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Livro - Geografia Afro-brasileira e das Sociedades Indigenas

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Prévia do material em texto

GEOGRAFIA AFRO-BRASILEIRA
E DAS SOCIEDADES INDÍGENAS
Luciana Cristina de Almeida
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Curitiba
2018
Geografia
Afro-brasileira e das 
Sociedades Indígenas
Luciana Cristina de Almeida
Ficha Catalográfica elaborada pela Editora Fael. 
A447g Almeida, Luciana Cristina de
Geografia afro-brasileira e das sociedades indígenas / Luciana 
Cristina de Almeida. – Curitiba: Fael, 2018.
339 p.: il.
ISBN 978-85-5337-040-5
1. Geografia 2. Título
CDD 918
Direitos desta edição reservados à Fael.
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael.
FAEL
Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo
Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz
Revisão Editora Coletânea
Projeto Gráfico Sandro Niemicz
Capa Vitor Bernardo Backes Lopes
Imagem da Capa Shutterstock.com/rafaelcilios
Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim
Sumário
Carta ao Aluno | 5
1. Geografia física do continente africano | 7
2. África Antiga | 25
3. A África lusófona | 59
4. Africanos e afrodescendentes no Brasil | 91
5. Africanidades e afrodescendência | 121
6. Povos pré-coloniais que habitaram o Brasil | 151
7. Os indígenas e a colonização portuguesa | 181
8. O advento da República e a temática 
indígena no Brasil | 211
9. Os indígenas no Brasil atual | 239
10. As novas perspectivas para afrodescendentes 
e indígenas no Brasil | 271
Gabarito | 295
Anexos | 309
Referências | 317
Prezado(a) aluno(a),
A disciplina Geografia Afro-Brasileira e das Sociedades 
Indígenas tem como objetivo trazer subsídios para a análise, 
compreensão e mensuração da influência dos negros, capturados 
na África e trazidos ao Brasil para trabalhar como escravos, e dos 
indígenas, que aqui já viviam, na formação da sociedade brasi-
leira. Busca-se entender como se deu o processo de colonização 
desenvolvido pelos portugueses e de que forma esse processo 
gerou discriminação racial, preconceito e intolerância contra os 
povos indígenas e contra as pessoas pretas e pardas. A partir da 
análise proporcionada pela disciplina, pretende-se combater a 
discriminação, o preconceito e os estereótipos historicamente 
construídos e forjar uma sociedade mais justa e igualitária.
Carta ao Aluno
1
Geografia física do 
continente africano
Analisar a geofísica do continente africano é fundamental 
para compreender a influência do espaço na formação sociocul-
tural dos povos africanos. Neste capítulo, discorreremos sobre 
questões relativas à geologia, geomorfologia, pedologia, clima-
tologia, hidrologia e cobertura vegetal do território africano, 
relacionando esses atributos com a distribuição dos seres vivos 
pelo continente.
1.1 Características geofísicas da África
O continente africano é um território muito amplo que 
ocupa aproximadamente 30 milhões de km². É o continente 
que engloba o maior número de países (54 países ao todo) e o 
segundo mais populoso.
O oceano Atlântico toca a costa oeste da África e o oceano 
Índico a costa leste. O mar Mediterrâneo fica ao norte (apartando 
o continente africano da Europa) e o mar Vermelho – que separa 
a África da península Arábica – encontra-se na região nordeste 
do continente.
Geografia Afro-brasileira e das Sociedades Indígenas
– 8 –
Em sua vastidão, o continente africano é cortado por várias linhas 
geográficas imaginárias. Sua imensidão latitudinal incide na presença da 
Linha do Equador, do Trópico de Capricórnio e do Trópico de Câncer. O 
continente é cortado pelo Meridiano de Greenwich, e por ser tão extenso 
longitudinalmente, possui cinco fusos horários.
A grandiosidade do território africano e a influência de diferentes fato-
res como latitude, relevo, zonas de alta e baixa pressão e correntes marítimas 
repercutem de maneira incisiva na geração de diferentes formações climáticas.
1.1.1 Clima
No mês mais frio, as temperaturas geralmente não descem a menos 
de 10ºC e no mês mais quente apresentam-se sempre maiores que 20 ºC. 
Todavia, em ambientes áridos, como os desertos, a temperatura pode che-
gar perto dos 60 ºC.
Figura 1.1 – Deserto do Saara
Fonte: Shutterstock.com/MrLis.
As chuvas não são distribuídas de maneira uniforme pelo continente. 
Em algumas regiões, as chuvas são abundantes, noutras são escassas. Pró-
ximo à costa do Golfo da Guiné e na região equatorial, há uma África 
mais úmida, onde chove fartamente e quase todos os dias. Afastando-se 
dessa zona, as precipitações diminuem em volume e constância. Observe 
na figura 1.2 como se constitui o clima da África, de acordo com a classi-
ficação climática de Köppen (1918).
– 9 –
Geografia física do continente africano
Figura 1.2 – Climas da África (conforme classificação de Köppen)
Fonte: adaptada de Peel, Finlayson e McMahon (2007).
De acordo com Köppen (1918), o clima tropical se caracteriza por 
climas megatérmicos1, com temperatura média maior do que 18 °C no 
mês mais frio do ano, ausência de estação invernosa e precipitação anual 
intensa (mais elevada que a evapotranspiração potencial anual2). O clima 
árido, por sua vez, se caracteriza por climas secos, com precipitação anual 
inferior a 500 mm e evapotranspiração potencial anual superior à precipi-
tação do ano todo. No clima árido, inexistem cursos de água permanentes.
1 São os climas tropicais chuvosos.
2 Entende-se por evapotranspiração a forma combinada de evaporação da água das super-
fícies terrestres e das superfícies vegetadas. Evapotranspiração potencial refere-se à máxi-
ma capacidade de água capaz de ser perdida como vapor, em uma dada condição climática.
Geografia Afro-brasileira e das Sociedades Indígenas
– 10 –
Os rios temporários sempre estão interligados a áreas de alta evapora-
ção e baixa precipitação e, geralmente, oferecem duas fases de perturbações 
hidrológicas extremas: seca e cheia. Essas etapas são essenciais no funcio-
namento de ecossistemas hídricos, particularmente no que tange às regiões 
áridas e semiáridas (LAKE, 20033, apud MAGALHÃES et al., 2016).
Já o clima oceânico apresenta temperatura média do ar entre -3 °C e 
18 °C (nos 3 meses mais frios) e temperatura média do mês mais quente 
maior do que 10 °C. No clima oceânico – que é mesotérmico – as estações 
de verão e inverno são bem definidas.
Como é possível observar na figura 1.3, existem múltiplas variedades 
de climas no continente africano e cada uma delas influencia na formação da 
cobertura vegetal, na dispersão da fauna e na ocupação humana pelo território.
Figura 1.3 – Clima Köppen detalhado para o continente africano
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3 LAKE, P. S. Ecological of perturbation by drought in fl owing water. Freshwater Biolo-
gy, v. 48, n. 7, p. 1161-1172, 2003.
– 11 –
Geografia física do continente africano
Quadro 1.1 – Legenda do mapa climático de KÖPPEN
Classificação Climática de Köppen
Af Clima tropical úmido ou clima equatorial
Am Clima de monção
Aw Clima tropical com estação seca de inverno
BSh Clima das estepes quentes de baixa latitude e altitude
BSk Clima das estepes frias de média latitude e grande altitude
BWh Clima das regiões desérticas quentes de baixa latitude e altitude
BWk Clima das regiões desérticas frias das latitudes médias ou de altitude
Cfa Clima temperado úmido com verão quente
Cfb Clima temperado úmido com verão temperado
Csa Clima temperado úmido com verão seco e quente
Csb Clima temperado úmido com verão seco e temperado
Cwa Clima temperado úmido com inverno seco e verão quente
Cwb Clima temperado úmido com inverno seco e verão temperado
Fonte: KÖPPEN, W. Klassification der klimate nach temperatur, niederschlag und 
jahreslauf. Petermanns Geographische Mitteilungen, Gotha, v. 64, p. 193-203, 1918.
1.1.2 Cobertura vegetal
Não há dúvidas de que o ambiente mais difícil para a sobrevivência 
dosseres vivos na África é o deserto. Há três desertos no continente afri-
cano: o Deserto do Saara, o Deserto do Kalahari e o Deserto da Namíbia.
O Saara – o mais conhecido deserto africano – encontra-se na região 
norte do continente e é o mais extenso deserto quente do mundo (o segundo 
em tamanho). O deserto do Kalahari se forma a partir de uma corrente 
oceânica vinda de Benguela. Essa corrente marítima fria atua na costa 
sudoeste da África condensando o vapor de água que segue rumo ao con-
tinente, atuando nas massas de ar de forma que elas cheguem a ele mais 
secas. Já o deserto da Namíbia costeiro, recebe a influência das correntes 
frias do Oceano Atlântico e é coberto por dunas vultosas.
Geografia Afro-brasileira e das Sociedades Indígenas
– 12 –
Mas a África não é feita só de desertos. Algumas regiões apresentam 
florestas densas ocupadas por fauna exuberante. Há também pradarias, 
pastagens e savanas.
Savana é uma designação generalizada para os ecossistemas com predomi-
nância de vegetação herbácea e arbustos ou árvores muito esparsas (GRISI, 2007).
As savanas, apesar de secas, recebem mais chuva do que as regi-
ões desérticas. Elas apresentam vegetação típica de regiões tropicais ou 
subtropicais que se mantém sob longo período de seca. A fisionomia das 
savanas exibe árvores e arbustos esparsos ou grupos espalhados de arbus-
tos em um estrato de gramíneas bastante pronunciado (EMBRAPA, 2009).
Os principais determinantes ecológicos para a formação e a manuten-
ção das savanas são:
 2 disponibilidade de água e de nutrientes no solo – que estabele-
cem controle primário sobre os organismos;
 2 ação do fogo, atividade dos herbívoros e intervenção humana – 
que atuam como modificadores do ambiente.
Observe na figura 1.4 a distribuição dos desertos, das savanas e das 
florestas no continente africano:
Figura 1.4 – Paisagens naturais da África
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– 13 –
Geografia física do continente africano
1.1.3 Hidrografia
Além do clima e da cobertura vegetal, outro elemento importante 
para a sobrevivência dos organismos vivos é a disponibilidade de água. 
Na África, os rios foram fundamentais para a dispersão da fauna e para a 
ocupação do território.
Os rios mais importantes do continente africano são: Nilo, Congo e 
Niger. Esses rios foram cruciais para a manutenção da vida no continente.
