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(tese) Travestis brasileiras em Portugal - Francisco José Silva do Amaral Luís

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Travestis Brasileiras em Portugal: Percursos, Identidades e 
Ambiguidades 
 
Francisco José Silva do Amaral Luís 
 
 
 
Tese de Doutoramento em Antropologia Cultural e Social 
 
Versão corrigida e melhorada após a sua defesa pública 
 
Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do 
grau de Doutor em Antropologia Social e Cultural, realizada sob a orientação 
científica da Professora Doutora Susana Trovão, do Departamento de 
Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade 
Nova de Lisboa. 
Pesquisa financiada pela FCT 
 
 
Maio 2015
I 
 
Agradeço à minha orientadora Dr.ª Susana Salvaterra Trovão o apoio prestado e a 
abertura de horizontes a diferentes perspectivas e enquadramentos, que tentei aplicar no 
desenrolar desta pesquisa. 
Agradeço aos meus professores da licenciatura em antropologia o modo como cada um à 
sua maneira me ensinou, que mais do que as respostas, o importante é a capacidade para 
fazer perguntas, pois só obteremos respostas às questões que temos a visão necessária 
para colocar. 
A todos os que de alguma forma deram o seu contributo pessoal para que me empenhasse 
num novo projecto. À minha esposa Vanúsia Luís e ao nosso falecido amigo Bonga, que 
nos abandonou em 2011 e que sempre me fez acreditar que era possível. Agradeço 
também aos que não estando presentes, acredito que estejam. Agradeço aos meus pais 
Maria de Fátima do Amaral Luís e Francisco Maria Luís a paciência. 
À comunidade travesti na pessoa de alguns dos seus elementos, agradeço a 
disponibilidade revelada, sem a qual o presente trabalho não teria sido possível. Foram a 
fonte, a razão última e primeira deste empreendimento. Sem elas, não haveria tema. 
Ao Dr.º Miguel Vale de Almeida a celeridade com que me forneceu contactos de 
académicos com trabalhos realizados nesta área em Portugal. 
À Dr.ª Sandra Saleiro a disponibilidade e voluntarismo que demonstrou ao enviar-me 
todos os seus trabalhos na área da transexualidade. 
À FCT por ter financiado este projecto. 
Gostaria de dedicar este trabalho à Dona Teresinha da Silva que me mostrou o quanto o 
povo brasileiro é afável e transparente, ao receber-me como se me conhecesse desde 
sempre em sua casa na cidade de Feira de Santana, Salvador da Bahía. 
 
 
 
 
 
II 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
III 
 
Travestis Brasileiras em Portugal: Percursos, Identidades e Ambiguidades no Âmbito da 
Prostituição. 
Brazilian transvestites in Portugal: Itineraries, Ambiguities and Identities in the 
Framework of Prostitution. 
Palavras-chave - Travesti, Prostituição, Antropologia Urbana, Brasil/Portugal/E.U., 
Globalização, Identidades Queer, Fluxos e Transnacionalismos. 
Keywords – Travesti, Prostitution, Urban Anthropology, Brazil/Portugal/E.U., 
Globalization, Queer Identities, Flows and transnationalisms. 
RESUMO: Os séculos XX e XXI corresponderam ao agudizar de processos globalizantes 
potenciados pelas novas tecnologias, quer no âmbito comunicacional, quer industrial, 
sublinhando dinâmicas de desruralização e de construção de tecidos urbanos densos onde o 
anonimato se tornou possível na vivência de experiências, outrora reconduzidas ao silêncio do 
sujeito socialmente isolado. A diferença, enquanto experiência vivida, tornou-se 
comunitariamente possível, surgindo grupos que delimitam geograficamente determinadas áreas 
urbanas a que correspondem afinidades eróticas ou de práticas sexuais, inicialmente de gays e 
lésbicas. Quebra-se na prática a uni-direccionalidade entre sexo e género, entre sexo e 
sexualidade, questionando-se esquemas de relações assimétricas e modelos de pensamento 
enraizados (heterossexualidade, patriarcado, machismo, etc.). Rubin (1975 in Lewin 2006, in 
Vance, 1984) propõe a existência de dois sistemas diferenciados de sexo e género que tornam 
plausível, sob o ponto de vista analítico, a não correspondência entre sexo, género e sexualidade. 
O paradigma máximo desta autonomia sistémica alcança-se na construção de uma identidade 
travesti. Esta identidade mutante, mutável e instável parece acompanhar um mundo de fluxos 
intensos e interdependências múltiplas. É na sociedade global que as travestis encontram espaço 
para a vivência comunitária da sua experiência, constituindo-se como um grupo com práticas 
transnacionais, marcado pela mobilidade de género e geográfica, primeiramente dentro das 
fronteiras brasileiras e depois para a Europa. Cidade, prostituição e migração surgem como 
factores chave da disseminação geográfica e identitária desta comunidade. Este projecto tomado 
sob uma perspectiva global mantêm ou reinventa relações com a estrutura, que aparentemente as 
apaga enquanto actores sociais e da qual, aparentemente, se auto-excluem. 
 
ABSTRACT: The XX and XXI centuries corresponded to the stretching of globalizing 
phenomena enhanced by new technologies, either within communication, whether industrial, 
stressing processes of deruralization and consequent construction of dense urban networks where 
IV 
 
anonymity was possible to achieve concerning to living different social and erotic experiences, 
once closed in a silent self, socially isolated by his own difference. The difference, as lived and 
living experience, was made possible communally, emerging groups that geographically 
delimited certain urban areas, to which corresponded erotic affinities or sexual practices, initially 
gays and lesbians. Break up the practical uni-directionality between sex and gender, between sex 
and sexuality, questioning schemes of asymmetric and structural relations and models of thought 
rooted (heterosexuality, patriarchy, sexism, etc.). Rubin (1975 in Lewin 2006, in Vance, 1984) 
admit the existence of two different systems of sex and gender, under an analytical point of view, 
that made possible mismatch between sex, gender and sexuality. The paradigm of this maximum 
systemic autonomy is achieved in building an identity transvestite. This mutant identity, changing 
and unstable seems to accompany a world of intense flows and multiple interdependencies. It is 
in the global society that transvestites find space and viability for the communal living experience, 
constituting themselves as transnational group, marked by gender and geographical mobility, first 
within Brazilian borders and, than at another stage of the project, to Europe. City, prostitution and 
migration emerge as key factors of geographical spread and identity construction of this 
community. This project taken at a global point of view maintain or reinvent relations with 
structure, which seems to erasure them and from which, apparently travestis are self-excluded. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
V 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
VI 
 
Índice 
Agradecimentos I 
Resumo III 
Índice de imagens XII 
Introdução 1 
 
PARTE I – CONCEITOS E DIMENSÕES ANALÍTICAS 
Cap. 1 – SOBRE A NOÇÃO DE TRAVESTI E OUTRAS AFINS 5 
 
1.1. Trans/transexuais/transgéneros 7 
1.2. Migrações de género. Viagens 11 
1.3. Travestise a transgressão da dicotomia moralizante: “Silicone, a dor da beleza” 12 
1.4. Crossdressers e drag-queens 15 
1.5. Transexuais 18 
1.6. Hermafroditas 21 
1.7. O Papel da linguagem e da gíria na incorporação de modelos e a estruturação 24 
da experiência 
 
Cap. 2 - SISTEMAS SEXO E GÉNERO 28 
 
2.1. Critério Genital/ Gender assignment 28 
2.2. Perturbação de género e orientações sexuais minoritárias. Estudos queer 33 
2.3. A Utopia de uma sociedade sem géneros e sua impossibilidade prática 36 
2.4. Desvio e anomia. Reforço da normalidade estrutural 39 
VII 
 
2.5. A lei como natureza. A ficção estrutural biologizante 40 
2.6. Sexo e género; produtos da interacção 42 
 
Cap. 3 – PERFORMANCE, PERFORMATIVIDADE E ESTRUTURA 48 
 
3.1. Poder e hierarquia 48 
3.2. Performatividade e linguística 50 
3.3. Performatividade e emergência do sujeito 55 
3.4. Discurso e identidade 59 
3.5. Performatividade/discurso e o sujeito político 62 
 
Cap. 4 - ESTRUTURA/AGÊNCIA 64 
 
4.1. Pós-Estruturalismo. O desvio e a fronteira do poder 64 
4.2. Teoria da acção. Agência, estrutura e processos 70 
Habitus e capitais sociais. Campos e condicionamentos 
4.3. Poder diferencial e dualidade da estrutura 72 
4.4. Interesse e constrangimento. Capitais sociais e estratificação 73 
4.5. Estrutura e acção: balanceamentos teóricos, numa teoria das práticas 77 
4.6. Giddens e Bourdieu. Teoria da acção: convergências e divergências 81 
 
PARTE II – UMA ETNOGRAFIA SOBRE MOBILIDADES TRAVESTIS 
Cap. 5 - PRIVAR E APRENDER A COMUNICAR: 85 
ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS 
VIII 
 
 
5.1. Observação participante e etnografia do quotidiano 85 
5.2. Dados recolhidos da internet 86 
5.3. Travestis – rede social e grupo 87 
5.4. Observação não participante 88 
5.5. Clientes 90 
5.6. Desconstruindo a desconfiança 91 
5.7. Negociando a presença 92 
5.8. As interlocutoras 98 
 
