundo nosso empenho, os nossos juízos éticos, fundamentados 
nas leis e estruturas de nossa natureza” (Reinholdo, 1998, p.270). Mas estes 
perigos batem a nossa porta, como um preço que temos a pagar pelos 
exalantes avanços do saber, pelos inestimáveis progressos tecnológicos. 
 
 
 
90 
 
UNIDADE 18. TEMAS DA BIOÉTICA: A EUTANÁSIA 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Compreender a prática da eutanásia e suas críticas. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
A eutanásia é um dos assuntos centrais nos debates bioéticos nacionais e 
internacionais. A origem da palavra eutanásia vem do grego ευθανασία e 
significa “boa morte”, resultando na conduta médica que apressa a morte de 
um paciente incurável e em terrível sofrimento. 
No sentido de evitar mais sofrimentos que o paciente julga insuportáveis, 
a eutanásia adianta a morte do próprio, atendendo a vontade e manifestação 
expressa por ele. A eutanásia atua na situação que o paciente quer acabar com 
a sua vida, mas não consegue por motivos de incapacidade física, por isso ele 
recorre a outros para que se possa realizar o seu desejo. A eutanásia é 
conhecida também como suicídio assistido, pois é preciso de uma pessoa para 
que possa realizar a morte voluntária do paciente. 
Essa prática é proibida em vários países, inclusive no Brasil. A justificativa 
está na característica do bem supremo da vida, que foi introduzida na cultura 
brasileira, pela tradição cristã, e também no direito moderno, que coloca a vida 
como um direito natural e inviolável. Com esses aspectos o tema da eutanásia 
se estabelece em bases dualistas, que opõem vida e morte, e esquecem a 
distinção de viver e de sobreviver. 
Para fazer uma análise sobre a eutanásia, é preciso primeiramente 
distingui-la de outros conceitos parecidos como os conceitos da distanásia e da 
ortotanásia. A distanásia se expressa no exercício de emprego de todos os 
meios terapêuticos possíveis, inclusive os extraordinários e experimentais em 
 
91 
 
um paciente terminal, e a ortotanásia se classifica como a suspensão dos meios 
medicamentosos ou artificiais de manutenção da vida de um paciente em coma 
irreversível. 
Enquanto na eutanásia a preocupação maior é com a qualidade de vida 
do paciente em fase terminal, na distanásia implica investir todos os recursos 
possíveis para prolongar a vida ao máximo. Esta é também caracterizada como 
obstinação ou futilidade terapêutica, sendo uma postura ligada especialmente 
ao paradigma tecnocientífico e comercial-empresarial da medicina. 
No Brasil, na tradição da ética médica, durante certo tempo havia uma 
tendência a nivelar um comportamento distanásico. O motivo apresentado pelo 
Código de 1931 para reprovar a eutanásia é “porque um dos propósitos mais 
sublimes da medicina é sempre conversar e prolongar a vida” (artigo 16). Se 
aceitarmos que a finalidade da medicina “é sempre conservar e prolongar a 
vida” está claramente se fundando em raízes da distanásia com seu conjunto de 
tratamentos que não deixam os pacientes morrerem tranquilamente. Todavia, 
houve uma mudança no código de ética médica, traçando o objetivo médico 
não só como um prolongamento ao máximo da vida, mas também como 
avaliação se o procedimento vai beneficiar o paciente ou não. 
Alternativa que se difere da distanásia e da eutanásia, é a ortotanásia e 
seu princípio de morte natural. A ortotanásia permite ao doente, que já entrou 
em fase final de sua doença, enfrentar o seu destino com tranquilidade porque, 
nesta perspectiva, a morte não é uma doença a curar, mas sim algo que faz 
parte da vida. No fundo, a ortotanásia é morrer saudavelmente, pois a morte 
não está sendo forçada como a eutanásia e também a vida não está sendo 
forçada como a distanásia, aqui a vida e a morte seguem o seu curso 
naturalmente sem intervenção humana. 
O propósito da eutanásia é justamente tirar com a morte o sofrimento e 
a dor que a vida dá ao paciente. Muitas vezes adeptos dessa ação são 
 
