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LUIZ ANTÔNIO MILLECCO MEU ALÉM DE DENTRO E DE FORA DITADO PELO ESPÍRITO DELFOS UNIVERSALISMO ÍNDICE NOTA DA EDITORA APRESENTAÇÃO 1. CEMITÉRIO DE OVÓIDES 2. FATOS E VALORES 3. OVOIDIZAÇÃO 4. ARQUÉTIPOS E FORMAS ARQUETÍPICAS 5. O EGO SEM VÉUS 6. O CÉU EM PLENO INFERNO 7. MEU ENCONTRO COM GANDHI 8. MEU ENCONTRO COM S. L. 9. MEU DIÁLOGO COM UM ESPÍRITO EX-PERVERSO 10. O LABORATÓRIO DE ÉDISON 11. UMA EXPERIÊNCIA SIGNIFICATIVA 12. A PALAVRA DE CHARDIN 13. A EXORTAÇÃO DE J. R. 14. A MISSÃO DOS PACIFISTAS 15. A VOLTA DE LOYOLA 16. UMA REUNIÃO SOLENE 17. MEU DIÁLOGO COM EMMANUEL 18. PROBLEMAS DA MEDITAÇÃO 19. O CONSELHO DO RAJÁ 20. ODISSÉIA DE UM PSEUDO-SANTO 21. SOBRE OS MÉDIUNS 22. POR QUE ESTE MÉDIUM 23. NOSSO TRABALHO MEDIÚNICO 24. ENCONTRO ESTRANHO E DEFINITIVO NOTA DA EDITORA A SOCIEDADE EDITORA ESPIRITUALISTA F. V. LOREZ apresenta, com a maior satisfação, o primeiro livro de uma nova série de notável filósofo brasileiro, que nos legou magnífica obra, e que se apresenta agora simplesmente como Delfos. Meu Além de Dentro e de Fora registra as primeiras impressões de Delfos no Mundo Espiritual. Em suas mensagens há ratificações e também retificações... E logo nas primeiras linhas do livro, o primeiro, aliás, de uma série já concluída, constataremos, com facilidade, que Delfos é, de fato, profundo conhecedor dos assuntos espirituais, como diligente estudioso que sempre foi da vida no Mundo do Espírito. O médium, Luís Antônio Milleco, é bastante conhecido pela sua assinalada contribuição à causa do estudo e difusão do Espiritismo. Foi um dos fundadores da SPLEB - Sociedade Pró-Livro Espírita em Braile, do Tele-Cristo, do Grupo Universalista Os Cirineus e outras instituições. Professor, jornalista, escritor, poeta, musicoterapeuta, é cego de nascença. Com este livro a SOCIEDADE EDITORA ESPIRITUALISTA F. V. LORENZ está certa de contribuir também para enriquecer ainda mais a vasta literatura espírita em Português e em Esperanto. APRESENTAÇÃO Ignoto Amigo, Das profundezas e mistérios do além de fora volto a ti. Não me creias um duende, um fantasma, um egresso da Natureza para o sobrenatural. Não! ... Sou eu mesmo, intacto e renascido com idêntica sede do Infinito. Antes de abandonar meu corpo de carne, não me eram dados contatos com o além de fora. É verdade que, por vezes, tinha com ele alguns “Flertes” mais ou menos “clandestinos”. Minhas aspirações espirituais estavam, invariavelmente, voltadas para o meu além de dentro. Eis, porém, que a irmã Morte, serena e inflexível, houve por bem visitar-me e submeter-me à sua cirurgia. Graças a ela, eis-me neste “outro mundo”, que só é “outro” para quem ainda não compreendeu que o Universo é um só, em múltiplas dimensões. Tão logo cheguei a essas plagas, meus dois aléns, o de dentro e o de fora, como se interpenetraram e não mais me foi possível distinguir um do outro. Também, como poderia eu separar-me, de maneira absoluta, de um mundo que é, em grande parte, uma porção de mim mesmo? Agora quero dividir contigo minhas experiências e perplexidades. Quero que saibas que, se pude confirmar aqui o que centralmente havia descoberto aí, também tive de reformular minhas “verdades” mais ou menos “definitivas”. Convido-te a empreendermos juntos, uma viagem por esse país que, embora tão antigo, e sempre novo, a cada vez que nos despojamos de uma veste física. Se frequentaste as minhas aulas, é provável que te decepciones aqui e ali com o antigo “mestre”. Será ótimo que assim seja. Compreenderás, então, que não cheguei nem mesmo a ser o professor, conforme supunhas. Se apenas me leste, terás confirmadas algumas das minhas teorias e abandonadas outras, porque a morte não me despojou apenas do meu invólucro físico, desembaraçou-me, também, de algumas teias com que ardilosamente me prendiam ao meu ego mental e emocional. Delfos I - CEMITÉRIO DOS OVÓIDES Quando fui carinhosamente abraçado pela irmã Morte, com a qual já me reconciliara havia muito tempo, esperava ser conduzido a algum céu, onde minha busca do Infinito fosse ainda mais profunda e onde mais completa fosse minha comunhão com Deus. Tal, porém, não aconteceu. Para minha surpresa, embora soubesse ter abandonado o corpo físico, então imprestável, sentia ainda algumas de suas mazelas. A ferida na perna cicatrizara, mas persistia ainda um resto de dor. A sufocação no peito não me abandonara de todo. Logo fui, porém, recolhido a um pouso de refazimento, onde minhas forças foram, aos poucos, se retemperando. Minha sensação de convalescença assemelhava-se à que descrevi com o ocorrido após o naufrágio em Cosmorama. Logo que refeito fui conduzido ao estudo. Disseram-me que no meu pensamento havia