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Miséria e Desigualdade (2) RESENHA

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Injustiça ou vontade de Deus? | Steve J. Friesen | Seminário Oracula 2018 1 
INJUSTIÇA OU VONTADE DE DEUS? 
RELIGIÃO POPULAR E EXPLICAÇÕES CRISTÃS PRIMITIVAS DA DESIGUALDADE 
ECONÔMICA 
Steve J. Friesen 
Universidade Metodista de São Paulo 
Outubro de 2018 
Esta exposição tem como tema religião popular e pobreza. Ela explora a gama 
de avaliações religiosas para a desigualdade econômica entre os primeiros cristãos 
como parte do fenômeno mais amplo que chamamos de religião popular no Império 
Romano. Contudo, no centro da análise está uma citação perturbadora de um clérigo 
brasileiro — Dom Hélder Câmara. Refletindo sobre seu ministério, Câmara certa vez 
observou: “Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto 
por que os pobres não têm comida, me chamam de comunista”. Esse comentário 
destaca o problema fundamental em minha análise. A desigualdade econômica é uma 
questão de sofrimento pessoal ou injustiça estrutural? Essa é uma velha pergunta 
humana, que podemos observar na antiga religião popular, assim como no ativismo 
moderno. 
No entanto, o estudo da religião popular no Império Romano enfrenta um 
desafio fundamental. Queremos estudar o populus — o povo —, porém temos pouca 
evidência da maioria dele. Como o estudamos quando existem tão poucos dados? A 
tendência entre os estudiosos parece ser ignorar o problema. Nos concentramos nas 
fontes existentes e analisamos as ideias nessas fontes. 
Há muitos problemas com essa abordagem. O principal deles é que os dados 
existentes são oriundos principalmente de fontes da elite e, assim, nossa imagem do 
mundo antigo privilegia uma pequena fração elitizada dele. Nosso foco em ideias 
apresenta um problema adicional. Quando nos concentramos em ideias, descartamos 
facilmente as preocupações materiais do populus antigo e negligenciamos as 
preocupações econômicas da religião popular. 
Nesta palestra, sugiro um caminho a seguir. Não pretendo resolver o problema 
das evidências perdidas do mundo antigo, tampouco o problema de descrições 
idealistas da religião. Mas afirmo que podemos fazer uma pesquisa melhor. 
Eis aqui minha sugestão. Ela contém duas partes. Em relação ao problema da 
falta de evidências, precisamos construir modelos para a população como um todo, 
Injustiça ou vontade de Deus? | Steve J. Friesen | Seminário Oracula 2018 2 
modelos que incluam a todos, modelos que contextualizem o pequeno número de 
vozes da elite antiga que dominam as evidências. Quanto ao problema de focar apenas 
em ideias, ofereço esta proposta. Escolhamos tópicos de pesquisa que vão além de 
ideias e que analisem aspectos materiais da religião. Nos concentremos nas coisas que 
são de interesse para o populus antigo e que nos levem além de preocupações 
teológicas, fenômenos religiosos que sejam tangíveis, materiais e pragmáticos. 
Assim, nesta palestra eu me atenho ao tema da desigualdade econômica. O que 
nossas fontes antigas dizem sobre a pobreza e sobre os ricos ao extremo? Esse é um 
assunto de interesse para o antigo populus tanto quanto o é para todos nós hoje. Mas, 
para isso, precisamos de um modelo de estratificação econômica que leve a todos em 
consideração. Termos vagos como “elite” são insuficientes se não descrevemos todos 
os demais — “os não-elite” — em nosso modelo. E termos como “religião popular” são 
insuficientes se não descrevemos onde ficam essas práticas em relação umas às 
outras e à religião da elite. 
Eu ataco esses problemas em duas etapas. Primeiro, exponho um modelo para 
a desigualdade econômica no Império Romano. Uma vez tenhamos descrito a 
estratificação antiga, eu passo para a segunda etapa, que é analisar antigas 
explicações cristãs sobre a desigualdade econômica. O que os primeiros cristãos 
pensavam sobre a pobreza? De onde eles diziam que ela se originava e o que diziam 
que deveríamos fazer a respeito? No final da exposição, espero convencê-los de que 
não havia uma explicação sobre a pobreza entre os cristãos antigos. Antes, havia uma 
discussão em curso, uma discussão dentro da religião popular que ressoa em nossas 
preocupações no início do século 21. 
Quanta desigualdade havia no antigo Império Romano? 
Quando voltamos nossa atenção especificamente para a desigualdade 
econômica no Império Romano, há dois fatores fundamentais a serem lembrados. 
Primeiro, como os historiadores econômicos apontam, a economia imperial romana 
era pré-industrial. A grande maioria das pessoas trabalhava na agricultura (80-90%), 
e havia relativamente pouca atividade comercial ou manufatureira em larga escala. 
Em uma economia agrícola avançada como essa, seria de se esperar que muitas 
pessoas vivessem próximas ao nível de subsistência. 
Em segundo lugar, não havia classe média no Império Romano. Havia algumas 
pessoas com renda intermediária, mas nenhuma classe média estrutural clara. Como 
a economia era basicamente agrícola, a riqueza era baseada na propriedade da terra. 
A maioria das terras era controlada por um pequeno número de famílias ricas da elite. 
Injustiça ou vontade de Deus? | Steve J. Friesen | Seminário Oracula 2018 3 
Essas famílias ricas recebiam aluguel e produção dos agricultores de subsistência ou 
escravos que de fato trabalhavam na terra. Com sua riqueza e status, essas famílias 
podiam controlar a governança local e regional, o que lhes permitia lucrar também 
com a tributação e com as políticas governamentais. Essas mesmas famílias ainda 
controlavam a religião pública. 
Tendo isso em mente, trabalhei com o historiador econômico Walter Scheidel, 
da Universidade de Stanford, para desenvolver um modelo que nos ajudasse a pensar 
sobre a estratificação. Explicarei o básico aqui e, caso queiram mais detalhes, vocês 
podem consultar o nosso artigo no Journal of Roman Studies (2009). 
