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Desenvolvimento Motor, da Fala e da Linguagem 02 1. Desenvolvimento Motor 4 O desenvolvimento motor na infância 7 2. Neuropsicologia - Cérebro, Comportamento, Cognição 11 3. A Participação do Cérebro na Aquisição da Linguagem 21 Aquisição da linguagem: fala e escrita 21 A audição, a leitura e a emoção na linguagem 25 4. Avaliação Neuropsicológica 31 Instrumentos utilizados no Brasil 36 5. Referências Bibliográficas 40 03 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM 4 1. Desenvolvimento Motor movimento é precioso e está presente em todos os momentos da nossa vida, da inabilidade para a habilidade e, novamente, para a inabilidade na idade avançada (Kretchmar, 2000), ainda que o significado de ficar em pé pela primeira vez e a dificuldade em levantar-se no final da vida seja diferente. As mudanças do comportamento motor e o(s) processo(s) que embasam essas mudanças durante o ciclo vital são o foco de estudo da sub-área desenvolvimento motor (CLARK; WHITALL, 1989 apud SANTOS, DANTAS, OLIVEIRA, 2004). Nesse sentido, mudança é uma palavra-chave dentro do conceito de desenvolvimento, não apenas no que se refere ao surgimento, mas também, a perda de comportamentos (SANTOS, 2002). O desenvolvimento motor é considerado como um processo sequencial, contínuo e relacionado à idade cronológica, pelo qual o ser humano adquire uma enorme quantidade de habilidades motoras, as quais progridem de movimentos simples e desorganizados para a execução de habilidades motoras altamente organizadas e complexas (HAYWOOD; GETCHELL, 2004). Inicialmente, acreditava-se que as mudanças no comportamento motor refletiam diretamente as alterações maturacionais do sistema nervoso central. Hoje, porém, sabe-se que o processo de desenvolvimento ocorre O DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM 5 de maneira dinâmica e é suscetível a ser moldado a partir de inúmeros estímulos externos. A interação entre aspectos relativos ao indivíduo, como suas características físicas e estruturais, ao ambiente em que está inserido e à tarefa a ser aprendida são determinantes na aquisição e refinamento das diferentes habilidades motoras (HAYWOOD; GETCHELL, 2004). Sabe-se que o surgimento de movimentos e seu posterior controle ocorrem em uma direção céfalo- caudal e próximo-distal, porém este processo não se apresenta de forma linear, incluindo períodos de equilíbrio e desequilíbrio. Apesar disso, costuma cumprir uma sequência ordenada e até previsível de acordo com a idade (BURNS; MCDONALDS, 1999; RATILIFFE, 2000). Diversos fatores, porém, podem colocar em risco o curso normal do desenvolvimento de uma criança. Definem-se como fatores de risco uma série de condições biológicas ou ambientais que aumentam a probabilidade de déficits no desenvolvimento neuropsicomotor da criança (MIRANDA; RESEGUE; FIGUEIRAS, 2003). Dentre as principais causas de atraso motor encontram-se: baixo peso ao nascer, distúrbios cardiovasculares, respiratórios e neurológicos, infecções neonatais, desnutrição, baixas condições socioeconômicas, nível educacional precário dos pais e prematuridade. Quanto maior o número de fatores de risco atuantes, maior será a possibilidade do comprometimento do desenvolvimento (EICKMANN; DE LIRA; LIMA, 2002; HALPERN ET AL, 2000; WILLRICH, AZEVEDO, FERNANDES (2008). O desenvolvimento motor atípico não se vincula, obrigatoriamente, à presença de alterações neurológicas ou estruturais. Mesmo crianças que não apresentam sequelas graves podem apresentar comprometimento em algumas áreas de seu desenvolvimento neuropsicomotor. Estudos descrevem prejuízos mais comumente ligados à memória, à coordenação visuomotora e à linguagem (MANSUR; NETO, 2006). O desenvolvimento motor na infância caracteriza-se pela aquisição de um amplo espectro de habilidades motoras, que possibilita a criança um amplo domínio do seu corpo em diferentes posturas (estáticas e dinâmicas), locomover- se pelo meio ambiente de variadas DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM 6 formas (andar, correr, saltar, etc.) e manipular objetos e instrumentos diversos (receber uma bola, arremessar uma pedra, chutar, escrever, etc.). Essas habilidades básicas são requeridas para a condução de rotinas diárias em casa e na escola, como também servem a propósitos lúdicos, tão característicos na infância. A cultura requer das crianças, já nos primeiros anos de vida e particularmente no início de seu processo de escolarização, o domínio de várias habilidades. Não raro, essas habilidades denominadas básicas são vistas como o alicerce para a aquisição de habilidades motoras especializadas na dimensão artística, esportiva, ocupacional ou industrial (TANI ET AL, 1988). Essa relação de interdependência entre as fases de habilidades básicas e de habilidades especializadas denota a importância das aquisições motoras iniciais da criança, que atende não só as necessidades imediatas na 1ª e 2ª infância, como traz profundas implicações para o sucesso com que habilidades específicas são adquiridas posteriormente. Um aspecto que parece ser relevante para o pesquisador da área de desenvolvimento motor, na escolha das etapas iniciais da vida para testar as suas hipóteses, é o fato de que os momentos críticos do processo de desenvolvimento são mais facilmente detectáveis durante a infância. Ou seja, identificar os momentos de instabilidade e estabilidade no comportamento motor e as respectivas descontinuidades e continuidades de desenvolvimento após a idade adulta, significa percorrer uma trajetória mais nebulosa, pois os longos intervalos de tempo entre um determinado comportamento e o surgimento de outro, representam um obstáculo. Adicionalmente, a extensão de tempo entre a idade adulta e a morte e as infinitas possibilidades de interação com o meio ambiente, resultam num aumento da variabilidade inter-indivíduos (SANTOS, CORRÊA; FREUDENHEIM, 2003), na medida que o estilo de vida (incluindo a prática regular de atividade física, alimentação balanceada, etc.) exerce forte influência no desenvolvimento motor dos indivíduos. Em suma, desenvolvimento motor enfoca o estudo das mudanças qualitativas e quantitativas de ações motoras do ser humano ao longo de sua vida. O escopo das investigações envolve predominantemente a DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM 7 análise de habilidades motoras com forte componente genético e o resultado da interação dos fatores endógenos e exógenos no processo de desenvolvimento de habilidades e capacidades motoras, não apenas com a preocupação de observar e descrever mudanças no comportamento motor ao longo da vida do ser humano, mas também buscando hipóteses que possam explicar ou predizer tais mudanças. O desenvolvimento motor na infância A capacidade de movimentar- se das crianças é essencial para que ela possa interagir apropriadamente com o meio ambiente em que vive e é sobre a infância que a maioria dos estudos sobre desenvolvimento motor se concentram. Por se tratar de um momento de grandes mudanças comportamentais, profissionais de diversas áreas como pediatras, psicólogos, pedagogos e profissionais de educação física têm- se interessado pelo estudo do desenvolvimento motor (CLARK, WHITALL, 1989; WHITALL, 1995). Dentre as razões que têm levado o interesse crescente pelos conhecimentos acerca do desenvolvimento motor, destacam- se: os paralelos existentes entre o desenvolvimento motor e o desenvolvimento neurológico, com implicações para o diagnóstico do crescimento e desenvolvimento da criança; o papel dos padrões motores no curso de desenvolvimento humano, com implicações para a educação da criança bem como para reabilitação de indivíduos com atrasos ou desvios de