muita coisa a reformular e muito a completar. Um dia fui conduzido a um estranho compartimento da instituição que me abrigava. Era uma sala um tanto espaçosa, escura e cheia de pequenas caixas retangulares, semelhantes a caixões de natimortos (nascidos mortos). Todavia, o que me deixou mais perplexo não foram as aparentes caixinhas mortuárias, mas o que estava dentro delas. Tratava-se de formas ovóides, que variavam em seu tamanho; algumas tinham a dimensão de um crânio humano, outras chegavam quase à estatura de um ovo de galinha. Preparava-me para abordar o assunto com o Instrutor Rufus, que me assistia. Ele, porém, antecedendo-se, fez-me, curiosamente, a pergunta que eu me dispunha a desfechar-lhe à queima roupa: - Essas formas que estão diante de ti, que são elas? Não quis arriscar-me a responder. Ele, porém, prosseguiu: - São almas em profundo desequilíbrio. De tal sorte comprometeram sua forma astral que acabaram por perdê-la. - Já sei - disse-lhe eu triunfante. - Estamos diante de uma segunda morte. Esses seres certamente fizeram a opção zero na evolução. Aos poucos se desintegram, deixarão de existir como consciências individuais, embora continuem a ser universalmente. Rufus, paciente e atento, não quis interromper-me. Tão logo, porém, concluí minhas observações, aguardei, interessado e ansioso, que ele confirmasse a “grande verdade” que eu enunciara no mundo. Para minha surpresa, ele me respondeu: - Apenas em parte, meu caro Delfos, apenas em parte estás com a razão. Esses seres perderam afetivamente sua casca astral; todavia, não se encaminham para o zero, para o nada. Deus não perde tempo, nem se engana, meu caro Delfos. Para Ele não existe o imprevisível. A Suprema Inteligência do Universo é, também, supremo amor e jamais crearia1 seres destinados irremissivelmente ao nada. Fiquei perplexo e desconcertado. Onde estava o livre arbítrio do homem? Não poderia um ser, humano ou angélico, optar pelo seu auto-aniquilamento? Rufus, captando-me as últimas inquietações, veio ao encontro delas e me disse: - Delfos, o livre arbítrio não é absoluto. Se o fosse, o Universo seria um caos; e sabes que é um cosmos de beleza e harmonia. Como quererias que alguém, em qualquer fase de jornada evolutiva, pudesse cometer a loucura de auto-destruir-se? Não sabes que a consciência de ti mesmo é um patrimônio laboriosamente conquistado por tuas lutas milenares? Não sabes que és parte da vida universal e que sem ti, sem qualquer das creaturas de Deus, mesmo as aparentemente mais ínfimas, a creação estaria incompleta? Como quererias que te fosse permitido comprometer a harmonia cósmica com tuas eventuais insânias? Sim, de fato - pensei -, quão tolo fui eu ao esposar a teoria da morte eterna! Eterno só Deus; e Deus é VIDA! Não poderíamos perecer, nós que somos seus filhos e herdeiros! Muitas vezes mergulhamos nos mais profundos abismos da morte, mas para de lá sairmos ressurretos e triunfantes. Ainda que nossa consciência mergulhe na mais absoluta hibernação, ela será um dia impelida, pelo fatalismo da Vida, a despertare a retomar a jornada eterna. Minha mente, no entanto, fervilhava de interrogações. Enquanto me demorava naquele “cemitério dos ovóides”, perguntava a mim mesmo: 1 O Autor prefere"crear" e seus derivados para atos de creação. - Que será feito desses seres? Terão ainda consciência de si próprios? Como recuperação sua forma humana perdida? Mais uma vez Rufus veio em meu socorro: - Alguns têm consciência de si próprios, embora essa consciência seja semelhante à dos esquizofrênicos ou dos que cultivam monoideias. Outros vivem uma espécie de sono estremunhado, girando em torno dos seus próprios pesadelos. Outros, ainda, dormem o sono quase sem sonhos. É difícil descrever-lhe a posição. Trata-se de um sono pesado, mas não tranquilo. Só há um remédio para que esses pobres seres se curem de seu mal: um novo mergulho na carne. Devem renascer da água, para mais tarde renascerem pelo espírito. - Onde? - insisti eu. - Alguns, ainda na Terra, nos próximos anos, serão mergulhados em corpos defeituosos. Outros, porém, terão que ser compelidos a mundos inferiores, porque sua presença perturbaria a evolução deste planeta. Perplexo, curvei-me à sabedoria divina que tudo retifica e a todos acolhe. Como diria um dos nossos humoristas: “Morrendo e aprendendo”. II – FATOS E VALORES Quando entre os terráqueos, não dava maior atenção ao processo reencarnatório. Considerava-o apenas como um fato, e aprendera com Einstein que “do mundo dos fatos não conduz nenhum caminho ao mundo dos valores”. Além disso, a reencarnação para mim era compulsória e não se dava necessariamente na Terra. Foi o meu implacável Rufus quem veio desfazer em minha mente