Cap. 6- DA CASA À CIDADE GRANDE 104 
 
6.1. A saída de Casa 104 
6.2. A chefe de rua 111 
6.3. Prostituição. Rua e a mãe 113 
6.4. Mitos, Histórias e realidades 120 
6.5. Silicone a dor da beleza e a reinvenção multi-estruturada de um sujeito 126 
dinamicamente posicionado. “Travesti sem silicone, não é travesti!” (Camila Garcês) 
6.5.1. Silicone e a materialização do corpo 132 
6.5.2. Silicone, corpo, prostituição e sexualidades 135 
“(…) se eu fosse passiva era x, se eu fosse também activa era x mais x, então era muito mais 
dinheiro.” (Adriana) 
6.6. Usos biográficos e contextuais do género masculino e feminino. 141 
O sujeito em devir 
IX 
 
6.7. Gírias e contextos; a produção de sujeitos 143 
6.8. Disputas e reinvenção de afectividades 144 
6.8.1. Marido. Estratégias de legitimação. Pragmatismo, bens materiais e grupo 149 
6.8.2. Prostituição e afectos restruturados 151 
6.9. Discriminação, violência e o projecto migratório 155 
 
Cap. 7 - DIÁLOGOS TRANSNACIONAIS E REDES SOCIAIS 159 
 
7.1. “Vida de trans... é sempre assim...estilo cigana aff!” (Thalter) 159 
A caminho da Europa (por Portugal) 
7.1.2. Portugal e Brasil. Manejos de uma proximidade distante 160 
7.1.3. Redes sociais travestis 162 
7.1.4. Empréstimos/Ajudas 169 
7.2. Portugal: leis migratórias e a legislação para minorias sexuais 172 
7.2.2. Portugal e as redes de auxílio à imigração ilegal 176 
“O problema é você entrar na comunidade europeia, depois que você está dentro. 
fica bem mais fácil tudo!” (Larissa) 
7.2.3. Vantagens e oportunidades contextuais 179 
7.2.4. Permuta de habitações 183 
7.3. A Prostituição em Portugal e noutros contextos de europeus 185 
7.3.1. Densificação e imbricamento de redes. 190 
Mobilização de recursos e exibição de capitais 
7.3.2. “O trabalho tá mau” (Thalter). 205 
Entre Lisboa, Porto, Braga, Aveiro, Leiria e outros destinos 
X 
 
7.4. Apresentações transnacionais e transnacionalismos 211 
“(…) feminino, Belém, Barcelona, Milão, Porto e Lisboa, me liga!” (Thalter) 
7.4.1. A Internet e a vida de todos os dias: proximidades,distantes 215 
7.4.2. Ganhos materiais e identitários no contexto de origem 218 
7.4.3. As remessas e a sua função social, familiar e económica 219 
7.5. Bens materiais, grupo e competição 222 
7.6. Brasilidades. Algumas reflexões 224 
 
PARTE III – CONCLUSÕES 
 
Cap. 8 – CONCLUSÃO 227 
 
Anexo 1- Informantes 235 
Anexo 2- Glossário 237 
Anexo 3- Acrónimos 239 
Bibliografia 240 
 
 
 
 
 
 
 
XI 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
XII 
 
 
Índice de imagens 
Sociograma 1-Apresentação das informantes (pp.99) 
Sociograma 2-Apresentação das informantes (pp.100) 
Sociograma 3-Apresentação de informantes (pp.102) 
Figura 1 – Indivíduos, campos, capitais e recursos (pp. 74) 
Figura 2 – Poder diferencial e capitais sociais (pp.76) 
Foto 1 - Frasco de silicone líquido e seringa de uso veterinário (pp. 129) 
Foto 2 – Seringa de uso veterinário para aplicação clandestina de silicone (pp.130) 
Figura 3 – Homossexualidade e referentes de género (pp.137) 
Figura 4 – Níveis de intermediação da comunicação entre indivíduos (pp. 164) 
Figura 5 – Escalas de redes sociais (pp. 168) 
Gráfico 1 – Anúncios do sítio Desire 2008/2009 - o primeiro a anunciar serviços sexuais travestis 
em Portugal (pp. 190) 
Gráfico 2 – Anúncios do sítio Desire 2009/2010. (pp.191) 
Gráfico 3 – Anúncios do sítio Desire 2010 até Dezembro de 2011quando sucumbiu perante a 
concorrência de novos sítios. (pp.192) 
Gráfico 4- Anúncios no sítio Relax de 2008/2009 (pp.194) 
Gráfico 5- Anúncios no sítio Relax de 2009/2010 (pp.195) 
Gráfico 6- Anúncios no sítio Relax de 2010 até Dezembro de 2010 quando termina face à 
concorrência emergente no sector (pp.196) 
Gráfico 7- Anúncios no sítio VripT de Agosto de 2008 a Abril de 2009. Este sítio iniciou-se on-
line em Agosto de 2008 (pp.197) 
Gráfico 8- Anúncios no sítio VripT 2009/2010 (pp.199) 
XIII 
 
Gráfico 9- Anúncios no sítio VripT 2010/2011 (pp.200) 
Gráfico 10- Anúncios no sítio VripT 2011/2012 (pp.201) 
Gráfico 11- Anúncios no sítio TG 2009/2010 (pp.202) 
Gráfico 12- Anúncios no sítio TG 2010/2012 (pp.203) 
Gráfico 13- Anúncios no sítio TG 2011/2012 (pp.204) 
Gráfico 14- Anúncios no sítio Desire 2008 tentando a internacionalização (pp.206) 
Gráfico 15- Anúncios no sítio Relax 2008 tentando a internacionalização (pp.207) 
Gráfico 16- Anúncios no sítio VripT 2008 revelando o seu domínio no mercado (pp.208) 
Gráfico 17- Anúncios por totais por sítio (pp.209) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1 
 
INTRODUÇÃO 
A presente pesquisa procura captar e analisar as estratégias e modalidades de acção 
desenvolvidas por um segmento de travestis brasileiras que emigraram para Portugal a 
partir de finais da década de noventa e cuja subsistência material é viabilizada pela 
manutenção de um grau significativo de mobilidade intranacional e transnacional. 
Suportados por estudo etnográfico, tentaremos mostrar como a acção/agência travesti é 
construída adentro e entre várias estruturas e por relação a elas, numa dupla vertente de 
expressão de um género não compatível com o seu sexo biológico e, mediante projectos 
migratórios e mobilidades várias que viabilizam em diversas escalas essa construção 
identitária. Para tanto, mobilizaremos lentes analíticas que assentam nos sujeitos, as quais 
permitem descortinar características e limites estruturais que definem um espectro 
condicionado de possibilidades discursivas e performativas aos sujeitos travestis e, por 
outro lado, ainda adentro dessa mesma estrutura, oportunidades aparentemente 
inesperadas, crítica e estrategicamente aproveitadas para a sua viabilização enquanto 
identidades e sujeitos em viagem. 
 Mobilizando os conceitos de performatividade, discurso e negociação (Butler, 2007, 
Kulick 1998, 2003 in Cameron e Kulick, 2006, Ortner, 1984) começaremos por interrogar 
as construções de género e os idiomas performativos das travestis brasileiras que 
estudámos. Em que medida estas travestis incorporam e perpetuam modos dominantes de 
conceber e agir o masculino, o feminino e a heterossexualidade ? Em que extensão, 
todavia, resignificam e reperformatizam desempenhos de género e papéis sexuais 
hegemónicos, tornando-os fluídos e plásticos, moldáveis e adaptáveis às circunstâncias 
concretas ? Em que situações a relação entre expressão/identidade de género e 
performatividade sexual se apoia na normatividade heterossexual? Em que outras 
situações é renegociada ou, se preferirmos, se constitui como uma relação pragmática, e 
que combinatórias pode apresentar ? Esta ambiguidade na relação entre género e 
performatividade sexual pode ser apenas concebida como uma estratégia de 
sobrevivência económica, accionada em cenários de prostituição projectados e 
desenvolvidos em contextos particularmente adversos, quer no Brasil, quer na Europa ? 
Poderemos entrever nesta ambiguidade uma terceira via de género (Kulick, 1998:226) ou 
um sublinhar dos existentes ? 
2 
 
 Embora a migração para a Europa de travestis integradas na indústria do sexo se 
tenha iniciado nos anos setenta do século XX, com entrada preferencial por Paris (Kulick, 
1998:166) e posteriormente Milão (Kulick, 1998, Pelúcio, 2005), Portugal só se apresenta 
enquanto contexto migratório e trampolim para trajectos transnacionais associados à 
prostituição travesti em finais dos anos noventa do mesmo século, em resultado de novos 
contextos políticos ao nível global, regional e local, bem como das interdependências 
entre eles geradas.1 Que motivações e expectativas orientam o fazer e refazer das 
trajectórias transnacionais das travestis brasileiras ? Que redes e interconexões operam 
nos seus processos de circulação ? Que recursos e estratégias são mobilizados ? Que 
margem de manobra é, por elas, aproveitada a seu favor ? Em que medida encontram 
possibilidades agenciais alternativas no âmbito de fluxos e processos mais ou menos 
globalizados e semi-incontrolados ? Que contextos migratórios são equacionados 
alternativamente ao português e que continuidades ou descontinuidades revelam face a 
este ? Em que medida a mobilidade travesti se converte em capital social no contexto de 
origem e que dinâmicas promove nos contextos de acolhimento ? Através de que formas 
se processa a maximização dos capitais sociais e em que domínios sociais revelam a sua 
eficácia ? Que continuidades ou especificidades agenciais distinguem migrantes travestis 
e não-travestis de nacionalidade brasileira na concepção e execução dos seus processos 
migratórios e no modo como se relacionam com múltiplas estruturas ? 
 A teoria da acção revelou-se uma grelha analítica pertinente para trabalharmos 
sobre as questões acima enunciadas. Faremos, por isso, uma breve incursão aos seus 
variados modelos, buscando a clarificação dos seus fundamentos (Ortner, 1984), 
historicamente situados ainda nos anos 60, que se prolongam à década de 70 e seguintes 
(Bourdieu, 2002, Butler, 2007, Coleman, 1990, Giddens, 1984, Ortner, 1984, Rubin 1975 
in Lewin, 2006, Rubin in Vance, 1984, etc.). Dedicaremos, nesse sentido, uma especial 
atenção às perspectivas que realçam quer o posicionamentodos sujeitos (objectivos, 
competências, recursos, estratégias, etc.), quer a tensão implícita nas acções dos actores 
sociais – que neste âmbito ultrapassam a mera racionalidade tendo em vista a prossecução 
de objectivos pragmáticos (Coleman, 1990) – quer ainda os constrangimentos e as 
 
