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Bioética_20UN_SEC

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FILOSOFIA
BIOÉTICA
Prof. Sebastião Donizeti Bazon
http://www.unar.edu.br
 
 
 
 
 
 
BIOÉTICA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Ms. Sebastião Donizetti Bazon
 
2 
 
SUMÁRIO 
 
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA .............................................................................................. 3 
PROGRAMA DA DISCIPLINA ..................................................................................................... 4 
UNIDADE 1. O QUE É BIOÉTICA ................................................................................................ 6 
UNIDADE 2. A ÉTICA E A BIOÉTICA ........................................................................................ 10 
UNIDADE 3. CONTEXTO HISTÓRICO DO NASCIMENTO DA BIOÉTICA ............................ 15 
UNIDADE 4. A FILOSOFIA DA BIOÉTICA ................................................................................ 20 
UNIDADE 5. O PROGRESSO CIENTÍFICO E A BIOÉTICA ....................................................... 25 
UNIDADE 6. O RELATÓRIO DE BELMONT ............................................................................. 30 
UNIDADE 7. A TEORIA PRINCIPIALISTA ................................................................................. 35 
UNIDADE 8. O PERÍODO PÓS-PRINCIPIALISTA DA BIOÉTICA: H. TRISTAM ENGELHARDT40 
UNIDADE 9. O PERÍODO PÓS-PRINCIPIALISTA DA BIOÉTICA: PETER SINGER ................. 45 
UNIDADE 10. A VOLTA DAS PERSPECTIVAS CRÍTICAS NA BIOÉTICA ................................ 50 
UNIDADE 11. A BIOÉTICA PERIFÉRICA ................................................................................... 55 
UNIDADE 12. A BIOÉTICA BRASILEIRA ................................................................................... 60 
UNIDADE 13. BIOÉTICA DE INSPIRAÇÃO FEMINISTA .......................................................... 65 
UNIDADE 14. TEMAS DA BIOÉTICA: O ABORTO................................................................... 70 
UNIDADE 15. TEMAS DA BIOÉTICA: DISCUSSÃO SOBRE O ABORTO ................................ 75 
UNIDADE 16. ABORTO: O DIREITO DE NASCER ................................................................... 80 
UNIDADE 17. ABORTO: O DIREITO SOBRE A VIDA .............................................................. 85 
UNIDADE 18. TEMAS DA BIOÉTICA: A EUTANÁSIA .............................................................. 90 
UNIDADE 19. A EUTANÁSIA NO BRASIL ................................................................................ 95 
UNIDADE 20. A CLONAGEM E A BIOÉTICA ......................................................................... 100 
 
 
 
 
3 
 
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA 
 
A Bioética (grego: bios, vida + ethos, relativo à ética) é um ramo da 
Filosofia moral que se interage com outras disciplinas como Medicina e Direito, 
e tem como objetivo discutir as questões relativas ao avanço das ciências da 
saúde e suas consequências para a vida humana. A disciplina tem como objeto 
de estudo, as polêmicas geradas pelo avanço das ciências da saúde que muitas 
vezes não acompanha uma reflexão sobre a vida humana e a dignidade do 
homem, questões como aborto, eutanásia, clonagem, suicídio assistido, são 
debatidos sob uma ótica científica e também filosófica, propondo assim uma 
profunda reflexão sobre o valor da vida e os avanços científicos. 
A bioética se apresenta sob três formas de estudos: a abordagem 
historicista, filosófica e temática. A abordagem historicista se remete aos 
conteúdos e eventos ocorridos no passado, e que têm relação com os abusos 
cometidos contra a vida humana, tanto pela parte da ciência, como pela parte 
do homem, por exemplo, as pesquisas realizadas nos campos de concentração 
nazistas e as duas guerras mundiais. 
 A abordagem filosófica exige que os seus debatedores tenham certo 
conhecimento da história da filosofia, principalmente da filosofia moral e por 
último e a mais utilizada é a abordagem temática, que se utiliza de casos do 
cotidiano e da vida para propor uma reflexão sobre determinados assuntos. 
 
 
 
4 
 
PROGRAMA DA DISCIPLINA 
 
Ementa 
Introdução a temas e problemas da filosofia, no tratamento referente à 
Bioética. Explicação dos fundamentos filosóficos da ética e da bioética. Reflexão 
teórica e prática sobre os aspectos e consequências morais da interação 
humana em diferentes contextos que envolvem a vida. 
 
Objetivo 
Explicar a origem da bioética e seus primeiros estudos dessa nova 
disciplina. 
 
Metodologia 
Disciplina oferecida na modalidade a distância (EAD). Incentiva-se a 
formação de grupos de estudo autônomos, orientados pelo professor. 
 
Avaliação 
No sistema EAD, a legislação determina que haja avaliação presencial, 
sem, entretanto, se caracterizar como a única forma possível e recomendada. Na 
avaliação presencial, todos os alunos estão na mesma condição, em horário e 
espaço pré-determinados, diferentemente, a avaliação a distância permite que o 
aluno realize as atividades avaliativas no seu tempo, respeitando-se, 
obviamente, a necessidade de estabelecimento de prazos. 
A avaliação terá caráter processual e, portanto, contínuo, sendo os 
seguintes instrumentos utilizados para a verificação da aprendizagem: 
 Trabalhos individuais ou a partir da interatividade com seus pares; 
 Provas realizadas presencialmente; 
 Trabalhos de pesquisa. 
 
5 
 
As estratégias de recuperação incluirão: 
Retomada eventual dos conteúdos abordados nas unidades, quando não 
satisfatoriamente dominados pelo aluno; 
Elaboração de trabalhos com o objetivo de auxiliar a vivência dos 
conteúdos. 
 
Referências 
Bibliografia Básica 
ENGELHARDT, H.T. Fundamentos da bioética. SP: Loyola, 2008. 
ENGELHARDT, H.T. Bioética Global. SP: Paulinas, 2012. 
MARINO, JR, R. Em busca de uma bioética global. SP: Hagnos, 2009. 
 
Bibliografia Complementar 
CASSIRER, E. Ensaio sobre o homem. SP: Martins Fontes,2001. 
DURAND, G. Introdução geral à bioética. SP: Loyola, 2003. 
GILES, T. R. Ramos Fundamentais da Filosofia: lógica, teoria do conhecimento, 
ética profissional. SP: EPU, 1995. 
GOZZO, D. Bioética e direitos fundamentais. SP: Saraiva, 2012. 
PEGORARO, O. Ética é justiça, Petrópolis, vozes 1999. 
 
 
 
6 
 
UNIDADE 1. O QUE É BIOÉTICA 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Definir, de modo geral, o termo bioética. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
A primeira aparição do termo bioética ocorreu em um artigo publicado 
em 1927, na Alemanha, pelo filosofo Fritz Jahr. Para o filósofo, o pensamento 
separatista entre o homem e o restante dos seres vivos só ocasionou um estado 
de imoralidade perante à natureza e a si próprio. Esse tipo de pensamento que 
começou desde a antiguidade e teve a sua crise no final do século XVIII, 
ocasionou o surgimento de um tipo de pensamento unificador; o pensamento 
romântico, que por causa do seu contexto histórico e intelectual não vigorou 
por muito tempo, fazendo com que suas ideias não se desenvolvessem em 
tempo suficiente. 
Vários pensadores, segundo Jahr, fizeram referências à criação de uma 
ética que englobasse os não humanos e o respeito à vida sob todas as suas 
formas. Por exemplo, o filósofo e teólogo Schleiermacher condenava toda ação 
que infligisse a vida de qualquer ser, independente da sua espécie, sem 
nenhuma justificação racional. Outro filósofo, que denunciava os abusos 
cometidos contra qualquer tipo de vida, era o pensador alemão Schopenhauer 
que, através de suas influências indianas, falava que a compaixão pelos animais 
e plantas era uma característica especial e sublime da ética. A esperança para 
Jahr está no século XX, pois segundo ele, a sociedade adquiriu outra forma de 
pensamento, por causa das guerras, da expansão das ideias socialistas e das 
críticas que Nietzsche fez ao sistema moral. A sociedade ocidental começou a se 
 
7 
 
abrirpara novas ideias que fugissem do seu espírito conservador, pois houve a 
necessidade de mudanças de seus padrões morais e comportamentais. 
No entanto, a bioética, como conhecemos hoje, é resultado de um 
estudo iniciado pelo filósofo americano Van Rensselaer Potter. Seu livro 
Bioética: uma ponte para o futuro, publicado em 1971, se tornou um marco 
histórico importante para os estudos da nova disciplina. Potter era um 
cancerologista estadunidense preocupado com questões sobre a preservação 
do planeta e a democratização do conhecimento científico.. 
Embora sendo autoridade histórica da institucionalização da palavra 
bioética, muitos pesquisadores questionam a originalidade do termo 
empregado por ele. Essas críticas apontam para dois locais, onde 
provavelmente o termo se originou: o primeiro local seria a Universidade de 
Wisconsin, em Madson, com Potter; o segundo lugar a Universidade de 
Georgetown, em Washington, com Andre Hellegers. Mas, diante desse 
questionamento, Potter continua a ser aclamado como uma referência histórica 
no campo da bioética, por suas ideias contidas em sua famosa obra. 
 