92 
 
considerados desumanos, mas muitos conservadores não veem que suas 
atitudes de defender a vida a todo custo, sacrifica seres humanos em altares de 
sistemas morais autoritários que valorizam mais princípios frios e restritivos, do 
que a autonomia do sujeito e a liberdade da sua vontade de escolha. 
Podemos perceber que a eutanásia se divide em dois elementos: a 
eliminação da dor e a morte do portador da dor como meio para alcançar esse 
fim. A ética médica codificada e a teologia moral abrigam o primeiro elemento, 
o tratamento e a eliminação da dor, e recusa o segundo elemento, a morte 
direta e proposital do portador da dor. Quando se condena a eutanásia, não é o 
controle da dor, nem a defesa da dignidade da pessoa doente em fase terminal, 
mas sim aquela parte do resultado que acaba matando a pessoa a fim de matar 
a sua dor. 
Uma ambiguidade que frequentemente surge em relação à natureza da 
eutanásia é se ela é exclusivamente um ato médico ou não. Se os fatores 
decisivos na definição da eutanásia são o resultado (morte provocada, 
eliminação da dor) e a motivação (compaixão), a palavra pode continuar tendo 
uma conotação bastante ampla. Nesta definição da palavra, o ato de um marido 
atirar e matar a sua esposa que está morrendo de câncer, porque não aguenta 
mais ouvir suas súplicas para acabar com tanto sofrimento, poderia ser 
caracterizado eutanásia. Se, porém, se acrescenta outro fator, a natureza do ato 
e a eutanásia forem definidas como ato de natureza médica, de repente a 
situação descrita não é mais eutanásia. 
De acordo com os estudos sobre bioética e filosofia moral, o exemplo 
descrito anteriormente está mais próximo de ser considerado um homicídio por 
misericórdia, do que eutanásia. A palavra eutanásia deve ser colocada em casos 
exclusivamente para denotar atos médicos que, motivados por compaixão, 
provocam precoce e diretamente a morte a fim de eliminar a dor. 
 
93 
 
Outro ponto que precisa ser analisado criticamente é a distinção entre a 
eutanásia praticada em pessoas que estão sofrendo fisicamente ou 
psicologicamente,mas cuja condição não ameace imediatamente a vida; e 
pessoas, cuja enfermidade já entrou em fase terminal, com sinais de 
comprometimento progressivo dos órgãos. Nos dois casos, a bioética tem que 
ultrapassar os princípios de autonomia e liberdade e fazer uma reflexão mais 
profunda para chegar a uma solução, pois é preciso levar em conta também, os 
princípios da beneficência, da não-maleficência e da justiça. 
Analisando, especificamente, o caso da pessoa que está sofrendo 
fisicamente ou psicologicamente, mas cuja condição não ameaça a vida, 
podemos pegar um exemplo de um tetraplégico, consciente, lúcido e 
angustiado, que peça a morte para pôr fim ao seu sofrimento. Se a saúde se 
define por ausência de doença e de enfermidades que impossibilita o ser 
humano de exercer suas habilidades inatas, tendo como autonomia a liberdade 
de praticar a sua vontade, inclusive a própria morte, torna-se difícil refutar esse 
argumento e impedir a sua morte. Porém, se a saúde tiver outra conotação e a 
autonomia estiver ligada a uma rede de sentidos e não em atividades isoladas, 
surgem outras opções para argumentar contra esse tipo de prática. 
 
BUSCANDO O CONHECIMENTO 
Quando se entende a saúde como o bem-estar físico, mental, social e 
espiritual da pessoa, abre-se todo um leque de possibilidades para falar na 
saúde do doente crônico e para promover seu bem-estar. O bem-estar físico da 
pessoa tetraplégica se promove, em primeiro lugar, cuidando da higiene, 
conforto e tratando infecções ou moléstias que possam por risco a sua vida. Um 
quarto limpo, com temperaturas agradáveis, onde o doente possa se sentir bem 
contribui muito para a ideia do bem-estar. A reconquista da autoestima é um 
ótimo fator para promover o bem estar do doente, pois o isolamento social, 
 