1 Entrada na então E.E.C. em 1986 e posteriormente a criação do espaço Schengen, inicialmente apenas 
Convenção de Schengen, em 1997 incorporada na ordem jurídica e política europeia dos estados aderentes 
através da subscrição do tratado de Amesterdão. Não obstante, nem todos os países da U.E. aderiram a este 
espaço de livre circulação de pessoas, o que determina também em certa medida as estratégias de 
mobilidade das travestis. 
3 
 
oportunidades que caracterizam os contextos sociais e culturais adentro os quais os 
sujeitos desenvolvem as suas acções (Ortner, 1984). Esta perspectiva exige um enfoque 
especial direccionado às práticas do quotidiano e aos dilemas, contradições e aspirações 
que emergem nas e das relações dos sujeitos com múltiplas estruturas socio-culturais e 
políticas. 
 Adentro do quadro problematizante que traçámos, abordaremos uma vasta gama 
de construções e expressões de género trans (transexual, transgénero, transvestite, 
travesti, crossdresser ou dragqueen) afirmadas e assumidas publicamente (Plummer in 
Gameiro, 2000). Este extravasar do âmbito privado na vivência das dimensões de género, 
sexualidade e desejo erótico tem sido potenciado por um actualizar comunitário da 
experiência. Categorias como espaço e tempo revelam-se fulcrais para a assunção da 
diferença de forma negociada e sua relação com outros factos históricos, nomeadamente 
a emergência dos Estados-Nação, o despoletar das industrializações e a crescente 
urbanização operada no período pós-segunda guerra mundial. O devir destes fenómenos 
em processo propiciam não só o assumir comunitário das diferenças, como também o 
confronto com as ordens e modelos de pensamento secularmente instituídos. (Rubin in 
Vance, 1984)2 
 Nesse sentido, procuraremos estabelecer um nexo de causalidade entre um êxodo 
rural decorrente das industrializações e propiciador da emergência das grandes cidades e 
a contemporaneidade moderna e pós-moderna, afirmando-se a possibilidade da cidade se 
constituir como o locus privilegiado de vivência e afirmação da diferença (Woodward, 
1997), não só pelo anonimato que propicia mas também pelo maior ou menor grau de 
mobilidade que lhe subjaz. (Rémy e Voyé, 1994). Como veremos, é nas grandes cidades 
que as nossas interlocutoras procuram o anonimato e a possibilidade de viverem a sua 
sexualidade ou expressar um género trans (Cf. Green, 1999). Como consequência surgem 
novas espacialidades e temporalidades (Ledrut, 1979)3, inseparáveis nos seus 
 
2 Culminando nas décadas de 50 e 60 em perseguições violentas nos Estados Unidos, por exemplo à 
população gay (Rubin, in Vance 1984). O carácter não universal, apesar da tendência universalizante de 
algumas perspectivas decorrentes de esquemas de pensamentos correntes e recorrentes, expressa-se pela 
manutenção no séc. XXI de algumas dessas perseguições em países como a Rússia, em que se mobilizam 
inclusivamente milícias populares que vigiam e punem a orientação sexual, homossexual dos indivíduos 
através do uso da violência, infligindo-lhes humilhações várias. (Disponível em 
https://www.youtube.com/watch?v=J0yW6JgsBdQ, acedido a 30 de Junho de 2014) 
 
3 Correspondem a diferentes apropriações das categorias universais e simultaneamente relativas - espaço e 
tempo - porque comuns a todas as sociedades, embora demarcadas historicamente por diferentes práticas e 
comportamentos. Os comportamentos decorrem de novas apropriações do espaço e relações construídas 
https://www.youtube.com/watch?v=J0yW6JgsBdQ
4 
 
fundamentos e dinâmicas, das novas tecnologias da comunicação e transporte, facto que 
para alguns autores se constitui como uma terceira industrialização4 potenciadora da 
proliferação de ethnoscapes a uma escala global (Appadurai, 2004). É, portanto, num 
quadro gerador de transnacionalismos vários (Waldinger and Fitzgerald, 2004, Vertovec, 
2009) que procuraremos entender as estratégias de mobilidade de um grupo de travestis 
brasileiras para Portugal e para a Europa, mostrando como novas geografias configuram 
dinâmicas potenciadoras de mobilidades socialmente ascendentes, capitalizadas e 
negociadas na relação com estruturas, grupos e indivíduos multi-situados. 
 A pesquisa realizada procura contribuir para a problemática dos identidades 
trans a qual tem vindo a suscitar novos debates e a adquirir uma visibilidade que lhe foi 
historicamente sonegada5. Constitui-se ainda como móbile desta pesquisa, o facto da 
produção académica nesta área ser notoriamente reduzida (Almeida, 2010 in Pinto e 
Moleiro, Saleiro, 2009, 2009ª, 2012, 2013) ou maioritariamente confinada ao âmbito de 
acção das ciências médicas. Estas ciências evidenciam, ainda nos dias de hoje, 
competências na produção de sujeitos (Pinto e Moleiro, 2012:160, Saleiro, 2009:1, 
2009ª:1) pelo que se tornam relevantes e pertinentes novas abordagens. 
 
 
 
 
 
 
com, no e sobre o tempo. Em processo dialógico tempo e espaço reflectem o modo como esses 
comportamentos se exercem sobre eles. (Ledrut, 1979) 
 
4 Uma terceira industrialização que permite a emergêngia gradual de uma sociedade onde tempo e o espaço 
são comprimidos – reestruturados – mediante influência prática da inovação tecnológica de ponta, 
denotando correlação com as espacialidades e temporalidades de Ledrut. (1979) 
 
5 Em 2014, um/uma cantor/a Áustriaco/a ganha o festival da Eurovisão. Travesti que usa barba, não só 
durante a sua performance artística, mas também no seu quotidiano, levando ao extremo o carácter 
contraditório das sinalizações emitidas para o exterior pelo corpo. O facto de aparecer em público e para 
milhões de espectadores deixa entrever como o travestismo procura o seu lugar no sistema mundo, deixando 
de ser um fenómeno social escondido, marginal ou auto-relegado para um plano da invisibilidade, em 
processo que evidencia um encontro voluntário e deliberado com o poder. (disponível em 
https://www.youtube.com/watch?v=_MUsEaxGx7Q, acedido a 15 de Julho de 2014) 
 
https://www.youtube.com/watch?v=_MUsEaxGx7Q
5 
 
PARTE I – CONCEITOS E DIMENSÕES ANALÍTICAS 
Capítulo 1 - SOBRE A NOÇÃO DE TRAVESTI E OUTRAS AFINS 
Antes de avançarmos na discussão dos conceitos e das dimensões de análise que subjazem 
às questões empíricas formuladas, urge apresentar uma breve nota sobre o conceito de 
travesti utilizado ao longo desta reflexão e figuras discursivas afins, susceptíveis de serem 
analiticamente confundidas com aquela e que não relevam directamente para os 
propósitos deste trabalho. 
 De acordo com literatura disponível (Adelman, 2003, Benedetti, 1998, 2005, 
Borba, 2006, Bussinger, 2008, Carrara e Viana, 2006, Carvalho, 2006, Duque, 2008, 
Ferreira, 2003, Kulick, 1998, 1999, Loise, 2006, Luís e Trovão in Trovão, 2010, 
Nascimento e Lara, 2003, Pelúcio, 2005, 2006, 2006ª, 2007, Peres, 2006, etc.), o termo 
travesti é aplicado a um indivíduo com sexo biológico masculino, o qual adopta todavia, 
uma série de práticas, posturas e marcas sinalizadoras, compatíveis com o género 
feminino, nomeadamente cuidados corporais (tais como maquilhagem, cabelos ou unhas 
pintadas), recorrendo para o efeito numa outra fase do seu trajecto a cirurgias para 
colocação de implantes mamários, labiais, faciais, etc. e/ou à ingestão de hormonas (Cf. 
a produção cultural do corpo em Goellner, 2003, Gómez, 2002, Mauss, 1974).6 Esta 
última acção farmacológica geralmente associada a uma fase inicial da transformação, 
nãosó por ser de mais fácil acesso no mercado clandestino, mas também por ser 
financeiramente menos onerosa.7 A indumentária utilizada é igualmente feminina, assim 
como uma série de outros adereços associados ao quotidiano feminino – reflectindo e 
 