 
 
 
 
 
 
Van Rensselaer Potter, criador do termo 
moderno de bioética. 
 (Fonte: 
http://abioetica.blogspot.com.br/2011/06/potte
r.html) 
 
http://abioetica.blogspot.com.br/2011/06/potter.html
http://abioetica.blogspot.com.br/2011/06/potter.html
 
8 
 
A obra Bioética: uma ponte para o futuro, livro baseado em artigos feitos 
pelo filósofo entre os anos de 1950 e 1960, tem como principal preocupação a 
existência de uma assimetria entre a ética humana e o desenvolvimento da 
ciência que estuda a vida. Muitas vezes o resultado dessa assimetria ocasiona 
uma separação da esfera dos valores humanos com a esfera da ciência. 
Para Potter, os valores éticos não podem estar separados de fatos 
biológicos. Para que isso não ocorra, o filósofo propõe que haja uma 
democratização nos estudos científicos, pois o especialista pode entender muito 
sobre determinado organismo de um animal ou uma planta, mas, por causa 
desse condicionamento técnico, ocorre uma ausência na área humana, que são 
os valores. A ponte que Potter está propondo em seu livro é uma disciplina 
capaz de acompanhar o desenvolvimento cientifico (principalmente a ciência 
aplicada a questões sobre a vida e a saúde), com uma vigilância ética, que 
muitas vezes a ciência acaba deixando de lado. Para que essa vigilância ocorra, 
é necessário que exista uma abertura no campo cientifico, proporcionando uma 
interação com outras disciplinas como, por exemplo, a Filosofia e o Direito. 
A crítica feita por Potter ao sistema fechado das ciências não é 
totalmente sua, pois antes dele existiram outros pensadores que já 
questionavam essa atitude da ciência e sua arrogância perante outras 
disciplinas. Karl Popper foi um dos principais filósofos que criticou as bases da 
ciência que se desenvolvia, pois, segundo o filósofo, uma teoria que se fecha e 
não oferece meios para uma possível resposta empírica, deve ser reconhecida 
como mito. 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
De Newton até o século XX ocorreu uma mistificação da ciência, 
tornando-se algo elevado, pois os ocidentais reconheciam nas ciências a 
verdade sólida, completamente e definitivamente confiável. Quando era 
 
9 
 
descoberto um novo fato ou uma lei científica, o sistema científico se fechava e 
não dava espaço para que ocorresse qualquer mudança. Dessa forma o 
conhecimento científico era considerado o mais confiável dos conhecimentos 
que os seres humanos podiam possuir. Com Popper, o pensamento científico 
teve uma importante transformação, pois, ao criticar o princípio de 
verificabilidade – princípio utilizado pelo círculo de Viena, que estabelecia o 
significado de uma proposição e suas condições empíricas de verdade –, o 
filósofo propôs a falseabilidade como princípio para a ciência evoluir. Esse 
princípio consiste em afirmar que teorias que não podem ser refutadas não são 
teorias científicas, ou seja, teorias que não oferecem possibilidades de 
respostas, não são consideradas teorias científicas. A excentricidade no 
pensamento de Potter está em criticar as ciências da saúde e biológicas, pois a 
crítica feita por ele na primeira metade do século XX afetou somente as ciências 
naturais, como a física e a química, deixando quase intactas as ciências 
biológicas. 
O que Potter apresenta como proposta em seu livro é a ideia da 
constituição de uma ética aplicada às situações de vida pois, para ele, esse seria 
o caminho para a sobrevivência da espécie humana. Todavia, para que ocorra 
essa nova disciplina, não é preciso um rigoroso conhecimento da técnica, mas 
sim respeito aos valores humanos. Os ingredientes necessários para que se 
realize essa nova disciplina com prudência, que segundo o filosofo julga 
necessário, está na junção do conhecimento biológico associado a valores 
humanos. Os efeitos dessa união resultarão no espírito da bioética. 
 
 
 
10 
 
UNIDADE 2. A ÉTICA E A BIOÉTICA 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Compreender o relacionamento da ética com a bioética. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
A bioética surge da necessidade de refletir atitudes científicas de uma 
maneira mais humanizada. Por isso, a ética contribui de forma significativa para 
fundamentar os pressupostos da bioética e também por guiá-la em suas 
análises. 
Para ajudar nesta reflexão, trago um excerto do artigo do pesquisador e 
doutor em clínica médica José Roberto Goldim1. 
 
A Bioética e a Ética 
Atualmente, a ética passou a fazer parte do discurso da população, dos 
meios de comunicação, de profissionais de várias áreas, com seu significado 
nem sempre utilizado de forma correta. Talvez devido ao pouco conhecimento 
formal que a maioria das pessoas tem da ética, muitas não sabem propriamente 
o que é a ética, qual a sua finalidade e como ela atua. 
Muitas vezes, a palavra ética é utilizada também como adjetivo, com a 
finalidade de qualificar uma pessoa ou uma instituição como sendo boa 
adequada ou correta. Esse uso pode ter sido influenciado pela definição de ética 
proposta por George Edward Moore, de que ela é “a investigação geral sobre 
aquilo que é bom” O ideal é sempre utilizá-la na forma adverbial, ou seja, ela 
própria merecendo ser qualificada – eticamente adequada ou eticamente 
 
1
 Disponível: <http://www.ufrgs.br/bioetica/complex.pdf>, acesso em: 02/08/2014. 
 
11 
 
inadequada –, mas não pressupondo que a ética, no seu sentido substantivo, 
sempre se associe ao bom, ao adequado e ao correto. 
Ricardo Timm de Souza afirmou que a maior revolução epistemológica 
do pensamento ocidental foi à proposta por Emanuel Lévinas, ao postular que a 
ética fosse considerada como filosofia primeira, invertendo a subordinação 
tradicional à lógica e à ontologia. 
Três autores contemporâneos podem auxiliar na compreensão adequada 
dessas questões fundamentais. 
Adolfo Sanches Vasques caracterizou a ética como sendo a busca de 
justificativas para verificar a adequação ou não das ações humanas. Joaquim 
Clotet afirmou que a “ética tem por objetivo facilitar a realização das pessoas. 
Que o ser humano chegue a realizar-se a si mesmo como tal, isto é, como 
pessoa”. Complementando, Robert Veatch dá uma boa definição operacional de 
ética ao propor que ela é “a realização de uma reflexão disciplinada das 
intuições morais e das escolhas morais que as pessoas fazem”. 
 
A Bioética e a Humildade 
A humildade é uma virtude, ou seja, um traço adequado do caráter de 
uma pessoa. Potter definiu humildade como sendo a consequência apropriada 
que segue a afirmação “posso estar errado” e exige responsabilidade de 
aprender com as experiências e conhecimentos disponíveis. 
Durante um longo período da história da humanidade, pensou-se que 
seria possível conhecer a totalidadedas informações sobre um determinado 
tema. Ao atingir esse nível de conhecimento, seria possível conhecer todo o seu 
passado e também o seu futuro. A essa possibilidade, foi dado o nome de 
“demônio de Laplace”, pois quem detivesse todo esse conhecimento tudo 
poderia prever. 
 
12 
 
Werner Heisemberg, na década de 1930, formulou o princípio da 
incerteza, demonstrando a impossibilidade de conhecer simultaneamente a 
posição e a velocidade de uma partícula. Essa impossibilidade de poder 
conhecer tudo provocou, em consequência, o “exorcismo do demônio de 
Laplace”. 
Atualmente, é aceito que o tempo é uma variável fundamental em todo e 
qualquer processo. Ele provoca mudanças, e mais do que isso: associando-o à 
indeterminação, os processos não só mudam como podem mudar a sua própria 
maneira de mudar. 
A inclusão das noções de indeterminação e de mudanças provocadas 
pelo tempo alterou definitivamente as discussões científicas. Contudo, não 
houve a esperada contrapartida de humildade de grande parte dos cientistas e 
de outros profissionais envolvidos com a geração e aplicação do conhecimento. 
Hans Jonas, já em 1968, disse que “a humildade seria necessária como um 
antídoto para a ruidosa arrogância tecnológica atual”. 
Na Bioética, a humildade é uma característica fundamental. Ao assumir 
que a incerteza e a mudança são componentes sempre presentes, assume-se, 
igualmente, que os resultados das reflexões são sempre passíveis de discussão. 
A humildade permite reconhecer que não são definitivos nem imutáveis. 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
A Bioética e a Responsabilidade 
Os conhecimentos e discussões gerados pela Bioética e pela ecologia 
contribuíram para ampliar a noção de responsabilidade. Durante muito tempo, 
ela era associada apenas aos deveres existentes entre seres humanos 
contemporâneos e geograficamente próximos. 
Peter Singer desencadeou, no início da década de 1970, um grande 
debate sobre os direitos dos animais. Fritz Jahr, em 1927, já havia proposto, 
 
13 
 
segundo suas próprias palavras, um imperativo bioético: “Respeita, em princípio, 
cada ser vivo como uma finalidade em si e trata-o como tal, na medida do 
possível”. O próprio título de seu artigo propunha uma visão da Bioética como 
sendo um “panorama sobre as relações éticas dos seres humanos para com os 
animais e as plantas”. A inclusão das plantas na discussão bioética é ainda 
altamente inovadora, mesmo nos dias atuais. 
Em 1948, Aldo Leopold, em seu texto sobre ética da terra, fez outra 
ampliação dessa discussão, quando postulou o direito das gerações futuras a 
receberem um ambiente preservado. Nessa mesma tradição, Hans Jonas, em 
1968, propôs um outro imperativo, com a finalidade de prevenir possíveis 
consequências das ações humanas: “Nas tuas opções presentes, inclui a futura 
integridade do ser humano entre os objetos da tua vontade”. 
A expansão dessa discussão sobre direitos e deveres com a inclusão de 
todos os seres vivos, tanto contemporâneos quanto ainda não existentes, 
amplia a responsabilidade e a perspectiva atual da Bioética, como já haviam 
antecipado Fritz Jahr e Van Rensselaer Potter. 
A ecologia profunda, de Arne Ness, que serviu de base para a terceira 
definição de Bioética de Potter, já havia rompido com a perspectiva usual da 
relação dos seres humanos com a natureza, no sentido de domínio sobre a 
mesma – em que o ambiente natural era visto apenas como um recurso para ser 
desfrutado, considerando os demais seres vivos como inferiores – e de centrar 
essas discussões políticas apenas no âmbito nacional. A sua proposta visava 
gerar uma relação harmoniosa com a natureza, reconhecendo-a como tendo 
valor intrínseco e buscando o reconhecimento da igualdade entre as diferentes 
espécies, e esta perspectiva deveria ser discutida na abrangência de biorregiões, 
além de reconhecer as tradições das minorias. 
Atualmente, discutir apenas a preservação do ambiente natural passou a 
ser uma tarefa difícil e até mesmo ultrapassada. A diferenciação entre objetos 
 