94 
 
inclusive em relação aos próprios familiares, resulta em grande fonte de 
infelicidade para o doente crônico. 
Partindo dessa reflexão, pode-se argumentar que nesta situação onde 
angústia é provocada por uma condição que não ameaça diretamente a vida, a 
eutanásia é um procedimento inapropriado do ponto de vista da ética. O que a 
situação necessita não é da morte para libertar o paciente da dor, mas, sim do 
investimento no resgate da vida e do seu sentido existencial. 
Esse caso ocorre diferentemente do caso em que o paciente está em uma fase 
terminal e irreversível do organismo. Enquanto no fato anterior o procedimento 
apropriado foi investir na vida, neste evento o procedimento apropriado é 
investir na morte. A morte assume aqui um caráter diferente de seu significado 
comum, pois, se entendemos a saúde como o bem estar físico, mental, social e 
espiritual da pessoa, o bem estar físico de um doente, em fase terminal, não é a 
tentativa de encontrar a sua cura, mas nos cuidados necessários para assegurar 
seu conforto e o controle da sua dor. Garantir este bem estar físico é um 
primeiro passo para manter a sua saúde enquanto morre. 
 
 
 
95 
 
UNIDADE 19. A EUTANÁSIA NO BRASIL 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Entender o funcionamento da eutanásia no Brasil. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
No Brasil, a eutanásia foi considerada um tema polêmico, pois trata de 
assuntos sobre morte e vida de um paciente. Em um país onde a maioria da 
população afirma-se cristã, a eutanásia teve que enfrentar certas barreiras para 
conseguir entrar em um campo de discussão acadêmica. 
O excerto a seguir, trata da eutanásia no solo brasileiro e foi produzido 
pela advogada e pesquisadora Sheyla Sampaio Pamplona7 
No Direito penal Brasileiro, a Eutanásia é considerada como Homicídio. 
Assim, o legislador contemplou o Princípio a Vida, embora acolha a redução da 
pena prevista no parágrafo 1º do referido artigo, In verbis 
“Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social 
ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida ã injusta 
provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço” 
Nessa esteira, o homicídio privilegiado está inserido no art. 121 parágrafo 
primeiro do Código Penal e dá direito a uma redução de pena variável entre um 
sexto e um terço. Trata-se de verdadeira causa de diminuição de pena incidente 
na terceira fase da aplicação da pena. 
Conforme leciona Fernando Capez: “NA REALIDADE O HOMICIDIO 
PRIVILEGIADO NÃO DEIXA DE SER O HOMICIDIO PREVISTO NO TIPO BASICO 
 
7
 Disponível: < http://www.juspodivm.com.br/novo/arquivos/artigos/outros/sheyla-pamplona-
eutanasia.pdf>, acesso em: 10/08/2014. 
 
http://www.juspodivm.com.br/novo/arquivos/artigos/outros/sheyla-pamplona-eutanasia.pdf
http://www.juspodivm.com.br/novo/arquivos/artigos/outros/sheyla-pamplona-eutanasia.pdf
 
96 
 
(CAPUT) CONTUDO EM VIRTUDE DA PRESENCA DE CERTAS CIRCUNSTANCIAS 
SUBJETIVAS QUE CONDUZEM A UMA MENOR REPROVACAO SOCIAL DA 
CONDUTA HOMICIDA, O LEGISLADOR PREVE UMA CAUSA ESPECIAL DE 
ATENUACAO DA PENA”. 
Assim, no homicídio privilegiado a conduta continua punível, apenas 
havendo uma diminuição da sua reprovabilidade em face da redução do seu 
contraste com as exigências ético-juridicas da consciência comum. A relevância 
social ou moral da motivação está vinculada aos princípios, valores em que se 
estrutura a sociedade. 
O valor moral é o valor superior, enobrecedor de qualquer ser humano 
em circunstancias normais. É necessário que se trate de valor adequado 
segundo aquilo que a moral média reputa nobre e merecedor de indulgência. 
Vale salientar que deve ser considerado de forma objetiva, segundo os padrões 
da sociedade, e não de forma subjetiva de acordo com a opinião do agente. 
Ademais, não basta o valor moral, é fundamental que referido valor seja 
relevante, isto é, digno de apreço. 
Há divergência jurisprudencial e doutrinaria se se trata de causa de 
diminuição de pena obrigatória ou mera faculdade do juiz. Contudo, prevalece a 
corrente de que é um direito publico subjetivo do condenado, não podendo ser 
negado sob pena de violar o STATUS LIBERTATIS deste. A discricionariedade do 
juiz encontra-se, apenas, no quantum da redução. 
Insta gizar que a eutanásia considerada com direito de morrer sem dor 
não deve ser confundida, juridicamente, com o verdadeiro direito de morrer que 
é o suicídio, uma vez que a vida é um bem jurídico indisponível. Portanto, o 
sujeito de direito não será punido, haja vista deixa de existir, sendo punido, 
apenas, quem induz, auxilia ou instiga alguém se suicidar. Já na eutanásia 
mesmo havendo pedido expresso da vitima, o seu autor será perfeitamente 
punido. 
 