Durante muitos séculos, os rios possibilitaram (ou impediram) o desen-
volvimento socioeconômico, cultural e político da região. Em torno dos rios 
Gâmbia e Senegal, por exemplo, edificou-se uma dinâmica humana que é sus-
tentada por fluxos religiosos, culturais e socioeconômicos. Esses fluxos bus-
cam a integração entre povos nômades, agricultores e movimentos da expan-
são do islamismo ao sul do Saara (SAÂD4, 2004, citado por DIALLO, 2013).
Rios perenes de regime pluvial, como o Zambeze e o Níger, exibem 
cheias voluptuosas nas estações chuvosas e fluxo reduzido nas estações de 
estiagem. Apenas o rio Congo flui de maneira farta durante o ano inteiro.
O rio Nilo é o rio mais extenso do mundo, com 6.850 quilômetros de 
alcance. Ele corre no sentido sul-norte, na região nordeste do continente 
africano e sua foz localiza-se no mar Mediterrâneo.
Seus afluentes se desdobram por uma área de 3 milhões de quilô-
metros quadrados. Os dois principais afluentes do Nilo são o Nilo Azul e 
Nilo Branco. O lago Vitória abriga a nascente do Nilo Branco, enquanto 
que a nascente do Nilo Azul (o mais fecundo para a produção agrícola e 
com o maior volume de água) encontra-se no lago Tanna, na Etiópia. Os 
afluentes Nilo Azul e Nilo Branco se unem na cidade de Cartum (capital 
do Sudão) formando um único corpo d’água que deságua no Egito.
Onze nações compartilham as águas do rio Nilo. Essas nações podem 
ser divididas em dois grupos: os países localizados à montante5 e que pos-
4 Saâd, M. ‘Le Fleuve Sénégal comme enjeu regional de la colonização agricole à l´apres-
-barrage (1818-2001)’, in Salem, Z. O. A. (dir). Les trajectoire d´un État-frontière: Espaces, 
évolution politique et transformations sociales en Mauritanie. Conseille pour le Developpe-
ment de la recherche en sciences sociales en Afrique (CODESRIA), Dakar, pp. 90-112, 2004.
5 Montante: é o local que está mais próximo das cabeceiras de um rio. É o lado da nascente 
de um rio. É a direção contrária ao sentido do rio.
Geografia Afro-brasileira e das Sociedades Indígenas
– 14 –
suem nascentes dos mais importantes afluentes do Nilo em suas terras, 
e os países à jusante6, que somente recebem as águas dos afluentes prin-
cipais. Egito Sudão e Sudão do Sul são os países localizados à jusante, 
enquanto que Burundi, Etiópia, Eritreia, Quênia, República Democrática 
do Congo, Ruanda, Tanzânia e Uganda estão localizados à montante e 
possuem nascentes (BRANDÃO; GERBASE, 2016).
O rio Nilo é essencial para a geopolítica do Egito, pois 90% da água 
do país provém do Nilo e mais de 95% dos recursos hídricos que atingem 
o Egito derivam do exterior (GLEICK7, 1993, p. 86 apud BRANDÃO; 
GERBASE, 2016).
Há indícios de que a planície fértil resultante das inundações do delta 
do rio Nilo (conforme figura 1.5) favoreceu o aparecimento da primeira 
civilização conhecida: a dos sumérios. As enchentes que cobriam o delta 
do Nilo e tornavam seu leito fértil permitiram que a agricultura se desen-
volvesse na região.
Em função do sucesso na produção agrícola, surgiram lideranças 
políticas que buscavam o controle do excedente da produção. Acredita-se 
que a escrita teria sido criada para facilitar a comunicação entre os admi-
nistradores (reis) do Alto e do Baixo Egito, especialmente no que se refere 
a assuntos relacionados à produção de grãos cultivados.
Figura 1.5 – Delta do Nilo
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6 Jusante: evidencia a posição/sentido em que o rio corre, indo em direção a sua foz. É o 
lado em que vaza a maré, o lado que o curso de água segue.
7 GLEICK, Peter H. Water and conflict: fresh water resources and international security. 
International security, v. 18, n. 1, p. 79-11, 1993.
– 15 –
Geografia física do continente africano
O terceiro rio mais extenso da África, o rio Níger, está localizado no 
leste da África e não há na região outro rio de tamanha importância e gran-
diosidade. Ele nasce nas montanhas Futa Jalom, na Guiné, a cerca de 280 
quilômetros do Oceano Atlântico e deságua no Oceano Atlântico, após 
percorrer aproximadamente 4.200 quilômetros. No caminho para o mar, 
atravessa uma das regiões mais populosas da África, que inclui a Nigéria 
(país mais populoso do continente).
A bacia do rio Níger compreende uma área onde vivem cerca de 
um milhão de pessoas. Em sua nascente, nas montanhas da Guinea, o 
Níger acolhe uma parte considerável do volume de água de seu segmento 
superior, passando então pela plana região do Delta Interno do Níger na 
região do Mali (área semiárida do deserto do Sahel) onde cerca de 40% do 
volume afluente é perdido por evaporação e infiltração nos mais de 10.000 
km² de área sazonalmente inundada (FLEISCHMANN, 2017).
Na planície, o Níger forma um delta gigantesco que resulta em uma 
região de pântanos, brejos e lagos do tamanho da Bélgica. As inundações 
sazonais que ocorrem no delta o tornam extremamente produtivo tanto 
para a agricultura quanto para a piscicultura.
A rota incomum que o Níger segue intrigou os geógrafos por muito 
tempo. Depois de correr caudaloso por muitos quilômetros, o rio Níger 
tem um comportamento hidrológico errante. Ele “desaparece” em algu-
mas regiões e “reaparece” logo a seguir. Em função disso, à primeira vista, 
parecem ser dois rios separados, contudo, após um olhar mais minucioso, 
nota-se que o Níger se configura como um rio único, que perpassa por 
vários países, influenciando enormemente na ocupação do território.
O rio Níger desaparece e reaparece porque cruza regiões onde ocor-
rem desfiladeiros, corredeiras, florestas exuberantes e cataratas. Embora 
comecepacificamente nas savanas ao sul do lago Tanganica, aos poucos, 
o rio se alarga e aumenta sua velocidade até adentrar nos “Gates of Hell”8, 
um desfiladeiro de 75 quilômetros de corredeiras intransitáveis.
O rio emerge novamente, cercado por uma exuberante floresta tropi-
cal (Alto Congo). Seu fluxo é relativamente estável porque parte de sua 
8 Significa “Portões do Inferno”.
Geografia Afro-brasileira e das Sociedades Indígenas
– 16 –
bacia hidrográfica está sempre na zona de chuva. O Alto Congo termina 
abruptamente com Stanley Falls, um trecho de aproximadamente 96,5 km 
de corredeiras.
Esse segmento de corredeiras dá lugar ao Médio Congo, um trecho 
de 1600 quilômetros de rio navegável. Perto do final do Médio Congo, 
o rio desacelera numa parada virtual por 32 km, mas a calmaria dessas 
águas é subitamente destruída por uma série de corredeiras e cataratas 
(cerca de 32) com 354 km de extensão, conhecidas como Livingstone 
Falls (BUTLER, 2013).
O rio Níger passa pela Guiné, pelo Mali, pela República do Níger, 
pelo Benim e pela Nigéria, e isso representa uma miríade de povos e cul-
turas distintas. Ao longo do rio é possível observar pessoas e ambientes 
diversos nos antigos reinos do Sahel, Segou, Kaarta, Songhaï.
Depois, seguindo o rio, há cidades de origem sudanesa (cerca de 
20% da população), como Sarakolé, Songhaï, Dogon, Bozo etc. Toda 
essa diversidade se traduz em múltiplos costumes, vivências díspares 
e um grande número de idiomas diferentes – quinze, ao todo (PAN-
CORBO, [s/d]).
O Níger é um rio navegável – o que faz dele o principal meio de 
comunicação e transporte da região. Ao navegar pelo Níger é possível 
capturar a alternância de ambientes da África Ocidental. Por um lado, a 
planície gramada, por outro, todas as variantes de secura até alcançar sua 
potência máxima no Saara.
A região do rio Níger abriga uma grande população, condicionada ao 
ciclo de inundação sazonal. Nesse contexto, as atividades como cultivo de 
arroz e pesca são vitais para a economia local. Ademais, o Delta Interno do 
Níger é a maior área inundável da África Ocidental, constituindo um dos 
grandes deltas internos do continente, junto com o Delta do Okawango e 
as planícies de Sudd no Rio Nilo, e responsável por preciosas interações 
terra-atmosfera de ação local e regional (FLEISCHMANN, 2017).
O terceiro rio mais importante da África, o rio Congo, é o segundo 
maior rio da África (fica atrás apenas do rio Nilo) e o primeiro em exten-
são de água. O rio Congo é o mais profundo rio do mundo e o segundo 
– 17 –
Geografia física do continente africano
maior rio em vazão (67.000 m³/s, na sua foz). Além disso, a bacia do 
rio Congo é a segunda maior bacia hidrográfica da Terra, atingindo uma 
superfície de mais de 4 milhões de km².
A nascente do rio Congo situa-se nas montanhas do Rift. A principal 
extensão do rio percorre a República Democrática do Congo e, perto da sua 
foz, demarca fronteira com Angola. O seu regime fluvial depende das preci-
pitações equatoriais e quase toda a sua bacia é revestida por florestas equa-
toriais intransitáveis (que servem de refúgio para 1.000 espécies de aves, 
10.000 espécies de plantas e 400 espécies de mamíferos – além de nossos 
parentes famosos, quase em extinção – os Gorilas). A Bacia do Congo tam-
bém é morada de 30 milhões de pessoas, divididas em 250 etnias.
De acordo com o relatório da UNEP9 (2014 apud PINTO-COELHO; 
HAVENS 2015), o rio Congo – que tem a extensão de 4.700 km – desen-
volve um curso típico em formato de “U” invertido, e por conta disso, 
cruza a linha do equador duas vezes. O rio Congo (também denominado 
de Zaire) atravessa a República Democrática do Congo. A bacia hidro-
gráfica do Rio Congo é tão grande que ocupa quase o território do Congo 
inteiro, juntamente com a República do Congo.
Ao aproximar-se do Oceano Atlântico, a foz do rio Congo concentra-
-se numa faixa estreita que é compartilhada pela República Democrática 
do Congo e pela República do Congo e por Angola. Ele banha duas capi-
tais: Brazzaville e Kinshasa.
O rio Congo acolhe as águas do lago Tanganica, a partir do rio 
Lukuga. É no rio Congo que estão localizadas as 32 cataratas de Livings-
tone. Encontram-se, ainda, em sua bacia hidrográfica, os maiores rema-
nescentes da floresta equatorial na África.