14 
 
artificiais e objetos naturais, que pode parecer imediata e sem ambiguidade, na 
realidade não o é. Essas diferenças não são nem imediatas nem estritamente 
objetivas, tamanho o grau da intervenção humana e das inter-relações 
existentes. 
A preservação apenas de ambientes naturais intocados por si só os 
tornaria artificiais, pois, ao protegê-los, estariam sendo impostas barreiras 
artificiais de acesso e utilização. As reservas e parques naturais são exemplos 
dessa ambiguidade entre o natural e o artificial, entre o natural e o naturalizado 
(Lenoir). 
Na área da saúde, essa questão também está cada vez mais presente. 
Distinguir os processos de ação naturais do organismo humano dos provocados 
por intervenções externas a ele pode ser difícil e, em determinadas situações, 
impossível. 
As intervenções, quando avaliadas de uma perspectiva ecológica, deixam de ter 
apenas uma conotação individual, passando a merecer uma discussão com as 
demais pessoas direta ou indiretamente envolvidas. A ética da razão 
comunicativa de Karl-Otto Apel deu uma importante contribuição nesse 
sentido. Ao levar em conta as consequências diretas e indiretas das ações 
realizadas e por utilizar o discurso argumentativo exercido por todos os 
indivíduos para obter normas consensuais, torna-os corresponsáveis por todas 
as ações. 
 
 
 
15 
 
UNIDADE 3. CONTEXTO HISTÓRICO DO NASCIMENTO 
DA BIOÉTICA 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Compreender o contexto histórico do nascimento da Bioética. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
Para melhor entender os princípios da bioética, é necessário entender o 
contexto histórico e social que Potter viveu, pois as transformações sociais, 
políticas e tecnológicas que ocorreram na década de 60, impulsionaram o 
nascimento da bioética que conhecemos hoje. Houve importantes processos de 
transformações da sociedade que marcaram profundamente o espírito do 
filósofo, tanto no campo das ciências, como no campo da moralidade. Os 
avanços científicos e tecnológicos fizeram surgir dilemas morais inesperados à 
prática da biomédica. A causa desses dilemas está nos eventos ocorridos nos 
anos da década 1960, nos Estados Unidos e no mundo, que são: as conquistas 
dos direitos civis, o que fortaleceu o ressurgimento de movimentos sociais 
organizados, como o feminismo, o movimento hippie e o movimento negro, 
entre outros grupos de minorias sociais. O resultado disso foi o manifesto de 
diferentes opiniões na sociedade, que buscavam respeito, proteção das leis e o 
pluralismo moral. 
Outro resultado dessas manifestações sociais foram as transformações 
em instituições já tradicionais, como os padrões de família, as crenças religiosas, 
e até mesmo a socialização das crianças por meio das escolas. As 
transformações não se restringem ao campo moral. Neste período ocorreram 
transformações significativas no campo tecnológico, desenvolvendo-se 
tecnologias que privilegiavam o bem estar das pessoas e a qualidade de vida 
 
16 
 
das populações. Enfim, a década de 1960 foi sem dúvida um marco para as 
transformações da sociedade em todos os seus sentidos, por isso, o surgimento 
da bioética pode ser visto, então, como a principal resposta no campo ético a 
essas grandes mudanças. 
 
Martin Luther king, líder do movimento negro que lutava por direitos civis na década de 60. 
(Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Martin_Luther_King,_Jr.) 
 
 
Em 1967, acontece o primeiro transplante de coração, pela equipe do cirurgião sul-africano Christian 
Barnard, no Hospital Groote Schuur, na Cidade do Cabo, África do Sul. 
(Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-76382011000400029) 
 
 
17 
 
 Ainda nesse período de transformações, ocorreram dois outros 
acontecimentos que contribuíram para que a bioética fosse definida como um 
novo campo disciplinar:as denúncias cada vez mais assíduas, relacionadas às 
pesquisas científicas com seres humanos, um tema fortemente impulsionado 
pelas histórias de atrocidades cometidas por pesquisadores nos campos de 
concentração da Segunda Guerra Mundial; e a abertura gradual da medicina, 
que, de uma profissão fechada e autoritária, passou a dialogar com os 
estrangeiros que são os filósofos, teólogos, advogados e, posteriormente, com 
os sociólogos, psicólogos que passaram a opinar sobre a profissão médica, 
porém sob outras perspectivas profissionais. 
 Essa invasão, por outras áreas do conhecimento em medicina, tem como 
causa a especialização cada vez mais direcionada dos médicos e com isso 
ocorre uma despersonalização do exercício médico. O efeito desse processo foi 
uma perda significativa de confiança na relação médico e paciente. A imagem 
do médico como amigo e confidente – no antigo modelo do médico de família 
– foi perdendo a força, até chegar a um estado de distanciamento e 
estranhamento entre o paciente e o médico. Esses fatores contribuíram para 
que a ética clássica médica de inspiração hipocrática fosse perdendo a força e 
que causassem o nascimento de outra ética. 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
O filósofo americano Albert Jonsen, em 1993, escreveu um livro intitulado 
O Nascimento da Bioética, onde ele relata fatos que ocasionaram a consolidação 
da bioética. Dentre os fatos mencionados no livro, o filósofo ressalta três 
acontecimentos que foram cruciais para a consolidação da disciplina. O primeiro 
fato foi à divulgação do artigo da jornalista Shana Alexander, intitulado “Eles 
decidem quem morre”, publicado na revista Life, em 1962, que contava a 
história e os desdobramentos da criação de um comitê de ética hospitalar em 
 
18 
 
Washington, nos Estados Unidos (Comitê de Admissão e Políticas do Centro 
Renal de Seattle). 
O Comitê de Seattle, como ficou conhecido, tinha o objetivo de definir 
prioridades para a alocação de recursos em saúde. Uma das primeiras medidas 
foi a seleção, dentre os pacientes renais crônicos, daqueles que poderiam fazer 
parte do programa de hemodiálise recém-inaugurado na cidade. O problema 
está em que não havia disponibilidade para todos os pacientes, pois o número 
de internados era muito grande. A solução que os médicos encontraram foi 
delegar os critérios de seleção para um pequeno grupo de pessoas, 
basicamente todos leigos em medicina. O grupo elegia os critérios não-médicos 
de seleção para o tratamento, resultando em um processo de transferência de 
responsabilidade da decisão médica para o domínio publico. Para a jornalista, 
esse evento marcou a necessidade de pensar uma ética nova para os 
profissionais da saúde, pois esse fato ocorrido mostrou que as noções de 
valores e responsabilidade da ética médica estavam equivocadas. 
O segundo evento ocorreu em 1966, com a publicação de um artigo do 
médico anestesista Henry Beecher. O médico colecionava publicações que 
envolvessem seres humanos em condições pouco respeitosas, extraindo os 
dados de jornais de grande prestígio internacional, como por exemplo, o New 
England Journal of Medicine, Journal of American Medical Association, Journal of 
Clinical Investigation, entre outros. O resultado dessa união de artigos gerou o 
livro, Ética e pesquisa clínica, que reúne 22 relatos de pesquisas realizadas com 
recursos provenientes de instituições governamentais e companhias de 
medicamentos em que os alvos de pesquisa eram os chamados “cidadãos de 
segunda classe”. Adultos com deficiências mentais, idosos, recém-nascidos, 
crianças com retardos mentais, pacientes psiquiátricos, presidiários, mendigos, 
são considerados os cidadãos de segunda classe, por não poderem assumir 
 
19 
 
uma postura moralmente ativa perante os pesquisadores ou autoridades dos 
experimentos. 
O terceiro e ultimo evento considerado crucial para a consolidação da 
bioética, segundo Jonsen, foi a resposta do público a uma atitude médica 
arbitrária que ocorreu na África do Sul, em 1967, com o cirurgião cardíaco 
Christian Barnard. O médico transplantou o coração de uma pessoa quase 
morta em um paciente com doença cardíaca terminal. Esse acontecimento 
repercutiu na mídia internacional, gerando repulsa dos cidadãos em relação à 
atitude do médico. O problema central dessa atitude está em como o médico 
pode garantir que o doador esteja realmente morto no momento do 
transplante. A situação levou a Escola de Medicina da Universidade de Harvard, 
em 1968, a procurar definir critérios para a morte cerebral, a fim de controlar 
casos semelhantes a esse. Os preceitos foram divulgados somente em 1975, 
mas ainda hoje é referência para o debate internacional sobre morte encefálica. 
 
 
 
20 
 
UNIDADE 4. A FILOSOFIA DA BIOÉTICA 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Compreender os pressupostos filosóficos existentes na bioética. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
A bioética necessitou importar vários conceitos da filosofia para definir 
suas bases e fundamentos. Para refletir sobre a colaboração da filosofia na 
bioética, trago um excerto do doutor em filosofia Bernardo Alfredo Mayta 
Sakamoto2 
A Bioética pode ser entendida como uma amálgama de três concepções 
filosóficas modernas: o jusnaturalismo, o princípio da dignidade kantiano e o 
utilitarismo. 
 
O jusnaturalismo ou direito natural 
O Direito Natural é um direito espontâneo que surge da própria natureza 
social do homem. É constituído por um conjunto de princípios de caráter 
universal, eterno e imutável. São direitos naturais: reproduzir-se, constituir 
família, os direitos à vida e à liberdade. Estes direitos refletem exigências sociais 
comuns a todos os homens. 
O Direito Natural é um direito legítimo, que nasce da própria vida 
humana, no seio do povo. O adjetivo natural, aplicado a um conjunto de 
normas, já evidencia o sentido da expressão, qual seja, o de preceitos de 
convivência criados pela própria Natureza e que, portanto, precederiam às leis 
 
2
 Disponível <www.unioeste.br/cursos/cascavel/pedagogia/eventos/2008/2/Artigo%2010.pdf>, acesso em: 03/08/2014. 
 
21 
 
escritas ou ao direito positivo que são normas criadas e impostas pelo Estado 
(jus positum). 
O fundamento do Direito Natural reside na própria natureza humana. 
Para além da legislação positiva há um Direito Natural formado por princípios 
imutáveis e verdadeiros que o homem descobre graças a sua razão. 
 