desenvolvimento; adequação e estruturação de ambientes e tarefas motoras aos estágios de desenvolvimento, de forma a facilitar e estimular esse processo. Na literatura internacional temos visto que o interesse dos estudiosos tem sido pelo papel dos padrões motores no curso de desenvolvimento humano, o que, particularmente, também pode ser detectado pelas investigações realizadas no contexto nacional DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM 8 (GIMENEZ, 2001; MANOEL; PELLEGRINI, 1985; MARQUES, 1995, 2003; OLIVEIRA, 1997). Entretanto, é preciso ressaltar que a adequação e estruturação de ambientes e tarefas motoras aos estágios de desenvolvimento é crucial para os profissionais de educação física, na medida que eles necessitam de informações para o desenvolvimento do seu trabalho (OLIVEIRA; MANOEL, 2004), em particular, a partir da segunda metade da segunda infância, quando se evidencia o início de um trabalho sistemático com o objetivo de abordar a relação entre vários tipos de restrições que a criança é submetida na sua vida diária. As restrições da tarefa, do organismo e do ambiente, são exemplos que afetam o processo de desenvolvimento de padrões fundamentais de movimento e que se bem relacionadas favorecem o surgimento de novas formas de execuções motoras das crianças. O termo desenvolvimento nos remete a uma reflexão sobre os muitos estudos já produzidos e as teorias empregadas para interpretar este fenômeno. Para Lorenz (1977) citado por Manoel (1998), este termo desenvolvimento não representa simplesmente o fenômeno que observamos, mas desenvolvimento trás a noção de algo que já existe implicitamente e que vem a tornar- se explícito. O termo mais correto seria “fulguratio”, que representa igualmente o desenvolvimento e evolução, o processo criativo, quando, por exemplo, dois sistemas independentes são acoplados espacial e temporalmente no qual podem surgir características que os sistemas em separado não possuíam antes. Ao mesmo tempo, o estudo de padrões não seria identificarmos movimentos que todos repetiriam de forma igual numa estrutura rígida, como se estivesse numa linha de produção industrial, mas sim, estruturas comportamentais que representam características daquela fase do desenvolvimento a qual passa ser comum a todos. É importante ressaltar, também, que várias concepções têm sido adotadas para estudar o desenvolvimento da criança, seja do ponto de vista biológico, social, cultural, etc. A concepção determinística, por exemplo, concebe o desenvolvimento como sendo mudanças qualitativas cuja direção é controlada por um mecanismo interno de autorregulação. DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM 9 Do início até meados do século passado, muitos estudos sobre a sequência do desenvolvimento motor de bebês foram realizados cujas evidências e observações são consideradas até os dias atuais. Posteriormente, alguns estudos foram conduzidos com o propósito de analisar e descrever padrões fundamentais de movimentos de pré-escolares e escolares. Este foi um período marcado pela abordagem orientada ao produto, com somente a preocupação de responder o que muda no comportamento, ou seja, mudanças eminentemente topológicas dos padrões motores de escolares. Esses estudos contribuíram, de certa forma, para o entendimento fases, estágios e níveis de desenvolvimento (SANTOS, DANTAS E OLIVEIRA, 2004). Não podemos esquecer que o ambiente é uma importante fonte de informações sobre competências, com as quais as crianças podem aprender a apreciar as experiências de aprendizagem do movimento, bem como podem se sentir melhor consigo mesmas (WEISS, 1991, 1995). Ambientes de ensino que enfatizam o interesse dos alunos e promovem aprendizagem significativa e contextualizada fortalecem o sucesso escolar e a motivação dos estudantes. Consequentemente, removem relações positivas entre colegas, estimulando o envolvimento dos alunos nos processos de decisão e organização escolar. Por outro lado, ambientes de ensino que são centrados na figura do professor são percebidos pelos estudantes como controladores, o que consequentemente têm um efeito negativo na motivação e nas percepções de competência, portanto vale a pena pensar que tipo de ambiente e de estimulação estamos oportunizando para as crianças das escolas de educação infantil. 1 0 11 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM 2. Neuropsicologia - Cérebro, Comportamento, Cognição á vimos em outro momento que a neuropsicologia é um campo do conhecimento interessado em estabelecer as relações existentes entre e o funcionamento do sistema nervoso central (SNC), por um lado, e as funções cognitivas e o comportamento, por outro, tanto nas condições normais quanto nas patológicas. Ela tem natureza multidisciplinar, apoiando-se em fundamentos das neurociências e da psicologia, e visa ao tratamento dos distúrbios cognitivos e comportamentais decorrentes de alterações no funcionamento do SNC (CONSENZA, 2007). A neuropsicologia, na atualidade, tem uma ampla gama de aplicações na prática de pesquisas e na área clínica, que são frequentemente de natureza multiprofissional. O neuropsicólogo atua, principalmente, na avaliação (exame neuropsicológico) e no tratamento (reabilitação neuropsicológica) das consequências de disfunções do sistema nervoso. J 12 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM Essas disfunções, por sua vez, podem estar relacionadas ao desenvolvimento anormal do sistema nervoso (p. ex., transtorno do déficit de atenção/hiperatividade, esquizofrenia, dislexia) ou ser adquiridas ao longo do curso da vida (p. ex., traumatismo cranioencefálico, acidente vascular cerebral, demências). As aplicações da neuropsicologia têm aumentado significativamente, à medida que progridem os conhecimentos nas diversas disciplinas que lhe são caudatárias. Cada vez mais ela é chamada a resolver problemas que se apresentam na prática clínica de neurologia, psicologia, psiquiatria, pedagogia, geriatria, fonoaudiologia, etc. Além disso, a neuropsicologia tem expandido suas áreas de atuação e sua interface com outras áreas do conhecimento, como a filosofia e as ciências exatas (CONSENZA, 2007). Conforme salientado por Kolb e Wishaw (1995), mesmo sendo uma disciplina científica recente, o desenvolvimento dos pilares da neuropsicologia ocorreu ao longo de vários séculos, partindo da busca pela compreensão sobre a relação entre o organismo e os processos mentais até o estágio atual, em que buscamos compreender como o sistema nervoso modula nossas funções cognitivas, comportamentais, motivacionais e emocionais. Embora atualmente pareça um truísmo a concepção de que, em nosso organismo, o sistema nervoso relaciona-se com comportamento e processos mentais, na verdade foram necessários vários séculos para que essa ideia se tornasse sólida e aplicável à prática clínica. Esclarecer como o corpo se relaciona com os processos mentais e comportamentais é uma questão que desperta interesse há milênios. Na Antiguidade, em diferentes culturas, diversas teorias tentaram localizar a alma no corpo humano. Não se sabe precisamente quando a associação entre a atividade cerebral e a mente começou a ser feita. No entanto, achados paleontológicos de crânios pré-históricos trepanados ainda em vida indicam que o homem das cavernas já procurava intervir no cérebro, possivelmente na tentativa de liberar os maus espíritos que o atormentavam. No Egito, embora vigorasse a ideia de que o coração era a sede da alma e o órgão controlador dos processos mentais, há uma das primeiras evidências documentadas em favor da ideia de que o cérebro se 13 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM relaciona aos processos mentais. No papiro de Edwin Smith, escrito