6A produção cultural do corpo pode ser relacionada com um outro conceito utilizado por alguns autores, 
nomeadamente o de fenomenologia do corpo. Segundo este, o sujeito pode construir uma relação 
diferenciada com o seu corpo, especialmente com os genitais, destituindo-o de qualidades que lhes são 
atribuídas estruturalmente. Saleiro exemplifica com uma relação entre um cissexual e um transgénero, este 
último destitui o seu sexo de valorações vigentes na heterossexualidade, permitindo assim que para esse 
sujeito em especial, a sua relação não seja entendida como homossexual. (2013) 
 
7 No meio travesti é recorrente a sua hierarquização através de um discurso tendente a discriminar as várias 
fases da transformação, coexistentes ou não, nos processos de feminização dos corpos. Expressões como - 
ela é travesti hormonizada ou operada - credibilizam o indivíduo no meio, expressando a vontade de se 
transformarem, o que envolve muitas vezes profundo sofrimento físico quando se submetem a aplicações 
de silicone clandestinas. As hormonas são geralmente utilizadas numa fase inicial do processo de 
transformação, alterando a voz e permitindo a emergência do peito. Mais tarde, após as operações, algumas 
mantêm a ingestão de hormonas, essencialmente para que a voz seja emitida num tom mais feminino, 
geralmente de falsete. Todavia as hormonas podem retirar o desejo sexual, motivo pelo qual no âmbito da 
prostituição, tal seja um factor a ter em consideração pelas travestis. 
 
6 
 
vigiando modos de ser homem e modos de ser mulher (Cf. Freire, 1964, 1987)8. Todavia 
devemos realizar uma ressalva, na literatura anglo-saxónica a palavra transvestite não é 
correspondente a travesti e encontra-se geralmente associada a uma outra categoria trans, 
a de crossdresser (Saleiro, 2013:195), pelo que por exemplo para autores como Ekins e 
King a referência à travesti conforme nós a abordamos não existe (2005, 2006). Assim, 
tendo em atenção a enorme quantidade de produção antropológica brasileira que 
denomina por travesti o actor social e político que mantém o pénis num corpo repleto de 
referentes femininos, associando-o muitas vezes ao exercício da prostituição e por outro 
lado, a ausência desta categoria na produção anglo-saxónica pode-se levantar a questão 
se a travesti conforme a vamos debater, não tem um contexto geográfico restrito de 
produção, emic e etic. 
 É necessário, neste contexto, realizar uma outra distinção conceptual entre duas 
realidades susceptíveis de produzir equívocos. Referimo-nos ao conceito de transgénero 
e de homossexualidade. Efectivamente são termos que se referem a realidades distintas. 
A homossexualidade é um conceito relativo à orientação sexual, enquanto, que a 
transexualidade9/transgénero se refere a questões de identidade e construção de género. 
A orientação sexual sublinha a atracção sexual por homens, mulheres ou ambos; a 
identidade de género diz respeito à forma como os indivíduos sentem, vivem e expressam 
o seu género (Saleiro, 2009:1-2, 2013). Esta distinção entre orientação sexual e identidade 
de género é relevante no decorrer desta exposição visto fundamentar duas áreas distintas 
da coercibilidade socio-estrutural perante o desvio.10 
 
 
 
8 O termo travesti pode também qualificar indivíduos de sexo feminino com desemprenho de género 
masculino. Não é, todavia, o caso desta pesquisa. 
 
9O termo transexualidade é por vezes usado numa vertente similar à de transgénero, como categoria 
aglomerante de todas as identidades trans. (Saleiro, 2013) 
 
10A homossexualidade está sujeita ao critério da orientação sexual, pelo que se refere à atracção sexual por 
indivíduos do mesmo sexo, não existindo no caso das pessoas homossexuais descoincidência entre sexo 
biológico e género social, entre corpo e mente; por isso um homossexual pode manter o seu género, sem 
exteriorizar o objecto da discriminação, mantendo a sua orientação sexual no domínio da esfera privada 
dos seus comportamentos. Já as pessoas transexuais/transgéneros podem ser, tal como as pessoas cissexuais 
(ou seja, aquelas em que há uma coincidência entre sexo e género), hetero, homo ou bissexuais (Saleiro, 
2009ª:2) e pansexuais. (Saleiro, 2013) 
 
7 
 
1.1.Trans:transexuais/transgéneros 
Em Portugal, dados relativos à existência de pessoas transexuais são praticamente 
inexistentes (Pinto e Moleiro, 2012:161, Saleiro, 2009, 2009ª, 2012, 2013) e a informação 
disponível resume-se na maioria dos casos a artigos das ciências médicas (Saleiro, 
2009ª:3) e a dados recolhidos com profissionais de saúde nos serviços a que pertencem 
(Albuquerque 2006 in Pinto e Moleiro, 2012:161) e relativos aos processos que no âmbito 
do seu desempenho profissional acompanham.11 Neste sentido, sob um ponto de vista 
analítico, estas identidades mais do que construídas pelos indivíduos são-no a partir de 
uma perspectiva que envolve a medicalização do social.12 
 No domínio das ciências socias e médicas, alguns autores incluem as travestis no 
grupo das transexuais quando usam o termo “transexual” (Arán, 2006, Bento, 2006, 
Granner, 2006, Lionço, 2006, Namaste, 2000, etc.), reflectindo de alguma forma a 
imprecisão implícita no modo generalizante como muitas vezes se menciona o 
movimento social GLBT (Saleiro, 2009:5). Todavia salienta-se que para Saleiro esta 
aglomeração numa comunidade assume vantagens enquanto potenciadora da capacidade 
reivindicativa desses vários grupos, podendo no entanto revelar um menor poder e 
visibilidade do movimento T dentro do grupo GLBT de forma correspondente ao seu 
mais reduzido número, quando comparado com os restantes componentes da referida 
comunidade (2013) e, dentro do movimento T a menor organização política de travestis, 
por exemplo, quando comparadas com as transexuais. Colocadas estas ressalvas, neste 
estudo, o termo travesti qualificará apenas sujeitos que não recorrem a cirurgia genital 
(mudança de sexo), embora noutros contextos de abordagem à temática trans existam 
indivíduos que se concebem como transexuais fora da categoria médica correspondente, 
optando tal como as travestis, por manter o pénis e dele retirando igualmente prazer sexual 
(Saleiro, 2013). No entanto as nossas interlocutoras auto-representam-se e apresentam-se 
maioritariamente (por exemplo na internet, onde anunciam serviços sexuais) como 
travestis - encontrando a sua subsistência económica na prostituição, em que “o pénis se 
converte no elemento central do seu trabalho” (Loise, 2006:19). Neste contexto de 
 
11 Os relatos são, no geral, demonstrativos da maior utilização dos serviços por transexuais femininos, 
comparativamente aos transexuais masculinos. 
 
12 Neste sentido Saleiro argumenta que muitas identidades transexuais assim assumidas pelos indivíduos, 
ficam fora da categoria médica de transexual. (Saleiro, 2013) 
 
8 
 
prostituição, a ambivalência que emerge de um corpo montado com referentes femininos, 
onde é mantido o órgão sexual masculino do qual retiram prazer (Kulick, 1998), não 
inviabiliza o termo transexual no sentido em que a transexualidade ultrapassa ela própria 
a definição médica da mesma, não obstante e privilegiando a forma como os próprios 
sujeitos se expressam e produzem utilizaremos a categoria travesti para nos referirmos 
aos indivíduos que constituem o nosso universo de estudo. Todavia, subsidiariamente o 
prefixo trans constitui-se como um recurso apetecível nos anúncios, usado por algumas 
para se auto-descreverem e cativaremclientes. Tal, não consubstancia qualquer 
contradição visto que o termo trans pode também referir-se a transgéneros ou a contextos 
em que as práticas e construções sociais identitárias ultrapassam os limites 
estruturalmente impostos, funcionando como um termo que agrega todas as identidades 
de género fora dos cisgéneros/cisexuais. (Cf. Saleiro, 2013) 
 A palavra transgénero tem também indicado historicamente uma aspiração de 
união entre todas as minorias trans, agregando-as em torno de reivindicações comuns. 
Sob outra perspectiva, reflecte essencialmente uma transgressão ou a não 
correspondência entre sexo, género e sexualidade (Ekins e King, 2006:20). Estes autores 
referem também que a palavra trans configura um chapéu-de-chuva albergando várias 
comunidades transgénero e sexualidades tidas como minoritárias (Cf. Namaste, 2000, 
Saleiro, 2013).13 O termo transgénero foi utilizado pela primeira vez em 1969 por Virginia 
Prince num artigo por si publicado na revista que fundou - transvestia (Ekins e King, 
2006:13). 
 Acrescentamos ainda uma outra perspectiva - especialmente importante para uma 
das questões subjacentes à realização deste trabalho e consistindo na relação entre sujeitos 
e estruturas -construída a partir da constatação do facto destas categorias trans serem 
também em grande parte produzidas estruturalmente enquanto categorias médicas. É o 
caso paradigmático da transexualidade. Não obstante, verifica-se igualmente um 
preenchimento do vazio implícito na abstracção médica, quando os indivíduos através das 
suas práticas vão além dessa dimensão institucional. Nomeadamente e a título de 
 
13“The subject of transsexuality falls within the scope of the LGBT (Lesbian, Gay, Bisexual and 
Transgender) movement, which means that the issue of gender identity is part of a “package” that also 
includes sexual orientation – it is a minority within a minority.” (Saleiro, 2009:5). Com esta frase a autora 
pretende demonstrar a menor visibilidade do movimento T, constatando a existência de margens no seio de 
grupos, eles próprios já marginalizados. 
 