A dignidade humana 
Para Immanuel Kant (1724-1804) cada ser humano é dotado de 
dignidade. A dignidade humana consiste nas particularidades únicas do ser 
humano: razão, inteligência, sentimentos e vontade de decidir. Nossa dignidade 
está dada pela capacidade de pensar, refletir, inventar e executar nossos 
projetos. Nós podemos aprender, memorizar, dominar nossos impulsos, isto é, 
somos capazes de dirigir nossa conduta ou comportamento. Também 
possuímos a afetividade que nos permite amar a outros seres, comunicar-nos, 
aderir-nos a valores e, sobretudo, nos dá consciência de nós mesmos e de 
nossa existência. 
Para Kant, a Dignidade Humana é o conceito primordial que não 
distingue idade, sexo, etnia, cor, crença religiosa ou política, situação civil ou 
econômica. Todos nós queremos ser tratados como “alguém” e não como 
“algo”. Ninguém quer ser instrumento de outro. O homem deve sempre levar 
uma vida digna e de autodomínio, uma vida de ser humano. Kant na 
Fundamentação da Metafísica dos Costumes nos diz: “Age de tal maneira que 
uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outra, 
sempre e simultaneamente como fim e nunca como um meio” (KANT, 2003, 
p.59). Em outras palavras, nunca trates ao outro como meio, mas sim como fim. 
 
 
 
 
22 
 
O utilitarismo 
O utilitarismo filosófico, de origem britânica, admite como útil tudo o 
que serve à vida ea sua conservação, mediante acréscimo de felicidade e bem-
estar. Cada ação deve atingir a felicidade máxima, não só para o agente, mas 
para o conjunto da humanidade. 
Jeremy Bentham (1748-1832) acreditava que a natureza dos homens é 
regida por dois princípios: o prazer e a dor. A felicidade é o objetivo de todas 
nossas ações e, para unir nossa felicidade pessoal com a felicidade geral, existe 
o critério em medir a ação por suas consequências individuais e sociais. 
Bentham considerava que o princípio da utilidade pode proporcionar um 
critério científico para nossas ações e, com isso, reformar a sociedade. O 
“cálculo felicíssimo” de Bentham permite valorizar nossas ações pela quantidade 
de pessoas afetadas na ação. Assim, se queremos avaliar uma ação, basta 
calculara quantidade de felicidade ou dor que esta produziu, este cálculo nos 
permite estabelecer a retribuição justa, segundo Bentham, dando ao autor da 
ação a mesma quantidade de prazer ou de dor. 
Na Bioética, o utilitarismo serve para calcular os riscos e benefícios nos 
pacientes, avanços na biologia e os efeitos das biotecnologias. 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
Os fundamentos da Bioética 
Os fundamentos da Bioética têm natureza pragmática, útil e são, a não 
maleficência, a beneficência, a autonomia e a justiça. A Bioética considera-os em 
todos os casos submetidos a sua avaliação. Os fundamentos da Bioética 
constituem o referencial teórico para justificar suas normas. 
 
a) O fundamento da não maleficência. 
 
23 
 
Foi extraído do Juramento de Hipócrates e que realizam ainda hoje os 
médicos (primum non nocere) “Nunca prejudicarei ou farei mal a quem quer 
que seja. A ninguém darei remédio mortal nem conselho que o induza à 
destruição”. 
 A não maleficência indica que devemos evitar causar qualquer dano às 
pessoas. É dever de todo cidadão proteger os indivíduos ou a sociedade de 
todos os danos e evitar expô-los ao perigo. Na área das ciências da vida, o 
pesquisador deve garantir que os prejuízos previstos sejam evitados. Em 
algumas situações, o fundamento de não maleficência obriga causar o menor 
dano aos pacientes e aos sujeitos de uma pesquisa. 
 
b) O fundamento da beneficência. 
Extraído também do Juramento de Hipócrates: “Aplicarei a medicina para 
o bem dos doentes, segundo o saber e minha razão”. Este fundamento da 
Bioética significa agir em beneficio dos outros, em fazer o bem de outrem. Não 
só fazer o bem, mas fazer o maior bem possível e ao maior número de pessoas. 
A Beneficência nos exige, por um lado, evitar causar o mal e, por outro lado, 
maximizar os benefícios e minimizar os danos. No contexto médico, é um dever 
agir no interesse do paciente. 
 
c) O fundamento da autonomia. 
Refere-se ao livre arbítrio das pessoas: cada indivíduo é soberano sobre 
seu corpo e sua mente. Pela Autonomia exige-se, que os indivíduos devam ser 
tratados como agentes autônomos e, em segundo lugar, que os indivíduos 
sejam protegidos quando tenham autonomia diminuída (crianças, doentes, 
anciãos etc). 
A pessoa autônoma é capaz de deliberar sobre suas metas pessoais e ser 
capaz de agir segundo essas metas. Respeitar a autonomia é considerar as 
 
24 
 
opiniões e escolhas de uma pessoa, evitando a obstrução de suas ações, a 
menos que elas sejam claramente prejudiciais para si mesmo ou para os outros. 
Duas condições são essenciais à Autonomia: a liberdade e a ação. A liberdade é 
a independência do controle de influências e a ação é a capacidade de agir 
intencionalmente. 
A Autonomia exige igualdade de direitos ao cidadão: educação básica, 
moradia, segurança, assistência médica, trabalho, entre outras, que são as 
condições básicas para o exercício da cidadania. 
 
d) O fundamento da justiça. 
Desde Aristóteles a Justiça é considerada a maior das virtudes porque 
envolve todas as ações. A Justiça exige que se trate aos seres humanos de 
maneira equitativa, no sentido de dar a cada qual o que lhe corresponde. A 
Justiça é interpretada através da visão da justiça distributiva. Esta é considerada 
como sendo a distribuição correta, equitativa e apropriada para a convivência 
na sociedade. Pela justiça distributiva se trata às pessoas de acordo com suas 
necessidades e suas capacidades: os que precisam mais devem receber mais. A 
injustiça ocorre quando um benefício que uma pessoa merece é negado sem 
uma boa razão. 
 
 
 
25 
 
UNIDADE 5. O PROGRESSO CIENTÍFICO E A BIOÉTICA 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Entender a relação existente entre o progresso científico e a bioética. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
O progresso científico trouxe impactos para a sociedade moderna nos 
últimos séculos. Várias áreas foram afetadas, inclusive a vida, por isso, a bioética 
busca compreender esses impactos científicos e morais causados pela ciência. 
Para ajudar nesta reflexão, trago um excerto dos pesquisadores João Rui Duarte 
Farias Nogueira, Rui Pedro Cardoso Loureiro e Ernestina Mª V. Batoca Silva3 
 
O Progresso Científico e a Bioética 
A medicina mudou mais nos últimos cinquenta anos que nos cinquenta 
séculos precedentes. Sucederam-se duas revoluções: a revolução terapêutica 
que começou em 1937 com as sulfamidas e a revolução biológica que a seguiu 
de perto com a engenharia genética e patologia molecular. Estas duas 
revoluções não só diminuíram o sofrimento dos Homens como vieram 
igualmente colocar novos problemas éticos (BERNARD, 1992). 
Na atualidade, como refere BERNARDO (1992), ocorreu uma 
extraordinária explosão científica e especialmente tecnológica que abalou e 
perturbou o ritmo da Vida Humana e a capacidade de adaptação a esta terceira 
revolução comandada pela informática, pela robótica, pela telepática e a 
biotecnologia. É neste contexto que surge um novo domínio da ética. O 
progresso já realizado e previsível nos domínios da biologia, e nomeadamente a 
 
3
 Disponível: <http://www.ipv.pt/millenium/millenium30/2.pdf>, acesso em: 30/07/2014. 
 
26 
 
biologia humana, põe questões e lança grandes desafios à reflexão ética. No 
campo da genética há amplas perspectivas de novos conhecimentos. As 
pesquisas, as experiências, as intervenções sobre os genes, os processos de 
fecundação, a ação sobre o cérebro, a programação e a reorientação da 
personalidade estão em voga. 
Em Fevereiro de 1997, foi anunciado o primeiro caso bem sucedido de 
clonagem reprodutiva de mamífero, realizada por transferência nuclear a partir 
de células somáticas do adulto. Este acontecimento fez cair o dogma de 
irreversibilidade da diferenciação celular em animais superiores e abriu a nossa 
imaginação às possibilidades perturbadoras de clonar seres humanos. 
Pouco depois, surgiu a possibilidade de desviar o processo de clonagem 
na sua fase pré-implantatória para a produção de células e tecidos com 
potencialidade terapêutica. Em Novembro de 1998 foi anunciado o isolamento 
de células estaminais humanas a partir de embriões e fetos, a possibilidade de 
as cultivar indefinidamente in vitro sem alteração das suas características e, mais 
tarde, a sua capacidade de serem indiferenciadas in vitro, de modo a originarem 
células e tecidos de enorme interesse terapêutico. Em Junho de 2000, o anúncio 
da sequenciação quase completa do genoma humano veio marcar o início de 
uma nova forma de fazer biologia e de entender quem somos, como ficamos 
doentes, e como envelhecemos (OSSWALD, 2001). 
Em 2003 sucedem-se as notícias ao nível dos media sobre o nascimento 
de seres humanos clonados. 
Perante estas novas possibilidades de pensar a ciência, e o próprio futuro 
da espécie humana, o meio científico necessitou do contributo da bioética. 
Segundo NEVES (2001), a bioética é um dos novos saberes da 
contemporaneidade que mais tem evoluído. A sua história é extremamente 
recente, tendo tido início formal e institucionalem Dezembro de 1970, quando 
o oncologista norte-americano Van Rensselaer Potter introduz o neologismo ª 
 