há cerca de 3 mil anos e atribuído ao médico Imhotep, encontram-se diversos relatos clínicos, entre eles o de um paciente com alterações da linguagem decorrentes de ferimento localizado no osso temporal. Uma segunda associação, provavelmente casual, também foi originada de uma civilização que acreditava ser o coração a sede da alma: a hebraica. Na Bíblia, no livro de Daniel, é descrito um sonho do rei Nabucodonosor em que ele se refere a imagens atemorizantes que vinham de sua cabeça. Cabe salientar que, na Antiguidade, muitos povos eram adeptos da hipótese cardíaca (como é chamada a crença de que a mente está associada ao coração). Na Grécia essa noção encontrou seus primeiros opositores formais, entre eles Alcmaeon de Crotona (500 a.C.), que formulou a hipótese de que os processos mentais estariam associados à atividade cerebral. Essa ideia não era aceita tranquilamente, e outro filósofo, Aristóteles (384-322 a.C.), cuja obra se tornou mais influente, era um opositor veemente dessa ideia. Para Aristóteles, no coração estaria a base da mente, enquanto o cérebro seria uma espécie de radiador, com a função de resfriar a temperatura sanguínea. Paralelamente às diferentes tendências filosóficas, as observações clínicas como as de Hipócrates (460-400 a.C.) e Galeno (130-200 d.C.) foram determinantes para a solidificação da hipótese cerebral. Ao longo dos tratados médicos reunidos no Corpus Hipocraticus e nos relatos de Galeno, médico dos centuriões romanos, as lesões cerebrais são atribuídas alterações da personalidade, do comportamento e da capacidade de raciocínio. É bom lembrar que, embora saibamos que o coração não controla os processos mentais, nossa cultura popular carrega ainda hoje marcas desse dilema da Antiguidade Clássica. 14 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM Além do dilema cérebro versus coração, registre-se, também, outra fonte de confusão (CONSENZA, 2007). Desde as primeiras observações anatômicas, era evidente que o cérebro é composto por tecido e por cavidades, os ventrículos cerebrais. Os ventrículos chamavam muito a atenção dos primeiros anatomistas, pois o cérebro não fixado aparecia apenas como uma geleia amorfa. Acreditava-se, então, que nos ventrículos cerebrais circulavam fluidos, ou espíritos, que seriam importantes na regulação do comportamento. Para Galeno, esses espíritos eram derivados do processamento dos alimentos no fígado e na corrente sanguínea e armazenavam- se nos ventrículos cerebrais. Dali eles podiam viajar através dos nervos, considerados como estruturas ocas, provocando movimentos e mediando sensações. Essa concepção, chamada hipótese ventricular, foi amplamente aceita nos séculos seguintes, obtendo a aprovação da Igreja Católica. Durante a maior parte desse período os ventrículos são representados como sendo três, em que o primeiro seria responsável pelas sensações; o intermediário, pela razão e pelo pensamento; e o último cuidando da memória. René Descartes (1596-1650), um dos expoentes da filosofia ocidental, também conferiu aos espíritos circulantes nos ventrículos uma importância no processo de controle comportamental. Para ele, a mente seria adimensional e imaterial, mas ela deveria interagir com o corpo por meio de uma estrutura, a glândula pineal, que por sua vez poderia controlar os comportamentos, reflexos ou não, por meio de uma ação regulatória sobre a circulação dos espíritos animais. As evidências sobre a importância do parênquima cerebral foram se acumulando aos poucos, tanto do ponto de vista anatômico quanto clínico. O anatomista Andreas Vesalius (1514- 15 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM 1564), por exemplo, em seu tratado De humani corporis fabrica, argumentou que o que diferenciava os humanos dos outros animais era o volume de tecido cerebral e não o tamanho dos ventrículos cerebrais. Posteriormente, Thomas Willis (1621-1675), além de atribuir papel crucial ao tecido cerebral, propôs que a origem dos conceitos e do movimento estaria no cérebro, sugerindo que a imaginação estaria associada ao corpo caloso. Ao final do século XVIII, as duas correntes teóricas – ventricular e tecidual – ainda conviviam lado a lado, e só o desenvolvimento da ciência moderna veio comprovar o acerto da segunda. Tendo o cérebro se consolidado como o órgão responsável pelos processos mentais e pelo comportamento, surgiu o problema de saber se essas funções poderiam ser decorrentes do funcionamento de diferentes áreas da sua anatomia. Nascia o debate entre os holistas e os localizacionistas. Para os primeiros, não haveria especificidade regional no cérebro, que controlaria o comportamento atuando como um todo. Os segundos acreditavam que o cérebro atua de forma fragmentada, e cada uma de suas regiões seria responsável por uma função mental e comportamental específica. Entre os localizacionistas, vale mencionar a teoria elaborada por Franz Joseph Gall (1757-1828) e muito difundida por seu aluno, Johann Gaspar Spurzheim (1776- 1832). Essa teoria ficou conhecida como frenologia – embora tenha sido denominada inicialmente organologia (Zola-Morgan, 1995) – e tinha como pressupostos básicos as seguintes afirmações: 1. Cada região do cérebro constitui-se em um “órgão” responsável por uma função mental ou comportamental específica; 2. Cada região do cérebro se desenvolve de forma a moldar a superfície craniana; 3. Se uma região é bem desenvolvida, ela cresce em volume, refletindo esse crescimento no desenvolvi- mento do crânio. A partir dessas hipóteses, Gall e Spurzheim inferiram que, ao analisar a superfície do crânio, seria possível saber se uma função mental é bem desenvolvida ou não. Após estudarem centenas de crânios, chegaram a um modelo em que atribuíram ao cérebro, diferentes “órgãos”. Dentre eles estariam áreas compartilhadas entre homens e outros animais, como a área da coragem e do 16 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM instinto carnívoro, além de outras áreas especificamente humanas, como as relacionadas à sabedoria, ao senso de metafísica, à sátira, ao talento poético, etc. A frenologia acabou por ser rechaçada na comunidade científica, por apresentar falhas em praticamente todas as suas hipóteses constituintes. Nessa mesma época, o fisiologista francês Pierre Flourens (1794-1867), a partir de lesões provocadas em sujeitos e animais, concluiu que não importaria a área da lesão, mas a quantidade de material cerebral lesionado. Para ele, qualquer área do cérebro poderia assumir, com ou sem redução de sua eficiência, funções que estavam em uma outra área danificada. No início século XX, o psicólogo canadense Karl Lashley (1890- 1958) reforçou esses dois princípios teóricos, dando a eles os nomes de principio da ação de massa e equipotencialidade, respectivamente. O pêndulo da história voltou a favorecer os localizacionistas em meados do século XIX. Isso se deu quando Paul Broca (1824-1880), entre 1861 e 1863, apresentou à Sociedade Parisiense de Antropologia a descrição de cerca de nove pacientes, vítimas de lesões nos lobos frontais do hemisfério cerebral esquerdo, que apresentavam uma síndrome caracterizada por comprometimento maciço na produção da fala e relativa preservação da compreensão da linguagem. A síndrome foi nomeada afasia de Broca, e a área da lesão foi chamada área de Broca, passando a ser conhecida como o “centro funcional da linguagem”. Posteriormente, o neurologista alemão Carl Wernicke (1848-1904) descreveu pacientes que tinham um tipo de lesão diferente daqueles descritos por Broca e que, por sua vez, também apresentavam comprometimento de suas habilidades linguísticas. Esses pacientes tinham lesão no córtex temporal do hemisfério cerebral esquerdo e apresentavam dificuldade