Não menos importantes para a sobrevivência dos organismos na 
África são os lagos de água doce, dentre eles o Vitória – o segundo maior 
lago de água doce no mundo (em área) e maior lago tropical existente. 
O lago Vitória é uma das nascentes do rio Nilo, como é possível ver na 
figura 1.6:
9 UNESCO. United Nations Educational Scientific and Cultural Organization. Water and 
Energy. The United Nations World Water Development Report,. v. 1, 2014.
Geografia Afro-brasileira e das Sociedades Indígenas
– 18 –
Figura 1.6 – Lagos e rios da África
Fonte: elaborada pela autora.
O lago Malawi é um lago bastante singular, pois compõe uma provín-
cia biogeográfica exclusiva, com aproximadamente 400 espécies de ciclí-
deos10 apresentadas como endêmicas. Estima-se que o lago Malawi tenha 
uma idade aproximada entre um e dois milhões de anos. Por se encontrar 
numa região tropical e ser muito profundo, esse lago se mantém perma-
nentemente estratificado, apresentando um epilímnio mais tépido em cima 
de um hipolímnio11 mais frio por todo ano.
10 Cichlidae é uma família de peixes de água doce da ordem Perciformes que inclui cerca 
de 227 gêneros e 27.977 espécies. Os ciclídeos representam a maior família de peixes 
(em termos de número) e cerca de 5% dos vertebrados existentes na Terra. São os mais 
populares peixes de aquário, pois possuem alta diversidade de coloração, forma, tamanho 
e comportamento. O Acará-bandeira é um ciclídeo bastante conhecido.
11 Epilímnio: camada superficial de lagos em que se regista estratificação. Hipolímnio: 
camada profunda de lagos em que se regista estratificação.
– 19 –
Geografia física do continente africano
O lago Tanganica, o segundo maior lago africano e o mais profundo do 
continente, é compartilhado pela Zâmbia, Tanzânia, Burundi e República 
Democrática do Congo. Está localizado na porção ocidental do Vale do Rift, 
a uma altitude de 782 m. Prolonga-se por 673 km numa direção norte-sul, 
com uma largura média de 50 km e profundidade máxima de 1.470 m.
Acredita-se que o lago Tanganica seja o segundo mais antigo e pro-
fundo do mundo, depois do lago Baikal (Sibéria). Ele é bastante piscoso, 
percorre uma área de 32.900 km², tem uma linha de costa de 1.828 km e 
uma média de profundidade de 570 m. Seu volume é avaliado em aproxi-
madamente 18.900 km³.
Outro lago importante é o lago Chade, localizado próximo da região 
central da África. É um lago de água doce, endorréico12, que fornece água 
para quase 20 milhões de pessoas nos quatro países situados ao seu redor: 
Nigéria, Camarões, Chade e Níger.
É um lago muito raso (tendo apenas entre 7 e 10,5 m em sua área 
mais profunda) e por consequência apresenta amplas alterações sazonais 
em sua área ocupada. O lago Chade já foi um dos maiores do mundo e 
durante milênios tem sido o grande manancial de águas numa região de 
transição entre as savanas e o grande deserto do Saara.
Nas últimas décadas, contudo, o lago Chade tornou-se uma preocu-
pação para a comunidade internacional, pois está secando com rapidez 
assombrosa. Segundo a ONU (2009), o volume de água do Chade já dimi-
nuiu mais de 80%, desde 1963, e se continuar nesse ritmo, deverá deixar 
de existir em menos de 20 anos.
Os lagos são parte imprescindível da hidrografia africana, pois inte-
ragem com a dinâmica fluvial. O lago Vitória verte suas águas no rio Nilo 
Branco. Os lagos Kivu e Tanganica deságuam no rio Congo, e o lago 
Malawi por sua vez derrama suas águas no rio Zambeze. No caminho, as 
águas banham diferentes relevos.
1.1.4 Relevo
Outro aspecto físico importante do continente africano é o relevo. 
As formas de relevo que predominam na África são planaltos, planícies 
12 cujas águas não seligam ao mar.
Geografia Afro-brasileira e das Sociedades Indígenas
– 20 –
e cadeias de montanhas. Planaltos correspondem a superfícies aplaina-
das, onde o processo erosivo predomina sobre o sedimentar. Planícies (ou 
terras baixas) se caracterizam pelo inverso – o processo sedimentar se 
sobrepõe ao processo erosivo independentemente das cotas altimétricas. 
Montanhas são elevações naturais do terreno, com certa amplitude e alti-
tude superior a 300 metros (GUERRA, 1993, p. 298).
As montanhas mais altas da África são o Monte Kilimanjaro (5.895 
metros), o Monte Quênia (5.199 metros) e o Monte Ruvenzori (5.109 metros). 
Também é importante citar a Cadeia dos Atlas com mais de 4.000 metros e 
a Cadeia do Cabo com 3.400 metros de altura. Essas montanhas dificultam e 
limitam o deslocamento dos seres vivos no interior do continente.
1.1.5 A geologia do continente africano
Na estrutura geológica dos continentes, as rochas mais antigas em geral 
formam o chamado escudo. Os escudos são uma região da crosta terrestre 
que atingiu a estabilidade e que é constituída especialmente por rochas do 
embasamento cristalino de idades pré-cambrianas. No continente africano, 
o processo de cratonização13 correspondeu à quatro ciclos orogenéticos:
1. Orogenia Limpopo-Liberiano – que ocorreu entre 2800 e 2500 
M.a (milhões de anos).
2. Orogenia Eburneana – que ocorreu entre 2500 e 1800 M.a.
3. Orogenia Kimbariana – que ocorreu entre 1650 e 1100 M.a.
4. Orogenia Damariana ou Panafricana – que ocorreu entre 1000 
e 500 M.a.
De acordo com Bondo14 (2008, apud PAULA; ROCHA, 2015), a Oro-
genia Limpopo-Liberiano foi a emersão de oito núcleos de zonas submer-
sas. Esses núcleos são: Camarões, Dodoma Nyansa, Gabão, Kassai, Mauri-
tânia, Serra Leoa/Costa do Marfim, Zambia, Transvaal e Zimbábue.
13 Cráton: Porção da crosta terrestre que permaneceu estável e sofreu pouca deformação 
por longos períodos em relação a uma determinada época geológica. Em um aspecto atual, 
restringe-se a áreas continentalizadas e suas adjacências (IBGE, 1999).
14 BONDO, Hortênsio Felisberto de Fátima. Manual de Apoio – Geologia de Angola. 
Universidade Agostinho Neto Departamento de Geologia. Luanda, 2008.
– 21 –
Geografia física do continente africano
A Orogenia Eburneana edificou a primeira fase de solidificação e 
integração dos oito núcleos oriundos do primeiro ciclo orogenético, resul-
tando em quatro núcleos maiores: Congo-Kassai, África Ocidental, Zim-
bábue Transvaal e Tanzânia.
A Orogenia Kimbariana é a segunda etapa de estabilização dos qua-
tros núcleos basais da Placa Africana, que passaram a ser três: Kalahari, 
África do Oeste e Congo. A Orogenia Damariana ou Panafricana se trata 
da última fase de cratonização da região. Observe esses ciclos na figura 1.7:
Figura 1.7 – Ciclos orogenéticos na África
1- Orogenia Limpopo-Liberiano / 2- Orogenia Eburneana / 3- Orogenia Kimba-
riana / 4- Orogenia Damariana ou Panafricana.
Fonte: adaptada de Paula e Rocha (2015).
Geografia Afro-brasileira e das Sociedades Indígenas
– 22 –
Quando ocorreu o afastamento das placas tectônicas arábica e afri-
cana, uma grande fenda se abriu no interior do continente e nela se for-
mou um complexo de falhas tectônicas ao qual se deu o nome de Vale do 
Rift (conforme figura 1.8). Essa estrutura estende-se pelo continente no 
sentido norte-sul por aproximadamente 5.000 km e vai desde a Síria até 
Moçambique. A largura desse vale oscila entre 30 e 100 km e sua profun-
didade varia de centenas a milhares de metros.
Figura 1.8 – Vale do Rift
Fonte Shutterstock.com/ArCaLu
Nos rebordos do vale do Rift estão as cordilheiras onde se localizam 
os pontos mais altos do continente (Kilimanjaro, Monte Quênia, Monte 
Ruvenzori e outros). É no vale do Rift também que se formaram os gran-
des lagos Vitória, Malawi e Tanganica.
Síntese
Nesse capítulo tratamos das características geofísicas do continente 
africano. Vimos que a África é um território de grandes dimensões, e como 
tal, possui características geográficas que se distinguem ao longo de seu 
território. Nela há planícies, planaltos e montanhas, que são influenciados 
por condições climáticas e geomorfológicas diferenciadas. Pudemos 
observar que a cobertura vegetal do continente africano reflete as múl-
tiplas variáveis climáticas que nele incidem. Percebemos que o relevo, o 
– 23 –
Geografia física do continente africano
clima e a vegetação limitaram o deslocamento dos organismos pelo conti-
nente e que os rios, lagos e corpos d’água, por sua vez, foram fundamen-
tais para a dispersão e para a sobrevivência dos seres vivos. Uma feição do 
relevo africano importante a ser ressaltada é o Vale do Rift, que se formou 
após a separação das placas tectônicas árabe e africana, e que promoveu o 
surgimento dos grandes lagos que banham a região.
Atividades
1. Sintetize os aspectos geofísicos da África (extensão, clima e relevo).
2. Quais são os rios e lagos mais importantes do continente afri-
cano e como eles influenciaram na ocupação do território?
3. O que é o Vale do Rift e quais as suas características?
4. Quais as características dos principais lagos africanos?
2
África Antiga 
Nesse capítulo discorreremos sobre:
 2 a pré-história das diversas regiões da África, em espe-
cial a região do Vale do Nilo;
 2 os diversos estudos arqueológicos que tratam da pre-
sença de humanos primitivos no continente africano;
 2 a História dos primeiros povos que habitaram o conti-
nente africano no intento de desvendar como se deu a 
distribuição humana no continente e estabelecer cone-
xões entre a ocupação do espaço pelas sociedades pri-
mitivas e a formação sociocultural dos povos que se 
estabeleceram nas diferentes regiões do continente;
 2 as relações do Egito com o resto da África e a influên-
cia do rio Nilo e do crescente fértil no comércio e na 
locomoção na região;
 2 a importância da Núbia1 para os deslocamentos no con-
tinente africano;
1 Na escrita hieroglífica nub significa ouro. O termo núbia, portanto, significa 
terra do ouro. A região era assim denominada pois possuía muitas minas de 
ouro. As fronteiras da Núbia sempre foram imprecisas, com numerosas divisões 
políticas. Era considerada um prolongamento do Egito, e entendida como um 
grande deserto.