Primeiramente, criamos categorias para os níveis de renda no Império 
Romano, e é isso que vocês veem na coluna da esquerda. Esses são os níveis de renda 
de uma família hipotética de quatro pessoas. As famílias provavelmente eram mais 
numerosas que isso, mas o número exato não importa para um modelo abstrato como 
esse. Se houvesse mais pessoas em uma família, por exemplo 8 pessoas, a quantidade 
necessária por pessoa seria a mesma. 
Os números da coluna estão em milhares de sestércios — 1.000-2.000, 2.000-
3.000 etc. A maioria das pessoas teria vivido abaixo de uma renda de 6.000 sestércios, 
porque 6.000 sestércios era o nível mínimo que um homem precisava para servir no 
governo da cidade. 
Depois nós trabalhamos em uma estimativa da economia anual do Império 
Romano. O que vocês veem na tela, no topo da coluna do meio, é a estimativa otimista. 
Se a economia romana estivesse desempenhando o nível máximo de uma economia 
agrícola avançada, o que ela poderia produzir? A resposta é cerca de 19 bilhões de 
sestércios. Nós também chegamos a uma estimativa pessimista, mas não nos 
preocupemos com isso ainda. Iremos nos concentrar no melhor cenário possível. 
Havia também pessoas que viviam abaixo do nível de 1.000 sestércios por ano. 
Então aqui vocês veem níveis abaixo disso. Aqui tivemos que criar mais categorias, 
porque muitas pessoas viviam nesses níveis. Portanto, os níveis inferiores com fundo 
cinza são 250 sestércios cada. 
Agora podemos acrescentar algumas descrições na coluna à direita. O número 
importante é 572 sestércios. Essa é a renda necessária para quatro pessoas 
sobreviverem. Seria uma existência muito difícil, mas eles podiam sobreviver. Então 
vocês podem adicionar outras descrições — quanto seria necessário para sustentar 
animais alimentados com capim, quanto para animais alimentados com grãos etc. 
Injustiça ou vontade de Deus? | Steve J. Friesen | Seminário Oracula 2018 4 
Podemos preencher as porcentagens da população na coluna do meio usando 
perfis populacionais padrão desenvolvidos pelos historiadores econômicos. Mas 
antes de fazermos isso, tenham em mente um ponto importante.Temos que ter 
porcentagens que correspondam à produção total da economia. Em outras palavras, 
você tem que ter 100% da população distribuída para que a renda dela corresponda 
à produção econômica total. Se você colocar muita gente na categoria de elite, não 
haverá mais dinheiro para mais ninguém e todos morrerão de fome. E se você colocar 
pouquíssimas pessoas na categoria inferior, todas as demais têm que obter quantias 
impossíveis de renda. Portanto, o truque é criar uma distribuição sistemática de 
pessoas para que suas rendas correspondam ao desempenho da economia. 
Agora podemos começar a preencher as porcentagens da população na coluna 
do meio, e os números exigem de nós a conclusão de que 70-75% das pessoas viviam 
na ou logo acima da subsistência. Em dado momento, talvez 10% da população 
estivesse em crise ou próximo da crise. 
A faixa de renda de 1.000-6.000 sestércios define o intervalo que inclui 
pessoas às vezes chamadas de “intermediárias” e “subelites”. Esses intermediários e 
subelites representavam cerca de 15% da população. 
Finalmente, incluamos as famílias da elite. Aqui os rendimentos aumentam 
rapidamente, tão rapidamente que não há espaço na tabela para eles. Portanto, essas 
categorias incluem 20 das categorias inferiores, ou 50, ou 100. As categorias refletem 
as restrições legais para a entrada na classe decúria, na classe equestre e na classe 
senatorial. Mas as famílias da elite poderiam ter rendimentos muito maiores. Por 
exemplo, podemos estimar a renda anual de Plínio o Jovem com base nas descrições 
de suas propriedades. Sua renda teria sido bem acima do nível 600, em algum lugar 
acima de 1 milhão de sestércios por ano. 
Essas famílias muito ricas compunham cerca de 1,5% da população, mas 
controlavam talvez um terço da renda do Império, como mostra esse slide. Essa é a 
mesma quantidade de renda controlada pelos próximos 10% da população, o que 
deixava algo em torno de metade da renda do Império para cerca de 90% da 
população. 
Agora podemos começar a perceber a desigualdade econômica no Império 
Romano. Se vocês não estiverem impressionados, lembrem-se de que esse é o cenário 
otimista. Se a economia romana tivesse um desempenho ruim como economia 
agrícola avançada, temos um cenário pessimista que se parece mais com isto. 
Injustiça ou vontade de Deus? | Steve J. Friesen | Seminário Oracula 2018 5 
Esse tipo de modelo econômico imperial é bastante abstrato. Então, permitam-
me acrescentar um tipo diferente de comparação — uma comparação da qualidade 
de vida. Neste gráfico, selecionei nove países modernos como exemplos. A informação 
provém do Banco Mundial e da Agência Central de Inteligência dos EUA. Eu os listei 
em ordem de Renda Nacional Bruta para 2017, padronizada em dólares 
internacionais para que possam ser comparados. Dólares internacionais não se 
comparam bem aos sestércios romanos, mas não nos preocuparemos com isso agora. 
Estou mais interessado nas outras comparações que podemos fazer em 
relação à qualidade de vida, tais como as populações urbanas. Esta coluna mostra que 
as economias modernas são bem diferentes. As populações rurais em muitos países 
hoje estão abaixo de 20%, mas no Império Romano a população rural representava 
mais de 80% da população. 
Uma comparação das taxas de fertilidade também é instrutiva. Esta tabela 
mostra quantos partos uma mulher tem se ela viver até a idade da menopausa. A 
saúde e a experiência das mulheres eram muito diferentes no Império Romano do que 
na maior parte do nosso mundo. Os partos por mulher caíram abaixo de três na maior 
parte do mundo contemporâneo devido à medicina moderna e à contracepção efetiva. 