mais essa ilusão. Levou-me a presenciar inúmeros processos de renascimento, alguns expiatórios, outros vividos por almas missionárias devotadas ao sacrifício em prol da Humanidade. Aproveitei um momento de lazer e interroguei o meu paciente instrutor: - Rufus, como fica afinal o ensinamento de Einstein? Acabas de mostrar-me que inúmeras almas renascem vezes sem conta neste pobre planeta; venho de constatar contigo que a reencarnação é uma lei fatal, à qual todos os seres se submetem. E eu pensava o contrário... Que fizeste das minhas convicções, meu sereno e imperturbável juiz? - Delfos - respondeu-me ele - não sou juiz senão de mim mesmo, e olha que nem assim consigo que meus pensamentos sejam sábios, pois há dentro de mim tanta coisa que me demoro a perceber! Quanto às tuas reflexões, Delfos, escuta: não estás errado. Com efeito, “do mundo dos fatos não conduz nenhum caminho ao mundo dos valores”. É, porém, no “mundo dos fatos”, que o homem se adestra para a percepção dos valores. Observa os pássaros. Não é o ovo que os conduz ao vôo; eles, no entanto, devem nascer para mais tarde aprenderem a voar. Não é o solo que os faz ganhar os ares; eles, todavia, necessitam senti-lo para firmarem os pezinhos. Não é, tampouco, a lei da gravidade que os impulsiona para cima. Eles, contudo, precisam vencê-la, a fim de cumprir seu destino. Repara: o ovo, o solo, a lei da gravidade, são resistências que devem ser superadas, se a ave quiser cumprir uma das leis para as quais veio ao mundo. É assim com o Espírito. Deve ele mergulhar na carne, sofrer-lhe a opressão e todas as resistências ao ambiente físico, a fim de ser ele mesmo, restituído à sua condição de filho de Deus. - Mas, Rufus - perguntei eu -, é possível estabelecer-se um limite exato entre a chamada prova e a chamada expiação? - Até certo ponto, sim. Estavas certo, Delfos, quando afirmavas no mundo que o sofrimento era a característica de toda a creação. Em sua generalidade, as creaturas de Deus sofrem e nem todas têm o que expiar. A prova, Delfos, é a condição necessária ao desenvolvimento do ser espiritual; a expiação é um acidente no caminho evolutivo. - Por que será então, meu caro Rufus, que esse “acidente” ocorre justamente com aqueles que possuem todos os recursos para evitar acidentes? - Boa observação, Delfos; o natural é que as crianças se firam por inexperiência, não os adultos. Nós, contudo, meu amigo, ainda nos portamos?como crianças espirituais. Não enfrentamos os perigos com a prudência necessária e, quase sempre, nos ferimos como meninos imaturos que, avidamente, desejam os brinquedos de hoje sem pensar no amanhã. - Ainda uma questão me inquieta, meu paciente Rufus: estaria eu de todo errado quando afirmava que a reencarnação não se dá só na Terra? Afinal, reparei contigo que muitos dos que renascem neste planeta estão chegando de outros orbes. - É verdade, Delfos; quando um planeta como o nosso chega ao fim de um de seus ciclos evolutivos, recebe grandes contingentes de outros orbes, como disseste; além disso, compactas multidões vagavam até agora pela erratididade do planeta e só agora merecem as bênçãos de uma oportunidade reencarnatória. É preciso, também, atentar para o fato de que as humanidades se vinculam aos mundos por toda uma gama de forças imponderáveis, não lhe sendo fácil o deslocamento de um para outro globo, a não ser em circunstâncias excepcionais, como as que ora vivemos. Quanta coisa a aprender, quantos conceitos a reformular! Infelizes daqueles que fazem de seu credo uma gaiola inexpugnável! Acabarão por perderem o gosto pelo vôo e não atingirão seus gloriosos destinos. III – OVOIDIZAÇÃO Não me refizera de todo da profunda experiência, cujo impacto se exercera sobre mim no “Cemitério dos Ovóides”, quando Rufus me conduziu a uma nova e imprevisível aventura. Estávamos no Rio de Janeiro. Essa cidade para mim possuía certo fascínio. Conquanto houvesse nela todas as máculas de uma cidade grande, havia, também em seu seio, misteriosas fontes de vida e ainda recantos poéticos onde a matéria morta não prevalecia de todo sobre a pujança delicada do espírito vivo. Rufus levou-me até o alto da Tijuca. Era noite. O bosque recendia. A vida. A vida estuava. Não foram, no entanto, os espetáculos do mundo físico que me atraíram. Rufus desejava chamar minha atenção para estranhos seres supra-físicos que povoavam a mata. Vi-os de vários matizes e sob diversas formas. Alguns tinham aspecto masculino e outros feminino. Uma coisa, porém, os caracterizava a todos: eram seres pequeninos. Vários chegavam mesmos ao tamanho de um feto. Havia outros seres maiores mais ao fundo da floresta. Não tive dificuldade em perceber que se tratava dos chamados elementais