Geografia Afro-brasileira e das Sociedades Indígenas
– 26 –
 2 como o período romano influenciou na economia, na cultura e 
na religião dos povos do Norte da África e o que aconteceu com 
essa região no período pós-romano;
 2 como se deu a expansão do cristianismo e do Islã na África;
 2 as características do deserto do Saara e avaliaremos sua influên-
cia na ocupação do território africano;
 2 os atributos da costa oriental da África e seu papel no comércio 
marítimo internacional.
2.1 Pré-história da África e do vale do Nilo
Estudos arqueológicos sugerem que os primeiros hominídeos surgi-
ram no leste da África. Por conta disso, a história da parte oriental do con-
tinente africano é muito extensa. A história da região teve início quando 
os primeiros seres humanos produziram utensílios de pedra com padrões 
e formas predeterminados. A denominada Idade da Pedra, que teve seu 
início há cerca de 3 milhões de anos, assistiu mutações e distinções no 
cérebro e no corpo humanos, bem como na organização social, na cultura 
e na economia. A Idade da Pedra perdurou por muito tempo até que a 
pedra – enquanto material principal para a produção de utensílios e gumes 
afiados – foi trocada pelo metal. Essa transição da indústria lítica2 para a 
utilização do metal ocorreu em momentos diferentes nas diversas partes 
do mundo. No leste da África, o trabalho com o ferro teve início há quase 
2 mil anos (SUTTON, 2010, p. 513).
As mudanças ocorridas durante a Idade da Pedra foram vagarosas, 
especialmente no início do período. De acordo com Sutton (2010, p.514), 
a etapa final da Idade da Pedra foi a época em que ocorreu maior especia-
lização e diferenciação de artefatos entre as diversas regiões do continente 
africano.Em alguns casos, como resultado de migrações ou contatos entre 
culturas distintas, algumas características tecnológicas aperfeiçoadas 
lentamente numa determinada localidade surgiram sob forma finalizada 
2 A indústria lítica é um conjunto de utensílios de pedra derivados da atividade humana. 
Esses utensílios foram usados na época anterior ao uso de metais.
– 27 –
África Antiga 
em outra região. Isso indica que, em termos de desenvolvimento tecnoló-
gico, duas ou três gerações do fim da Idade da Pedra equivaleriam a meio 
milhão de anos no período inicial.
A maior parte dos utensílios fabricados durante a Idade da Pedra não 
era armamento. Embora a caça tivesse grande valor como fonte de proteí-
nas (exceto nos locais onde havia pesca), a coleta de alimentos era funda-
mental para assegurar o básico do regime alimentar. Sendo assim, a maio-
ria dos petrechos produzidos no período era direcionada para atividades 
de coleta, para trabalhar a madeira e para uso nas atividades do cotidiano 
(SUTTON, 2010, p.516).
A escolha dos locais de acampamento estava condicionada ao acesso 
à água doce. Os acampamentos temporários sempre estavam localizados 
perto de cursos d’água ou de lagos. A presença de água, inclusive, favo-
receria a dispersão da vegetação, que por sua vez atrairia animais e faci-
litaria a caça.
A evolução do homem, contudo, não teria se dado nas florestas 
africanas, mas nas savanas. Tanto na África setentrional quanto na 
África austral os fósseis de hominídeos mais antigos foram desco-
bertos nas pradarias3 semiáridas e nas matas de vegetação decídua4 
(CLARK, 2010, p. 551).
Foram encontrados muitos fósseis de hominídeos australopitecos em 
cavernas da África do Sul (ver figura 2.1). Em função disso, acreditava-se 
que esses hominídeos teriam habitado as cavernas de calcário do Trans-
vaal5. Todavia, a teoria mais aceita atualmente é de que predadores (como 
leopardos ou tigres) teriam levado os humanos primitivos para dentro das 
cavernas para devorá-los. As cavernas do Transvaal podem não ter sido o 
local de habitação desses proto-humanos, mas certamente eles viviam nas 
imediações das mesmas (CLARK, 2010, p. 557).
3 Denominação utilizada para as formações campestres, onde há predomínio de gramíneas 
com altura até 2m.
4 Decídua - do latim: decidere = cair. Planta que perde as suas folhas em época de seca.
5 Transvaal é uma região da África do Sul, situada no nordeste do país. Possui reservas de 
ouro, platina, diamantes e ferro.
Geografia Afro-brasileira e das Sociedades Indígenas
– 28 –
Figura 2.1 – Depósito de fauna e fósseis humanos
Fonte: Clark (1970) apud Unesco (2010).
A indústria lítica mais antiga conhecida foi denominada de Oldu-
vaiense (em referência à garganta6 de Olduvai, na Tanzânia) e os artefatos 
mais antigos da África oriental datam de 1,8 milhão de anos atrás. Uma 
segunda indústria, marcada por grandes instrumentos cortantes (bifaces 
e machadinhas) se diferenciava da olduvaiense por apresentar utensílios 
6 Passagem estreita situada em uma crista, serra ou borda de um planalto, resultante do 
aprofundamento do talvegue de um rio em rochas mais resistentes. Em seção transversal é 
menor do que um desfiladeiro e maior e mais profunda do que uma ravina.
– 29 –
África Antiga 
maiores, elaborados com lascas grandes, cuja obtenção exigia perícia e 
força. Essa nova indústria recebeu o nome de acheulense, e seu apare-
cimento indica que novos recursos começaram a ser explorados ou que 
métodos melhores haviam sido inventados para a exploração desses recur-
sos (CLARK, 2010, p. 560).
Assim como os locais de moradia de outros grupos proto-humanos, 
os sítios acheulenses situavam-se sempre perto de algum curso d’água. Na 
África Meridional, os acheulenses também ocuparam algumas cavernas, 
sendo que em duas delas (Cave of Hearths, na localidade de Makapan e 
Montagu, no sul da província do Cabo) foram encontrados muitos artefa-
tos (CLARK, 2010, p. 568).
Todos os habitats acheulenses do Pleistoceno Médio possuem carac-
terísticas semelhantes. Todos se localizam em campo aberto, desde capões 
de mata decídua até maquis7, pradarias e parques naturais. Todos se 
encontram perto da água, onde a caça propendia a se concentrar e onde as 
árvores proviam sombra e frutos. Todos estão em locais onde atualmente 
vemos associações de diversos tipos diferentes de vegetação (CLARK, 
2010, p. 568).
Por tudo o que já sabemos acerca do comportamento dos hominídeos 
no Pleistoceno Médio, podemos afirmar que esses grupos de caçadores-
-coletores mantinham um estilo de vida parecido, eram propensos a se 
agrupar e se comunicavam com certa eficácia. Provavelmente viviam em 
grupos maiores do que seus antecessores e ocupavam algumas áreas com 
mais frequência, adotando um padrão sazonal. O arcabouço social parece 
ter sido flexível, consentindo a livre circulação de indivíduos e ideias. 
Contudo, grandes áreas do continente, com inclusão das florestas, continu-
avam desabitadas. Isso implicava no isolamento desses grupos em relação 
aos grupos adjacentes (CLARK, 2010, p. 570).
Na África Central, em regiões com maiores precipitações pluviomé-
tricas e vegetação mais densa, os grupos acheulenses foram substituídos 
por indústrias com ampla quantidade de utensílios pesados, tais como sei-
xos lascados, bifaces, picões e raspadores nucleiformes (instrumento que 
7 Formação vegetal, também conhecida por chaparral, é formada principalmente por arbus-
tos. É uma vegetação densa e muito fechada, formando um matagal de difícil penetração.
Geografia Afro-brasileira e das Sociedades Indígenas
– 30 –
conserva o essencial do bloco de matéria-prima). O surgimento desses 
utensílios pesados denota uma especialização regional dos artefatos – pro-
vavelmente impulsionada pelas diferenças entre os padrões de adaptação 
nos diversos ambientes (florestas densas, florestas claras ou pradarias) 
(CLARK, 2010, p. 570).
Há aproximadamente 10.000 anos, no fim do Pleistoceno, algumas 
populações aparentadas geneticamente, mas distintas regionalmente, se 
diferenciaram. No sul e no centro-leste africano surgiram os troncos de 
San; na África Equatorial e Ocidental despontaram os negroides; e na 
África Oriental apareceu a forma nilótica8. Esses grupos autóctones pro-
vavelmente evoluíram durante o Pleistoceno Superior e o princípio do 
Holoceno, a partir de um extenso ciclo de adaptação e seleção nas regiões 
biogeográficas basais (CLARK, 2010, p. 575).
No início da Era Cristã, em boa parte do sul da África, as populações 
de caçadores e coletores foram substituídas por povos agricultores conhe-
cedores da metalurgia. É plausível que tais povos sejam os antecessores 
dos grupos de língua bantu oriundos do Noroeste (Camarões e Chade) e 
que migraram para a região. No sul da África não havia povos agricultores 
que produzissem cerâmica, apenas utensílios de pedra (como machados 
afiados e polidos). Contudo, apesar de não haver certeza de que a agri-
cultura fosse conhecida antes da vinda dos povos do começo da Idade do 
Ferro, é provável que alguns grupos possuíssem carneiros e bovinos no 
sudoeste da África, antes mesmo do primeiro século da Era Cristã. Alguns 
deles podem ser identificados com os Khoi Khoi (pastores nômades que 
produziam cerâmica, mas não exerciam a agricultura). Porém, vestígios 
inequívocos de habitat pastoril não foram descobertos até o momento 
(CLARK, 2010, p. 589).
No caso da região da África central, ocupada pela bacia hidrográfica 
do rio Zaire, as culturas pré-históricas (especialmente aquelas que sucede-
ram aos acheulenses) evoluíram na própria localidade, eram dependentes 
8 Os nilotas são povos africanos que falam línguas nilóticas, um dos principais ramos da 
grande família das línguas nilo-saharianas. Habitam a região sul do vale do rio Nilo. Os 
nilóticos são negros e possuem estatura elevada.
– 31 –
África Antiga 
da floresta primária e não mantinham contato com os povos que viviam 
nas zonas de vegetação menos densa.
A bacia hidrográficado rio Zaire (ver figura 2.2) é partilhada pelas 
Repúblicas de Angola, do Chade, Centro-Africana, do Congo, do Malawi, 
Democrática do Congo, do Burundi, do Gabão, da Tanzânia e da Zâmbia. 