Mas, no Império, as mulheres que viviam até o fim da idade fértil teriam precisado dar 
à luz de 6 a 9 crianças para manter a população. 
Essa alta taxa de fertilidade estava parcialmente relacionada às expectativas 
de vida. As expectativas de vida modernas estão agora acima dos 70 anos em muitos 
lugares do mundo, logo uma expectativa de vida para o Império Romano em 20-30 
anos é chocante. 
Mas esse número também é um pouco enganoso. A mortalidade infantil era 
muito maior antes do desenvolvimento da medicina moderna, com cerca de 20 a 30% 
das crianças morrendo no primeiro ano de vida. Na realidade, a infância é um período 
muito perigoso e, sem a medicina moderna, cerca de 40-50% das crianças teriam 
morrido antes dos 10 anos. Então, para o Império Romano, se você pensar em 
crianças que sobrevivem à infância — crianças que vivem até os 10 anos de idade —, 
a expectativa de vida para essas pessoas era de aproximadamente 45 anos. Por isso 
acrescentei “(45)” a essa coluna. 
As duas últimas colunas são difíceis de comparar com o Império Romano, 
porque não temos como estimar essas coisas e porque os países modernos usam 
diferentes definições de pobreza. Mas essas duas últimas colunas nos lembram de 
características importantes da desigualdade econômica. A última coluna também 
confirma que o nosso modelo para o Império Romano é plausível. Mesmo em uma 
Injustiça ou vontade de Deus? | Steve J. Friesen | Seminário Oracula 2018 6 
economia moderna, há lugares onde grande parte da população vive próxima da 
subsistência. 
Para finalizar esta seção, precisamos lembrar que a desigualdade econômica 
não é simplesmente uma questão de quanta renda se possui. Essas desigualdades são 
criadas pela sociedade e mantidas pela sociedade por meio de sistemas legais, por 
meio de sistemas judiciais, por meio da propriedade, por meio do controle do trabalho 
e, por vezes, por meio da força bruta. Outros fatores incluiriam pelo menos gênero, 
etnia, linhagem familiar (comum ou nobre), status legal (escravo, liberto ou pessoa 
nascida livre), ocupação, educação e patronato. Como todas as sociedades, o Império 
desenvolveu mecanismos para manter a desigualdade, assim como o fazem todas as 
chamadas sociedades civilizadas. 
Agora que expus um modelo para a desigualdade econômica no Império 
Romano, podemos examinar quatro textos que nos dão diferentes avaliações da 
desigualdade, textos que perguntam de onde ela vem e o que as pessoas devem fazer 
a respeito. Os quatro textos são Apocalipse, Tiago, Atos dos Apóstolos e o Pastor de 
Hermas. Eu chamaria os quatro textos de obras da literatura popular e de exemplos 
da religião popular. Mas não encontramos certa atitude monolítica em relação à 
desigualdade econômica. Em vez disso, os textos fornecem uma percepção de uma 
discussão que ocorre em um setor da religião popular. Eles nos lembram de que a 
religião popular não é uma entidade homogênea. A cultura popular é um reino no qual 
há discussões. Vamos, então, analisar os contornos de uma discussão sobre 
desigualdade e pobreza em alguns discursos cristãos primitivos. 
Apocalipse de João: a religião popular contra os sistemas imperiais 
O Apocalipse de João apresenta uma crítica causticante do imperialismo 
romano como a fonte da injustiça e da pobreza. O texto começou a circular no final do 
primeiro século EC entre igrejas urbanas no oeste da Ásia Menor (atual Turquia). O 
autor descreveu o imperialismo romano como um sistema de blasfêmia, arrogância e 
engano: as elites imperiais colaboram com membros das aristocracias locais para 
levar as massas à conformidade. Isso é religião popular em oposição à religião de elite. 
Dois textos nos ajudam a entender melhor a crítica. O primeiro texto é a visão 
das duas bestas em Apocalipse 13. A primeira metade da visão revela uma besta do 
mar que claramente representa o imperialismo romano. Essa monstruosidade 
imperial de sete cabeças e dez chifres recebe autoridade satânica para blasfemar e 
conquistar. A besta conquista o mundo, derrota os santos e é adorada por todo o 
mundo. 
Injustiça ou vontade de Deus? | Steve J. Friesen | Seminário Oracula 2018 7 
A segunda metade da visão de Apocalipse 13 preenche a descrição do sistema 
romano de desigualdadeintroduzindo uma segunda besta, a besta da terra. Essa besta 
significa as aristocracias locais que exercem a autoridade da primeira besta1. Essa 
segunda besta engana e força o mundo à submissão. A população deve adorar Roma 
ou morrer, de acordo com João. De modo significativo, diz-se que a segunda besta 
controla a economia local para Roma. Observe Apocalipse 13:16-17: “Faz também 
com que todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e escravos recebam uma 
marca na mão direita ou na fronte, para que ninguém possa comprar ou vender se não 
tiver a marca, o nome da Besta ou o número do seu nome”. Na religião popular 
moderna, essa marca da besta — 666 — tornou-se objeto de especulação de contínua 
profecia. Na antiga religião popular, no entanto, nenhuma especulação era necessária. 
As duas bestas estavam envolvidas na guerra de classes contra o povo de Deus. 
Um segundo texto explica especificamente o sistema econômico de exploração 
no centro dessa dominação militar. Em Apocalipse 18, o autor leva o leitor por de uma 
série de oráculos e lamentos que desconstroem o sistema romano de desigualdade. 
Quatro conjuntos de participantes são mencionados: Babilônia a rainha; os reis da 
terra; mercadores e transportadores; e os “povos da terra”. Babilônia a rainha é outra 
imagem para Roma, e a rainha manipula cada uma das outras figuras de maneiras 
diferentes. Seu relacionamento com os reis da terra é chamado de prostituição 
(πορνεῖα, 18:9), um jogo de poder e pagamento. Com os mercadores e 
transportadores, no entanto, a questão é apenas o pagamento. Quando a rainha é 
destruída, os lamentos deles são apenas por suas perdas financeiras (18:16-19). De 
acordo com o Apocalipse, a população em geral — os povos da terra — também está 
envolvida nesse sistema de exploração comercial e política, mas seus motivos são 
diferentes. Eles foram embriagados pelo vinho da rainha (18:3) e enganados por suas 
poções e feitiços (18:23). 