ou espíritos da Natureza. Já me referi a eles em minhas aulas, como habitantes do subsolo do Universo. Agora, porém, aconselhado pela prudência, não ousava afirmações. Desconfiava das minhas verdades definitivas e preferia interrogar meu companheiro. Não foi preciso. Rufus encarregou-se de me responder às perguntas mudas. - Sim, Delfos, estás diante dos elementais. Convém saberes, todavia, que eles não são seres paralelos à evolução do homem; são, ao contrário, futuros seres humanos. Preparam-se agora para os grandes embates do mundo físico. - Na terra? - perguntei eu. - Não - disse Rufus. - Este planeta, conquanto ainda muito retardado na jornada evolutiva, já quase não oferece clima propício para primeiras encarnações. Continuamos a observar os elementais. De repente, eis que um fenômeno me deixa estupefato: entre aqueles pequeninos e graciosos seres, surgiram formas esféricas e ovóides, semelhante às que eu havia visto, em companhia de Rufus, na instituição em que nos domiciliávamos. Várias dessas esferas iam, aos poucos, adquirindo contornos humanos; outras, contudo, permaneciam em suas formas primitivas. - Que significa isso? - perguntei inopinadamente. - São esses seres também elementais ? - Não tenhas dúvida - respondeu Rufus, para meu espanto. Após uma ligeira pausa, prosseguiu meu amigo com suas lições inesperadas e desconcertantes: - Já sei em que cogitas. Achasnormal que seres já plenamente individualizados e responsáveis por si mesmos, possam compreender sua forma astral até ovoidizá-la. - Mas esses seres, mal saídos de um longo processo de elaboração na Natureza, esses entezinhos ainda semi-animais, o que fizeram para deformar assim seus corpos astrais mal formados? - Vamos por partes, meu caro Delfos. Que acontece quando o espermatozóide fecunda o óvulo? - Constitui-se ovo - respondi. - Logo, não só o ovo, mas também a esfera, são como que os primeiros estágios de todas as formas no plano físico. A própria semente nada mais é do que um ovo um tanto alongado. - Mas que queres dizer com isso, Rufus? - Quero dizer que a ovoidização2 tem causas diferentes nos seres menores e nos chamados maiores, na creação terrestre. No ser já plenamente individualizado, consciente, é como que uma espécie de resnascimento da forma perispirítica ou astral. É o resultado de longos abusos perpetrados por inteligências realmente satânicas. Não é o e Espírito que morre; é o perispírito ou corpo astral que se deforma. Alguma dessas inteligências, antes de chegarem à forma ovóide, recapitulam, também a experiência animal, sem perder a consciência de si mesmas. 2 Aqui o amigo espiritual alude à transformação do perispírito e não à qualquer degeneração do Espírito. (Nota do médium) Outras sofrem como que uma ovoidização direta. Nunca é demais frisar: em nenhum desses casos existirá uma segunda morte, mas sim um desequilíbrio provisório. Há Espíritos que chegam mesmo a um estado de hibernação ou inconsciência. Essa situação, no entanto, embora tenha duração indefinida, não é eterna. Um dia, a misericórdia divina visita esses pobres seres e eles retomam a jornada de sua evolução. Em suma: o Universo abomina a morte; todo ser espiritual que, por suas atitudes e seus atos, tenda para ela, é constrangido pelo Cosmos a regressar à forma oval, para começar de novo. Não te assustes, meu caro Delfos, porque isto não é uma fatalidade, é um acidente. Rufus ia continuar, mas eu o interrompi, cheio de perplexidade: - De onde recomeçam eles, meu caro amigo? - Exatamente de onde pararam, Delfos. O Espírito pode hibernar, mas não retrograda. Leva consigo, em estado latente, todo o patrimônio já adquirido e, com esse patrimônio consegue refazer o próprio destino. - E quanto aos elementais ? - indaguei. - Estes, bem como seres espirituais ainda presos a corpos animais, não atingiram o estágio que lhes permita manter a forma que os caracteriza. No caso dos chamados irracionais, como já vos disse André Luiz, há, frequentemente, o auxílio das vibrações amigas dos seus donos, que os sustentam e lhes mantêm a forma do psicossoma, após desencarnados. Quanto aos elementais, estes estão treinando por si mesmos a aquisição definitiva de seu corpo suprafísico. Não estão só nesta tarefa. As inteligências superiores que lhes supervisionam a evolução, os auxiliam até que não necessitem mais de tutela. Além disso, há um outro auxílio que lhes é concedido pela própria mente humana das coletividades terrestres. Eu ia de espanto a espanto. Como poderiam os homens auxiliar os elementais na formação de seu corpo astral? Registrando-me o pensamento, Rufus respondeu: - Já ouviste falar dos arquétipos? - Sim, eu já fora apresentado a eles por seu descobridor Carl Jung. Não