na compreensão da linguagem, quadro que passou a ser nomeado como afasia de Wernicke. Essa descrição de uma nova área relacionada à linguagem impulsionou ainda mais a noção de que o cérebro seria composto por diversos centros funcionais, cada um responsável por uma função mental específica. Além disso, Wernicke chamou a atenção para o fato de que as funções cerebrais poderiam também ser comprometidas pelas lesões nas conexões entre regiões cerebrais diferentes. Assim, postulou a 17 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM existência de outro distúrbio da linguagem, a afasia de condução, que seria originada por lesões no fascículo arqueado, responsável pela conexão entre a área de Broca e a de Wernicke. No início do século XX, pesquisadores experimentais de renome, como Karl Lashley, após estudos com animais, publicaram dados desanimadores sobre a possibilidade de localização de funções, como a memória, em regiões cerebrais circunscritas. No entanto, começaram a surgir evidências e teorizações que iriam dar corpo à neuropsicologia que hoje conhecemos. Dentre essas, precisamos destacar algumas que parecem mais importantes. No final dos anos de 1940, Walter Hess (1881-1973) criticou a noção de “centro” nervoso e propôs que as diferentes atividades dependem de uma “organização” cerebral. Atividades mais complexas recrutariam, proporcionalmente, um maior número de estruturas, que intervêm no processo. Na mesma época, a partir dos estudos de James Papez (1883- 1958) e Paul MacLean (1913-), evoluía o conceito de “sistema límbico”, um conjunto de estruturas cerebrais interconectadas, que se revelava importante para o processamento das funções emocionais e sua integração com a vida de relação. Nos anos 1950 o neurocirurgião William Scoville (1906- 1984) publicou o caso de um paciente – amplamente conhecido na literatura neuropsicológica como paciente “H.M.” – submetido à remoção bilateral do hipocampo e das amígdalas para tratamento de um grave quadro epiléptico e que, após a cirurgia, desenvolveu uma incapacidade maciça de aprender novas informações. Ficava claro que processos mentais importantes, como a aprendizagem e a memória, dependiam da integridade de centros nervosos específicos e suas conexões. Nos últimos anos, o advento das técnicas de neuroimagem veio possibilitar a confirmação de fatos já conhecidos, bem como acrescentar novas evidências que ampliam extraordinariamente as possibilidades de correlação entre as funções cognitivas e o funcionamento cerebral. 18 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM O localizacionismo, no entanto, só viria a ser superado por um novo conceito de função, algo tentado por vários cientistas, entre os quais se salienta o neuropsicólogo soviético Aleksander Luria (1902- 1977), cujo modelo é hoje amplamente reconhecido e aceito, embora já com modificações que precisam levar em conta, entre outros fatos, a assimetria da função cerebral, hoje mais profundamente compreendida. Luria (1980) postula um novo conceito de função, exercida por “sistemas funcionais” que visam à execução de uma determinada tarefa (a tarefa é constante, mas os mecanismos para executá-la podem ser variáveis). Funções mais elementares poderiam ser localizadas, mas os processos mentais geralmente envolvem zonas ou sistemas que atuam em conjunto, embora se situem, frequentemente, em áreas distintas e distantes do cérebro. Para Luria, pode-se distinguir no cérebro três grandes sistemas funcionais. O primeiro regula a vigília e o tônus cortical e depende de estruturas como a formação reticular e áreas do sistema límbico. O segundo se encarrega de receber, processar e armazenar as informações que chegam do mundo externo e interno e está situado em áreas do córtex cerebral localizadas posteriormente ao sulco central. Ele organiza-se em áreas corticais primárias, secundárias e terciárias. Já o terceiro sistema regula e verifica as estratégias comportamentais e a própria atividade mental, é constituído pelo córtex cerebral situado nas regiões anteriores do cérebro e organiza-se, também hierarquicamente, em áreas corticais primária, secundária e terciária. O monumental trabalho de Luria incluiu o desenvolvimento de uma bateria completa para o exame neuropsicológico, que influencia ainda hoje boa parte dos testes usados na atividade cotidiana dos neuropsicólogos. A bateria de Luria, juntamente com a bateria Halstead-Reitan, foi muito usada em meados do século XX, quando 19 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM se preconizava aquela abordagem abrangente para o exame neuropsicológico. Da bateria de Luria derivam outras, como a Luria-Nebraska e o teste de Barcelona, capazes de trazer uma ampla informação sobre o funcionamento das funções cognitivas e que têm ainda utilidade, embora o arsenal de testes neuropsicológicos tenha se tornado mais específico e se multiplicado de forma exponencial nos anos mais recentes (CONSENZA, 2007). 20 21 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM 3. A Participação do Cérebro na Aquisição da Linguagem Aquisição da linguagem: fala e escrita A linguagem é um claro exemplo de função superior do cérebro cujo desenvolvimento se sustenta, por um lado, em uma estrutura anatomo-funcional geneticamente determinada e, por outro, no estímulo verbal dado pelo meio (FRANÇA ET AL, 2004). Neurologicamente, o termo linguagem parece fundir-se com o próprio pensamento e, por vezes, parece sê-lo. No momento em que se adquire uma nova palavra ocorre um impacto no desenvolvimento infantil, pois tal movimento se converte numa ferramenta de análise e síntese que capacita a compreensão do seu entorno e a regulação de sua própria conduta (LURIA, 1985). O desenvolvimento da linguagem depende, portanto, não somente de uma reação percepto- motora entre as percepções e as praxias, mas de um ato complexo que envolve a cognição (ROTTA, 1988). A linguagem é um sistema finito de princípios e regras que 22 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM permitem ao falante codificar significados em sons e ao ouvinte decodificar sons em significado. Contudo, esse sistema finito possui a propriedade de ser infinitamente criativo, no sentido de possibilitar ao falante e ao ouvinte criar e entender um conjunto infinito de sentenças gramaticais novas (GERBER, 1996). Hécaen e Angelergues assinalam que a linguagem como instrumento de comunicação e elaboração do pensamento é adquirida num sistema arbitrário de sinais que representa a língua (FRANÇA ET AL, 2004). Ao falar, se produz e articulam sons com significado, num veículo de expressão ideativa (SANVITO, 1991). Para Rocha (1999), a aquisição da linguagem foi um grande passo para a humanidade, pois a comunicação e a expressão cultural viabilizaram o surgimento de uma sociedade racional, da forma como se constitui atualmente. Boone e Plante (1998), afirmam que a comunicação é um processo de trocas de mensagens entre um emissor e um receptor, que pode ser através de uma linguagem verbal ou não verbal (expressões, gestos e vocalização sem conteúdo linguístico). Conforme os autores, muitas abordagens tentam explicar a aquisição da linguagem, são elas: a comportamental (Skinner, 1957) que defende a linguagem como uma atividade programada e ensinada, logo tratando-se de um comportamento condicionado aprendido. Na abordagem inatista defendida por Chomsky, a linguagem oral é geneticamente determinada, na qual o indivíduo aprende esta forma de comportamento, porque nasceu com um equipamento básico (neural e estrutural) necessário para expressar a linguagem. Na abordagem biológica de Leneberg, o cérebro é o facilitador da aprendizagem da linguagem auditivo - oral, ou seja, a linguagem trata-se de uma atividade cerebral. Muitas outras linhas, como a construtivista (Piaget), e a sociointeracionista (Vygotsky), acreditam que a linguagem ocorre por uma predisposição genética, mas a atividade cerebral por si só não basta para justificar um comportamento linguístico, este resulta de um desenvolvimento cognitivo e de um conteúdo cultural e social que é decisivo em seu desenvolvimento. 