Possui área de aproximadamente 3.699.100 km² (INRH, s/d). Atualmente, 
bacia do Zaire representa a zona equatorial. Sua cobertura vegetal é a mais 
densa de toda a África.
Figura 2.2 – Bacia hidrográfica do rio Congo (Zaire)
Fonte: elaborada pela autora.
No passado, em alguns períodos muito úmidos, essa zona florestal 
se prolongou muito mais ao norte do que hoje em dia. Com o tempo, a 
Geografia Afro-brasileira e das Sociedades Indígenas
– 32 –
floresta regrediu, mantendo-se apenas em galerias ao longo dos rios. Essa 
cobertura vegetal foi um fator fundamental no crescimento e na evolução 
das culturas pré-históricas da região. Sabe-se que, ao norte, as migrações 
ocorridas no Neolítico (de leste para oeste), contornaram a floresta sem 
adentrá-la, como se a floresta fosse um empecilho, uma barreira intrans-
ponível para as populações acostumadas a viver nas savanas (HERMENS, 
2010, p. 591).
Ao que parece, até o período Acheulense Superior, as indústrias pré-
-históricas da região quase não se diferenciam das outras partes da África 
subequatorial. Foi somente a partir do complexo Sangoense9 que se ini-
ciou a diversificação regional das culturas que viviam na floresta. Esses 
grupos viveram em isolamento quase total até a vinda dos povos neolí-
ticos oriundos do norte (que fugiam das zonas saarianas que entraram 
em dessecamento). Essa enorme floresta equatorial localizada na região 
central da África representou uma barreira natural, que limitava o contato 
com os povos que viviam no norte e no sul do Equador. Nessa região, as 
culturas neolíticas duraram muito mais do que em qualquer outra área, já 
que permaneceram isoladas e abrigadas num período em que outras regi-
ões já haviam dado início a utilização dos metais e do ferro (HERMENS, 
2010, p. 596).
A região do Saara (que atualmente é um deserto) já foi muito povo-
ada. Acredita-se que a região foi abandonada pelas etnias que a ocuparam 
durante o estabelecimento de um clima mais seco e quente. Essa mudança 
climática implicou na escassez de chuvas e no esgotamento das fontes de 
água e dos rios. A supressão da cobertura vegetal – e consequentemente da 
fauna - forçou os povos que ali viviam a procurar regiões mais favoráveis 
(HUGOT, 2010, p. 658).
No caso da África ocidental, ainda não foram descobertos vestígios 
de hominídeos análogos aos que foram encontrados na África meridional 
e oriental, também não foram achados artefatos da mesma época. Isso não 
9 Sangoense: nome tirado da baía de Sango, localizada na parte ocidental do lago Vitória.
– 33 –
África Antiga 
significa que na região ocidental não tenha havido a presença de proto-
-humanos, apenas indica que mais pesquisas devem ser feitas para eluci-
dar essa questão. Traços do povo acheulense foram registrados em Gana, 
Senegal e Mauritânia. Esses traços indicam a probabilidade de uma pene-
tração pelo norte dessas áreas, que talvez possuíam um meio ambiente 
mais propício. Contudo, essa penetração não parece ter sido muito expres-
siva (SHAW, 2010, p. 687).
Na África Ocidental praticamente inexistiu a Idade do Bronze. Ao 
que parece, durante o terceiro milênio – época em que a escrita, a cen-
tralização do governo, a metalurgia, a construção dos grandes monumen-
tos de pedra e o emprego da roda se estabeleceram de maneira consis-
tente no Egito – foi a época do dessecamento do Saara. Nesse período as 
populações abandonaram a região do deserto que deixou de servir como 
ligação indireta entre o Egito e a África Ocidental. Essa conexão só foi 
estabelecida novamente aproximadamente 3000 anos depois, graças à 
domesticação do camelo (SHAW, 2010, p. 710).
Na região do vale do Nilo (ver figura 2.3), que abriga o Sudão, a 
Núbia e o Egito, observou-se a presença dos olduvaienses (tipo de homem 
mais primitivo que se conhece). Também se nota a presença de indústria 
lítica dos períodos Old Stone Age10, Middle Stone Age11 e Late Stone Age12. 
No Egito, condições geográficas e ambientais distintas promoveram a 
evolução de dois grupos culturais diferentes, que se desenvolveram em 
território egípcio, no sul e no norte concomitantemente. O grupo cultural 
do sul é denominado de Alto Egito e o grupo cultural do norte recebe o 
nome de Baixo Egito (DEBONO, 2010, p. 716).
10 Corresponde ao Paleolítico Inferior, frequentemente denominado também de Acheulen-
se, período que vai de cerca de 600.000 a 200.000.
11 Esse termo abrange o Paleolítico Médio, aproximadamente desde 200.000.
12 Período da pré-história africana que sucede o período Middle Stone Age. Acredita-se 
que a transição do Middle Stone Age para o Late Stone Age tenha ocorrido primeiro na 
África oriental entre 50.000 e 39.000 anos atrás.
Geografia Afro-brasileira e das Sociedades Indígenas
– 34 –
Figura 2.3 – O vale do Nilo
Fonte: elaborada pela autora.
O grupo do Alto Egito (sul) mostrou-se desde o início como uma civi-
lização avançada. Foi delineada com base no estudo de amplos e nume-
rosos cemitérios e de outros vestígios recolhidos de regiões habitadas. O 
grupo cultural do norte é bastante diferente do grupo localizado no sul, 
especialmente no que tange a tamanho das regiões habitadas, à elaboração 
– 35 –
África Antiga 
de cerâmica monocrômica e ao costume temporário de sepultar os mortos 
em suas próprias casas (DEBONO, 2010, p. 732).
No período faraônico já havia alusão aos dois Egitos (Alto e Baixo) 
que foram unificados pelo faraó fundador da primeira dinastia. Esse dua-
lismo regional já predominava no período conhecido como “Neolítico”. 
As diferenças entre os dois grupos envolviam vários aspectos da vida, o 
que gerou dois grupos culturais peculiares, que tiveram suas origens em 
diferentes condições ambientais e geográficas. O grupo do sul despontou 
ao longo do apertado corredor do Nilo, circundado por duas falésias ári-
das. O grupo do norte se formou no imenso leque do delta fértil.
O grupo nortista desvendou uma miríade de culturas, análogas em 
suas linhas gerais, mas distintas nos seus pormenores. O grupo sulista, por 
sua vez, apresenta divergências mais evidentes que as encontradas entre as 
diversas culturas do norte. Desde os primeiros estágios, o norte apresenta 
um progresso extraordinário no que se tange ao desenvolvimento urbano. 
Na região sul, porém, pouquíssimos vestígios urbanos sobreviveram.
Sob a perspectiva da economia e da urbanização, o norte do Egito 
exibe um desenvolvimento superior. Já o sul do Egito parece ter atingido 
um estágio muito avançado nas suas habilidades artísticas. A unificação 
dessas duas culturas será responsável pela grandeza do Egito faraônico. 
Todavia, o aparecimento do período histórico (caracterizado pela intro-
dução da escrita, pela unificação do Egito sob a égide de um único rei e 
a proliferação do uso do metal) não alterou algumas das facetas do modo 
de vida desses povos, especialmente no que se refere à continuidade do 
uso do sílex13 – que prosseguiu durante o período faraônico (DEBONO, 
2010, p. 739).
2.2 As Relações do Egito com o resto da África
Ainda não foram descobertos indícios concretos de que o antigo 
Egito se relacionasse com o resto da África, apesar de escavações terem 
13 Rocha constituída principalmente por quartzo micro ou criptocristalino, contendo raras 
impurezas, como argila, calcita ou hematita, porém, as impurezas nunca ultrapassam 10%.
Geografia Afro-brasileira e das Sociedades Indígenas
– 36 –
encontrado estatuetas egípcias no Zaire14 e no Zambeze15, mas a ausência 
de artefatos não significa que tais relações não existissem. Ao que parece, 
há uma notável discrepância cronológica e também tecnológica entre o 
Egito e as civilizações das redondezas. Apesar de ser parte da África, a 
cultura egípcia desprendeu se do seu meio ocidental e meridional. Dife-
renças intensas no modo de vida distanciaram osegípcios dos povos adja-
centes (ZAYED; DEVISSE, 2010, p. 97).
Durante os 3 mil anos de governo faraônico, o Egito se manteve estável 
étnica e culturalmente. O baixo vale do Nilo assimilou as penetrações ou 
imigrações originárias de diversas periferias, menos nas ocasiões em que a 
pressão de povos estrangeiros se intensificava. Ao sul e ao oeste, povos que 
nutriam diferentes graus de parentesco eram limitados em seu habitat pelas 
fortificações das fronteiras egípcias, mas também podiam ser considerados 
úteis como fornecedores de víveres ou de homens para a sua defesa.
Considerava-se que os povos vizinhos ao Egito tinham a obrigação 
de colaborar oferecendo riquezas e homens para a civilização faraônica. O 
tributo compunha um dos símbolos de submissão dos povos contíguos do 
Egito e o calote implicava em punição. As relações do Egito com a África 
variaram com o decorrer dos séculos (ZAYED; DEVISSE, 2010, p. 99).
Sabe-se que durante o período pré-dinástico os habituais intercâm-
bios humanos com o Saara diminuíram consideravelmente e que durante 
o período dinástico o Egito teve grande influência sobre o Saara (prin-
cipalmente sobre os líbios). No Neolítico, quando a acelerada expansão 
do deserto obrigou os pastores e caçadores líbios a retrocederem para a 
periferia do seu habitat prévio. Nos amplos oásis rodeados por desertos, 
a aristocracia egípcia costumava caçar, adotando uma incumbência que 
originalmente pertencia ao rei. Quando se viajava para o norte, (rumo 
ao Níger e ao Fezzan), ou para o sul, (em direção ao Chade), era pre-
ciso cruzar os oásis em que os nobres egípcios caçavam, todavia, ainda 
não se sabe ao certo quais as rotas que os egípcios percorriam (ZAYED; 
DEVISSE, 2010, p. 101).
14 Às margens do rio Lualaba foi encontrada uma estatueta de Osíris, datada do século VII 
antes da Era Cristã.
15 Ao sul do Zambeze foi encontrada uma estátua gravada com o cartucho de Tutmés III 
(-1490 a -1468).
– 37 –
África Antiga 
Os líbios começaram a compor uma reserva de soldados e de mão de 
obra para o Egito a partir da XIX dinastia. Os prisioneiros líbios, que eram 
identificados por uma pluma que usavam na cabeça, tinham boa fama 
como soldados, principalmente como condutores de carros de guerra. 