O apelo do Visionário à ação era radical: ele defendia uma total retirada da 
cultura dominante pelo bem da pureza. Nas palavras do anjo de Apocalipse 18: “Saí 
dela, ó meu povo, para que não sejais cúmplices dos seus pecados e atingidos pelas 
suas pragas” (18:4). 
Assim, João ataca todo o sistema imperial — governo, economia, religião e 
imposição — e ameaça de sofrimento eterno no lago de fogo. A desigualdade 
econômica vem do sistema imperial, que é a ferramenta de Satanás. A pobreza vem 
das instituições de exploração que envolvem imperadores, reis, aristocratas locais, 
 
1 Veja meu capítulo “The Beast from the Earth: Revelation 13:11-18 and Social Setting”. In: BARR, David 
(ed.). Readings in the Book of Revelation: A Resource for Students. Atlanta: Scholars Press, 2003, p. 49-
64. 
Injustiça ou vontade de Deus? | Steve J. Friesen | Seminário Oracula 2018 8 
comerciantes, companhias de navegação e marinheiros. Esse sistema requer a 
participação de suas vítimas. Elas são enganadas, amedrontadas ou intimidadas até a 
submissão. O conselho de João para o povo é se retirar, mesmo que isso exija o 
martírio, pois o seu sangue será vingado por Deus. 
 
A Carta de Tiago: a religião popular contra a exploração local 
Não sabemos exatamente quando a Carta de Tiago foi escrita2. Para nossos 
propósitos, é suficiente reconhecer que ela provém da última metade do primeiro 
século EC e se destinava à ampla circulação. O conteúdo em geral se concentra no 
tema da vida correta: confie em Deus completamente, aja com justiça, mantenha sua 
vida pura e cuide daqueles que sofrem. 
Enquanto o Apocalipse se opunha a um sistema imperial, esse texto da religião 
popular se concentrava mais em indivíduos gananciosos locais e em seu sistema de 
status. Podemos ver isso examinando duas seções da carta. A primeira é Tiago 2:1-7, 
em que o autor criticou o sistema de status dominante. Tiago descreve uma situação 
hipotética em que dois homens visitam a assembleia dos seus leitores. Um cavalheiro 
da subelite entra vestindo roupas finas e um anel de ouro3. O outro visitante está 
imundo e desesperadamente pobre, à beira da subsistência, um πτωχός. De acordo 
com Tiago, se seus leitores agem pelos padrões normais do status social, mostrando 
honra aos ricos e desrespeito ou negligência aos pobres, então eles estão 
contradizendo a fé de seu Senhor Jesus Cristo. 
O propósito retórico do autor nos versículos 1-4 é distanciar sua audiência 
desse sistema de status baseado na riqueza. O autor afirma que todos devem ser 
tratados com compaixão. Honra especial para os ricos era errado. Se os crentes 
participassem daquele sistema de status baseado na riqueza de sua época, eles 
perpetuariam a desigualdade e se tornariam cúmplices na vitimização dos pobres. 
O autor então acrescenta um lembrete de que os ricos manipulam o sistema 
judicial contra a população. 
 
2 Não sabemos exatamente quando essa carta foi escrita, mas provavelmente ela provém da última 
metade do primeiro século EC. Alguns estudiosos acham que o texto reflete as ideias e a vida de Tiago, 
o irmão de Jesus, o que o tornaria um dos primeiros documentos do Novo Testamento, enquanto outros 
pesquisadores o consideram um documento do final do primeiro século. Aqueles que adotam uma data 
tardia tendem a considerar o autor como um escritor anônimo que reivindica a autoridade de Tiago. 
3 O anel de ouro poderia indicar um membro da ordem equestre, mas isso é improvável; JOHNSON, 
Luke Timothy. The Letter of James. New York: Doubleday, 1995 (Anchor Bible 37A), p. 221. 
Injustiça ou vontade de Deus? | Steve J. Friesen | Seminário Oracula 2018 9 
Ora, não são os ricos que vos oprimem, os que vos arrastam aos 
tribunais? Não são eles os que blasfemam contra o nome sublime que 
foi invocado sobre vós? (Tiago 2:6-7) 
Assim, Tiago 2 discorda do Apocalipse. A religião popular do Apocalipse 
presume que as pessoas devem se retirar do império do mal e se opor a ele. Tiago 
parece pressupor que a religião popular pode funcionar como uma alternativa ao 
sistema de status da sociedade dominante. 
Em uma segunda passagem, Tiago 5:1-6, vemos a crítica mais cáustica do autor 
sobre o sistema econômico. Aqui, Tiago criticou uma característica fundamental do 
sistema romano de desigualdade: ricos proprietários de terras que exploravam os 
trabalhadores que trabalhavam em seus campos. Como observado anteriormente, a 
propriedade da terra era o principal meio pelo qual a minoria da elite gerava e 
mantinha sua riqueza. Trabalhadores pobres, colonos e escravos geravam a maior 
parte da produção em troca de salários ou provisões de subsistência. Grande parte do 
valor do seu trabalho era tomado pelas famílias da elite, que lhes pagavam baixos 
salários, cobravam aluguel, apropriavam-se de suas colheitas e exigiam deles o 
pagamento de impostos4. Segundo Tiago, essa prática econômica da elite e das 
subelites era equivalente ao assassinato. 