me detivera, no entanto, no estudo mais apurado dessas energias. Após responder afirmativamente com a cabeça, fiquei atento a Rufus, pedindo-lhe, sem palavras, que me falasse mais sobre os arquétipos; e ele não se fez de rogado. - A mente coletiva, através de milênios, creou diversas formas, às quais Jung chamou “figuras arquetípicas”. Os arquétipos são núcleos psíquicos os quais essas formas se originam. Trazendo consigo as noções do mundo supra-físico, nos quais já esteve, o homem sempre conheceu as fadas que lhe embalaram a imaginação infantil, durante sua evolução. Pois bem: Essas “fadas” (e o Espírito humano, em sua fase elemental, já esteve entre elas) passaram a participar das fantasias do homem. Essas fantasias, por sua vez, integraram-se nele como facetas do psiquismo. É por isso que, em todos os tempos, se tem realizado uma espécie de intercâmbio automático entre o homem e seus irmãos mais novos, os espíritos da Natureza. Estes, por sua simples existência, embalam a imaginação, inspirando lendas e contos. O homem, por sua vez, pelo simples contato ou encanto dessas histórias, acaba por crear, de modo inconsciente e automático, formas-pensamento em tudo semelhantes aos elementais, que, em muitas ocasiões, as revestem ou as utilizam por modelos, garantindo assim a configuração de seu psicossoma ou corpo astral. Resumindo: no início de seu processo de individualização, o Espírito é semelhante à criança recém-nascida. O bebê suga o leite materno, mas só o faz se a mãe se inclina sobre ele; mais tarde aprenderá a levar alimento à boca e mastigá-lo. O mesmo sucede com o ser espiritual recém-nascido de sua longa elaboração. Primeiro será auxiliado pelos seres superiores que lhe supervisionam a evolução; em seguida, valer-se-á de figuras arquetípicas ou “clichês” que lhe são fornecidos pela própria mente dos encarnados, quer revestindo essas formas, quer utilizando- as como modelos. Mais tarde, usará seu próprios poderes latentes para manter sua firma perispiritual ou supra-física, até que ela se conserve intacta de maneira definitiva. Quando Rufus deu por finda a sua verdadeira aula, tive ímpetos de me arrojar ao solo, quieto e mudo, ante a vastidão infinita do Universo. Agora, liberto da prisão da carne, podia perceber melhor a imperscrutável sabedoria do Uno e a variedade infinita dos Versos; Uni-Verso - unidade na diversidade, sinfonia cósmica que nunca se concluirá, mais inacabada que a de Schubert. IV – ARQUÉTIPOS E FORMAS ARQUETÍPICAS Impressionara-me o contato com os elementais, e a noção sobre os arquétipos me fascinava. Meu cérebro fervia de especulações. Depois de um profundo silêncio interior, decidi abordar Rufus sobre o assunto. Pensara, de início, numa entrevista com o próprio Jung, e ainda não perdi de todo essa esperança. Rufus, porém, estava mais ao meu alcance imediato. Embora seja eu na atualidade muito mais “repórter” do que quando estava no mundo físico, nem sempre sou bem sucedido em minhas tentativas audaciosas de fundo jornalístico. Afinal, todos têm o que fazer e não podem estar à disposição da minha curiosidade, mesmo sadia. Por minha vez, eu não posso passar todo o tempo a colher matéria para uma espécie de “jornal do outro mundo”, a ser editado na Terra. Assim, mais uma vez, recorri ao meu paciente e solícito Rufus, que, sem se fazer de rogado, esclareceu-me quanto a um assunto no qual eu não me aprofundara. - Jung, meu caro Delfos, ainda está para ser descoberto na Terra, Os homens ficarão extasiados quando lhe penetrarem mais a fundo o espírito. O que consegui foi, todavia, um levantar de espessos véus. Observa o caso dos arquétipos. Que são eles? Uma espécie de instintos ou fulcros instintivos que permitem aos seres, ao mesmo tempo reencarnados nas mais diversas culturas, representarem de modo análogo suas vivências multimilenares. - Como se formam esses fulcros, Rufus? - Esse instinto já existe na mônada. - Poderíamos dizer aos leitores não familiarizados com o assunto, de que maneira se dá essa manifestação? - Sabes que todos os Espíritos em evolução na Terra, através de suas múltiplas existências, já conheceram ou viveram a figura do pai, da mãe, do sábio, do herói, da criança, etc.; já estiveram à sombra das árvores ou sobre elas; já travaram batalhas, já enfrentaram tempestades em alto-mar. Pois bem: essas vivências, que são de toda a espécie humana, aparecem com aspectos mais ou menos análogos nos povos mais diferentese distantes uns dos outros. Elas se evidenciam nas religiões, nas crenças, nas mitologias, nos sonhos e até nos delírios das creaturas que compõem esses povos. Que mais poderia eu perguntar? Silenciei, contemplando o espetáculo imponente da evolução e agradecendo