Comumente marcados a ferro, os líbios não eram aproveitados nas gran-
des intervenções coletivas nem nos afazeres domésticos. Eram alistados 
pelo exército, onde seu tamanho aumentava com os séculos e onde se 
deparavam outros imigrantes, os núbios. Como pecuaristas, providencia-
vam animais para os egípcios, que eram coletados sob a forma de tributo, 
ou apanhados durante saques (ZAYED; DEVISSE, 2010, p. 102).
Antes da Era Cristã, nos séculos XIII e XII e durante o Antigo Impé-
rio, os líbios, levados pela penúria, tentaram insistentemente adentrar no 
Egito. Para evitar que eles conseguissem, Séti I e Ramsés II construíram 
uma série de fortificações contra os invasores e prenderam todos os que 
insistiram em continuar tentando penetrar na região.
Após duas tentativas fracassadas de voltar à parte oeste do Delta, de 
onde haviam sido enxotados, os líbios receberam de Ramsés III (século XII 
a.C.), autorização para se afixar naquela área. Em troca, aceitaram partici-
par de forma mais intensa na defesa militar do Egito. No século X – e por 
aproximadamente dois séculos – os líbios governaram o Egito sob a XXII e 
a XXIII dinastias. Isso provocou reações fortíssimas no Alto Egito, de onde 
partiram tentativas de destituir os governantes líbios. A rivalidade entre 
guerreiros e estadistas negros e brancos deu início a uma conjuntura que se 
delongaria por muito tempo no Egito (ZAYED; DEVISSE, 2010, p. 102).
Durante o período dinástico16, o Delta do Nilo foi palco de frequentes 
migrações. O Delta do Nilo é muito importante por causa da fertilidade 
de suas terras, provocada pela cheia anual do rio Nilo. Um delta é uma 
região plana, composta por depósito sedimentar, principalmente aluvio-
nar17, cortada por muitos canais tributários junto à foz de um rio principal 
e que tem a forma triangular (semelhante a letra grega delta Δ). Ocorre em 
desembocaduras de rios onde a corrente fluvial encontra as águas do mar, 
16 O período denominado Dinástico é aquele em que o Egito formou um Estado Unitário 
(com um único governante).
17 designação que engloba os depósitos de origem fluvial ou lacustre, constituídos de casca-
lhos, areias, siltes e argilas das planícies de inundação e do sopé dos montes e das escarpas
Geografia Afro-brasileira e das Sociedades Indígenas
– 38 –
do lago ou de uma lagoa. Promove a deposição dos sedimentos transpor-
tados, formando um depósito sedimentar complexo. Observe na figura 2.4 
a posição privilegiada do Egito:
Figura 2.4 – Egito
Fonte: elaborada pela autora.
No caso do Delta do Nilo, as cheias anuais depositavam sedimentos 
que fertilizavam o solo, favorecendo a agricultura e a produção de grãos 
(inclusive para a criação de animais). O Delta do Nilo permitia a fartura 
numa região assolada pela aridez. É claro que as características vantajosas 
que o delta apresentava atraíam grupos humanos de todas as adjacências.
No Egito faraônico, o Delta foi uma área de conflito. Ao buscar aper-
feiçoar o comércio exterior com a Ásia, o Mediterrâneo e o resto da África, 
o Egito viu-se na obrigação de desempenhar um controle rígido sobre a 
costa do Delta. Desde o começo do período faraônico, a política comercial 
e militar egípcia com a região norte e nordeste se contrapunha ao anseio 
– 39 –
África Antiga 
de penetrar no interior do continente africano. O Egito, país marítimo e 
mediterrânico, tinha de administrar um espaço útil aberto para o norte do 
mar Vermelho e para o Mediterrâneo (ZAYED; DEVISSE, 2010, p. 104).
A Baixa Núbia produzia ouro – e isso era de grande interesse para 
os egípcios. As regiões do Nilo localizadas mais ao sul interessavam aos 
egípcios por causa das rotas que levavam ao interior africano por meio do 
Darfur18, do rio Nilo Branco, ou dos vales saarianos. O acesso à região sul 
foi uma preocupação constante, o que explica a importância conferida ao 
controle dos oásis ocidentais (outra rota de acesso ao sul, paralela ao rio 
Nilo). O Sudão, assim como a Líbia, representou para os egípcios uma 
fonte de minerais, de mão de obra e de animais. Os núbios, ilustres por 
conta de seus bons arqueiros, desempenhavam uma posição de destaque 
no exército egípcio. Além disso, eram prontamente assimilados pela vida 
sociocultural egípcia ao serem empregados como trabalhadores agrícolas 
(ZAYED; DEVISSE, 2010, p. 105).
Contudo, é bom pontuar que os povos estrangeiros eram vistos com 
muita desconfiança pelos egípcios. Eles frequentemente representavam 
uma ameaça. O registro encontrado numa estela19 do reinado de Sesostris 
III20 em Semna, região da segunda catarata, mostra bem como essas rela-
ções eram delicadas:
Esses Nehesy (núbios) não são gente digna de respeito; são miserá-
veis e sem coragem. Minha Majestade os viu, não é mentira. Cap-
turei suas mulheres, trouxe seus súditos, fui até seus poços, destruí 
seu gado, colhi ou queimei seu trigo. (...) Agora, quanto a cada um 
de meus filhos que manterá essa fronteira, que Minha Majestade 
fez, ele é meu filho, nascido de Minha Majestade, retrato de um 
filho que é o defensor de seu pai e que mantém a fronteira daquele 
que o gerou. Quanto àquele que relaxar, que não lutar por ela, não 
é meu filho, não nasceu de mim (BRISSAUD, 1978: 83 citado por 
VIEIRA, 2014).
18 Darfur é uma região localizada no oeste do Sudão, fronteira com a Líbia, com o a Re-
pública Centro-Africana, com o Chade e com o Sudão do Sul.
19 O termo estela vem do grego stela, que significa “pedra erguida”. É usado para designar 
monolíticos geralmente esculpidos com relevos ou textos.
20 Sesostris III foi o quinto faraó da XII dinastia do Egito (de 1862 a.C. a 1844 a.C.). Seu 
reinado assinala o auge do Império Médio.
Geografia Afro-brasileira e das Sociedades Indígenas
– 40 –
2.3 A importânciada Núbia
A Núbia era, e ainda é, uma região povoada por negros. Os egípcios, 
em seus papiros e afrescos, sempre retrataram os povos da Núbia com 
pele muito escura. Os gregos e os romanos chamavam-nos de “etíopes”, 
que significa “os que possuem a pele queimada”. Já os primeiros viajantes 
árabes mencionavam à Núbia como o “país dos negros” (ADAM; VER-
COUTTER, 2010, p. 219).
Podemos definir a Núbia histórica como a parte da bacia do Nilo que se 
desdobra da fronteira oeste-noroeste da Etiópia até o Egito, abrangendo o vale 
do Nilo, partes do Nilo Azul e do Nilo Branco e todos os seus afluentes loca-
lizados ao norte do 12º paralelo (ADAM e VERCOUTTER, 2010, p. 215).
A Núbia funciona como elo entre a África Central (da bacia do Congo 
e dos Grandes Lagos) e o mundo mediterrânico. Veja a localização da 
Núbia na figura 2.5:
Figura 2.5 – Núbia
 Fo
nt
e:
 a
da
pt
ad
a 
de
 M
ah
jo
ub
i (
20
10
).
– 41 –
África Antiga 
Apesar de o Nilo constituir um meio garantido de atravessar regiões 
desérticas, a viagem não é muito fácil, pois o caminho rio acima cruza 
cataratas, passa por curvas prolongadas, muda de direção, enfrenta ventos 
e correntezas. Mais ao sul o navegante precisa encarar longos trechos pan-
tanosos de difícil transposição (ADAM; VERCOUTTER, 2010, p. 213).
Núbia é uma zona de contatos privilegiada no continente africano. 
No sul da Núbia, os rios Nilo Azul, Atbara e seus afluentes, as planícies 
da Etiópia e a depressão perpendicular à borda do mar Vermelho permi-
tem simples acesso aos planaltos da Etiópia, ao oceano Índico e ao mar 
Vermelho. Os uadis21 elMilk e Howar – localizados no oeste e atualmente 
secos – vão unir-se ao rio Nilo entre a Terceira e a Quarta Catarata, pro-
porcionando à Núbia uma rota de acesso fácil para a depressão existente 
no Chade e dali para o vale do Níger e para a África Ocidental. A Núbia 
constitui um ponto de cruzamento entre as civilizações do oeste e do leste, 
do sul e do norte da África, bem como entre as civilizações do Oriente 
Próximo, da Ásia e da Europa mediterrânica (ADAM; VERCOUTTER, 
2010, p. 215). Daí sua importância.
2.4 O período romano e pós-
romano na África do Norte
Depois da destruição de Cartago (146 a.C.) e a consequente redução de 
seu território à categoria de província romana, a África do Norte ficou nas 
mãos de Roma. Após a consolidação da dominação romana, a coesão cul-
tural e econômica que Roma havia edificado com muito esforço na África 
do Norte acabou sendo prejudicada por uma resistência constante, que assu-
miu aspectos étnicos, sociais, religiosos, militares e políticos (MAHJOUBI, 
2010, p. 501). Guerras sucessivas tiveram palco na África e as operações 
militares persistiram durante os primeiros dois séculos da Era Cristã.
No ano de 128, a legião romana fixou uma guarnição permanente em 
Lambèse (ver a localização das províncias romanas na África do norte na 
figura 2.6) e abriu várias estradas nos montes Aures, que foram defendidas 
com afinco contra as tribos africanas por um acampamento militar loca-
21 Do árabe “wadi”, rio temporário que corre no deserto apenas em épocas de chuva
Geografia Afro-brasileira e das Sociedades Indígenas
– 42 –
lizado em Gemellae (também na Argélia). Entre as regiões desérticas do 
sul (para onde as tribos foram circunscritas) e as províncias romanas se 
originou uma zona fronteiriça (o limes) formada por uma rede de 50 a 100 
km de largura formada por trincheiras e trajetos defendidos por uma rede 
de postos militares e pequenos fortes. Essa fronteira era progressivamente 
reposicionada para o sudoeste (MAHJOUBI, 2010, p. 504).
Porém, Roma não podia eliminar de uma vez por todas a resistência 
dos berberes e jamais conseguiu trazer sob controle constante os nômades 
do oeste e do sul. A aridez do deserto, a facilidade de locomoção que os 
camelos concediam aos nômades e a destreza das comunicações ao longo 
da cadeia do Atlas saariano garantiam aos berberes boa margem de mano-
bra. Mesmo assim, sempre que necessário, os romanos transferiam tropas 
das legiões acomodadas em outras províncias do Império lutar na Mauri-
tânia Tingitana22 (MAHJOUBI, 2010, p. 504).