Podemos localizar a audiência de Tiago na escala de desigualdade? O autor 
pressupõe que não há ricos proprietários de terra nas congregações para as quais ele 
escreve, uma vez que 5:1-6 fala destes como pessoas de fora. O autor também julga 
que um homem com o anel de ouro e roupas finas seria incomum, mas não fora de 
cogitação. Assim, a retórica de 2:1-6 localiza a audiência principalmente entre o 
homem pobre desesperado à beira da subsistência e o homem da subelite com roupas 
extravagantes5. Assim, o texto do autor é destinado à população, sobretudo pessoas 
que vivem próximas ou acima da subsistência, com a possibilidade de alguns 
visitantes carentes e alguns ricos. Tiago é uma carta sobre religião popular. 
Em termos de sua análise econômica, essa perspectiva se baseia no mundo 
conceitual e nos protestos públicos dos profetas de Israel. Há uma preocupação 
 
4 GARNSEY; SALLER,Roman Economy, p. 64-112. 
5 O caso dos mercadores arrogantes (PS4 ou talvez 3) é mais difícil de avaliar: o autor fala deles como 
pessoas de fora ou iniciados (4:14-16)? Talvez sejam de dentro, pois é dito que eles deveriam ter 
reconhecido a prerrogativa de Deus, mas separar a retórica da realidade é ainda mais difícil aqui do 
que em outros lugares. Tamez (Scandalous Message, 25) pensa que se tratem de membros da sinagoga; 
David Hutchinson Edgar (Has God Not Chosen the Poor? The Social Setting of the Epistle of James. 
Sheffield: Sheffield Academic Press, 2001[JSNT Sup 206], p. 198-99) acredita que não. Para um breve 
e bom tratamento da situação das audiências, veja BAUCKHAM, Richard. James: Wisdom of James, 
Disciple of Jesus the Sage. New York: Routledge, 1999, p. 188-190. 
Injustiça ou vontade de Deus? | Steve J. Friesen | Seminário Oracula 2018 10 
especial para com os pobres e desfavorecidos, assim como uma crítica estridente das 
elites ricas. As raízes dessa crítica profética estão na antiga história das lutas de Israel 
com suas próprias elites dominantes. Tiago reenfocou essa crítica antiga sobre a 
opressão contemporânea pelas aristocracias locais do Império Romano. Sua forma de 
religião popular não condenava o imperador e o sistema imperial. Tiago, em vez disso, 
denunciou a injustiça local e aconselhou a comunidade a compartilhar seus recursos 
até que o Senhor dos Exércitos vingasse os clamores dos trabalhadores explorados. 
Atos dos Apóstolos: a religião popular e um modelo de caridade 
Nosso terceiro texto representa outra forma de literatura. Já examinamos um 
apocalipse e uma carta geral, mas em Atos encontramos um escrito histórico que tem 
fortes interesses teológicos. Os estudiosos concluem que Atos foi escrito no final do 
primeiro século ou no início do segundo século EC. 
Os Atos dos Apóstolos ainda estão dentro da categoria de religião popular? 
Não tenho certeza, pois Atos tenta construir pontes com a sociedade da elite. Talvez 
possamos discutir isso depois deste paper. Por ora, pressuponho que o texto 
representa a religião popular, mas que toma algumas posições muito diferentes dos 
nossos dois textos anteriores em relação à cultura da elite. Por exemplo, tanto 
Apocalipse como Tiago abraçaram a religião étnica de Israel, que separava sua 
audiência da sociedade dominante. No caso de Atos, por outro lado, o autor empregou 
narrativas de viagem e a sequência de eventos para retratar as assembleias em uma 
jornada longe das raízes judaicas do movimento, longe da periferia do império, na 
capital imperial, longe do judaísmo e na direção da cultura imperial. 
Para nossos propósitos, o principal aspecto é que o autor de Atos é omisso 
sobre a questão da desigualdade econômica. Antes, ele concentrou sua política 
econômica na caridade, e restringiu a redistribuição econômica entre os crentes a um 
passado idealizado na igreja de Jerusalém. Quatro observações apoiam essa 
conclusão6. 
Primeiro, o autor de Atos não critica nenhuma faceta do sistema romano de 
desigualdade e não tenta explicar a enorme lacuna entre as elites ricas do 
imperialismo e todos os demais. Em contraste com nossos dois textos anteriores, o 
autor de Atos apresenta senadores romanos e oficiais militares romanos — os 
 
6 Para um excelente resumo da interpretação recente, veja PHILLIPS, Thomas E. “Reading Recent 
Readings of Issues of Wealth and Poverty in Luke and Acts”. CBR, v. 1, p. 231-69, 2003. 
 
Injustiça ou vontade de Deus? | Steve J. Friesen | Seminário Oracula 2018 11 
impositores do imperialismo — como personagens simpatizantes, como protetores 
neutros das assembleias nascentes. 
Em segundo lugar, o autor de Atos organizou sua narrativa para evitar o tema 
da desigualdade econômica. O autor estava ciente da pobreza nas assembleias e 
também acreditava que as primeiras assembleias em Jerusalém implementaram 
algum tipo de redistribuição econômica. No entanto, o autor de Atos retratou o a 
partilha econômica sistemática apenas como um artefato pitoresco de um passado 
idealizado (Atos 2:42-45; 4:32-37). A redistribuição econômica ficou limitada no 
tempo e no espaço às assembleias originais de Jerusalém. 
Em terceiro lugar, o autor aponta problemas com a redistribuição e adverte 
contra ela. A ambivalência do autor em relação à redistribuição pode ser vista 
especialmente em três exemplos importantes na narrativa. Um deles é a história de 
Ananias e Safira. Após os resumos idealizados do autor sobre a propriedade 
comunitária entre os crentes em Jerusalém, ele acrescentou uma história que advertia 
contra a partilha utópica: dois santos — Ananias e Safira — abusam da prática e caem 
mortos (5:1-11). Um segundo exemplo da ambivalência do autor em relação à partilha 
de propriedade é o cuidado com as viúvas nas assembleias de Jerusalém (6:1-7). Aqui 
ele sugeriu que a tentativa de acabar com a desigualdade por meio da propriedade 
comunitária é dificultada pelo favoritismo étnico e cultural. 