a Deus por estar vivo. V – O EGO SEM VÉUS Há muito eu já havia deixado o leito; estava mesmo em pleno estudo das novas realidades que me surpreendiam. No entanto, ainda convalescia. A dor na perna já me abandonara por completo. Minha respiração era cada vez mais livre e profunda. As forças, porém, me faltavam. De quando em quando, acabrunhado e triste, eu perguntava a mim mesmo: - Afinal, que há comigo? Não ultrapassei eu as misteriosas fronteiras do além túmulo? Por que me mantenho como se permanecesse ainda no meu corpo físico? Sabia, efetivamente, que o mundo astral, invisível, é uma continuação do mundo concreto, e tanto aquele como este eram Maya, ilusão. Não compreendia, no entanto, por que me comportava eu como enfermo débil. Estaria, afinal, tão apegado assim à forma transitória? Não aprendera eu a irrealidade do corpo de carne? Não conseguira, em algumas ocasiões, dominá-la? Por que sua presença ainda me era tão marcante? Minhas melhoras, em verdade, se faziam rápidas. Eu não contava, entretanto, com dificuldades físicas num mundo suprafísico. Quando, na Terra, assaltava-me problemas filosóficos e profundos, eu me exilava em alguma ermida natural entre árvores silvestres, eu me abismava no Infinito até ser penetrado e pensado por Ele. Agora, porém, tinha, às vezes, dificuldades até para mover um dedo e, por estranho que parecesse, não conseguia alçar aqueles vôos que me eram tão caros e familiares em outro tempo. Meu bom e querido Rufus encontrou-me nessas divagações. Se quisesse, poderia entender-me sem palavras, mas fez questão de ouvir meus desabafos infantis. Expus, assim, minhas inquietações, como um menino indeciso apela para o esclarecimento paterno. Rufus não se fez de rogado. Colocou-me a destra sobre a testa e aconselhou: - Aquieta-te. Aquieta-te e vê. Diante de mim desenvolveu-se todo o filme da minha última existência. Os fatos ocorriam em sucessão inversa, a partir da hora em que deixara o corpo. De tudo quanto vira, fixei algumas cenas que me esclareceram de modo especial. Eu contemplava a mim próprio, ora ensinando, ora dirimindo dúvidas. Minha atenção foi atraída não para o ato de ensinar ou responder, mas para a atitude com que respondia ou ensinava. Eu me compenetrava de que era Mestre. Quando estava na carne, recusava, de modo absoluto, o título de mestre; aceitava, quando muito, o de professor. A nível inconsciente, no entanto, minha atitude era, não raro, a do mestre, do alto de sua cátedra, olhando complacente os discípulos atentos e às vezes temerosos até de falar. Existia um verdadeiro muro de separação entre mim e meus pretensos discípulos. Quando estava de bom-humor, consentia em dialogar com eles; aceitava-lhes as interrogações?mais ingênuas a meus olhos. Quando, porém, meus humores variavam, achava que deveria entrega-los a si mesmos. Era seu dever, pensava eu, perguntar menos e meditar mais. Que paradoxo! Deviam caminhar com os próprios pés, mas tinham de aceitar, ao mesmo tempo e sem discussões, porém as verdades que eu lhes impusesse. Sérias amarguras espalhei com este temperamento! O ego luciférico tem uma propriedade toda sua: Consegue penetrar em certos recintos da alma e não deixa, facilmente, perceber. Como o camaleão, adapta-se ao meio ambiente assumindo-lhe as cores. É o joio ao lado do trigo; para ser extirpado, deve ele crescer com a boa semente. Era o que acontecia naquele momento dentro de mim. Percebia com clareza a fragilidade do meu ego físico, mental e emocional, a aparentar superioridade de espírito. Compreendi, então, porque não me situara, de imediato, no mundo do espírito. Eu estava livre, é certo, do meu ego físico, mas ainda trazia comigo os vestígios do meu ego mental e emocional. Ante aquela experiência, senti que as minhas forças desfaleciam ainda mais. As sufocações e as dores ameaçavam-me de novo, mas a voz enérgica de Rufus se fez ouvir. - Delfos, não cedas. Perdoa-te. Não exijas de ti mais do que podes dar. Situam-se bem longe as raízes da fragilidade que percebeste em ti e, para superá-las, é preciso compreende-las. Fixa-te, não no ontem que passou, mas no hoje que é eterno. Dá início a uma nova era em tua jornada evolutiva. Coisa estranha! Da boca e das mãos de meu amigo, parecia escapar uma energia que me penetrava todo. Passei a encarar meu ego como uma criança que devia dar cuidados e carinho, também, conduzir com energia. As forças me voltaram. A fraqueza desapareceu por completo; senti-me leve, forte e predisposto a servir. “Desde que me encontrei Contigo, Senhor, faço com leveza as coisas pesadas, com alegrias as coisas tristes, com suavidade as coisas amargas. Estendo o arco-íris da Paz sobre todos os dilúvios de minhas lágrimas.” - (Sabedoria