27 
 
bioéticaº, no seu texto ª Bioethics the Science of Survivalº. No entanto, qualquer 
que seja o nosso horizonte de reflexão, retomando a história ou recuando à 
pré-história da bioética é evidente o curto espaço de tempo que medeia entre a 
total inexistência do que hoje entendemos por bioética e a sua extraordinária 
divulgação. 
SERRÃO (2001) refere que na proposta inicial de Potter, a bioética seria 
uma nova disciplina do conhecimento humano, na qual se cruzassem os 
conhecimentos sobre a natureza da vida e sobre a essência de todas as 
manifestações da vida. O bios contribuía com os dados da biologia científica, 
estrutural e molecular, da genética, enquanto genoma e fisioma, e outros dados 
científicos que definem a vida como natureza. O ethos contribuía com os 
saberes específicos sobre as peculiaridades das diferentes formas de vida 
construídas com e sobre a natureza ± a vida vegetal, a vida animal e a vida 
humana. 
ARCHER (1995) cit. in ANTUNES (1998:13) realça a importância da 
bioética ao afirmar ªo conceito de bioética, tal como foi apresentado por Van 
Potter (1970), tornou-se avassalador ao abranger não apenas as questões éticas 
relacionadas com o exercício clínico ± a ética em cuidados de saúde ± mas 
também tudo o que interfere com o fenômeno vital. 
De fato, apesar de todas as inovações que a ciência tem proporcionado 
ao homem, permitindo-lhe viver mais e melhor, é indiscutível a necessidade de 
imposição de limites à sua ação. Consideramos, nesta perspectiva, pertinente a 
afirmação de OSSWALD (2001:10) ªperdida a sua inocência nas câmaras de gás 
de Auschwitz ou no braseiro de Hiroshima, a ciência encara, hoje como nunca 
antes, o problema da sua fundamentação ética. Também NEVES (2001) 
concorda com esta perspectiva, referindo que o irreprimível progresso técnico 
científico, especialmente o biotecnológico, passa a conhecer limites que lhe são 
afinal impostos exteriormente pelo Homem, na sua interrogação sobre o dever 
 
28 
 
ser, sobre o dever fazer. A dinâmica do poder que estimula o progresso da 
ciência cede então ao sentido do dever que constitui a ética. 
Conclui-se então que o conhecimento não constitui por si só um valor 
absoluto, mas que se deverá subordinar invariavelmente às finalidades 
humanas. Apenas sob esta orientação se poderá vir a assegurar que o 
desenvolvimento histórico e o progresso científico em particular protagonizem 
um bem, tomando a preservação do humano como o único referencial 
universal. 
Transdisciplinar na sua estratégia, a bioética pretende descortinar e 
propor, em cada nova encruzilhada que a biologia abre à Humanidade, 
caminhos que conduzam à felicidade genuína e sustentável tanto da pessoa 
como da sociedade (OSSWALD, 2001). 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
A Declaração de Helsínquia, apresentada pela Associação Médica 
Mundial, afirma de forma peremptória que os interesses da pessoa humana, 
nomeadamente os respeitantes à vida e saúde, se sobrepõem aos interesses da 
ciência. Nesta declaração surge igualmente a noção da imprescindibilidade do 
respeito pela autonomia e pela dignidade humana. Este consenso não resolve, 
obviamente, todos os problemas de interpretação e aplicação do princípio 
fundamental. De fato, a ofensa da dignidade humana, configurada pela 
experiência cruel, causadora de lesão ou morte, de sofrimento ou perda de 
função, não é posta em causa; mas há quem questione a dignidade do ser 
humano em determinados estados da vida (por exemplo no embrionário) ou 
condições de saúde (por exemplo demência ou estado vegetativo persistente). 
A Ministra da Saúde da Alemanha, Nida Rumelin, e o filósofo N. Hoerster 
defenderam a tese de que a dignidade humana só tem de ser respeitada 
quando o ofendido está consciente da sua própria dignidade, isto é, tem 
 
29 
 
autoestima. Hoerster propõe mesmo que a expressão direitos humanos seja 
substituída pela de direitos pessoais, reservando o conceito de pessoa para os 
seres humanos capazes de consciência e de autoestima. As consequências deste 
conceito são claras: o número dos excluídos do círculo das pessoas seria 
gigantesco e abrangeria uma parte considerável da Humanidade, incluindo os 
fetos, os bebês, os débeis mentais, os dementes, os escravizados e oprimidos. 
De resto, a fundamentação da polemica asserção é extremamente frágil, já que 
a dignidade humana é um princípio que o Homem se outorga a si mesmo e que 
só pode sobreviver se for extensivo a todos os representantes da espécie, por 
fazer parte da sua essência (OSSWALD, 2001). 
A bioética surge assim como uma renovada consciência do dever nas 
circunstâncias descritas de acelerado progresso biotecnológico. Por isso, ela 
emerge primeiramente no mundo ocidental, científico - tecnologicamente mais 
desenvolvido. 
 
 
 
30 
 
UNIDADE 6. O RELATÓRIO DE BELMONT 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Entender os pressupostos do relatório de Belmont. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
Vimos à origem do termo bioética e seu significado, e também o 
contexto histórico que gerou a nova disciplina. O motivo do seu 
desenvolvimento está nas transformações sociais e nas denúncias feitas pelos 
jornais sobre a arbitrariedade e imoralidade existentes nas pesquisas médicas. 
As consequências desses fenômenos foram gigantescas, gerando revolta 
popular e pressão sobre o governo para que se tomasse alguma atitude. 
Nesse período o governo e o congresso estadunidenses decidiram 
instituir, em resposta a essas acusações e pressões, um comitê nacional com o 
objetivo de definir princípios éticos norteadores para pesquisas. A elaboração 
do relatório de Belmont foi de grande importância para a consolidação da 
bioética e seu funcionamento, estabelecendo princípios que vão guiar as 
pesquisas cientificas, fazendo que o abuso médico não volte a acontecer. 
Em 1974, formou-se, a “Comissão Nacional para a Proteção de Sujeitos 
Humanos na Pesquisa Biomédica e Comportamental”, fruto de muitas 
reivindicações e pressões da população que se organizava e exigia uma posição 
do governo perante essas denúncias de abusos médicos. O comitê foi 
responsável pela ética das pesquisas relacionadas às ciências do 
comportamento e à biomedicina. Após quatro anos, o resultado do trabalho da 
comissão ficou conhecido como relatório Belmont, um documento que ainda 
hoje é um marco histórico e normativo para a bioética. Através desse relatório, 
foi possível elaborar três princípios, tidos como universais, que seriam as bases 
 
31 
 
para todos os debates, formulações, críticas e dilemas que envolvessem 
assuntos morais e pesquisas cientificas. 
Os elaboradores desse relatório julgaram entre todos os princípios 
analisados, três que mais se aproximavam da universalidade e que possuíam um 
profundo fundamento moral. Para eles, esses princípios escolhidos pertenciam à 
historia das tradições morais do ocidente, existindo uma inerência muito grande 
entre eles, fazendo com que garantissem a sua harmonia e funcionamento 
quando aplicados. Os princípios escolhidos foram: 
1. Respeito pelas pessoas: este princípio carrega consigo outros dois 
pressupostos éticos: que as pessoas devem ser tratadas como agentes 
autônomos e que as pessoas com autonomia diminuída (os socialmente 
vulneráveis) devem ser protegidas de qualquer forma de abuso. Isso 
significa que a vontade da pessoa é inviolável em relação a pesquisas 
científicas, sendo somente possível a realização da pesquisa, com o 
consentimento do paciente depois da compreensão da totalidade desta e 
suas consequências. 
2. Beneficência: entre os três princípios escolhidos, esse é o que mais faz 
referência à história das regras médicas no ocidente. Esse princípio deve ser 
visto como um compromisso do pesquisador na pesquisa científica para 
garantir o bem-estardas pessoas envolvidas direta ou indiretamente com o 
experimento. 
3. Justiça: esse princípio está intimamente relacionado às teorias da filosofia 
moral que atuam nos Estados Unidos. Esse princípio exige que os bens de 
saúde sejam distribuídos igualmente e sem peso indevido para qualquer 
uma das partes. 
Em uma época que vigorava a incerteza nas pesquisas médicas, o 
relatório de Belmont representou um marco divisório para os estudos de ética 
aplicada. A estruturação feita através dos três princípios foi o início para que as 
 
32 
 
universidades se posicionassem e se organizassem para a produção de artigos e 
teses sobre a bioética. O relatório Belmont trouxe a formalização definitiva da 
bioética, fazendo que os centros universitários reconhecessem a bioética como 
uma nova disciplina. 
O marco da década de 1970 foi a definição de bioética como uma nova 
disciplina a ser estudada. A produção de livros e propostas teóricas específicas 
começa a intensificar-se, mas, dentre as muitas publicações desse período, duas 
vêm sendo particularmente importantes e, por isso, abordaremos a seguir. 
 O livro Problemas Morais na Medicina, organizado pelo filósofo Samuel 
Gorovitz, publicado em 1976, trouxe uma série de reflexões sobre situações 
médicas conflituosas, como o aborto e a eutanásia. 
 A iniciativa desse livro foi expor suas ideias e argumentações a respeito 
de assuntos clássicos de conflito moral na saúde. Gorovitz em seu livro faz 
críticas ao tradicionalismo da ética médica. Para o filósofo, é necessário romper 
com o senso comum que o médico é especialista em decisões médicas, e 
também em decisões éticas. Para acabar com o autoritarismo médico, era 
preciso primeiro colocar em dúvida a responsabilidade e arrogância médica 
diante de situações de conflito. Por isso, Gorovitz propõe a autonomia do 
sujeito como princípio regulador, pois o valor da vida está relacionado com 
determinada visão de mundo, ou filosofia de vida, e só o sujeito particular pode 
decidir, de acordo com a sua perspectiva, o rumo de sua vida. 
Além dessa postura vanguardista do livro, a opção por temáticas já 
apontava para os assuntos que viriam com o tempo, sendo posteriormente o 
campo analítico preferencial da bioética: a relação médico-paciente, 
consentimento livre e esclarecido, paternalismo, eutanásia, suicídio assistido, 
aborto, além de questões relacionadas à justiça social foram exaustivamente 
discutidos. Com Gorovitz, a bioética recebe os primeiros estudos críticos e uma 
atenção maior para a disciplina. 
 