O terceiro exemplo da tentativa pelo autor de restringir as referências à 
partilha de propriedade na narrativa é mais drástico: ele suprimiu a história da coleta 
de Paulo para os pobres nas assembleias de Jerusalém. Para Paulo, a coleta de 
Jerusalém foi uma parte crucial do seu ministério. A arrecadação construiria pontes 
entre as suas congregações gentílicas e Jerusalém (2 Co 8:13-15), ajudaria os 
desesperadamente pobres na igreja de Jerusalém (1 Co 16:1-4; 2 Co 8:10-12) e seria 
uma expressão material do seu evangelho (Rm 15:25-27; 2 Co 9:13). 
Embora alguns argumentem que o autor de Atos não sabia sobre a coleta de 
Paulo, parece claro que a última viagem de Paulo a Jerusalém em Atos 20-26 reflete 
um relato da sua malfadada tentativa de entregar a arrecadação. O autor tenta 
reformular a viagem como um esforço de Paulo para chegar a Jerusalém durante o 
Pentecostes, mas o propósito original da jornada (entrega da coleta a Jerusalém) se 
mostra através das fissuras: o uso de parte do dinheiro para pagar um voto (21:24) e 
um discurso que menciona a oferta de Paulo (24:17)7. 
 
7 Dieter Georgi sugere que o autor de Atos não sabia sobre a coleta; Remembering the Poor: The History of Pau's 
Collection for Jerusalem. Abingdon: Nashville, 1992, p. 122. Joseph A. Fitzmyer, por outro lado, percebe uma 
consciência da coleta; The Acts of the Apostles. New York: Doubleday, 1998 (Anchor Bible 31), p. 692. 
Injustiça ou vontade de Deus? | Steve J. Friesen | Seminário Oracula 2018 12 
Apesar da importância da coleta para Paulo, o autor de Atos a suprimiu, e a 
razão para a supressão é minha quarta observação sobre o modelo econômico de 
Atos: o autor apresenta ofertas pessoais e hospitalidade doméstica (em vez de 
redistribuição) como o método normal de partilha econômica para as assembleias 
depois de Jerusalém8. À medida que a narrativa se afasta de Jerusalém, as referências 
econômicas começam a mudar para a prática da caridade. Em Atos 9, Pedro desce ao 
litoral e ressuscita Tabita dos mortos, uma mulher que era conhecida por sua 
assistência às viúvas, por sua caridade. Em Atos 10, Pedro sobe a costa até Cesareia, 
onde converte Cornélio, o centurião gentio. Cornélio também é descrito como um 
homem cuja piedade é mostrada na doação de caridade (10:4, 31). 
Uma vez que a narrativa segue para além da Judeia e Samaria, a mudança da 
propriedade comunitária para a caridade fica quase completa9. Além da Palestina, o 
modelo normal para assembleias é a hospitalidade e a caridade. Lídia oferece 
hospitalidade para Paulo e seus companheiros em Filipos (Atos 16), Jasão providencia 
alojamento em Tessalônica (17:7-8), e assim por diante10. Assim, o desdobramento 
da narrativa sugere que o período inicial de redistribuição sistemática em Jerusalém 
acabou. No longo prazo, as práticas econômicas padrão serão a caridade individuale 
a hospitalidade doméstica. 
Em suma, o modelo que permeia Atos é claro. Não há explicação sobre a 
distribuição desigual de bens, nenhuma crítica às causas sistêmicas da pobreza, 
nenhuma denúncia da exploração. O texto reconhece que as primeiras assembleias 
em Jerusalém experimentaram na propriedade comunitária, mas não explica por que 
fizeram isso. Em vez disso, o autor restringe esses esforços aos primeiros anos do 
 
 
8 Aqui eu rejeito a ideia de O. F. Nickel de que o autor de Atos deixou de fora a coleta porque ela poderia 
ter sido considerada ilegal pelos leitores; The Collection: A Study in Paul’s Strategy. London: SCM Press, 
1966 (Studies in Biblical Theology 48) p. 148-151; seguido por BARRETT, C. K. A Critical and Exegetical 
Commentary on the Acts of the Apostles. Edinburgh: T&T Clark, 1994, 1:599. Se essa fosse a preocupação 
do autor, ele também teria expurgado os relatos da comunidade de bens nas assembleias de Jerusalém. 
9 Há uma exceção – a nota peculiar em 11:27-30 de que uma profecia sobre uma fome mundial fez a 
assembleia de Antioquia enviar uma oferta a Jerusalém com Saulo e Barnabé fazendo a entrega. Uma 
sugestão da coleta parece estar por detrás dessa história, mas a narrativa em Atos 11 relata uma oferta 
apenas das assembleias de Antioquia para aliviar as dificuldades em antecipação a uma crise. 
10 Em Corinto, Paulo fica com Priscila e Áquila (18:3). Em sua despedida aos anciãos efésios, ele 
minimiza a partilha, salientando que ele sustentava a si mesmo e a seus colegas de trabalho, e não 
cobiçava a prata e ouro de ninguém. Paulo apresenta essa prática como modelo para os outros com 
base nas palavras de Jesus – eles devem sustentar os fracos e dar ao invés de receber (20:33-35, em 
que uma palavra dominical sobre a partilha se torna a legitimação da autossuficiência!). Em Jerusalém, 
Paulo alude à coleta como sua esmola e ofertas para a sua nação (24:17). Naufragado em Malta, uma 
família proeminente local o acolhe e lhe dá ofertas quando ele sai (28:7-10), e então finalmente a 
narrativa termina com Paulo aparentemente pagando suas próprias custas em prisão domiciliar, em 
Roma (28:30-31). 
Injustiça ou vontade de Deus? | Steve J. Friesen | Seminário Oracula 2018 13 
movimento em Jerusalém. Para além desse período inicial, o texto recomenda que os 
casos de necessidade econômica sejam tratados por meio de hospitalidade e caridade. 
Nos termos de Dom Hélder Câmara, o autor de Atos defende a caridade para com os 
famintos, mas não pergunta por que as pessoas estão com fome. 