23 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM Rocha (1999) afirma que, a linguagem é, antes de mais nada, uma mímica motora a qual necessita da produção do som para ser vinculada a outros indivíduos. Azcoaga et al (1981) preconizam que os elementos comunicativos da linguagem resultam de uma atividade biológica. Muitas dessas atividades podem ser ditas inatas, como a mímica facial, por exemplo, sendo a maioria aprendida muito cedo e outras mais tardiamente com o contato social intenso. Fala Jakubovicz e Cupello (1996) preconizam que a fala pressupõe a elaboração de um pensamento pré- linguístico. As autoras afirmam, que para falar há primeiramente a seleção de signos linguísticos (a palavra), as quais são capazes de exprimir o pensamento. Posterior- mente há a seleção de padrões sensório-motores correspondentes a articulação verbal. Segundo Rocha (1999), a principal área cortical responsável pelo controle da fonação é chamada de Área de Broca. Conforme o autor, a motricidade dos músculos da face, língua, faringe e laringe, é controlada pelos nervos cranianos trigêmio, facial, hipoglosso e acessório. Para o autor, os atos motores de fonação são organizados pela área de Broca (córtex pré- motor) que controla o córtex motor associado a musculatura dos órgão fonoarticulatórios (OFAS). Portanto, o papel da área de Broca é organizar os atos motores para produzir distintos fonemas que constituem palavras de uma frase. O autor afirma que parte desta informação é enviada, ao mesmo tempo em que é transmitida para os núcleos dos nervos cranianos anteriormente citados. O cerebelo é responsável pela sequenciação dos movimentos na fala e pela monitoração da fonação, ou seja, se o ato motor foi executado da forma anteriormente planejada. O ato da fonação depende também de circuitos neurais para a movimentação automatizada da mandíbula, língua, músculos toráxicos e diafragma. Para isso é necessário a participação dos núcleos de base (Globo Pálido, Substância Negra, Núcleo Rubro, Núcleo caudado) que são estruturas sub-corticais que controlam o automatismo motor. Parte da programação fonética da área de Broca é transmitida também ao córtex motor através desses núcleos (ROCHA, 1999). 24 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM Conforme o autor, o controle da fonação implica em vários eventos como: Definir posições de articulações de vários fonemas, tempo de produção e de emissão vocal; Calcular movimentos para a produção dos fonemas; Modular a motricidade e de introduzir prosódia na emissão dos fonemas. O autor preconiza que a área de Broca é encarregada da organização fonética da fala e esta localizada, em geral no hemisfério esquerdo. Com relação à organização das áreas encarregadas da organização da prosódia (entonação, segmentação supra – fonética, modulação emocional e etc.) estão localizadas no córtex frontal direito. Esta afirmação remete a uma intensa troca de informação entre os dois hemisférios para integração entre a programação fonética e a prosódia. Para o autor, estas trocas inter- hemisféricas são feitas através do corpo caloso. A relação entre os dois hemisférios cerebrais possibilita que um mesmo fonema possa ser produzido de várias formas, dependendo do contexto da frase e do conteúdo emotivo. O autor afirma que, esse é um processo que dificulta o reconhecimento dos fonemas produzidos pelo falante, realizado pelo córtex auditivo e verbal do ouvinte. Escrita Com relação à escrita, Rocha (1999), afirma que, são envolvidos vários outros sistemas como o visual e auditivo, assim como a motricidade da mão. Jakubovicz e Cupello (1996), descrevem que a escrita envolve o polo receptivo visual, no caso da cópia, e o polo auditivo no caso do ditado, sendo em ambos o movimento dos dedos e das mãos, o polo expressivo. Segundo esses autores, há uma área pré-motora situada à frente da área motora da mão que é responsável de organizar os atos motores para a escrita nos processos de ditado, cópia e geração endógena (quando o indivíduo descreve seu pensamento). Esses processos 25 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM sofrem uma modulação das áreas parietais de integração polissensorial, que para a escrita, é o giro angular, onde há uma convergência dos sistemas visual e auditivo. Essa convergência tem o objetivo de facilitar o planejamento do controle da mão para a escrita, tanto no caso de ditado e cópia. Rocha (1999) preconiza que a organização funcional para a escrita é muito variável entre um indivíduo e outro, dependendo de como é realizada a alfabetização. O autor cita o encorajamento da fonação durante a escrita um facilitador da formação de um mapeamento da imagem motora de fonação na imagem motora de escrita. A audição, a leitura e a emoção na linguagem Audição Segundo Rocha (1999), o sistema auditivo se desenvolveu como um sistema de receptores para medir frequência e amplitude de variações energéticas carregadas de oscilações moleculares propagadas pelo ar. Segundo Santos e Russo (1993), o ouvido humano está em sua maior parte contido no osso temporal, localizado no crânio, tendo como principais funções a audição e o equilíbrio. O ouvido é constituído pela orelha externa, média e interna, sendo esta última composta pelo labirinto e a cóclea, onde estão localizadas as células sensoriais. Rocha (1999) menciona que estas células funcionam como receptores de frequências. Cada fonema humano é caracterizado por um conjunto definido de frequências, que são chamados de formantes. Carda fonema estimula um grupo de receptores distribuídos em várias regiões da cóclea, que são peculiares a este fonema. Logo os sons são decompostos em frequências básicas na cóclea, depois as relações significativas são processadas entre as diversas frequências em um complexo de neurônios do sistema nervoso central. Neurônios distribuídos no tronco cerebral, entre os núcleos cocleares e os colículos superiores, especializam-se em reconhecer características dos fonemas 26 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM utilizados pelas línguas humanas. Jourdaim (1998) afirma que a trajetória de uma música, por exemplo, abre caminho desde o labirinto, indo de um núcleo para o outro, em uma viagem da cóclea para o córtex. O tronco cerebral observa as relações entre os sons, como frequência e intensidade. Na cóclea, o som é cortado em pedaços e cada um dos seus aspectos entra em desvios, que conduzem aos circuitos neurais próprios de cada um. Para Rocha (1999), os neurônios do tronco cerebral são ativados por características que são particulares de cada fonema. No núcleo geniculado medial são recebidas informações do tronco cerebral, no qual os fonemas foram identificados para o reconhecimento de radicais de palavras, prefixos nominais, conjugações verbais, etc. Em sequência, os neurônios talâmicos transferem os resultados do processamento realizado para o córtex auditivo. Conforme Jourdaim (1998), a primeira tarefa do cérebro é ligar o que entra pelos dois ouvidos e testar as diferenças nos sons que ouvem através dos corpos olivares. Toda esta estrutura existente no tronco cerebral se configura como um sistema difuso ascendente capaz de se comunicar com partes do córtex cerebral especialmente voltadas para a atenção, memória e aprendizagem. Leitura Segundo Rocha (1999), o hemisfério esquerdo especializa-se no