97 
 
Já o Anteprojeto da Parte Especial do Código Penal de 1984, que está em 
tramitação no Senado Federal, traz um avanço expressivo no tratamento dado 
ao polêmico tema da Eutanásia Passiva, ao afirmar expressamente no art. 121 
parágrafo 3º, in verbis 
“Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial 
se previamente atestada por dois médicos, a morte como iminente inevitável, e 
desde que haja consentimento do doente ou, na sua impossibilidade, de 
ascendente, descendente, conjugue ou irmão.” 
A aprovação desse artigo permitirá que a Eutanásia passiva seja 
legalmente realizada, evitando, assim, o prolongamento indevido da vida de um 
paciente terminal, encurtando o seu sofrimento. 
Em tramitação no Senado Federal, também, se encontra o Projeto de Lei 
125/90 que estabelece critérios para a legalização da “morte sem dor”. O 
Projeto prevê a possibilidade de que pessoas com sofrimento físico ou psíquico 
possam solicitar que sejam realizados procedimentos que visem a sua própria 
morte. A autorização para estes procedimentos será dada por uma junta 
médica, composta por cinco membros, sendo dois especialistas no problema do 
solicitante. Caso o paciente esteja impossibilitado de expressar a sua vontade, 
um familiar ou amigo poderá solicitar à Justiça tal autorização.Em contrapartida, o Código de Ética Médica no seu art.66 é bastante 
enfático em vedar ao médico utilizar, em qualquer caso, de meios destinados a 
abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu responsável 
legal. 
Uma recente pesquisa realizada por uma revista brasileira (SUPER 
INTERESSANTE) na Internet, demonstrou o crescimento no número de pessoas 
adeptas a legalização eutanásia. Houve um empate técnico: 50,4% dos 
internautas se posicionaram contra e 49,6% a favor. 
 
98 
 
Muitos são os argumentos dos que defendem a prática da eutanásia. 
Afirmam ser legítimo o direito de cada indivíduo decidir sobre a própria vida, 
mesmo que seja para pôr fim nela. O professor de Direitos Humanos da 
Faculdade de Direito da Paraíba, defensor da eutanásia declarou: “É desumano 
vermos uma pessoa a sofrer, a qual não lhe resta nenhuma esperança de vida. 
Isto só, por não estar legalizada a eutanásia, uma pessoa para além de está 
condenada a morrer, ainda está condenada a sofrer muito antes de morrer”. 
A Relevante discussão em torno da Eutanásia está em face dela se 
contrapor ao mais relevante direito constitucionalmente assegurado: A VIDA. 
A Constituição Federal no seu art.5º garante que todos são iguais perante 
a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e 
estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, à 
segurança e à propriedade. 
O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos por ser pré-
requisito à existência e o exercício de todos os demais direitos. É por isto o 
direito humano mais sagrado que não se pode renunciar, logo o ordenamento 
jurídico não confere aos cidadãos o direito de morrer. 
 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
O conteúdo do direito a vida assume duas vertentes. Configura-se no 
direito de permanecer existente e no direito a um adequado nível de vida. No 
caso em tela, nos interessa o primeiro aspecto que é o de assegurar a todos o 
direito de simplesmente continuar vivo, permanecer, existindo até a interrupção 
da vida por fatores naturais. 
Conforme explanou Ives Granda da Silva no artigo: O direito 
Constitucional comparado e a Inviolabilidade da Vida Humana: “O direito à vida, 
talvez mais do que qualquer outro, impõe o reconhecimento do estado para que 
 