O Pastor de Hermas: a religião popular a serviço das elites 
O Pastor de Hermas provavelmente foi escrito algumas décadas após os outros 
três textos sob consideração. As visões no texto parecem vir de um único autor 
durante a primeira metade do segundo século EC, com a forma final do texto tomando 
contorno em meados do segundo século11. Assim, os quatro modelos que estou 
desenvolvendo aqui lidam com várias décadas e locais diferentes. Eles não formam 
uma trajetória linear nem um desenvolvimento de ideias sobre as origens e o 
significado da pobreza. Antes, os textos ilustram quatro maneiras pelas quais as 
primeiras assembleias avaliaram a desigualdade econômica em torno delas. 
No Pastor de Hermas, a riqueza é descrita como um dom de Deus (Sim 1.9; 
2.10; Mand 2.4-5). Entretanto, o dom da riqueza não é uma bênção pura, e precisamos 
estar cientes da complexidade do tema em Hermas. A riqueza também pode trazer 
dificuldades, tais como a renúncia da fé (Sim 1.4-5), a distração que leva à fraqueza 
espiritual (Sim 2.5; Mand 10.1.4) e a tentação de evitar a perseguição (Vis 3.6.5-7). 
Assim, a riqueza é uma bênção ambígua em Hermas e deve ser usada 
adequadamente12. 
A Similitude 2 de Hermas trabalha o papel da riqueza na vida das igrejas, e faz 
isso de uma maneira que realmente dá crédito aos ricos pelas realizações dos pobres. 
 
11 O Pastor de Hermas é um apocalipse, mas possui características literárias que o distinguem do 
Apocalipse de João. Hermas é muito mais longo que o Apocalipse, e o caráter das visões também é bem 
diferente. Enquanto o Apocalipse é cheio de símbolos apocalípticos fantásticos, Hermas tende a relatar 
visões mais tranquilas que funcionam como alegorias. O Apocalipse raramente explica seus símbolos, 
mas em Hermas os significados das visões são quase sempre declarados claramente. Em contraste com 
o Apocalipse, em que as visões tendem a lidar com política, religião e economia, as alegorias visionárias 
em Hermas frequentemente lidam com questões de teologia e moralidade pessoal. O texto 
provavelmente provém de Roma; OSIEK, Carolyn. Shepherd of Hermas. Minneapolis: Fortress, 1999 
(Hermeneia Commentaries), p. 18-20. 
12 Osiek menciona três textos em Hermas que falam sobre a remoção da riqueza; Rich and Poor in the 
Shepherd of Hermas: An Exegetical-social Investigation. Washington, D.C.: Catholic Biblical Association 
of America, 1983 (Catholic Biblical Quarterly Monograph Seriess 15), p. 51-52. Um dos textos trata 
principalmente com a possibilidade de que as posses façam com que alguém ceda à perseguição dos 
crentes (Vis 3.6.5-7). Os outros dois são enigmáticos e não concordam com o ensino geral em Hermas 
(Sim 9.30.5; 9.31.2). Esses dois podem indicar que os indivíduos ricos, cujas riquezas são uma tentação, 
devem se livrar de sua riqueza, com a implicação de que aqueles que não são tentados não precisam 
renunciar às riquezas. 
Injustiça ou vontade de Deus? | Steve J. Friesen | Seminário Oracula 2018 14 
Similitude 2 pega a prática agrícola de usar olmos novos para apoiar videiras e a 
compara às relações de ricos e pobres nas assembleias. Na tela, vocês veem exemplos 
de como isso funciona. Uma árvore e uma videira crescem juntas, e então a árvore é 
formada para sustentar a videira. 
Em Hermas, o olmo simbolizava os ricos e a videira simbolizava os pobres. De 
acordo com a interpretação do pastor, o olmeiro (= o rico) apenas parece ser 
infrutífero. Se o olmo sustenta a videira (= o pobre), a videira é capaz de produzir 
frutos porque está fora do solo e pode extrair umidade do olmo em épocas de seca13. 
“E assim, quando a videira se liga ao olmo, produz fruto tanto de si mesma como por 
causa do olmo. E assim vedes que o olmo também dá muitos frutos — não menos do 
que a vinha, mas sim mais” (Sim 2.3b-4a). Esse modelo, portanto, é bem diferente de 
Apocalipse e Tiago, que retratam os ricos como opressores. Também é mais extremo 
do que Atos, em que os ricos têm um lugar nas assembleias. Aqui em Hermas, os ricos 
recebem crédito por produzir os frutos, embora os pobres realmente façam a 
produção. 
O chamado à ação em Hermas é significativamente diferente daquele de Atos. 
Ambos os textos pregam caridade e não a mudança estrutural. A diferença é que, 
enquanto Atos defendeu a hospitalidade e a caridade a serviço da comunidade, 
Hermas retratou a caridade como um ato individual que oferece ajuda material aos 
pobres, a fim de que os ricos possam sobreviver ao julgamento final14. Essa 
perspectiva plutocêntrica está muito longe do nosso primeiro texto. É difícil imaginar 
o autor do Apocalipse abraçando uma bênção como a encontrada em Similitude 2.10: 
“Felizes são aqueles que possuem bens e compreendem que suas riquezas vieram do 
Senhor; pois quem entende isso também poderá realizar um bom ministério”15. 
Assim, em Hermas encontramos uma explicação da desigualdade que destitui 
os pobres. A pobreza e a riqueza não são simplesmente reconhecidas como fatos da 
vida social; elas são justificadas como componentes cruciais da vida da assembleia. 
Hermas sugere que os pobres precisam de pessoas abastadas para satisfazer suas 
necessidades diárias de sobrevivência material, e que os ricos precisam dos pobres 
 
13 OSIEK, Shepherd, p. 162-164. 
14 Porexemplo, a Visão 3.9.2-6 discute a maneira pela qual algumas das assembleias são prejudicadas 
por comerem demais (PS 4 ou superior) e algumas são prejudicadas por não comerem o suficiente (PS 
6-7). O conselho dado aos ricos é que eles devem praticar a moderação e compartilhar, e assim ganhar 
um lugar no céu. 