processamento das informações verbais, seriais e temporais, na maioria das pessoas. O hemisfério direito torna-se dominante nas análises visuais, espaciais e holísticas. Esta especialização hemisférica determina as características do sistema neural envolvido na leitura. Conforme esse autor, as palavras encontradas no campo visual esquerdo seriam identificadas pelo hemisfério direito, sendo processadas no hemisfério esquerdo. No entanto, a análise das relações espaciais partilhadas pelas diferentes palavras é melhor analisada pelo hemisfério direito. O resultado das análises deste processamento vai de um hemisfério 27 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM a outro através das porções posteriores do corpo caloso. O autor afirma que é no hemisfério esquerdo que a palavra lida encontra o seu significado verbal. A identificação semântica da informação verbal envolverá transações entre os sistemas temporais esquerdo e direito, através da chamada transferência inter-hemisférica, graças ao corpo caloso. Rocha (1999), afirma que, as informações visuais verbais são carregadas da retina para o córtex pelo sistema magnocelular, que leva informações rápidas sobre baixo contraste de luminância. Segundo o autor, a lesão de certos neurônios do sistema magnocelular é um achado constante em pacientes disléxicos, em que essas lesões constituem nódulos (ectopias) de crescimento anormal de neurônios que ocorrem por volta da décima sexta e vigésima semana de gravidez. As lesões corticais, por sua vez, induzem a lesões talâmicas, que dependem da presença da testosterona. Por esse motivo, a dislexia afeta muito mais os homens que as mulheres. Conforme Lent (1994), os circuitos inter-hemisféricos são capazes de veicular informações de um lado a outro do cérebro. Os neurônios calosos são essencialmente células de forma piramidal cujas fibras arborizam extensamente no córtex oposto, onde exercem efeitos excitatórios sobre neurônios-alvos de tipos diversos. Para Lent, o corpo caloso sugere a existência de assimetrias morfológicas e funcionais dos hemisférios cerebrais e que a linguagem é um exemplo típico dessa assimetria. Carpenter (1978) afirma que em relação à grande parte das funções superiores, a dominância cerebral parece ser uma das mais importantes. O autor preconiza que a dominância cerebral é mais completa em relação a aspectos complexos e altamente evoluídos da linguagem. Segundo o autor, existem um grupo de distúrbios relacionados a uma imperfeição da dominância cerebral que se manifestam na linguagem, como o desenvolvimento inadequado da leitura e da escrita (distúrbio de leitura e escrita), da capacidade de desenhar e alterações espaço – temporais. A emoção na linguagem As palavras por si só não bastam para dar significado ao que se quer dizer, a maneira como se fala muitas vezes pode mudar 28 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM completamente o significado das palavras. Elas carregam de emoção a mensagem e podem constituir o tipo de linguagem não verbal (ROCHA, 1999). Para Rocha, o controle da emoção é uma atividade do hemisfério direito, sendo atualmente considerado responsável por vários processos relacionados tanto ao reconhecimento como à expressão de diversos estados emocionais. Ele preconiza que, pacientes portadores de lesões hemisféricas têmporo- parietais direitas são incapazes de identificar os diferentes significados da mesma frase marcados por diferentes formas prosódicas, sendo também incapazes de produzir frases com diferentes entonações para expressar distintas emoções. Estudos do pesquisador norte americano H. Sackheim revelaram que a hemiface esquerda possui maior carga emocional. Este fato é em virtude do hemisfério direito do cérebro, responsável pela questão afetiva, conduzir o lado esquerdo corporal. Portanto, afirma o pesquisador, o hemisfério esquerdo do corpo possui maior capacidade de expressão emocional que o direito (LENT, 1994). Conforme Carpenter (1976), as lesões unilaterais que afetam as funções corticais podem resultar em um distúrbio contralateralmente. Este fato é observável no caso de lesões do córtex parietal, as quais podem ocasionar a estereognosia, isto é, incapacidade em reconhecer forma, tamanho, textura e identificar objetos somente com o tato. Há evidências de que tais lesões ocorrem mais frequentemente no hemisfério não dominante. A alteração da imagem corporal é a consequência mais frequente desta síndrome, haja vista que o paciente: (1) não reconhece parte de seu próprio corpo; (2) não percebe a existência de uma 29 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM hemiparesia; e (3) se nega a lavar-se, barbear- se ou cobrir a parte do hemisfério corporal afetado (CRITCHLEY, 1953 apud CARPENTER, 1976). Ao analisarmos a linguagem sob a ótica das neurociências, nos deparamos com um mundo fascinante de conexões neuronais, de caminhos, áreas estratégicas de armazenamento e formação de engramas através de experiências, significados e significantes, que por sua vez dá todo o sentido à nossa vida social. Neste jogo de influências endógenas e exógenas sobre o complexo organismo humano, podemos afirmar que a experiência muda o cérebro, pois de outra forma não conseguiríamos explicar o fato de que tenha levado dois mil anos para a humanidade desenvolver um código linguístico e uma criança refazer este caminho de forma aparentemente simples em aproximadamente dois anos. Assim como para a audição, que se especializou ao ponto da música fazer sentido para um ouvido e para cérebro que se desenvolveram há mais de 300 milhões de anos com uma finalidade de detectar sons, como mecanismo de proteção. O estudo da neurofisiologia da linguagem é de suma importância para profissionais que lidam de forma direta e indireta com patologias da comunicação, como psicólogos, pedagogos, professores, fonoaudiólogos, entre outros, pois possibilita compreender os processos neurais da constituição da linguagem e da comunicação, assim como seus distúrbios. 31 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM 4. Avaliação Neuropsicológica avaliação neuropsicológica é um método para se examinar o encéfalo por meio do estudo de seu produto comportamental (Lezak, Howieson, Loring, 2004) e é essencial não somente para a tomada de decisões diagnósticas, mas também para o desenvolvimento de programas de reabilitação (ARDILA & OSTROSKY-SOLÍS, 1996). Assim, avaliação embasada na neuropsicologia cognitiva busca ultrapassar tanto a mera classificação do indivíduo em relação a um grupo de referência, quanto a mera descrição dos distúrbios apresentados, visando à “interpretação dos mecanismos a eles subjacentes” (CAPOVILLA, 1998, p. 38). Segundo Lezak et al. (2004), a avaliação neuropsicológica pode ser relevante para seis propósitos principais: a. diagnóstico; b. cuidados com o indivíduo; c. identificação de tratamentos necessários; d. avaliação dos efeitos de tratamentos; e. pesquisa e,questões forenses. Em relação ao diagnóstico, o avanço das técnicas de A 32 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM neuroimagem e dos exames laboratoriais diminuiu significativa- mente a necessidade da avaliação neuropsicológica para o diagnóstico da maior parte das lesões e disfunções neurológicas. Porém, esta avaliação ainda é crucial em determinados quadros, tais como as demências, traumatismos crânio- encefálicos menores ou certas encefalopatias, visto que estes não são facilmente detectados nas técnicas usuais. Além disso, mesmo quando exames de neuroimagem detectam a presença de lesões, a avaliação neuropsicológica é fundamental para esclarecer os seus correlatos comportamentais, sendo ainda importante para o estabelecimento do prognóstico dos pacientes em