dos séculos, recolhida por Huberto Rohden). VI - O CÉU EM PLENO INFERNO Um dia, Rufus veio ao meu encontro com uma estranha proposta: - Concorda em que, juntos, visitemos as cavernas? Cavernas... que desagradável me soou aos ouvidos aquele substantivo plural... Não quis, todavia, interrogar meu cicerone. Limitei-me a segui-lo. Após algum tempo de volitação, chegamos efetivamente a uma região cavernosa. Escuso-me de descrever as sensações que senti naquele momento, pois o leitor nada de novo encontraria neste relato. Deu-se comigo o que aconteceu com André Luiz, conforme está citado em sua obra Libertação. O que talvez seja útil ao leitor, é o relato dos fatos ocorridos após nossa chegada às regiões sombrias. Depois de recomendar-me serenidade e cautela, disse-me Rufus, de maneira misteriosa: - Delfos, observa fora e dentro de ti. Diante de nós surgiram figuras horripilantes; algumas delas nada ficavam a dever às antigas bruxas do tempo medieval, outras assemelhavam-se a serpentes, lobos, escorpiões e dragões. Alguns seres mais nitidamente humanos aos meus olhos, exibam, contudo, uma carantonha que me lembrava os habitantes dos hospícios terrestres. A todo aquele cenário infernal, se juntava uma espécie de pantomima sonora que me era insuportável. Uivos, sibilos, imprecações, gemidos, maldições, blasfêmias, gargalhadas estertóricas. Confesso que vacilei. Instintivamente, voltei-me para Rufus, que, no entanto, desaparecera. Como explicar aquela estranha armadilha que me preparara o amigo em quem eu confiava? E não ficou aí a minha perplexidade. Como que petrificado naquele solo, comecei a ser assaltado por sensações intraduzíveis e intransferíveis. De dentro de mim emergiu todo um passado de sombras. Pude vislumbrar inúmeras cenas por mim vividas em remotos e perdidos avatares. Nelas, minhas atitudes se assemelhavam às daqueles monstros que me faziam tremer. Eles próprios a tal ponto participavam de mim que eu me perguntava: - Onde estão, afinal? À minha volta ou em algumas das ignotas profundezas do meu próprio ser? Onde situar o inferno em que eu vivia? Na região à qual me sentia preso ou em algum obscuro porão da minha própria alma? Foi aí que soou a voz de Rufus. Embora permanecesse ele invisível, disse-me ela: - Delfos, olha mais para dentro de ti. Tu não és nada disso. Fiz então um indizível esforço para transportar-me do ego para o eu. Busquei entrar em comunhão com Deus, recordando-me de sua divina onipresença e imanência em toda a creação. Após algum tempo de esforço quase extenuante, houve mudança radical naquele cenário tenebroso. Instantaneamente as imagens e os sons desarmônicos se desvaneceram e me vi cercado por figuras graciosas, seres de aparência quase angélica, pássaros que cantavam, árvores que convidavam ao repouso à sua sombra amiga. Como explicar aquele fenômeno?Eu não me sentira levitar. Não fora transportado daquela região para parte alguma. Estava ali mesmo, ou não estava? Dentre as pessoas amigas que me cercavam, surgiu meu imprevisível Rufus, maroto e sorridente, como quem acaba de praticar uma travessura. Antes que lhe perguntasse qualquer coisa, ele me adiantou: - Delfos, não compreendes as próprias lições que transmitiste aos outros? Não precisou dizer mais nada o meu inventivo cicerone. Lembrei-me de que vivemos todos, efetivamente, num Uni-Verso (unidade na diversidade), universo facetado por multidimensões que se interpenetram e vão do mais denso ao mais sutil; do mais concreto ao mais rarefeito. Mais uma vez constatei que o céu e o inferno são meros estados de consciência. Estivera, sim, numa região tenebrosa, em termos de espaço e tempo; constatara, porém, que, mesmo ali, o céu pode ser encontrado por quem o busque. “Onde quer que eu esteja, lá Deus está, e que mal me poderia acontecer lá onde Deus está?” VII - MEU ENCONTRO COM GANDHI Habituara-me, na Terra, a admirar e até amar esse homem estranho, esse “eremita das multidões”; das multidões, porque sua vida era da Humanidade e, mais especificamente do seu povo; e eremita, porque trazia dentro de si a ermida na qual podia permanecer solitário no meio da turba e silencioso apesar do vozerio. Agora eu estava diante de uma oportunidade ímpar. Podia avistar-me com ele e não perderia o ensejo de fazê-lo. Quando o vi, reconheci o mesmo homenzinho franzino e aparentemente frágil dos dias terrenos. Todavia, seu ser inteiro irradiava uma luz que ele não conseguia apagar. Tomado por um arrebatamento místico, muito comum à minha personalidade no tempo em que ostentava as minhas vestes sacerdotais, tive ímpeto de prostrar-me aos pés do Mahatma. Ele, contudo, não o permitiu. Sereno, sorridente e enérgico, veio ao meu encontro. Colocou o braço