Figura 2.6 – Mapa das províncias romanas da África do Norte (final do século II da Era Cristã)
 Fo
nt
e:
 a
da
pt
ad
a 
de
 M
ah
jo
ub
i (
20
10
).
22 Mauritânia Tingitana foi uma província romana localizada no noroeste da África, na 
região do Marrocos e das cidades espanholas de Ceuta e Melilla.
– 43 –
África Antiga 
Quando Otávio – também chamado de Augusto – dividiu com o 
Senado a administração das províncias do Império (janeiro de 27 a.C.), a 
África, considerada como “pacificada” e atrelada à classe senatorial por tra-
dições econômicas e políticas, permaneceu entre as províncias que seriam 
geridas pelo Senado. Essa província africana agregava as duas províncias 
que Roma havia constituído na África do Norte: a do território púnico23 
conquistado em 146 a. C., denominada de África Vetus, e uma outra que 
César havia criado, designada por África Nova. Além desses a esses territó-
rios haviam as quatro colônias de Cirta (MAHJOUBI, 2010, p. 504).
No período imperial, o Senado romano continuou nomeando gover-
nadores para a África. Era um funcionário de posição bem alta e usava 
o título de procônsul. Ocupava a Junção em Cartago por apenas um ano 
– a não ser que houvesse uma prorrogação incomum. O procônsul era o 
juiz supremo da província e atuava nas ações criminais e também nas de 
natureza civil. Além disso, ele possuía poderes administrativos e finan-
ceiros. Ele supervisionava a administração e as autoridades municipais, 
informava as leis e os regulamentos do Império, conduzia a execução dos 
trabalhos públicos essenciais e sancionava as despesas. O procônsul con-
trolava o departamento que abastecia Roma com trigo africano e o sistema 
fiscal, cujos lucros eram reservados ao tesouro do Senado. Para manter a 
lei e a ordem, o procônsul dispunha de uma pequena tropa, com cerca de 
1600 homens (MAHJOUBI, 2010, p. 506).
Sob a administração de Roma, a população das províncias africanas 
era ordenada em três grupos: 1) imigrantes Romanos ou italianos; 2) car-
tagineses e principalmente líbios sedentários que haviam anexado às suas 
tradições os costumes e as instituições púnicas; e 3) líbios nômades, que 
estavam confinados a certas áreas ou que foram expulsos de regiões férteis 
– que precisaram abandonar à força. Esses grupos possuíam diferenças na 
língua, nos costumes e nas leis que os regiam (MAHJOUBI, 2010, p. 532).
Em algumas regiões, a dominação romana na África do Norte durou 
quatro ou cinco séculos. Quando acabou, a região viveu um período de 
revoltas, conflitos e desentendimentos religiosos, porém com o tempo as 
23 Púnico é o mesmo que Cartaginês (original de Cartago, cidade localizada no golfo de 
Tunes, no mar Mediterrâneo).
Geografia Afro-brasileira e das Sociedades Indígenas
– 44 –
coisas se acalmaram. A África do Norte pós-romana e pré-islâmica – divi-
dida em zonas dominadas ou independentes – viveu um dos períodos mais 
originais de sua história (SALAMA, 2010, p. 547).
Muito pouco se conhece sobre a estrutura da África do Norte indepen-
dente no período pós-romano. Grandes confederações sociopolíticas com-
puseram alguns reinos. Na maioria das vezes, o aparelhamento sociopolí-
tico expõe uma estrutura que não é anárquica nem simplória. Instituições 
originais uniam as tradições berberes e o padrão administrativo romano. 
“Mouros” e “romanos” estavam conectados (SALAMA, 2010, p. 556).
2.5 O cristianismo e o Islã na África
A dominação romana não impediu os nativos de se manterem fiéis na 
devoção de suas divindades tradicionais. Frequentemente, nos modestos 
santuários rurais, os antigos cultos dos gênios berberes mantiveram suas 
formas mais remotas. Em alguns casos, contudo, foram absorvidos pelos 
cultos das divindades greco-romanas. A religião cristã também seduzia 
muitos fiéis. No período que engloba o final do século II e o início doIII 
havia na África um número enorme de cristãos, em todas as profissões e 
classes. E as pequenas comunidades cristãs estavam difundidas por muitas 
cidades africanas. Isso gerou perseguição e provocou o martírio de muitos 
cristãos (MAHJOUBI, 2010, p. 538).
De acordo com a doutrina islâmica, desde que criou o mundo, Deus 
teria enviado à terra vários profetas para guiar os homens. Teria enviado pro-
fetas como Abraão, Moisés e Jesus para pregar a fé em um Deus único, que 
era proferida através de escrituras elaboradas com mensagens enviadas dire-
tamente pela divindade. No ponto de vista dos islâmicos, Maomé teria sido 
o último profeta enviado pelo criador para essa tarefa. Para os muçulmanos, 
tanto os judeus (que seguiam as escrituras geradas por Moisés) quanto os 
cristãos (que seguiam os ensinamentos de Jesus) eram considerados possui-
dores de uma parte da verdade revelada, já que a intenção de Deus era, desde 
sempre, levar a humanidade à veneração de um único Ser Supremo.
O islã venera todos os profetas anteriores a Maomé, pois são reco-
nhecidos como emissários da vontade de Deus. Contudo, Moisés e Jesus 
– 45 –
África Antiga 
teriam desvirtuado as mensagens originais e Maomé teria sido enviado 
para retomar a mensagem original e reconduzir os homens, ao monote-
ísmo universal e autêntico, o islã. De acordo com a doutrina do islã, Jesus 
é apenas um mero mortal, apesar de seu nascimento ter sido planejado por 
Deus como um milagre. A mãe de Jesus, a Virgem Maria (também conhe-
cida como Nossa Senhora Míriam) desfruta de imenso respeito no mundo 
islâmico (EL FASI e HRBEK, 2010, p. 40).
O islã não é apenas uma religião, mas sim um modo de vida que 
abarca por completo todas as esferas da vivência humana. O islã está 
repleto de ditames adequados a todas as conjunturas da vida: sociais e 
individuais, nacionais e internacionais, morais e materiais, econômicas e 
políticas (AHMAD24, 1976, p. 37, citado por EL FASI; HRBEK, 2010).
Após a morte de Maomé, houve um período de incertezas sobre quem 
seria seu sucessor à frente da comunidade islâmica. Ao longo da vida, 
em várias ocasiões Maomé recomendou a “consultoria” (shurā25) como o 
sistema mais adequado de governo para a comunidade islâmica. Por isso, 
após seu falecimento, os primeiros que o sucederam foram escolhidos por 
eleição e receberam o nome de “califas”.
Após o assassinato do terceiro califa, as discórdias, os conflitos e os 
desacordos impulsionaram a criação de várias seitas. Alguns muçulmanos 
estavam convencidos de que o califado (que eles preferiam denominar de 
imamado) deveria continuar na família de Maomé. Esse grupo defendia que 
o imamado devia ficar nas mãos de “Ali e de seus descendentes”, pois Ali era 
marido de Fátima, a filha de Maomé. Os partidários de Ali foram chamados 
de “o partido de ‘Ali” (Shī’atu ‘Ali). A frase “Shī’atu ‘Ali” inspirou o nome 
xiitas – dado pelos europeus islâmico (EL FASI; HRBEK, 2010, p. 54).
Os embates entre os muçulmanos tiveram fim com a declaração da 
supremacia da ortodoxia – o sunismo - que reagrupou aqueles que aderi-
ram à sunna26 (a via do Profeta). Os sunitas constituem atualmente mais 
24 AHMAD, K. (1976) - Islam, Its Meaning and Message (London: lslamic Council for Europe).
25 A consultoria (shurā) é um sistema semelhante ao que atualmente chamamos de democracia.
26 A palavra árabe “Suna” significa ‘caminho trilhado’. “Suna do profeta” significa ‘os 
caminhos trilhados pelo profeta’, ou aquilo que é costumeiramente conhecido como ‘Tra-
dições do Profeta’.
Geografia Afro-brasileira e das Sociedades Indígenas
– 46 –
de 90% da população muçulmana mundial. As diferenças entre as doutri-
nas islã sunita e islã xiita são: as leis sunitas têm a sua fonte no Corão, o 
hadīth27 do Profeta, o consenso da comunidade e a analogia. Já os quatro 
alicerces da lei xiita são: o Corão, os hadīth do Profeta e dos imames, o 
consenso dos imames e a razão. Os xiitas realizam a peregrinação à Meca, 
mas preferem ir a Nadjaf e Kerbelā, no Iraque. visitar os túmulos de ‘Ali 
e do seu filho Husayn’ (EL FASI; HRBEK, 2010, p. 56).
Com os séculos o islamismo se difundiu pela África, como se pode 
ver na figura 2.7, que mostra apenas a distribuição do Islamismo na região 
norte da África nos anos 1980 (ao sul também existem muçulmanos, espe-
cialmente na África do Sul).
Figura 2.7 – Islamismo na África
Fonte: adaptada de Islam in Africa Map.
27 É um grupo de leis, histórias e lendas sobre a vida de Maomé e os próprios dizeres nos 
quais ele ofereceu conselhos ou justificou as suas escolhas.
– 47 –
África Antiga 
2.6 O deserto do Saara e sua importância 
na ocupação do território africano
No deserto do Saara, a ar seco e a ausência de água transformam as 
pastagens em ambientes muito espalhados e fazem com que os palmei-
rais e os centros de jardinagem se mostrem ínfimos (excluindo o Saara 
setentrional). Estas condições cooperaram para tornar a população deste 
deserto pouco numerosa, além de converterem as grandes áreas saarianas 
em territórios inteiramente despovoados, com poucas exceções. Porém, 
o Saara não simbolizava apenas uma barreira, significava também uma 
ligação entre o Sudão e os países da África Setentrional.
O Saara cumpria um importante papel nas relações entre o Norte e o 
Sul – sobretudo nas relações comerciais. As rotas das caravanas que cora-
josamente atravessavam o deserto eram infrequentes e penosas. Na época 
muçulmana, essas rotas eram frequentadas por comerciantes oriundos 
do Magreb, do Egito e dos centros comerciais do Saara Setentrional. Os 
negociantes egípcios e norte-africanos – juntamente com os comerciantes 
berberes ibaditas – eram os principais negociantes neste comércio entre os 
países do Norte da África e o Sudão (LEWICKI, 2010, p. 328).