33 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
S. Gorovitz, responsável por introduzir 
temas na bioética. 
(Fonte: 
http://asnews.syr.edu/newsevents_2011/releases/sam_gorovitz_speech.html) 
 
No entanto, foi só com a publicação de Princípios da Ética Biomédica, de 
autoria do filósofo Tom Beauchamp e do teólogo James Childress, em 1979, que 
a bioética consolidou sua força teórica, especialmente nas universidades 
estadunidenses. Beauchamp e Childress fizeram a primeira tentativa bem 
sucedida de regular os dilemas relativos às opções morais das pessoas no 
campo da saúde. Seu objetivo era fornecer uma análise sistemática dos 
princípios morais que devem ser utilizados na biomedicina. 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
A trilha aberta, deixada pelo relatório de Belmont, possibilitou a ideia de 
mediação dos conflitos morais, tendo como referência, certos princípios que 
irão regularizar as atitudes no campo da saúde. De acordo com os princípios 
definidos pelo relatório de Belmont, cuja elaboração teve como participante o 
http://asnews.syr.edu/newsevents_2011/releases/sam_gorovitz_speech.html
 
34 
 
próprio Beauchamp, o livro Princípios da Ética Biomédica estabeleceu um quarto 
princípio como base para a teoria da bioética. 
O novo princípio era da não-maleficência, que, para muitos estudiosos, 
seria uma derivação do mandamento hipocrático de beneficência. Ocorreu 
também uma mudança de princípio estabelecido pelo relatório de Belmont: a 
mudança seria a substituição do primeiro princípio do respeito às pessoas pelo 
principio de autonomia; essas alterações causaram grande impacto para a 
bioética dos anos de 1970. 
 
 
 
35 
 
UNIDADE 7. A TEORIA PRINCIPIALISTA 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Compreender a teoria principialista. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
As mudanças ocasionadas pelas as ideias de Beauchamp e Childress 
fizeram com que a teoria principialista, termo genérico pelo qual ficou 
conhecida a teoria dos quartos princípios éticos, constituísse a teoria dominante 
da bioética por duas décadas, confundindo-se, inclusive, com a própria 
disciplina. 
Alguns conceitos do relatório Belmont receberam críticas da obra 
Beauchamp e Childress, sendo o princípio de respeito às pessoas o mais 
criticado. Segundo os autores, o relatório teria colocado sobre a mesma base 
dois princípios que não têm uma ligação clara e possível: o princípio do respeito 
à autonomia e o princípio de proteção e segurança às pessoas incompetentes. 
Por isso, o primeiro princípio do relatório foi substituído pelo princípio da 
autonomia, que se refere somente à decisão do sujeito como centro nas 
decisões médicas. Se o princípio da autonomia gerou tantas discussões e 
deliberações em relação ao proposto pelo relatório Belmont, as modificações 
no princípio de beneficência ocorreram de uma forma mais tranquila em relação 
ao anterior, pois era preciso diferenciá-lo do princípio de não-maleficência. 
A obra apresentou também um tripé básico de ética aplicada, que ligava 
a ideia de beneficência, autonomia e não-maleficência ao respeito à autonomia 
das pessoas e a proteção e segurança de seus interesses, mesmo em situações 
de vulnerabilidade física ou social. 
 
36 
 
O princípio que menos sofreu alterações foi o princípio da justiça. Os 
autores esclarecem que esse princípio permaneceu quase intocável, porque o 
seu referencial de maior peso argumentativo e teórico habita em outras áreas 
do conhecimento, como, a economia, a política e a saúde pública. Esse vazio 
existente nos debates sobre o princípio de justiça não foi apenas uma 
característica da teoria principialista, mas também de toda a bioética durante 
duas décadas. 
Enfrentar o paradigma da justiça no campo dos conflitos morais é uma 
tarefa mais dura e dramática do que a defesa dos três outros princípios citados. 
Só recentemente o tema da justiça começou a ser debatido no campo da 
bioética, por pensadores que estão fora do círculo tradicional da produção do 
pensamento bioético. 
A obra escrita por Beauchamp e Childress é direcionada a um público 
bastante eclético: médicos, enfermeiros, professores, pesquisadores, 
responsáveis pela elaboração de políticas públicas de saúde, estudantes, 
teólogos e cientistas sócias, entre outros. A causa dessa grande variedade está 
no espírito multidisciplinar que a obra pode alcançar, e também na falência de 
autoridade técnica no campo ético, permitindo que estrangeiros (profissionais 
de outras áreas) tenham acesso à obra e a seus debates. 
Para os autores, a bioética, por ser um exercício de ética aplicada, deveria 
interagir-se com o seu conteúdo teórico em, pelo menos, três esferas da 
realidade: a prática terapêutica, a oferta de serviços de saúde e a pesquisa 
médica e biológica. Para que essa iniciativa se realizasse, os autores buscaram 
embasamento em algumas das ideias clássicas da filosofia ocidental, como o 
utilitarismo de Jeremy Bentham e John Stuart Mill, a deontologia dos gregos 
antigos, como a filosofia de Aristóteles e Hipócrates, e também pegaram 
influências do imperativo categórico de Immanuel Kant. 
 
37 
 
Para que se possa fazer uma análise dos quarto princípios da teoria 
principialista, é necessário ter em mente a composição e a origem dos 
elementos que fazem parte dos princípios estabelecidos. Por isso é preciso ter 
conhecimentodas escolas citadas. O primeiro princípio e o mais significativo na 
bioética, o da autonomia, estabelece, como pré-requisito para o exercício das 
moralidades, a existência da pessoa autônoma; mesmo que para o exercício da 
autonomia seja necessário que o indivíduo seja autônomo, o princípio aponta 
para dois outros valores fundamentais do pensamento liberal, especialmente o 
de inspiração estadunidense: a competência e a liberdade individual. 
Esse princípio tem como pressuposto a democracia e a igualdade dos 
indivíduos na sociedade como pré-requisitos para que diferentes morais 
possam coexistir. Nessa construção ideal de sociedade, entramos em alguns 
problemas analíticos, pois não sabemos até que ponto o indivíduo pode exercer 
a sua autonomia sem ser barrado ou impedido por forças exteriores a ele. 
A ideia de consentimento foi à saída formal encontrada para que se 
pudessem garantir os interesses e a proteção dos pacientes. No entanto, para 
os autores, a validez de um consentimento só é possível, a partir do momento 
que o indivíduo demonstre competência para decidir; domínio de informações 
detalhadas a respeito do seu caso e das diferentes possibilidades terapêuticas a 
ele relacionadas; capacidade para compreender as informações recebidas para 
que pudessem embasar o processo de tomada de decisões; e oportunidade 
para escolher livre e voluntariamente a opção mais adequada para o caso, sem 
estar submetido à coerção de outras pessoas ou instituições. 
A autonomia se torna algo relativo, pois depende do caso e da situação 
para que ela possa ser exercitada, tanto pela própria pessoa ou grupo, como ao 
respeito à autonomia que as “protegem”, sejam elas os cuidadores ou os 
profissionais da saúde. 
 
38 
 
O princípio da não-maleficência tem, como herdeira, uma tradição 
existente desde a antiguidade, com o médico Hipócrates (460 a.C.) e sua 
máxima primum non nocere – “acima de tudo, não cause danos”. Por ser um 
princípio negativo, ele vai contrapor o princípio da beneficência que tem um 
caráter positivo, por isso o princípio da não-maleficência em sua aplicação sofre 
fortes críticas e algumas situações de sua prática vêm sendo contestada. As 
críticas se fundamentam na má definição entre os dois princípios, beneficência e 
não-maleficência. Alguns exemplos irão esclarecer esse problema no campo da 
bioética: o caso da suspensão de tratamentos extraordinários para pacientes, 
com morte física iminente; o tratamento de recém-nascido com sérias 
limitações físicas; o aborto de crianças com anomalias fetais graves; o processo 
decisório de pessoas incompetentes. 
 A dúvida moral desses e de outros casos é causada pelas indefinições 
dos valores que existem nos princípios de beneficência e não-maleficência. 
Sendo assim, não é possível fazer uma clara distinção desses dois princípios; por 
exemplo, não é possível dizer se a interrupção da gestação em casos de graves 
anomalias fetais será sempre uma atitude baseada no princípio da beneficência 
ou da não- maleficência. A fragilidade desses dois princípios não é derivação de 
um deslize da teoria principialista, mas decorrente da impossibilidade de 
encontramos saídas boas ou más universalmente válidas. 
E por último, o princípio da justiça que se difere dos três outros 
princípios comentados, por mostrar maior ênfase para o papel das sociedades e 
dos movimentos sociais organizados na bioética. A justiça distributiva traz à luz 
um problema que já existe um bom tempo: os conflitos existentes entre 
reivindicações e interesses particulares e com a vida coletiva e o bem para a 
sociedade. O princípio da justiça serviria para sanar e equilibrar essas diferenças 
conflituosas que existem na sociedade, sendo, entre os princípios, este o de 
maior grau de importância na década de 1990 no campo da bioética. 
 