9 
 
exemplo, quando o termo travesti que também encontra a sua origem na medicina - 
qualificando uma disforia de género - alcança um outro patamar quando os indivíduos 
através das interacções se co-produzem de forma dialéctica por relação à estrutura, 
enquanto categorias trans. Motivo pelo qual, a dado momento, as travestis para se 
diferenciarem de outras travestilidades, co-produzem a categoria de crossdresser (Cf. 
Ekins e King, 2006 e Saleiro, 2013). Várias são portanto as acepções da palavra trans as 
quais, insistindo no seu carácter polissémico, podem também indiciar uma migração, 
trajectória (Ekins e King, 2006:90) ou, num outro sentido, uma viagem de género, sexo 
ou ambas. 14 
(…) It is important to remember that on our sociological, processual and relational understandings 
of these issues, meanings of narratives and their constituents emerge within the frameworks they 
are placed. Within the migration mode of transgendering, the sub-processes of erasing, 
concealing, implying, and redefining are variously co-opted and implicated in the service of the 
privileged sub-process of substituting. (Ekins e King, 2006:95). 
 Essa viagem exige meios e a submissão a tecnologias de acção sobre o corpo. As 
cirurgias e a ingestão de hormonas não são apenas os recursos disponíveis para tal, como 
paralelamente se constituem como indicadores das aspirações travestis relativamente ao 
seu corpo - de certa forma reflectindo rituais de iniciação e passagem de um estado a 
outro – à sua identidade e à estrutura, no sentido que esta última legitima ou repudia 
coercivamente determinadas práticas. Dir-se-ia, neste sentido, que o corpo se constitui 
como uma forma de linguagem privilegiada pelas travestis (Benedetti, 2005, Kulick, 
1998) através da qual pretendem comunicar/sinalizar e construir socialmente o seu género 
(que pode inclusivamente consistir na ambivalência de géneros), emergindo por essa via 
como sujeitos e, numa perspectiva mais lata, construindo uma identidade da qual têm 
consciência posicional quanto à sua inserção e evolução num espectro condicionado de 
possibilidades ou impossibilidades sociais; em quaisquer dos casos, mantendo relações 
com o exterior social, mediante processos de identificação ou desidentificação. Por 
 
14 Se a migração tende a sublinhar fluxos de pessoas implicando alguma continuidade no tempo, já o 
turismo, enquanto mobilidade, evidencía a passagem de fronteiras com um carácter transitório seguido do 
respectivo regresso às origens. Tal como nas migrações ou turismos de género, a sociedade não os 
percepciona de igual modo. Os autores estabelecem uma analogia entre a mobilidade de pessoas e de género 
(Ekins e King, 2006:98). Na verdade as migrações de género, ao serem tendencialmente definitivas, trazem 
às sociedades novos problemas a resolver, por exemplo, a aspiração a novas conjugalidades e pretensões 
sociais, nomeadamente a reivindicação do direito à adopção por parte destas cambiantes familiares (Melo, 
2005) ou a emergência de factos decorrentes da construção de uma cidadania – alteração de nome, registo 
de um novo género e sexo, etc. (Peres, 2005, 2006, Saleiro, 2013) 
 
10 
 
acréscimo, numa outra escala de análise (Cf. escalas, Silvano, 1997), não raramente 
somos confrontados com a elaboração de diferenciações e hierarquizações dentro do 
grupo, em função por exemplo da existência de peito15, da ingestão de hormonas (ou não) 
ou das aplicações de silicone.16 Pelo que, diferentes escalas de abordagem tendem a 
convocar de forma diversa e estrategicamente reordenada, os referentes que servem de 
base à construção desses repertórios, os quais são determinados por um posicionamento 
identitário específico e escalonado face ao outro. 
 Assim, mesmo que uma travesti possa não recorrer a cirurgias e hormonas numa 
fase ainda imberbe do seu percurso, apresentar-se-á sempre o mais próxima possível do 
seu ideal feminino, vivenciando experiências relativas a transgéneros mas não a 
transexuais, não só na forma como se entendem, mas também no modo como são descritas 
na bibliografia brasileira, essencialmente. De certa forma, se um/uma transexual será 
sempre um transgénero, um transgénero não será necessariamente transexual. 
 No âmbito das migrações ou turismos de género – processos analiticamente 
distintos - destacam-se certos conceitos chave como substituição, conciliação, 
implicação/insinuação, redefinição ou apagamento (Ekins e King, 2006). Substitui-se o 
que denota um género por características primárias (peito e/ou genitais, conforme a 
circunstância) e secundárias (penteados, cortes de cabelo, tratamento de unhas, 
ornamentos) que evidenciam a pertença a outro género, conciliando disparidades, 
apagando incongruências, substituindo ou insinuando sinalizações e redefinindo papéis. 
De acordo com a terminologia utilizada por estes autores, a oscilação de género (a qual 
se opõe a uma mudança tendencialmente permanente, maioritariamente caracterizada 
pela substituição) é equiparada ao turismo na medida em que a substituição, sendo 
tendencialmente irreversível, detém por isso um menor peso no trans turismo, sendo 
suplantada por apagamentos, implicações, insinuações ou conciliações17 associadas ao 
 
15 Nomeadamente e a título de exemplo, travestis sem peito são muitas vezes denominadas por aquelas que 
fazem cirurgias, como gaysinhos, pelo que hormonas e silicone se constituem como elementos materiais 
privilegiados de uma identidade colectiva e individual, e nalguns casos (como veremos no decorrer deste 
trabalho), condição para admissão no grupo em determinadoscontextos de prostituição urbana ainda em 
território brasileiro. A ausência de silicone e hormonas será o grau mais baixo na pirâmide hierárquica 
travesti em contextos de prostituição. 
16 Estas fases configuram-se como rituais de passagem dentro das fronteiras simbólicas do grupo e como 
condição de aceitação em determinadas cidades brasileiras para o exercício da prostituição, nomeadamente 
a aplicação uma quantidade mínima de silicone no corpo. 
 
17 Na verdade, estes conceitos expressam apenas uma tendência observável, visto que nas migrações de 
género/sexo também se constatam apagamentos e conciliações. O acto de insinuar pode em certos casos 
11 
 
desempenho de papéis em espaços privados, regressando à esfera de género original em 
espaços públicos.18 
1.2. Migrações de género. Viagens 
Aprofundando as migrações de género por contraponto às meras viagens/turismo, Ekins 
e King realizam um paralelo entre migrações de género e o conceito de viagem (2006). A 
noção de oscilação entre uma casa (de género) e um fora de casa (metaforicamente um 
contexto de acolhimento) sublinha a diferenciação que estabelecem entre migração e 
turismo. A primeira implica a mudança de um estilo de vida; a segunda uma viagem 
temporária com um consequente regresso a casa a muito curto prazo, uma casa que na 
verdade nunca se chegou a abandonar. Numa primeira dimensão muda-se de casa, na 
outra fazem-se as malas e parte-se - com bilhete de ida e volta - para um trans turismo 
perfeitamente delimitado no tempo e espaço. Nesta segunda perspectiva, o turismo de 
género implica práticas extraordinárias propiciadoras de novas experiências – desejáveis 
e apetecíveis para os actores sociais - por oposição a uma migração em que essas práticas 
extraordinárias se convertem em práticas quotidianas, substitutivas das originárias que 
tendem a apagar. (2006:98-99) 
 Algumas práticas impossibilitam o regresso a casa, revelando-se como aspectos 
que evidenciam uma migração ou um sair de casa permanente. Esta panóplia de 
substituições ou implicações/conciliações tendentes a estruturar uma migração ou turismo 
de género e/ou sexo parecem observar algumas regras fundamentais apontadas por 
Garfinkel (1967, Cf. Ekins e King, 2006:45, Kessler e McKenna, 1978:113, Zimmerman 
e West, 1987) na abordagem realizada ao caso específico da transexual Agnes que 
acompanhou durante vários anos. Agnes constituiria à luz dos paradigmas 
contemporâneos um caso de intersexo, visto que aparentemente apresentava 
simultaneamente traços físicos masculinos e femininos. (Garfinkel, 1967) 
 
traduzir a acção de enganar ou fingir, nomeadamente quando travestis numa fase pré-cirurgia, colocam 
enchumaços nos peitos ou no rabo (Alencar, 2007). Como se diz na gíria, aprendendo a dar o truque. 
(Pelúcio, 2005) 
 
18 Tudo o que indica a pertença à categoria política homem e consequente género socialmente estruturado 
deve ser conciliado e/ou apagado, e tudo o que indica a pertença à categoria mulher deve ser 
implicado/insinuado. (Ekins e King, 2006:100) 
 