determinados quadros e para a identificação precoce de certos distúrbios que, em seu estágio inicial, não apresentam alterações neurológicas óbvias. Em relação aos cuidados com o indivíduo, a avaliação neuropsi- cológica pode fornecer, aos membros de seu convívio familiar e social, informações importantes relativas às suas capacidades e limitações. Estas informações incluem capacidade de auto- cuidado, capacidade de seguir o tratamento proposto, reações às suas próprias limitações, adequação de sua avaliação de bens e dinheiro, dentre outras. Conhecer estes aspectos do paciente é fundamental para estruturar o seu ambiente, promovendo alterações se neces- sário, de forma que ele tenha condições ótimas de reabilitar-se e evitando possíveis problemas secundários, como atribuição exagerada de responsabilidade ou de atividades que não estejam ao seu alcance. Além de informações aos cuidadores, a avaliação neuropsico- lógica pode auxiliar o direcionamen- to da reabilitação, ao fornecer tanto dados sobre as áreas deficitárias do indivíduo, quanto sobre as habili- dades preservadas e o potencial para a reabilitação. A avaliação serve, ainda, para verificar as mudanças do indivíduo ao longo das intervenções realizadas, sejam elas cirúrgicas, farmacológicas, psicológicas ou de outra natureza. Identificar tais mudanças, que podem ser positivas ou negativas, ajuda a rever as intervenções, redirecionando-as quando possível. Em relação à pesquisa, a avaliação neuropsicológica pode auxiliar a compreensão da atividade encefálica e da sua relação com o comportamento, contribuindo para o estudo de diversos distúrbios. A propósito, muitos dos testes 33 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM inicialmente desenvolvidos para pesquisa têm se revelado úteis para a prática clínica, tendo seu uso ampliado na clínica para documen- tar o estado cognitivo dos indiví- duos. Finalmente, em relação às questões forenses, a avaliação neuropsicológica tem sido requisitada em casos sobre perda de funções legais ou danos corporais, sendo útil para auxiliar decisões sobre a presença de possíveis danos neurológicos e cognitivos que estejam relacionados aos comporta- mentos em questão (LEZAK et al., 2004). A avaliação neuropsicológica envolve o estudo intensivo do comportamento por meio de entrevistas, questionários e testes normatizados que permitam obter desempenhos relativamente preci- sos (LEZAK, 1995). O dano cerebral é considerado um “fenômeno multidimensional mensurável e que requer uma abordagem de avaliação multidimensional” (LEZAK, 1995, p. 19). Diversas condições que podem afetar as consequências de um dano cerebral devem ser consideradas, tais como a natureza, extensão, localização e duração da lesão; as características físicas, de gênero e de idade do paciente; sua história psicossocial; e as individualidades neuroanatômicas e fisiológicas. Para o estudo neuropsico- lógico podem ser usados procedimentos de comparação estandardizada ou não. Nos procedimentos estandardizados, a avaliação do distúrbio é feita em relação a um padrão que pode ser normativo (ou seja, derivado de uma população apropriada) ou individual (derivado da história prévia do paciente e de suas características). A avaliação neuropsicológica estandardizada tem sido grandemente influenciada pela psicometria (GROTH-MARNAT, 2000; KRISTENSEN, ALMEIDA & GOMES, 2001; MÄDER, 1996). Conforme exemplificado por Wood, Carvalho, Rothe-Neves e Haase (2001), os passos no desenvolvimento de um instrumen- to de avaliação neuropsicológica devem seguir os critérios para 34 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM desenvolvimento de instrumentos de avaliação psicológica em geral (ALCHIERI, NORONHA, PRIMI, 2003), envolvendo a definição do construto psicológico a ser examinado, a operacionalização deste construto de forma a possibilitar a sua mensuração experimental e/ou psicométrica, e a verificação das características psicométricas do instrumento de avaliação neuropsicológica, que poderá envolver a análise dos itens, análise da precisão e da validade do instrumento. Assim, para conduzir de modo apropriado a avaliação neuropsicológica e, especialmente, a avaliação estandardizada normativa, é necessário dispor de instrumentos precisos, válidos e normatizados para uma determinada população. É essencial, ainda, atentar às habilidades que sofrem grande influência de nível de escolaridade ou nível socioeconômico de modo a considerar, para comparação, o grupo específico ao qual o paciente pertence. Em tais casos pode ser preferível conduzir uma avaliação estandardizada individual, e não normativa, para comparar as habilidades atuais do paciente neurológico com suas características anteriores à lesão cerebral. Além disso, a fim de estabelecer com precisão em que consistem os distúrbios que dificultam a realização de uma prova, é necessário não se limitar à execução estandardizada da prova, mas sim possibilitar a introdução de mudanças específicas na aplicação ao longo da avaliação (ARDILA & OSTROSKY-SOLÍS, 1996). Aliás, a flexibilidade na aplicação dos instrumentos é um aspecto central da avaliação neuropsicológica (LEZAK, 1995). Na avaliação neuropsicológica formal são administradas provas estandardizadas, mas, ao mesmo tempo, deve ser realizada uma observação detalhada das respostas gerais do paciente diante da prova e da situação de avaliação (ARDILA & OSTROSKY-SOLÍS, 1996). Para tanto, paralelamente ao registro quantitativo das respostas, são feitos registros qualitativos da responsividade do paciente, reconhecimento de seus próprios erros, respostas emocionais e características de execução das tarefas, com ênfase no estudo intensivo de casos individuais (CARAMAZZA & MARTIN, 1985; KRISTENSEN ET AL., 2001). Para proceder à avaliação neuropsicológica, o examinador deve planejar quais instrumentos usará em função de suas hipóteses sobre os distúrbios do paciente, 35 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM levantadas a partir de informações coletadas, por exemplo, na entrevista inicial e nos procedimentos diagnósticos de outros profissionais. Usualmente, o examinador inicia a avaliação com uma bateria neuropsicológica básica que aborde as principais áreas do funcionamento cognitivo, permitindo posteriores decisões sobre a necessidade de usar instrumentos mais específicos e refinados. As áreas usualmente avaliadas nas baterias neuropsicológicas básicas são atenção, processamento visoespacial, memória, funções linguísticas orais e escritas, cálculo, funções executivas, formação de conceitos habilidades motoras e estado emocional (LEZAK, 1995). Uma bateria básica não pretende ser exaustiva, devendo o examinador decidir, posteriormente, sobre a introdução de outros instrumentos de avaliação. Segundo Ardila e Ostrosky- Solís (1996), uma bateria de avaliação neuropsicológica deve ter as seguintes características: 1. fundamento teórico sólido; 2. permitir explorar funções básicas, isto é, formas fundamentais do comportamento, resultantes da atividade do sistema nervoso e, nesse sentido, afetadas o mínimo possível por fatores socioculturais e educacionais; 3. ser aplicável com um mínimo de ajuda e instruções verbais, permitindo avaliação de pacientes com severos distúrbios de linguagem; 4. ter critérios de avaliação objetivos e bem definidos, possibilitando alguma quantificação de forma a permitir obter índices de validade e precisão; 5. requerer um mínimo de recursos, aparatos e materiais para a aplicação. Segundo Golden (1991), os resultados de crianças submetidas à avaliação neuropsicológica devem ser analisados ainda com maior cautela, considerando os fatores de desenvolvimento e ambientais envolvidos. Geralmente sua interpretação é mais