39 
 
Todavia a sua aplicabilidade é ainda bastante limitada, pois a sua 
dificuldade está nas sérias dúvidas sobre o que pode ser necessário para a 
sociedade e que, ao mesmo tempo, também garantiria os interesses individuais. 
Por isso, o princípio da justiça foi, entre os princípios da teoria principialista, o 
que menos se repercutiu no cenário da bioética, tendo só a sua importância 
maior na década de 1990 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
A teoria principialista escrita pelos autores Beauchamp e Childress tratava 
de assuntos que basicamente estavam ligados à relação médico-paciente. Isso 
ocasionou uma hegemonia acadêmica nas universidades e na bioética por 
quase duas décadas, sendo a principal ética estudada nos Estados Unidos e nos 
países periféricos, importadores das teorias bioéticas. Mas, a partir da década de 
1980, vários críticos e pesquisadores da teoria principialista, empenharam-se em 
demonstrar a existência de falsas ideias na teoria principialista. 
O que fascinava os pesquisadores em relação à teoria principialista era 
seu idealismo universalizante, tornando-a a principal técnica ética, facilmente 
propagada em congressos, seminários, e encontros. O suposto espírito 
transcultural da teoria principialista fazia seus seguidores defenderem que os 
valores éticos propostos serviam para toda a humanidade. E foi exatamente 
esse espírito universalista que caiu e ocasionou a segunda crítica dos teóricos 
pós-principialista. 
 
 
 
40 
 
UNIDADE 8. O PERÍODO PÓS-PRINCIPIALISTA DA 
BIOÉTICA: H. TRISTAM ENGELHARDT 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Compreender o período pós-principialista da bioética e o pensamento de 
H.Tristam Engelhardt (1941 -) 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
No final da década de 1980 e durante a década de 1990, a bioética 
passou por grandes transformações nos Estados Unidos. As críticas sobre o 
caráter universalizante da teoria Principialista se torna algo mais frequente, 
resultando em um abalo nas bases da bioética que tinha se estabelecido. 
Com a crise interna no campo da bioética, ocorreu uma abertura para 
vários pensadores que, por terem um pensamento diferente da teoria 
hegemônica, não tinham voz perante as universidades e congressos. A quebra 
de tabus e uma análise nas estruturas da bioética tornam-se a principal 
característica desse período. O relativismo moral também tomou conta do novo 
cenário da bioética, pois a ideia de constituir uma ética de caráter 
universalizante, como a teoria principialista, só causou opressão em culturas 
ditas como periféricas. Esse relativismo a que os filósofos aderiram em suas 
teorias tem como propósito pensar o respeito à vida de uma forma que não 
imponha sobre a cultura de determinado país, certos padrões de outra cultura, 
possibilitando assim, o desenvolvimento e a liberdade do individuo com a sua 
cultura. 
H.Tristam Engelhardt é um dos autores que demonstrou, muito 
precocemente, uma preocupação com a relatividade moral em relação à saúde 
e a doença dos seres humanos. Sua obra mais famosa, Os Fundamentos da 
 
41 
 
Bioética, publicada em 1986 e revista em 1996, se tornou de grande importância 
para os estudos bioéticos e constitui uma referência obrigatória para os 
iniciantes na disciplina. 
 
Engelhardt, responsável por introduzir o relativismo na bioética. 
(fonte: http://www.svots.edu/events/st-ambrose-society-hosts-public-lecture-dr-h-tristam-engelhardt) 
 
A base do pensamento de Engelhardt é a constatação da falência de 
modelos éticos universalizantes, como por exemplo, a teoria principialista. Por 
expor uma teoria de cunho relativista, o autor, que possui fortes influências 
cristãs e liberalistas, acaba se tornando alvo de muitos pesquisadores que, por 
não entenderem o que realmente o autor quer mostrar, acabam fazendo juízos 
equivocados, afirmando que Engelhardt propõe um “modelo libertário’ para a 
bioética, muitas vezes comparando-o com os princípios do filósofo Paul 
Feyerabend, que propõe um tipo de “tudo vale” para as ciências. 
Embora o autor não consiga esconder a suainspiração libertária, a sua 
proposta teórica vai muito além da mera defesa da liberdade ou individualismo 
na bioética. No modelo engelhardtiano, o limite de uma aplicação prática 
ocorre no momento que aquela aplicação irá agredir um inocente, ou seja, a 
http://www.svots.edu/events/st-ambrose-society-hosts-public-lecture-dr-h-tristam-engelhardt
 
42 
 
aplicação só é válida quando a pessoa estiver ciente de todos os efeitos da 
aplicação, e estiver previamente consentido em participar. 
O inocente, para Engelhardt, é aquele que desconhece o que está sendo 
feito e, portanto, não é capaz de exercer sua autonomia. A permissão seria a 
condição básica para que ocorra a sobrevivência de diferentes morais, pois 
somente com o consentimento individual, as decisões poderiam ser julgadas 
eticamente aceitáveis ou não. Segundo o autor, não existe bom ou mau 
definidos, ambos são relativos em cada comunidade moral e seu período 
histórico e social. Somente com a permissão, começa a autoridade moral, 
podendo avaliar os casos sob uma visão estreita e concedida, que foi dada a 
uma pessoa para avaliar a situação. 
A combinação entre o respeito e a permissão determina inicialmente o 
discurso ético secular, que deverá intermediar pacificamente o encontro entre 
os estranhos morais. Outro conceito estudado na bioética depois de Engelhardt 
foi a ideia de estranhos morais, que, para o autor, seriam as pessoas que não 
compartilham as mesmas ideias morais relacionadas ao bem-viver. Para que 
exista conflito moral entre os estranhos morais, não é necessário que eles 
tenham que ser inimigos, pois basta apenas que exista uma discordância entre 
os seus valores e crenças, fazendo surgir uma desarmonia suficiente para 
ocasionar um distúrbio de convivência. 
Em contrapartida, existem os amigos morais que são aqueles que 
dividiriam uma mesma moralidade essencial, que é o pleno acordo quanto à 
menção de julgamento moral para os seus atos na sociedade. Segundo 
Engelhardt, o nascimento e consolidação da bioética teriam se fortalecido do 
caos e da fragmentação, que o contexto histórico oferecia, pois as sociedades 
contemporâneas são herdeiras das ideias e valores iluministas, no entanto, esses 
valores entraram em decadência no inicio do século XX e a bioética se apoiou 
nessa base insegura. 
 
43 
 
Só através do reconhecimento da diferença moral e cultural dos povos, e 
a perda do referencial absoluto para que ocorra uma avaliação moral, é que se 
deu o renascimento da bioética como um discurso de ética aplicada às 
situações de saúde e doença. 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
A proposta de uma ética universalizante e absoluta como um referencial 
para os conflitos morais não funcionaria mais hoje, pois houve uma grande 
mudança na mentalidade das pessoas e no contexto histórico. Para o autor, o 
modelo que mais se adequaria com a atual sociedade e com o projeto da 
bioética é aquele que mantém os valores particulares do indivíduo e da 
comunidade. Com o quadro relativista, a bioética se depara com problemas de 
enfrentamento de situações concretas da vida cotidiana. A saída para 
Engelhardt quanto aos encontros que ocasionam os conflitos no cotidiano, seria 
a difusão de tolerância como um valor mediador para a sobrevivência humana 
na diferença moral. A prática da liberdade moral seria a condição de existência 
da diversidade. Tolerância e liberdade seriam dois valores capazes de suportar o 
encontro entre moralidades, dando base para o relativismo conceitual. 
A associação entre relativismo e tolerância fez com que o modelo teórico 
do autor assumisse para si a lógica cultural como a única e legítima instância de 
julgamento sobre as crenças sociais, rompendo-se assim, a fronteira para o 
relativismo nas práticas sociais. Essa linha de pensamento, muito comum com 
os antropólogos culturais, tem uma fragilidade enorme quando transferida para 
os limites de cada cultura, que, em última instância, se converte em dominação 
e opressão. 
É nesse imobilismo prático que a teoria de Engelhardt nos limita a viver e 
que reside a sua obra. A não conclusão dos conflitos morais se torna algo 
pouco aceitável para os pesquisadores que buscam tranquilidade e segurança 
 
44 
 
em uma teoria. A verdade para o autor está inerentemente ligada com os 
interesses e jogos de poder característicos de cada cultura. A autoridade moral 
passa, então, a substituir a ética universal, pois a autoridade moral de cada 
grupo e cultura são responsáveis por determinar as mudanças dos agentes do 
imperativo moral. 
 
 
 
45 
 
UNIDADE 9. O PERÍODO PÓS-PRINCIPIALISTA DA 
BIOÉTICA: PETER SINGER 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Compreender o pensamento de Peter Singer (1946 -). 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
O filósofo australiano Peter Singer é conhecido por suas grandes 
contribuições teóricas e conceituais no campo bioético. Conceitos como, 
ideologia especista, ou seja, convicções que os seres humanos são superiores 
aos outros animais são de sua autoria e conceitualização, e são hoje de uso 
corrente entre pesquisadores do mundo inteiro. 
Singer foi, durante muito tempo, presidente da associação internacional 
de Bioética (IAB), a entidade mais importante no mundo nessa área. Os livros de 
Singer, em especial Liberdade Animal (1975), Ética Prática (1979) e Deve o Bebê 
Viver? A Questão das Crianças Deficientes (1988) vêm sendo largamente 
discutidos e, muitas vezes rejeitados por pessoas pertencentes a movimentos 
sociais, como: pessoas portadoras de deficiência, grupos religiosos, defensores 
dos direitos humanos, entre outros. O que faz com que Singer tenha tantos 
questionadores é o fato de o autor tocar em temas considerados tabu, 
especialmente em assuntos como eutanásia, suicídio assistido e infanticídio. 
 