12 
 
 Garfinkel constrói uma argumentação sustentada numa inovação conceptual, 
implícita no facto de nunca utilizar o termo género/s, substituindo-os pela designação 
“população moralmente dicotomizada” (Garfinkel, 1967, Cf. Ekins e King, 2006). 
Segundo ele, desta dicotomia resultavam princípios heteronormativos delimitadores e 
distintivos de género, assentes essencialmente em oposições de carácter binário que 
conferiam grande rigidez ao processo e que viriam também a influenciar outros autores, 
embora com abordagens distintas. 
 1 - Há apenas dois géneros. 
 2 - Todos os indivíduos pertencem a um ou a outro. Invariabilidade de género. 
 3 - As transferências de um género para outro não são socialmente permitidas. 
Neste encadeamento, Kessler e McKenna, corroborando os três eixos normativos 
anteriores acrescentam: 
1- Os genitais constituem a sinalização essencial de género.19 
2- Excepções a estes dois géneros são patologias.20 (1978:113) 
 
1.3.Travestis e a transgressão da dicotomia moralizante: “silicone, a dor da beleza” 
Parecendo contrariar alguns pressupostos vigentes em esquemas de pensamento 
dominantes, as intervenções sobre o corpo são o início da migração de género no caso 
travesti. Muitas vezes executadas no âmbito da clandestinidade, estas intervenções 
negligenciam os saberes institucionalmente produzidos e colocam em risco muitas das 
travestis que nestas condições se submetem a cirurgias, que consistem na aplicação de 
silicone industrial (líquido) adquirido e ministrado ilegalmente (Cf. Alencar, 2007 e 
Andrade e Maio, 1985).21 Estes procedimentos são realizados com recurso a seringas de 
 
19 Quando não são exteriormente visíveis, pressupõe-se a sua existência em função de associações com 
outras sinalizações emitidas pelos indivíduos. 
 
20 Ver-se-á mais à frente como no séc. XXI em Portugal, o Sistema Nacional de Saúde - que presta cuidados 
médicos à população “transexual”- faz depender o início do processo do reconhecimento médico de alguém 
como um/uma transexual de um “diagnóstico da perturbação de género.” (Saleiro, 2009ª) 
 
21 Aconselhamos vivamente a visualização destes dois documentários, devidamente referenciados no fim 
deste trabalho. Através do seu visionamento podemos captar os dilemas e estratégias das travestis e, 
principalmente, a crueza das aplicações clandestinas de silicone, filmadas e documentadas pelos autores. 
13 
 
uso veterinário para animais de grande porte - como cavalos - e culminam muitas vezes 
na morte dos indivíduos que a eles se sujeitam, em consequência de complicações 
supervenientes desse processo cirúrgico.22 O risco implícito no acto de ser bombada, pode 
ainda ser ampliado em situações protagonizadas por bombadeiras menos escrupulosas 
que misturam no silicone outros produtos nocivos ao ser humano. Esta estratégia visa 
unicamente aumentar os lucros retirados do exercício dessa actividade. (Alencar, 2007) 
 Estas acções sobre o corpo são motivadas por factores variados mas confluentes: 
o querer ser travesti de corpo feito (completa), o querer dedicar-se à prostituição ou o 
querer ser aceite no grupo travesti como uma travesti de verdade e não como um mero 
gay23 (Benedeti, 2005, Kulick, 1998, Loise, 2006, Luís e Trovão in Trovão, 2010, Pelúcio, 
2005, 2006, 2006ª, 2007). Neste sentido, parecem também confirmar a ideia de que há 
apenas dois géneros (Garfinkel, 1967), visto que aparentemente procuram alcançar a 
substituição de características primárias e secundárias de um género pelas do outro 
estruturalmente admissível. Em casos extremos, alguns autores como Pinto e Bruns 
(2005) apontam situações de incompatibilidade entre corpo e mente, conducentes não 
raras vezes ao suicídio. No caso masculino, quando não se mostram psicologicamente 
capazes de viver e conviver com o seu pénis; e no feminino, quando se constata como 
objecto principal dessa incompatibilidade, o útero – facto, no primeiro caso, não 
observado relativamente às travestis que constituem o universo de estudo desta 
pesquisa.24 Confluentemente, Virgina Prince argumentava que apenas em casos de 
incompatibilidade entre mente e sexo é que as cirurgias correctivas seriam admissíveis. 
(Ekins e King, 2005) 
 
 
22 O cirurgião plástico Ariosto Santos alerta que é proibido injectar silicone industrial, argumentando que é 
líquido e se move pelo corpo, apesar de após a aplicação se tornar gelatinoso. Não obstante, pode introduzir-
se na corrente sanguínea e como produto tóxico, afectar fígado, rins, causando infecção, abcessos e até 
embolia pulmonar, levando muitas vezes à morte, para além de causar assimetrias no corpo. 
(http://travestisdeportugal.blogspot.pt/search?updated-max=2010-0610T08:26:00%2B01:00&max-results=7). 
23Gay, termo jocoso e depreciativo. Utilizado no grupo travesti para se referirem a indivíduos que se 
afirmando como travestis não têm peito feminino e implicitamente ainda não têm o restante corpo feito. 
Não se identificando com homens homo orientados, a utilização deste termo pode em certas circunstâncias 
também ter uma função de exclusão do grupo. 
 
24 Durante os cerca de 8 anos em que esta pesquisa decorreu, entre as travestis com anúncios na internet 
apenas duas das que fomos observando, realizaram cirurgia ao sexo. Embora na fase pós-cirurgia tenham 
optado por anunciarem na secção de anúncios de prostituição travesti, acabaram por cessar os seus anúncios 
nessa secção e passaram a anunciar nas páginas relativas às mulheres. 
 
http://travestisdeportugal.blogspot.pt/search?updated-max=2010-0610T08:26:00%2B01:00&max-results=7
http://travestisdeportugal.blogspot.pt/search?updated-max=2010-0610T08:26:00%2B01:00&max-results=7
14 
 
 O nosso universo de estudo é portanto, constituído por sujeitos que fazem recair 
sobre os seus corpos uma série de tecnologias disponíveis (legais e ilegais) para os moldar 
com atributos femininos, por vezes exagerando-os (peitos grandes, ancas largas, lábios 
proeminentes, cinturas acentuadas retirando para o efeito algumas costelas, silicone nos 
lábios, sobrolho, bochecha, testa, etc…), mantendo, não obstante - e dele auferindo 
ganhos identitários e materiais - uma das partes do seu corpo, o pénis25 (Benedeti, 2005, 
Kulick, 1998, Loise, 2006, Luís e Trovão in Trovão, 2010, Pelucio, 2005, 2006, 2007). 
Neste caso, a incompatibilidade é sentida ao nível da mente e do corpo numa dimensão 
de construção de género, não da mente e sexo. 
 Nesse sentido, alguns autores afirmam que as travestis se constituem como uma 
outra possibilidade de feminino (Silva, 1993). Para além de terem consciência de não 
serem mulheres, a sua construção de género assenta no querer ser mais que as mulheres 
(Kulick, 1998). Tal é constatável no exagero com que por vezes se elaboram26, quer no 
plano das marcas físicas, quer no plano dos adereços, mantendo (e voltamos a frisar) um 
marcante e distintivo elemento masculino: o pénis que, no entanto, fora da esfera privada 
e da prostituição, procuram apagar face ao olhar alheio. As travestis que acompanhámos 
empreendem claramente uma migração de género através da qual as práticas compatíveis 
com a sua casa originária são permanentemente modificadas ou substituídas, 
ultrapassando o patamar da mera performance oscilatória ou turismo de género (Ekins e 
King, 2006), que no entanto, em certas circunstâncias parece emergir, nomeadamente e a 
título de exemplo quando no exercício da prostituição são convocadas a desempenhar o 
papel masculino na relação sexual. Não se referindo Ekins e King às travestis quando 
elaboram sobre migrações e oscilações de género, nós, optámos por realizar uma analogia 
 
25 Segundo Kulick, no trabalho realizado com travestis em Salvador, o pénis não é apenas encarado como 
uma ferramenta adicional no mercado da prostituição mas também, como uma parte do corpo que 
proporciona prazer, pelo que a grande maioria das travestis observadas não entende o porquê da realização 
de cirurgias ao sexo. (Kulick, 1998:85, Cf. Saleiro, 2013 e o receio de alguns candidatos ao processo de 
transsexualidade de perderem o prazer sexual ao redefinirem o sexo) 
26Surgem ainda outros equívocos, incluindo no grupo “travestis” (ou reversamente) outras variáveis 
associadas a este contexto; não só o caso das transexuais que, como se verificou, recorrem à amputação da 
genitália, mas também relativamente às drag-queens (relativamente a drag-queens, Cf. Damásio 2006) que 
adoptam padrões da masculinidade hegemónica durante o dia e uma identidade que recorre a referentes 
femininos durante os seus espectáculos, geralmente nocturnos. Estes espectáculos estabelecem uma relação 
entre espaço privado e turismo/transferência momentânea (oscilação) de género, enquanto a sua 
masculinidade surge associada ao dia e ao espaço público. 
15 
 
a partir da qual nos parece existir uma forma intermédia, liminar entre migração e turismo 
de género a operar nas travestis e trabalhadoras do sexo brasileiras. 
 Em suma, utilizaremos o termo travesti quando nos referimos a indivíduos que não 
recorrem a cirurgias de redefinição sexo e que vivem o seu dia-a-dia montados (Benedetti, 
2005) com referenciais femininos (alguns irreversíveis), dedicando-se maioritariamente 
ao exercício da prostituição em domicílio. Para tal, recorrem a anúncios na internet 
pagos.27 O seu dia-a-dia - “montadas” ou produzidas tendo como referentes determinadas 
definições de situações (e sub-situações estruturadas e estruturantes) de género - traduz 
as suas práticas quotidianas, ao invés de práticas extraordinárias que implicam um 
regresso a casa, a masculinidade. Existem, no entanto, outras situações que podem 
consubstanciar alguns equívocos sobre o que é ser travesti. Vamos aprofundá-las. 
 