O deserto foi conquistado pelo cavalo, antes do camelo. O período 
“equidiano’’ manifesta-se primeiramente pelo uso de carros. Não há cer-
teza de quando eles desapareceram, mas segundo Heródoto, os garaman-
tes28 ainda os usavam. No Saara, as representações de carros são muito 
comuns (SALAMA, 2010b, p. 580).
Os trajetos saarianos utilizado pelos cavalos, atrelados a carros ou 
não, demandavam transporte de um grande suprimento de provisões ou a 
existência de um sistema de bebedouros (desenvolvido pelos garamantes). 
O camelo só apareceu na África saariana mais tarde. O camelo não era 
visto no Egito até os séculos V e IV antes da Era Cristã (períodos persa e 
helenístico). Acredita-se que sua propagação pelo Saara tenha ocorrido a 
partir do baixo vale do Nilo, mas ainda há controvérsias a respeito do tema 
(SALAMA, 2010b, p. 582).
Observe a localização do deserto do Saara na figura 2.8:
28 Viveram entre 500 a.C. a 700 d.C.
Geografia Afro-brasileira e das Sociedades Indígenas
– 48 –
Figura 2.8 – Deserto do Saara
Fonte: elaborada pela autora.
Do século II ao século VI, a população do Saara era composta de ele-
mentos muito diferentes. O oeste e o centro do Saara eram habitados pelos 
povos de ascendência berbere, muitas vezes mestiçados com o sangue 
dos negros africanos. A sua porção setentrional do Saara oriental (deserto 
líbio) era ocupada por indivíduos de origem berbere, mas a sua parte meri-
dional era povoada pelos povos negroides (grupos tubu). Também não 
faltavam árabes, dentre os quais se encontravam elementos citadinos e 
pastores nômades (LEWICKI, 2010, p. 328).
– 49 –
África Antiga 
Quatro oásis do deserto líbio (Khārja, Dākhla, Farāfra e Bahriyya), 
formavam, desde a conquista árabe do Egito, um pequeno Estado muçul-
mano. Além dos berberes, havia neste “país dos oásis” uma abundante 
população cristã de origem copta29, assim como nômades árabes. Várias 
vias interligavam o “país dos oásis” às diversas cidades do Egito e ao oásis 
de Sīwa. Um trajeto de dez dias a pé ligava o oásis de Bahriyya ao oásis 
de Sīwa, (que do século IV ao século VI, era a conexão de todas as rotas 
ocidentais). A rota mais importante ligava Santarīya ao Egito, ao Magreb 
e ao Kawār (LEWICKI,2010, p. 333).
No Saara Setentrional há poços d’água e belíssimos oásis. Nas fron-
teiras das áreas de cultivo destes oásis (sobretudo nos palmeirais), encon-
tram-se vilarejos fortificados. Os oásis do Saara setentrional podem ser 
divididos em três grupos: os orientais, região de poços artesianos reunidos 
na base do Monte Atlas; os oásis ocidentais, que são irrigados e formam 
uma faixa de aproximadamente 1.200 quilômetros; e ainda um terceiro 
grupo de oásis, o Mzāb, localizado a meio caminho entre estes dois grupos 
(LEWICKI, 2010, p. 347).
Todos esses oásis foram de extrema importância para a locomoção 
dos grupos humanos que se aventuravam pela árida região. As rotas for-
madas entre eles constituíam uma importante rede comercial que unia o 
norte ao sul da região. Sem a presença desses oásis, certamente, a mobili-
dade na região não seria possível.
2.7 A costa oriental da África e seu 
papel no comércio marítimo
A maior característica da costa oriental da África é a facilidade de 
acesso a essa região, tanto através das terras continentais como através 
do mar. A acessibilidade pelo interior foi, inclusive, fator essencial para o 
sucesso das migrações em direção à região costeira (SHERIFF, 2010, p. 
607). A figura 2.9 mostra a região da África Oriental:
29 Os coptas são egípcios cujos ancestrais adotaram o cristianismo no século I.
Geografia Afro-brasileira e das Sociedades Indígenas
– 50 –
Figura 2.9 – África Oriental
Fonte: elaborada pela autora.
A região litorânea da África oriental é margeada a oeste por uma zona 
de vegetação arbustiva seca (denominada nyika), que se desdobra muito 
contígua à costa no Quênia e se distende para as áreas internas da Tanzâ-
nia, onde é fragmentada pela margem leste das montanhas e pelas bacias 
dos rios Rufigi, Ruaha e Pangani. Os deslocamentos de população possi-
velmente seguiram caminhos onde o meio ambiente era mais propício, em 
torno ou através da nyika (SHERIFF, 2010, p. 611).
Vestígios arqueológicos mostram que, durante os primeiros séculos 
da Era Cristã, populações que utilizavam o ferro (provavelmente de língua 
bantu) se infiltraram de maneira acelerada no interior da região da costa. 
É bem possível que esse povo, vindo do sul, tenha ocupado as regiões de 
– 51 –
África Antiga 
South Pare e Kwale. Em seguida, na metade do primeiro milênio, é plau-
sível que tenham prosseguido até a região de Kilimandjaro. Durante sua 
expansão, devem ter assimilado as populações litorâneas que os haviam 
antecedido (SHERIFF, 2010, p. 612).
Não há muita certeza de como era a sociedade ou a economia desses 
povos que viveram na costa oriental da África antes do estabelecimento 
dos pactos comerciais internacionais. Talvez eles fossem agricultores, mas 
não há muita informação sobre a história da costa africana oriental antes 
do século VII da Era Cristã. Todas as fontes que temos a disposição – tanto 
documentais quanto numismáticas30 – são produto do comércio interna-
cional e não temos quase nada sobre o período anterior à instituição dos 
contatos internacionais.
A fonte mais preciosa sobre o oceano Índico durante essa época e 
o primeiro relato direto a respeito da costa africana oriental é o Periplus 
Maris Erythraei (Périplo do Mar da Eritreia31). O documento parece ter 
sido escrito por um agente comercial grego instalado no Egito que ficou 
incógnito. O Périplo indica com clareza que a pesca exercia um papel 
essencial na economia desses povos. A população parece ter sido basica-
mente costeira. Eles usavam canoas escavadas em troncos e outros barcos 
miúdos, mas nada indica que possuíssem embarcações de altomar (SHE-
RIFF, 2010).
É provável que a população da costa da África oriental apresentasse 
um nível bem baixo de desenvolvimento tecnológico e sociopolítico antes 
da implantação dos laços comerciais internacionais. Assim, quando as 
relações do comércio internacional se consolidaram, a iniciativa ficou com 
os marujos originários das margens norte do oceano Índico, com todas as 
implicações daí vinculadas (SHERIFF, 2010, p. 612).
A passagem por terra tornou a costa leste da África parte integrante 
do continente africano. Já o acesso pelo oceano fez da África oriental o 
centro de uma extensa história de relações comerciais, de influências cul-
turais e de movimentos de povos provenientes das margens do oceano 
30 moedas e medalhas.
31 Mar da Eritreia era o termo empregado pelos geógrafos greco-romanos para denominar 
o oceano Índico, ao menos desde a época de Heródoto no século V a. C.
Geografia Afro-brasileira e das Sociedades Indígenas
– 52 –
Índico. Até o século VII, a história da parte oeste do oceano Índico é a 
narrativa do intercâmbio entre a África oriental e o Oriente Médio e entre 
o Oriente Médio e a Índia. Inclui também a história do papel exercido pelo 
Oriente Médio como mediador entre o Mediterrâneo e o oceano Índico 
(SHERIFF, 2010, p. 613).
O atributo geográfico mais importante do oceano Índico é a inversão 
sazonal dos ventos de monção. Durante o inverno da região norte, a mon-
ção vinda do nordeste sopra de modo ininterrupto e atinge Zanzibar. Sua 
intensidade atenua para o sul e poucas vezes é regular além do cabo Del-
gado. Esse sistema de circulação é avigorado pela corrente vinda do equa-
dor que, depois de alcançar a costa da Somália, ruma para o sul, promo-
vendo a viagem das embarcações a partir do litoral da Arábia.
Os barcos árabes tinham a possibilidade de abandonar seus portos 
de partida no fim de novembro, mas a maioria saia no início de janeiro, 
quando a monção ficava inteiramente configurada. A viagem se prolon-
gava por cerca de vinte a vinte e cinco dias. Em março, quando a monção 
de nordeste começava a decair, o declínio ocorria mais cedo no sul, pois a 
África oriental se acha nas margens do sistema de monções.
Em abril o vento muda, modificando-se em monção de sudoeste. A 
corrente equatorial alcança a costa adjunta ao cabo Delgado e se decom-
põe numa corrente forte que se conduz para o norte, favorecendo a viagem 
nessa direção, e numa outra corrente que segue para o sul, atrapalhando a 
saída do canal de Moçambique. Esse era o ponto de partida das embarca-
ções do leste da África (SHERIFF, 2010, p. 613).
De meio de maio a meados de agosto – ocasião em que há muitas tem-
pestades que atrapalham a navegação no oceano Índico – havia uma interrup-
ção nos traslados. Se os acordos comerciais pudessem ser findados em tempo 
útil, os barcos partiam no mês de abril, quando se desenvolvia a monção. Se os 
acordos comerciais não pudessem ser concluídos em tempo hábil, os barcos 
partiam no mês de agosto, com o final da monção (SHERIFF, 2010, p. 614).
A dimensão espacial do sistema de monções e o bom aparelhamento 
do comércio na África oriental permitem inferir sobre as atividades roti-
neiras das embarcações que navegavam nas monções. Sabe-se que havia 
uma organização comercial simples, mas que possibilitava atividades de 
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África Antiga 
escambo entre as cidades-mercado e as embarcações forasteiras. Há indí-
cios de que os barcos oriundos da região norte não prosseguiam muito 
além de Zanzibar (ao sul). Foi apenas durante o período medieval que se 
fixou em Kilwa um entreposto organizado com o intento de explorar de 
forma mais eficaz as costas meridionais (SHERIFF, 2010, p. 614).
Os depoimentos históricos mais remotos acerca da porção oeste do 
oceano Índico indicam que não havia qualquer relação comercial entre 
a Índia e a África oriental em épocas anteriores ao século VII a. C. Na 
época em que o Périplo foi escrito, o comércio entre o Oriente Médio e a 
Índia parece ter se restrito a alguns artigos de luxo. Parece que, excetuando 
algumas mercadorias preciosas e o ouro, a Índia era quase autossuficiente, 
especialmente em se tratando de matérias-primas advindas da “floresta” – 
ingredientes que o leste da África poderia ter fornecido. Nesse período, a 
Índia, ao invés de adquirir produtos da África, exportava marfim intensa-
mente. Essa atividade, que era

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