 
 
 
 
 
 
46 
 
 
 
 
 
Singer quebrou vários tabus no campo bioético e 
introduziu novos conceitos, que são estudados até 
hoje 
 
(Fonte: http://www.anda.jor.br/20/12/2013/filosofo-
peter-singer-fala-obra-liberta) 
 
Esses temas são reconhecidamente, entre outros, os mais intimamente 
que provocam reações na sociedade, e fazem as comunidades morais 
expressarem suas crenças, muitas delas conflitantes entre si. Na sociedade 
existem comunidades religiosas e laicas. As religiosas defendem o princípio da 
heteronomia e as laicas defendem o princípio de autonomia, mas o problema 
está no momento que esses dois princípios se cruzam e entram em conflito nas 
questões relacionados ao aborto ou à eutanásia, impossibilitando qualquer 
forma de diálogo pacífico. Para resolver esse problema, o autor se apoia nas 
teorias utilitaristas do século XIX. 
O utilitarismo foi uma teoria desenvolvida pelos filósofos Jeremy 
Bentham e John Stuart Mill, durante o século XIX. O utilitarismo se baseia nos 
princípios de dor e prazer, que servirão como guia para a ação humana, tendo 
como máxima a seguinte frase “maior felicidade para o maior número de 
indivíduos”. Esse princípio tira do centro o egoísmo ético e propõe uma 
abrangência como forma de resolver os problemas morais. Singer se autodefine 
consequencialista no campo moral. A sua preocupação está nos resultados das 
ações consideradas boas ou más, certas ou erradas, justas ou injustas, e não 
com a definição do que venha ser o certo, a bondade ou a justiça. 
Singer se fundamenta na premissa clássica do utilitarismo para resolver 
os problemas morais na bioética, tendo como reflexão, as ações que devem ser 
 
47 
 
consideradas éticas; se ela está aumentando ou diminuindo a felicidade coletiva. 
Para o autor, o limite da sensibilidade seria o referencial para as ações éticas ou 
não. O limite da sensibilidade, para Singer, é o entendimento de sofrimento, de 
alegria ou felicidade, sendo o único limite defensível de interesses alheios. 
Valores como autonomia passa para segundo plano, pois princípios 
como felicidadee diminuição do sofrimento são valores emergenciais, e que, 
necessitam de uma atenção maior. É nessa parte entre a liberdade e a felicidade 
que muitos pesquisadores se apoiam para formular criticas contra a teoria de 
Singer. Em resposta a essas criticas, Singer defende que jamais propôs alguma 
forma de subordinação dos interesses dos indivíduos à lógica do Estado, ou 
mesmo jamais traduziu suas convicções éticas em regulamentações totalitárias 
perante comunidades de deficientes, propondo qualquer forma de extermínio. 
Quando afirma que um embrião ou um feto pode ser considerado substituível, 
isto é, que deve ser considerada eticamente legítima a interrupção da gestação 
em casos de má-formação fetal, Singer está partindo de algumas premissas que 
devem ser sempre explicitadas ao discutir suas ideias. 
A primeira delas, é a crítica ao princípio da santidade humana que, para o 
autor, é um erro especista, por afirmar que a vida é um dom, uma vez que 
cotidianamente dispomos de centenas de vidas de animais não-humanos em 
pesquisas e experimentos científicos. Exibir a ideologia especista na ciência foi 
um projeto específico de Singer. No livro Liberdade Animal, o foco é sobre os 
direitos dos animais não-humanos, pois segundo o autor, os racistas violam o 
principio de equidade ao favorecerem os interesses da própria raça, os sexistas 
violam esse mesmo princípio por favorecer os interesses do próprio sexo, e os 
especistas fazem o mesmo, favorecendo os interesses da sua espécie em 
relação a outra espécie. 
 A meta do autor não é diminuir a dignidade e respeito ao ser humano, 
mas sim abalar nossas convicções e certezas a respeito do ser humano e sua 
 
48 
 
tirania diante dos animais não-humanos. Em contraste com os maus-tratos 
sofridos pelos animais em laboratório ou pelo exagero de nossa dieta carnívora, 
Singer põe por terra que o princípio de que a vida seja um bem inviolável ou 
santo. A vida humana é assim considerada, um desrespeito à vida de outros 
animais. 
Esse discurso sobre a santidade humana causou um grande alvoroço na 
comunidade científica e ética mundial. Para diversos críticos, o filósofo estaria 
igualando esferas separadas pela ética, humanos e os não-humanos, indicando 
assim, que a realização de pesquisas com ratos seria o mesmo que realizar 
pesquisas com os seres humanos. 
Essas comparações que Singer faz dos humanos com os não humanos, 
chegando a até afirmar que algumas pesquisas são eticamente mais 
defensáveis, quando realizadas com fetos órfãos, portadores de anomalias 
incompatíveis com a vida extra-uterina, como por exemplo, a anencefalia do 
que com gorilas ou macacos, dado o grau de consciência e senso de si que os 
animais teriam em detrimento dos fetos sem cérebro, tem uma justificativa. 
Considerando que o limite da sensibilidade é a base para as ações éticas, Singer 
não hesita em afirmar que não podemos atribuir o valor maior a vida de um 
feto, em relação à vida de um animal do mesmo nível de autoconsciência, 
racionalidade e capacidade de sentir, pois nenhum feto é uma pessoa e não tem 
o mesmo direito à vida que uma pessoa tem. 
 
BUSCANDO CONHECIMENTO 
Para o autor, o fato de um feto anencéfalo ser membro da espécie 
humana não lhe garante automaticamente o titulo de pessoa humana. O que 
determina o status de pessoa humana é a capacidade de se relacionar-se 
socialmente com outras pessoas, ter a noção de tempo histórico, a linguagem, 
ou seja, somente atributos que um ser vivo poderia desenvolver naturalmente, 
 
49 
 
do que o mero pertencimento a uma espécie. Na busca de diferenciar pessoas 
de membros da espécie, Singer não cai na tentativa de enumerar “indicadores 
de humanidade”, isto é, uma sequência de qualidades que diferenciariam os 
humanos de outros animais, tal como inúmeros autores da bioética fizeram. 
A proposta de Singer é aumentar a dignidade dos animais não-humanos, 
desmascarando a supremacia irrefletida dos humanos. Pouco importa quais 
sejam os indicadores, apenas a constatação que animais não-humanos sentem 
mais prazer e sofrimento que alguns fetos portadores de graves anomalias são 
válidos para o referencial de sua teoria. 
Por causa dessas ideias, a imagem de Singer começou a ser vinculada com 
adjetivos de nazista, preconceituoso, ou até mesmo de assassino. Em efeito 
disso, muito das aparições públicas em congressos e em mídias, é para 
esclarecimentos de suas ideias e pressupostos, e menos para debates e trocas 
de conceitos. 
 
 
 
50 
 
UNIDADE 10. A VOLTA DAS PERSPECTIVAS CRÍTICAS NA 
BIOÉTICA 
 
CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE 
Objetivos 
 Entender a importância das perspectivas críticas na bioética. 
 
ESTUDANDO E REFLETINDO 
A bioética teve seu campo demarcado no final da década de 1970. A 
teoria principialista representou para muitos pesquisadores a base necessária 
que a bioética precisava para se desenvolver e tornar-se uma nova disciplina. 
Mas a prática dessa nova disciplina mostrou algo diferente de suas 
perspectivas anteriores. A proposta progressista da disciplina: a possibilidade de 
mediar dilemas morais em saúde de forma abrangente e pluralista não teve 
correspondência nas publicações e na prática dos primeiros pesquisadores da 
bioética. O erro estava em confundir a disciplina da bioética com uma das suas 
correntes teóricas, como por exemplo, a confusão da teoria principialista com a 
própria bioética. 
Por muito tempo, a teoria principialista ficou colada à própria bioética 
provocando sérios mal-entendidos à disciplina. As consequências disso 
resultaram em marcas profundas na proposta teórica e social da disciplina, 
fazendo que alguns críticos desenvolvessem ideias contrárias à teoria 
predominante. 
Com a proposta de renascer o pensamento crítico no campo da bioética, 
os filósofos Danner Clouser e Bernard Gert foram de grande importância para 
essa fase. Após analisarem o livro Princípios da Ética Biomédica, os filósofos 
encontraram dois grandes problemas. O primeiro deles foi de origem 
 
51 
 
epistemológica, sendo o de importância maior para os primeiros estudos 
críticos. 
Segundo Clouser e Gert, o problema existente está na infração que a 
teoria principialista fez a qualquer estrutura de uma teoria moral. Pois, segundo 
os autores, o ciclo realidade e conflito, moral e resolução, exige a referência de 
uma teoria moral, e a teoria principialista nada mais fez do que recortar várias 
teorias éticas da história da filosofia e costurar todas elas juntas em sua própria 
teoria. Para os críticos, o status teórico das ideias de Beauchamp e Childress 
pode ser considerado uma compilação grosseira e reduzida de quatro grandes 
teorias da filosofia moral em quatro princípios: a autonomia de Kant; a 
beneficência de John Stuart Mill; a não-maleficência da tradição hipocrática; e a 
justiça de John Rawls. 
 
 
 
 
Os críticos da teoria 
principialista afirmam que os 
filósofos Beauchamp e Childress 
realizaram uma “costura” de 
conceitos sem se importar com 
o contexto histórico. 
 
 
(Fonte: 
http://en.wikipedia.org/wiki/Im
manuel_Kant) 
 
Eis o resultado dessa mistura de teorias: os quatro princípios da teoria 
principialista não se encontram unidos por um corpo forte teórico, pois, já que 
não existe uma teoria moral que ligue os princípios, não existe também um guia 
http://en.wikipedia.org/wiki/Immanuel_Kant
http://en.wikipedia.org/wiki/Immanuel_Kant
 
52 
 
que promova a ação através de ideias claras e coerentes que as justifiquem. A 
dificuldade em instrumentalizar os princípios diante de casos concretos de 
conflito moral tem como causa, a soberania que cada princípio exerce sobre o 
outro, existindo uma espécie de disputa. Como não existem prioridades e nem 
procedimentos específicos sobre qual valor deve predominar, as soluções 
dependem de julgamentos particulares sobre a importância de cada princípio. 
Uns dos exemplos

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