1.4. Crossdressers e drag-queens 
A oscilação de género28 é constatável em casos como o das crossdressers e drag-queen. 
As crossdressers desenvolvem implicações, insinuações e conciliações temporárias de 
elementos definidores de género. Por sua vez, as drag-queens surgem num contexto 
dramatizado, de espectáculo e audiência. Actor/performance e público são neste caso 
conceitos chave (Ekins e King, 2006:133). Não obstante, as performances artísticas, como 
se verá adiante, não estão excluídas do universo travesti, todavia, surgem associadas ao 
espectáculo nocturno e seus consumos segmentados (Cf. Gameiro, 2000), bem como a 
estratégias identitárias e processos de identificação elaborados nesse âmbito. No caso de 
uma crossdresser ou de uma drag-queen, assistimos a performances e não a 
performatividades, pois as suas práticas e discursos não implicam a aspiração a 
emergirem enquanto sujeitos que assumem, vivem e constroem publicamente essa 
diferença. Esta diferença é apenas “experimentada” de forma temporária e socialmente 
 
27 A prostituição no domicílio não invalida que, em certas circunstâncias, (quando “o trabalho tá mau” ou 
sobretudo no caso de travestis com menores recursos) a rua se apresente como solução alternativa, 
comutativamente com o recurso a anúncio em jornais, mais baratos, que permitem alcançar uma clientela 
tendencialmente diferente. No Brasil, ao invés de Portugal, a prostituição em domicílio aparenta ser mais 
elitista, exercendo a grande maioria a prostituição de rua. 
 
28 À qual não corresponde necessariamente uma oscilação identitária, visto que o indivíduo não emerge 
como sujeito identitariamente posicionado através dessa oscilação de género; não implica necessariamente 
comunidade, nem consciência política ou identidade dado o carácter transitório dessa mobilidade de género. 
Todavia essas oscilações criam interacções específicas marcadas por também específicas estruturações. 
 
16 
 
compartimentada (Saleiro, 2013), não afectando com carácter permanente a esfera 
identitária exteriorizada de quem as executa. Num certo sentido invertendo papéis e não 
confrontando na maioria das vezes, publicamente a estrutura29, acabam por a confirmar 
dado o carácter extraordinário dessas práticas e consequente retorno à 
heteronormatividade cissexual masculina. Segundo Saleiro o elemento distintivo das 
crossdressers face a transgéneros como as travestis, reside essencialmente no facto de 
viverem o masculino e o feminino, separadamente, carecendo as suas práticas do 
hibridismo que em muitos contextos caracteriza as travestis. (2013:264) 
 Sintetizando, embora a travesti operacionalize substituições de carácter 
tendencialmente permanente não apresentam na sua larga maioria a aspiração de se 
submetera uma cirurgia à genitália, convivendo de forma ambivalente com o seu sexo e 
não se identificando com homens homo - orientados (Bussinger, 2008:40, Pelúcio, 
2006:524-525). A este nível, a sua diferença mais evidente é vivida ao nível da sua 
expressão de género, mais do que relativamente, à sua orientação sexual e a 
homossexualidade - per si - não implica nova construção de género (Cf. Em sentido 
complementar, Saleiro 2009, 2009ª, 2013).30 Para tal, procedem à ingestão de hormonas 
e recorrem a tecnologias de acção sobre o corpo mediante aplicações de silicone. E se as 
hormonas as aproximam da feminilidade, o silicone31 é tido como a dor da beleza. 
(Pelúcio, 2007:9) 
 Na aquisição de competências no âmbito de um projecto de feminilidade, a 
ingestão de hormonas constitui um dos primeiros passos nesse percurso (Benedetti, 1998, 
2005, Bussinger, 2008:41, Loise, 2006, Luís e Trovão in Trovão, 2010, Pelúcio, 2005, 
2006). Não obstante, no discurso para dentro do grupo, outras ambivalências se 
constatam; se, para umas, ser realmente travesti implica tomar hormonas (Pelúcio, 
2006:525); para outras, ser travesti é o resultado da aplicação de silicone no corpo 
 
29 As suas oscilações de género são maioritariamente experimentadas no espaço privado. (Cf. Saleiro, 2013) 
 
30 Este constitui-se como um dos fundamentos da diferença entre ser-se travesti e ser-se homossexual. Neste 
sentido e segundo o operador construção de género, uma travesti não é homossexual. Face à multiplicidade 
de relações sexuais mantidas no âmbito da prostituição, a orientação sexual que mais facilmente se aplicaria 
às travestis seria a pansexualidade no sentido em que experienciam a relação sexual com indivíduos 
independentemenete da sua expressão de género. Contudo, como veremos a partir dos discursos particulares 
abordados a partir da parte II desta tese, nem sempre tal se verifica. 
 
31 Nome genérico de substâncias análogas aos corpos orgânicos, em que o silício substitui o carbono. 
 
17 
 
“criando um feminino particular, com valores ambíguos” (Silva, 1993:117).32 Um 
feminino que se constrói e se define em relação ao masculino (Cf. Kessler and McKenna, 
1978). Citando Benedetti, vivem “um gênero ambíguo, borrado, sem limites e separações 
rígidas.” (2005:132). 
 É neste sentido um feminino falocêntrico porque elaborado tendo como arquétipo 
o centro de masculinidade, sustentado numa perspectiva binária do seu contrário - o 
feminino - que assim, socialmente estruturados, se constituem como sustentáculos do 
centro heteronormativo e suas relações de assimetria e dominação. (Cf. Freire, 1964, 
Santos, 1997, Vale de Almeida, 2000) 
 Por seu turno, a drag-queen33 (Cf. Damásio, 2006) é o indivíduo que num 
espectáculo ou em contextos específicos, se veste de mulher mas sem necessariamente, 
inscrever no corpo marcas permanentes do feminino (cirurgias, hormonas, etc). Chidiac 
e Oltramari (2004) afirmam que “as drags se apresentam no quotidiano como homens” 
(posturas, gestos, roupas e comportamentos entendidos como inseridos no âmbito da 
masculinidade), manifestando e caracterizando a feminilidade nas personagens que criam 
e representam, geralmente em espaços de diversão nocturna destinados a consumos de 
clientelas com construções de género e orientações sexuais minoritárias, face à 
cissexualidade e heterossexualidade dominantes.34 Desta forma, apresentam uma 
modalidade mais flexível de travestidade (no sentido literal do travestir-se), exibindo o 
género feminino nas suas performances e mantendo‐se masculinos em seu dia-a-dia 
(Bussinger, 2008:40), isto é, não alterando a sua identidade (Ekins e King, 2006). Não 
obstante, e ainda que com carácter de reversibilidade, parecem mais uma vez confirmar a 
existência de apenas dois géneros, entre os quais oscilam sem no entanto, os misturar. 
 
32 No âmbito de etnografia que realizou, com travestis na Lapa, bairro do Rio de Janeiro. 
 
33 Noutro contexto a drag-king, quando alguém do sexo feminino realiza performances marcadas por 
referenciais masculinos. (Saleiro, 2009ª:3) 
 
34 Esta inversão espácio-temporalmente realizada denota algumas semelhanças com o conceito de 
cismogénese de Bateson (1971), a partir da sua observação dos Iatmul e dos seus rituais. Nomeadamente 
daquele em que homens e mulheres se travestiam com adereços e ornamentos estruturalmente permitidos 
ao género/sexo oposto, reforçando através desse ritual de inversão, comportamentos socialmente 
normativos, mediante a sua confirmação num contexto extraordinário de performances ritualizadas. Esta 
abordagem será objecto de aprofundamento num outro trabalho do mesmo autor, em que este argumenta 
que a comunicação não se resume à verbalização, ao invés, abrange a tautologia, cinética e para-linguística, 
formas de comunicação que sublinham a importância dos sistemas simbólicos operantes em determinados 
contextos socioculturais. (2000) 
18 
 