99 
 
seja protegido e, principalmente, o direito à vida do insuficiente... O Estado deve 
proteger o direito à vida do mais fraco a partir da Teoria do Suprimento. Por esta 
razão, o aborto e a eutanásia são violações ao direito natural à vida, 
principalmente porque exercidas contra insuficientes”. 
Nessa esteira, o direito à vida è o principal direito do ser humano, 
cabendo ao Estado preservá-lo tanto mais quanto for insuficiente o seu titular. 
Nenhum ordenamento jurídico é justo sem respeito a esse direito; não 
permanecendo no tempo nenhuma civilização que o desrespeita. 
Como brilhantemente explica Aníbal Bruno: “A vida e um bem jurídico que 
não importa proteger só do ponto de vista individual, tem importância para a 
comunidade. O desinteresse do indivíduo pela própria vida não exclui do Estado a 
tutela penal. O Estado continua a protegê-la como valor social e este interesse 
superior torna inválido o consentimento do particular para que dela o privem, 
nem sequer quando ocorrem as circunstancias que incluírem o fato na categoria 
da Eutanásia ou homicídio piedoso.” 
Finalizando, o Brasil como país signatário da declaração Universal Dos 
Direitos Humanos deve obediência aos seus dispositivos. Diz o seu art.4º: “Toda 
pessoa tem direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela 
lei, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida 
arbitrariamente”. 
 
 
 
100 
 
UNIDADE 20. A CLONAGEM E A BIOÉTICA 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Compreender o que significa clonagem e sua reflexão na bioética. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
A clonagem é outro assunto essencial nos debates atuais sobre a 
bioética. As consequências de uma clonagem humana ainda estão sendo 
discutidas, pois não se sabe a real utilidade em criar clones humanos. 
Para realizar tal reflexão, trago um excerto do artigo produzido pelos 
pesquisadores William Carvalho e Silva, e Valéria Cristina Ferreira.8 
Clonagem – Aspectos Científicos 
Para uma compreensão mais apropriada do que vem a ser a clonagem, 
há que primeiro entender a etimologia da palavra clonagem: 
 
“Em grego o termo Klôn referia-se a pequenos ramos, broto de um vegetal”. 
 
Atualmente o termo deixou de evocar a horticultura para significar a 
manipulação da vida animal. 
E segundo Luís Archer (2006): 
 
“A clonagem dá-se na natureza a uma variedade de níveis e significa 
sempre o processo que conduz à formação de duas ou mais entidades biológicas 
geneticamente iguais. Essas entidades poderão ser genes, células ou organismos 
completos”. 
 
8
 Disponível: <http://www.aps.pt/vicongresso/pdfs/600.pdf>, acesso em 15/08/2014. 
 
101 
 
Segundo Danielle Bonfim (2006): “A clonagem pode ser definida como 
uma forma de reprodução assexuada, na qual o objetivo principal é produzir seres 
idênticos, perpetuando características genéticas desejáveis”. 
Em humanos, os clones naturais são gêmeos univitelinos, seres que 
compartilham o mesmo DNA, ou seja, compostos pelo mesmo material 
genético originado pela divisão do óvulo fertilizado. Para Danielle Bonfim os 
gêmeos não são clones, pois são diferentes dos pais. Para esta autora um ser só 
é considerado clone quando possui o mesmo código genético do ser que o 
originou, sendo, portanto, uma cópia do ser original, o que não ocorre na 
bipartição de embriões. 
Para ATLAN (2005) os gêmeos têm genomas idênticos e aparência física 
semelhante, relativamente aos elementos outros são diferentes (estrutura e 
conexão nervosa do cérebro, estrutura dos sistemas imunitários, personalidade 
psíquica, influência psicológica do meio.). 
 
A ovelha Dolly – o sonho realizado. 
Dolly foi a primeira ovelha clonada a partir de células adultas. O seu 
nascimento se deu a 5 de Julho de 1996, foi oficialmente divulgado pela 
imprensa em 23 de Fevereiro de 1997. 
O Objetivo da pesquisa foi utilizar a clonagem para gerar animais que 
fossem capazes de produzir medicamentos para uso humano no leite, por 
exemplo, fatores de coagulação sanguínea para hemofílicos. 
A morte da ovelha Dolly aconteceu no dia 14 de Fevereiro 2003, aos seis 
anos e meio, submetida a uma injeção letal, pois era vítima de uma doença 
pulmonar grave, de origem supostamente infecciosa. Não se sabe bem ao certo 
as razões sobre a doença que acometeu Dolly. 
 