complexa que a interpretação de resultados de adultos com lesões cerebrais, mas histórico de desenvolvimento normal. Outros métodos, tais como a observação clínica e o diagnóstico médico, devem ser conjuntamente considerados para a interpretação dos resultados. São os objetivos específicos de baterias de avaliação neuropsicológica infantil: a. auxiliar a identificação de lesão cerebral em crianças com sintomas de etiologia incerta; 36 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM b. avaliar a extensão e a natureza de dificuldades em crianças com lesões conhecidas de modo a traçar procedimentos de intervenção; c. avaliar os efeitos de estratégias de intervenção ou reabilitação sobre o funcionamento neuropsicológico; d. analisar o efeito de diferentes tipos de lesões em diferentes populações; e e. testar suposições teóricas sobre as relações entre comportamento e sistema nervoso, a fim de confirmar, expandir ou modificar modelos atuais sobre o funcionamento cerebral em crianças (GOLDEN, 1991). Como em qualquer outro instrumento de avaliação psicológica, uma bateria de avaliação neuropsicológica infantil deve obedecer aos critérios de precisão e validade (GOLDEN, 1991). As normas de um instrumento neuropsicológico para crianças podem ser traçadas para diferentes idades ou para diferentes níveis escolares (Lezak, 1995). Instrumentos utilizados no Brasil No Brasil, pesquisadores e clínicos que trabalham com avaliação neuropsicológica ainda se deparam com um problema bastante grave, a escassez de instrumentos precisos, validados e normatizados disponíveis para pesquisa e diagnóstico, embora as pesquisas em neuropsicologia tenham crescido e resultado em trabalhos valiosos. Nosso grupo de pesquisa tem trabalhado nesta área, com o desenvolvimento e a validação de instrumentos de avaliação e de procedimentos de intervenção (CAPOVILLA, 2007). A seguir são apresentados, de forma sumariada, alguns dos instrumentos para avaliação neuropsicológica que um grupo de pesquisa coordenado por Capovila tem desenvolvido no Brasil. Vários desses testes são informatizados, o que facilita o registro de parâmetros temporais como tempo de reação e duração da resposta. Alguns, inclusive, podem ser aplicados de modo remoto via Internet, possibilitando estudar diferentes amostras espalhadas por amplos territórios. Estudos buscando evidências de validade destes testes têm sido conduzidos com populações infantil e adulta, com e sem distúrbios neuropsiquiátricos, incluindo dislexia, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, e transtornos de ansiedade. Alguns instrumentos brasilei- ros destinam-se à avaliação de 37 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM diferentes habilidades de linguagem oral. Por exemplo, para avaliar o vocabulário expressivo, isto é, quais palavras uma criança fala, está disponível a Lista de Avaliação de Vocabulário Expressivo, original- mente desenvolvida por Rescorla (1989) e adaptada, validada e normatizada para a população paulista por Capovilla e Capovilla (1998). Ela é destinada a crianças a partir de dois anos de idade, com o objetivo de avaliar possíveis atrasos de linguagem oral expressiva. O vocabulário receptivo pode ser avaliado por meio do Teste de Vocabulário por Imagens Peabody, que já foi traduzido e adaptado para o português, com a disponibilização de dados de precisão, validade e normatização para idade entre 2 e 14 anos (Capovilla & Capovilla, 1998). Contém 125 pranchas de teste, em que o examinando deve selecionar, dentre quatro figuras alternativas, a que melhor corresponde à palavra falada pelo examinador. A nomeação de figuras pode ser avaliada por meio do Teste Infantil de Nomeação (Capovilla, Montiel, Macedo & Capovilla, no prelo), que possui as versões tradicional (em papel) e computadorizada. O examinando vê desenhos de linha e deve pronunciar o seu nome em voz alta. Uma outra forma de avaliar nomeação, desta feita em conjunção com a habilidade de leitura, é por meio do Teste Informatizado de Nomeação de Figuras por Escolha (Capovilla ET al, 2004), em que o examinando deve escolher, dentre quatro palavras escritas, a que melhor corresponde a uma figura. Tem sido desenvolvidos, ainda, instrumentos para avaliar habilidades de metalinguagem, ou seja, de reflexão intencional sobre a linguagem. Dentre tais instrumentos encontram-se a Prova de Consciência Fonológica (Capovilla & Capovilla, 2004) e a Prova de Consciência Sintática (Capovilla, Capovilla & Soares, 2004). Ainda em relação à linguagem oral, há o Teste de Repetição de Palavras e Pseudopalavras (Capovilla, em preparação), com base no teste de Gathercole e Baddley (1989). Para avaliar a fluência verbal, desenvolvemos uma versão informatizada do Teste de Fluência Verbal FAS, baseado em Benton e Hamsher (1989), que requer que o sujeito fale o maior número possível de palavras começadas com as letras F, A e S, tendo um minuto para cada letra. Em relação às habilidades de leitura, desenvolve-se o Teste de 38 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM Competência de Leitura de Palavras - TCLP (Capovilla, Viggiano, Capovilla, Raphael, Mauricio & Bidá, 2004), que avalia o uso diferencial das estratégias de leitura pelo examinando. Paralelamente à avaliação do reconhecimento de palavras, há o Teste de Competência de Leitura de Sentenças (Capovilla ET al, 2004) que avalia as habilidades de compreensão. Ambos os testes estão disponíveis nas versões tradicional e computadorizada. A avaliação da escrita pode ser feita por meio da Prova de Escrita sob Ditado, que apresenta itens com diferentes características psicolingüísticas (Capovilla & Capovilla, 2004). Para avaliar a atenção, o grupo de pesquisa tem desenvolvido versões de alguns testes classicamente usados, tais como testes de cancelamento, Teste de Trilhas e Teste de Stroop. O Teste de Atenção por Cancelamento (Montiel & Capovilla, 2006a) possui três partes que avaliam atenção seletiva e atenção alternada, sendo a tarefa básica do examinando selecionar, em uma matriz de estímulos, aqueles semelhantes ao estímulo- alvo. O Teste de Trilhas – Partes A e B (Montiel & Capovilla, 2006) objetiva avaliar aspectos de manutenção da atenção e capacidade de alternar entre estímulos relevantes. Está disponível, ainda, o Teste de Stroop Computadorizado nas versões neutra (Capovilla, Montiel, Macedo & Capovilla, 2005) e emocional (Montiel, Capovilla, Capovilla & Macedo, no prelo). A avaliação das funções executivas pode ser feita por meio do Teste de Geração Semântica (Capovilla, Cozza, Capovilla, Macedo & Dias, 2006), também informatizado, em que é solicitada a geração de um verbo semanticamente associado a um substantivo. Há, também, uma versão da Torre de Londres, que requer a transposição das três esferas que o sujeito deve rearranjar, uma a uma, a partir de uma posição inicial fixa, de modo a alcançar diferentes disposições finais especificadas pelo aplicador. Para avaliar as habilidades aritméticas, a Prova de Aritmética (Capovilla, Montiel, Capovilla, 2006), que contém seis subtestes para avaliar diferentes habilidades relacionadas à matemática. Para avaliar o processamento visoespacial, o Teste ImagéticaBaby (Lopes ET al, 2006), um software que apresenta pares de figuras bidimensionais para o julgamento de identidade, requerendo rotação mental para a solução da tarefa. 39 4 0 DESENVOLVIMENTO MOTOR, DA FALA E DA LINGUAGEM 5. Referências Bibliográficas ALCHIERI, J. C., NORONHA, A. P. P.; PRIMI, R. Guia de referência: testes psicológicos comercializados no Brasil. São Paulo: Casa do Psicólogo, FAPESP,2003. ARDILA, A.; OSTROSKY-SOLÍS, F. Diagnóstico del daño cerebral: enfoque neuropsicológico. 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