 De uma forma geral, a análise dos autores aponta para que, quando montadas 
(Benedetti, 2005) as drag-queens unam características físicas e psicológicas masculinas 
e femininas num único corpo, postura que relativiza a tendência à essencialização no 
conceito de identidade/performance dado o seu carácter andrógino, a que Saleiro chama 
de hibridismo. (2013) 
 Neste enquadramento o nosso entendimento relativamente à categoria transgénero 
é o de alguém que empreende uma outra construção social de género, que à luz da 
estrutura não é compatível com o seu sexo biológico, permitindo conceber no plano das 
práticas, indivíduos do sexo masculino vivendo como mulheres e vice-versa. Salientamos 
ainda que nesse experienciar de expressões de género, as formas de viver o feminino e/ou 
masculino não são idênticas. Como temos vindo a referenciar há indivíduos que se 
concebem como transexuais sem pretenderem alterar o sexo, há transexuais que apenas 
se concebem como tais após a cirurgia, há crossdressers hétero e homossexuais, etc. 
 Há portanto diversas combinatórias de expressão do masculino e feminino. E entre 
os transgéneros existem pontos de contacto e de diferenciação, nomeadamente nos casos 
em que verificamos, que se nas crossdressers e drags se aplica de forma mais ou menos 
consensual o conceito de turismo de género, e nas transexuais operadas uma migração de 
género, nas travestis constatamos um estado de liminaridade em que operam ambos, 
migração e oscilação/turismo. 
1.5. Transexuais 
Temos vindo a discorrer sobre entendimentos possíveis do que é um/uma transexual, 
segundo abordagens mais emics ou etics, há todavia, bibliografia que o/a considera como 
o indivíduo que “visualiza a cirurgia como a única possibilidade capaz de eliminar sua 
discordância sexual” (Bruns e Santos, 2006:3). Entenda-se cirurgia de 
reconstrução/transformação do órgão genital masculino em feminino ou vice-versa. No 
mesmo sentido, para Bussinger, “a transexualidade pode ser definida num primeiro 
momento como sentimento de não correspondência ao sexo anatómico, sem delírios ou 
causas orgânicas, apontando para uma incomunicabilidade entre corpo, sexo e género.” 
(2008:40, Cf. Ekins e King, 2005). Corresponde esta abordagem essencialmente operada 
a partir das ciências médicas considerada como um posicionamento mais clássico perante 
a temática, sendo a tendência observável, quer nas ciências sociais, quer na produção de 
leis, a de afastar a temática da transexualidade do âmbito mais ou menos restrito das 
19 
 
práticas médicas, reconduzindo-a a uma categoria produzida essencialmente a partir da 
acção e aspiração dos sujeitos que se classificam como transexuais. Nesse sentido Saleiro 
refere que na Argentina surgiu uma lei em Abril de 2012 que não faz depender o 
reconhecimento legal de uma identidadede género de qualquer apreciação médica (2013). 
Todavia, não é esse ainda o panorama generalizado e a transexualidade é ainda um 
processo iminentemente médico, mais do que uma questão de agenciamento do self.35 
 Em Portugal representam um grupo de pessoas remetido a alguma invisibilidade, 
na medida em que o seu escasso número a isso induz. Segundo Saleiro, não haverá mais 
que 210 homens e mulheres transexuais em Portugal. No mesmo sentido, a administração 
do Hospital Júlio de Matos (espaço clínico onde se procede à prestação de cuidados 
médicos na área da transexualidade), afirmava - em 2007 - que a fila de espera em termos 
de cuidados dirigidos a transexuais era constituída por cerca de 70 indivíduos, enquanto 
o Hospital de Santa Maria referia ter seguido apenas 50 indivíduos na década precedente 
(Saleiro, 2009:2). Estes dados são-nos fornecidos por fontes médicas, pelo que 
mencionamos de novo o facto de haver muitos indivíduos que se entendem como 
transexuais e que estão fora da alçada do processo medicamente assistido de 
transexualidade. Contudo e como veremos no decorrer desta exposição, passaram mais 
travestis brasileiras dedicando-se à prostituição por Portugal, do que transexuais 
recorrendo ao SNS português o que poderá significar que a categoria de transexual 
autorizada pelo SNS não é aquela com que a maioria dos transgéneros se identifica. Na 
verdade, entre Agosto de 2008 a Abril de 2012, 389 travestis anunciaram no sítio mais 
procurado para o efeito em Portugal, o Vrip T. Tal revela não só a dimensão deste 
fenómeno migratório quando ajustado à escala portuguesa, como também o facto de 
travestis e transexuais apresentarem diferenciações no modo como dialogicamente se 
produzem e são produzidas por relação à, e pela estrutura, e numa outra escala, entre elas 
próprias enquanto categorias diferenciadas. Nesse sentido Saleiro afirma que as 
 
35 No domínio da orientação sexual e da assunção de identidades transgéneros alguns progressos no sentido 
da inclusão tem-se verificado m Portugal, nomeadamente em 2003 com a contemplação no Código do 
Trabalho da igualdade no acesso ao emprego e trabalho independentemenete da orientação sexual, em 2007 
o Código Penal inclui a orientação sexual como motivo de discriminação a par de outras dimensões do 
indivíduo (raça, etnia, etc), em 2004 na Constituição da República Portuguesa é acrescentada a orientação 
sexual ao art. nº 13 princípio da igualdade, embora sem referência à identidade de género. Ao nível europeu 
verificamos algumas recomendações no âmbito do Issue Paper (2009) e no Estudo do conselho da Europa 
indicando a necessidade da criação de estruturas nacionais especificicamente orientadas para a promoção 
da igualdade de género e orientação sexual, etc. Ao nível das práticas médicas algumas directrizes 
internacionais continuam a considerar maioritariamente as identidades transgénero, como doenças mentais. 
É o caso da DSM – Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. (Cf. ao nível das dinâmicas 
sociais médicas, legais e associativismo da temática transgénero, Saleiro, 2013:150-170) 
20 
 
transexuais se encontram no “topo da hierarquia” dos transgéneros, não só por se 
revelarem como a categoria mais estabilizada, mas também pelo facto de ser aquela que 
é estruturalmente mais valorizada e respaldada. (Saleiro, 2013:251) 
 Ainda no âmbito das identidades/corpos travestis e transexuais, e à luz de uma 
análise que deixa entrever a necessidade da sua realização em diversas escalas, Pelúcio 
vislumbra no contexto brasileiro uma outra diferenciação: as origens sociais 
tendencialmente distintas de umas e outras. Como refere, a grande maioria das travestis 
é proveniente de classes médio-baixas enquanto, que as transexuais são maioritariamente 
pertencentes às classes média e média alta (Pelúcio, 2006:525). 
 Em Portugal, e concebendo os sujeitos como identidades em processo, no caso de 
uma travesti desejar ultrapassar a sua condição de indivíduo com perturbação de 
identidade e regularizar a sua socio-construção de género, ela pode nos termos da Lei n.º 
7/2011 de 15 de Março no seu art.º 3, nº 1 e 2 e através de requerimento enviado a uma 
conservatória do registo civil, solicitar procedimento de alteração de sexo e nome, da 
mesma forma, em que nesses serviços se solicitam a nacionalidade portuguesa ou a 
realização de casamento civil. Não obstante, estes actos administrativos apenas podem 
ser consumados após apresentação do sujeito a um painel constituído por 2 médicos, que 
o diagnostiquem como um indivíduo com uma perturbação de identidade género 
compatível com a transexualidade.36 
 
 
 
36 “Pela Lei 7/2011, de 15 de Março, tornou-se possível proceder à alteração de sexo e de nome no registo 
de nascimento sem necessidade de prévio processo judicial. O procedimento criado é da competência das 
conservatórias do registo civil. Têm legitimidade para requerer os cidadãos portugueses, maiores de idade, 
que não sejam interditos ou inabilitados por anomalia psíquica e aos quais tenha sido diagnosticada 
perturbação de identidade de género. 
Documentos a apresentar para iniciar o processo: 
- Requerimento do interessado que necessariamente deverá conter a indicação do seu número de 
identificação civil e do nome próprio com que pretende vir a identificar-se, além dos demais elementos 
próprios dos requerimentos. 
- Relatório que comprove o diagnóstico de perturbação de identidade de género, elaborado por equipa 
clínica multidisciplinar de sexologia clínica, o qual deve ser, pelo menos, assinado por um médico e um 
psicólogo.” Esta matéria é regulada pelo Instituto dos Registos e do notariado. (Disponível em 
http://www.irn.mj.pt/IRN/sections/irn/a_registral/registo-civil/docs-do-civil/procedimentos/#nome. 
Acesso em 14 de Agosto de 2014). Neste contexto não só os médicos produzem um conceito sobre a 
transexualidade, como os próprios indivíduos podem produzir um discurso compatível com o que outro 
espera, de alguém que verdadeiramente corresponda à categoria médica de transexual. 
 
http://www.irn.mj.pt/IRN/sections/irn/a_registral/registo-civil/docs-do-civil/procedimentos/#nome
21 
 
1.6. Hermafrodita/intersexo 
Por se revelar uma situação de desconforto social e pessoal - um não lugar (visto que nem 
dentro dos parâmetros heterossexuais se encaixa num feminino ou num masculino), a 
solução para os hermafroditas (que possuem características genitais de ambos os sexos) 
passa muitas vezes, por uma cirurgia de correcção (Lima, 2006:1).37 Tal verifica-se 
também no caso abordado por Garfinkel quando argumentava que não é possível 
perpetuar a indefinição de sexo, pois ela terá consequências ao nível da construção do 
género, a qual mais tarde ou mais cedo será empreendida pelo actor social. Ou se pertence 
a um ou a outro, nunca aos dois (1967). Em quaisquer dos casos anteriores, e visto que o 
corpo e o sexo marcam indivíduos e delimitam a frequência de espaços sociais, masculino 
e feminino reflectem papéis social e historicamente (politicamente) atribuídos, pelo que 
o seu desempenho se realiza em espaços e áreas socialmente confinados a cada um deles. 
(Lima, 2006:1) 
 Vários autores referem essa ambiguidade como um dos maiores dilemas humanos: 
o sexo com que se nasce e o género não compatível em que se integra “semeia a dúvida 
no seio da sociedade, constituindo um dos conflitos mais radicais a que se pode expor 
uma pessoa” (Gómez, 2002). Nos casos de mera inconformidade genital, ela pode 
actualmente ser corrigida pela biotecnologia médica. Ressalvam-se todavia, alguns 
aspectos éticos e deontológicos quando essa inconformidade é detectada precocemente. 
Não há forma de assegurar com antecedência que a decisão assumida em relação à 
correcção do

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