 
 
102 
 
A Ovelha Dolly – o que aprendemos? 
Os criadores de Dolly, do Instituto Roslin, disseram que a doença é 
comum em ovelhas e foi provavelmente adquirida, mas como Dolly já havia sido 
exposta a uma doença gravíssima e fatal? Parece estranho. Além disso, já havia 
apresentado outros problemas possivelmente relacionados à clonagem. 
Ela era grande, obesa e vivia confinada. Teve três gestações e seis 
filhotes. Com pouco mais de 5 anos e meio foi divulgada a informação de que 
Dolly sofria de artrite na pata esquerda traseira. Tanto a artrite quanto a doença 
pulmonar são doenças características de ovelhas idosas. 
 
Clonagem humana reprodutiva 
A clonagem humana reprodutiva é uma técnica que permite criar uma 
criança geneticamente idêntica a um indivíduo já existente, ou seja, fazer nascer 
um novo indivíduo por meio de uma técnica de transferência de núcleo de uma 
célula somática para um óvulo enucleado (extraído o núcleo). Sendo uma 
reprodução de células geneticamente idênticas, não se destinando a ser 
implantadas num útero. 
Uma das vantagens da clonagem terapêutica seria evitar a rejeição se o 
doador for a própria pessoa (seria o caso, por exemplo, na reconstituiçãoda 
medula de alguém que ficou paraplégico após um acidente ou da substituição 
do tecido cardíaco). Entretanto o doador não poderia ser a própria pessoa 
quando se tratasse de alguém afetado por doença genética, pois a mutação 
patogênica causadora da doença estaria presente em todas as células. No caso 
de se usarem linhagens de células estaminais embrionárias de outra pessoa, ter-
se-ia também o problema da compatibilidade entre o doador e o receptor. 
A clonagem humana apresenta alguns aspectos delicados, é, sendo um 
caso singular distinta das demais técnicas de reprodução artificial, não garante 
 
103 
 
desenvolvimento normal, verifica-se também um envelhecimento antecipado, 
uma elevada taxa de mortalidade perinatal e deficiência no sistema imunitário. 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
Aspectos Éticos 
Ao iniciarmos a abordagem da clonagem em seus aspectos éticos, 
evidenciamos os motivos que levariam a clonagem, que seriam: - A ideia da 
imortalidade da alma; Reservas de órgãos para transplante; Reprodução de 
cônjuge falecido ou outros familiares; Tratamento de um irmão doente, e 
também impossibilidade de procriação natural. 
A clonagem segundo ARCHER (2006) é revestida de um aspecto mágico, 
pseudocientífico, fantasmagórico que parece radicar nos mitos antigos da 
reencarnação e da imortalidade, reinterpretados em termos pseudobiológicos 
(ressuscitar entre os mortos, por exemplo). 
A obstinação procriadora seria também motivadora da clonagem, ou 
seja, esterilidade masculina ou feminina, com a ausência total de produção de 
gametas, sendo a utilização do citoplasma do óvulo do parceiro, dar-lhes-ia um 
gêmeo que ocuparia o lugar de um filho. 
 
O mito de Pandora 
Para SALZANO (1999), Pandora - Mulher fictícia à qual os deuses do 
Olimpo atribuem todos os dons. Ela foi moldada por argila por Hefestos, Atenas 
ofereceu o sopro vital e as vestes, Afrodite ofereceu a beleza, Hermes ofereceu 
a astúcia e a falsidade e Apolo oferece o talento musical. E para além de todos 
estes dons também uma caixa, contendo os males. 
O mito de pandora reflete o risco do desconhecido, a reprodução de um 
ser perfeito e a possibilidade do castigo/reação natural. 
 
104 
 
Ao analisarmos este mito de pandora, inevitavelmente suscita-nos vários 
questionamentos? 
Será irrelevante para um ser humano ser geneticamente idêntico a outro, 
por decisão de um terceiro, e não possuir pais biológicos? 
 É irrelevante o fato dos embriões que não atenderem ao genótipo 
pretendido serem descartados? 
 Quem decidirá o tipo ideal de ser humano que deverá viver? 
 Com a decifração do código genético, pode-se substituir um gene 
defeituoso por outro perfeito: quem terá acesso a essa tecnologia? 
 
O risco de uma nova escravidão 
A fabricação de um clone significaria negar a autonomia possível da 
pessoa e não tendo em consideração o seu desenvolvimento futuro, autônomo 
e imprevisível. 
A clonagem também abre a possibilidade do surgimento de uma nova 
“raça” – regressão social e moral, permitindo o surgimento de uma nova 
escravidão. 
 
 
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