15 Osiek argumentou que Hermas era um homem liberto em ascensão social, de Roma; Hermas, p. 20-
22. James Jeffers pensava que Hermas reflete um nível mais baixo da hierarquia social; Conflict at Rome: 
Social Order and Hierarchy in Early Christianity. Minneapolis: Fortress, 1991, p. 116-120. Para mais 
informações sobre a riqueza nas congregações abordadas por esse texto, veja MAIER, Harry O. The 
Social Setting of the Ministry as Reflected in the Writings of Hermas, Clement and Ignatius. Waterloo, 
Ont.: Wilfrid Laurier University Press, 1991 (Dissertations SF 1), p. 59-65. 
Injustiça ou vontade de Deus? | Steve J. Friesen | Seminário Oracula 2018 15 
como objetos de caridade que, com o tempo, os levarão ao céu. É um modelo 
disfuncional e codependente que perpetua a desigualdade econômica. 
Conclusões 
A discussão precedente trata de um fenômeno encontrado em todas as 
sociedades humanas: a privação econômica de muitos em benefício de poucos ricos. 
Toda sociedade promove a distribuição desigual de recursos e tenta justificar a 
desigualdade econômica. E sempre, em algum lugar da cultura popular, há críticas à 
exploração econômica. As críticas são frequentemente suprimidas pelas histórias 
oficiais e escondidas de vista na cultura pública, mas elas existem. Às vezes as críticas 
estão relacionadas à religião popular, outras vezes não. 
Um exame desses quatro textos cristãos primitivos em particular não produz 
uma explicação unificada das origens da pobreza na religião popular cristã, mas sim 
quatro avaliações diferentes da desigualdade econômica. Em termos de suas 
avaliações das origens da pobreza, as respostas podem ser colocadas ao longo de um 
espectro com o Apocalipse em um extremo e o Pastor de Hermas no outro. De um 
lado, o Apocalipse argumentou que a pobreza era resultado do imperialismo e da 
exploração internacional, e que a riqueza era o acúmulo de ganhos ilícitos. No outro 
extremo do espectro, Hermas ignorou as causas da pobreza e concentrou-se nas 
bênçãos da riqueza, que não vinham da injustiça, mas de Deus. Entre esses dois 
extremos estão Tiago e Atos. Tiago está mais próximo do Apocalipse em sua 
condenação à injustiça, mas suas perspectivas são mais localizadas e sua análise 
menos sistemática. Atos está mais próximo de Hermas, na medida em que o sistema 
romano de desigualdade não é criticado e a riqueza é considerada, na maioria das 
vezes, benigna. 
Também podemos localizar os chamados à ação dos quatro textos ao longo 
desse espectro. Os textos perguntam se os piedosos pobres devem denunciar os ricos 
(Apocalipse), tolerar os ricos (Tiago), aceitar os ricos (Atos) ou tornar-se 
dependentes dos ricos (Hermas). Os textos levantam questões semelhantes para os 
indivíduos ricos. Os ricos devem buscar a pureza do despojamento (Apocalipse), ou 
devem permanecer envolvidos e tornar o sistema mais justo (Tiago), ou devem 
sustentar a comunidade de fé (Atos), ou devem dar esmolas para ganhar a salvação 
pessoal (Hermas)? Finalmente, e quanto aos objetivos dessas advertências éticas? O 
objetivo do Apocalipse parece ser a pureza, enquanto Tiago se concentra mais na 
igualdade, Atos na ajuda aos necessitados e Hermas na salvação individual. 
Injustiça ou vontade de Deus? | Steve J. Friesen | Seminário Oracula 2018 16 
Assim, no final desta investigação não temos uma explicação das origens da 
pobreza. Em vez disso, temos quatro teorias que se contradizem de várias maneiras. 
As teorias contraditórias podem ser úteis? Possivelmente. Elas nos lembram das 
complexidades da religião popular antiga, em que os textos de uma tradição religiosa 
frequentemente discordam uns dos outros em questões fundamentais. Elas também 
nos lembram dos papéis ambíguos que a religião desempenha na sociedade, às vezes 
aliviando o sofrimento, às vezes criando miséria. E os textos sugerem o início de uma 
tipologia que pode estar presente em outros textos, pois esses quatro modelos não 
são estranhos para nós hoje. Todos eles desempenharam um papel nas histórias 
subsequentes do cristianismo. A história da Igreja está repleta de narrativas de 
resistência radical à exploração econômica, semelhantes à do Apocalipse, narrativas 
de resistência em pequena escala à exploração, semelhantes à posição de Tiago, 
narrativas de acomodação à exploração, como em Atos, e narrativas de benfeitores 
cristãos que usam uma parte de sua riqueza para ajudar a aliviar casos individuais de 
miséria, como no Pastor de Hermas. 
Mas e o futuro da humanidade? Qual modelo ou modelos podem guiar as 
igrejas nas próximas décadas? Que modelo ou modelos podem ajudar a moldar um 
futuro mais equitativo, onde o trabalho não pago, a fome insaciada e a doença não 
tratada são encontradas apenas nos livros de história? Essas são questões que 
precisamos abordar. Onde nos localizaremos como estudiosos, como agentes morais, 
como peregrinos religiosos? Alguns dos textos antigos que estudamos dizem que a 
riqueza vem de Deus e alguns dos textos dizem que a riqueza vem de Satanás. Alguns 
dos textos denunciam causas institucionais da pobreza e alguns textos veem a 
pobreza como a vontade de Deus. 
Talvez Dom Hélder Câmara nos lembrasse que ao longo da história algumas 
pessoas têm dado comida aos pobres; nós as estudamos e as chamamos de santos. 
Mas outras têm perguntado por que os pobres ainda estão com fome e exigem justiça. 
Também iremos estudar seus textos? Também iremos chamá-las de santos?

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