sobre meus ombros, convidou-me a me sentar ao seu lado. O local em que estávamos era em tudo semelhante ao “ashram” por ele mantido na Índia. Ambiente campestre, gente trabalhando, ovelhas e cabras ao redor. Tão logo nos sentamos, o Mahatma, naturalmente para me deixar à vontade, iniciou a conversa falando-me do Brasil. Disse-me que, embora não conhecesse em vida terrena o meu país, pôde visitá-lo algum tempo depois de haver regressado aos planos extra-físicos. Conhecia-o agora, talvez como poucos brasileiros, e via nesta terra risonhas promessas de melhor futuro para todo o planeta. Estimulado pelo halo de simpatia com que me envolveu o Mahatma, passei a entrevistá-lo. Tinha ele “pouco tempo” (não nos esqueçamos de que a vida astral não nos exonera, de imediato, da gaiola espaço tempo). Eu devia aproveitar aquele instante e logo passei a desfechar sobre o meu paciente e excelso interlocutor as perguntas que trazia comigo: - Mahatma, se estivesse entre os homens, reformularia, de algum modo, seus métodos e teorias? - Evidentemente, não. A não violência (ahimsa) e o amor à verdade (satyagraha) são as grandes armas que o homem utilizará para seus vôos ao Infinito, logo que desperte de seu sono milenar. - Estaremos muito distantes desse momento glorioso? - Sei que talvez estranhará minha resposta. Estamos, no entanto, mais perto dele do que possas imaginar. Eu percebi o verdadeiro sentido das palavras do Mahatma; quis, no entanto, provocá-lo a fim de trazer seu pensamento, tão intacto quanto possível, para estas páginas. Ia perguntar-lhe como poderia ele falar assim, sabendo que o mundo atual é todo um incêndio de violência, de Norte a Sul, do Oriente ao Ocidente. Gandhi antecipou-se à minha argumentação e, por sua vez, me perguntou: - Qual o princípio da homeopatia? - “Similia similibus curantur” - semelhante cura semelhante - respondi. - Pois o homem há de curar-se exatamente através desse princípio. O processo, em linguagem filosófica, se chama dialética3, em termos científicos, homeopatia ou, quem sabe, vacina. Não importa. O importante é que, quanto mais próximo estiver o clímax da guerra, também mais próxima estará a era da paz. - Que conselho daria o Mahatma aos adeptos da não violência? - Dir-lhes-ia, simplesmente, que continuem a praticá-la. - Mas não disse o senhor que, quanto mais próximo estivesse o clímax da guerra mais próxima estaria a era da paz? - Isso não nos autoriza a colocar mais lenha na fogueira. Seria incoerente de nossa parte vender armas ou usá-las, para apressar o dia do desarmamento. Quando falo da extinção da violência pela própria violência, quero dizer que os homens devem sentir de perto o quanto é perigoso esse monstro por eles mesmos gerado. Já que crearam, devem perceber com toda a clareza que ele os devorará, se não quiserem 3 Dialética: A arte de argumentar - raciocinar - a lógica, arte de argumentar e discutir; modo de filosofar que busca a verdade por meio de oposição e reconciliação de contradições lógicas ou históricas. (Nota do Médium) destruí-lo. - Quando aconselha seus adeptos a continuarem na prática da não violência, fá-lo como o fazia durante sua vida física? - Nem poderia ser de outro modo. Não violência é uma coisa; capitulação diante da injustiça é outra, e muito diferente. Pergunta ao Cristo se baixou a cabeça diante dos escribas e fariseus; se temeu as ameaças de Herodes, que desejava silenciá-lo; se aceitou a arrogância de Pilatos, que supunha dispor de sua vida. Quando estiverem em jogo os direitos fundamentais do Homem, o caminho é o da desobediência civil. Essa desobediência, no entanto, deve ser norteada pelo Amor. Devo insurgir-me contra a opressão, mas se odiar ao meu opressor, estarei imantado com ele por laço de ódio; e o ódio é uma enfermidade. Quando ergo a cabeça contra um tirano, meu objetivo deve ser curar-nos, a mim e a ele: a mim da subserviência, a ele da ilusão do poder, e a nós dois daquilo que os ocidentais chamariam sadomasoquismo. - Que pensa da índia de hoje? - Meu povo tem uma lamentável tradição de fome, apatia e indolência. Deverá primeiro assimilar o positivo e até negativo da cultura ocidental, para depois ressurgir, ele mesmo, transfigurado e devolvido às suas verdadeiras raízes. - Gostaria que o Mahatma, ainda uma vez, me dissesse onde hauriu as forças necessárias para ser o que foi entre os homens. - Devo, antes de mais nada, declarar que nada fui que os homens já não o sejam. Só uma coisa fiz - e é esta a resposta à tua pergunta: mergulhei em Deus. Vivi em Deus. Alimentei-me de Deus. Nada fiz, nada pude de mim mesmo. Era Deus que tudo fazia em mim. - Se tivesse hoje entre os homens e pudesse retroceder na História, faria exatamente o que fez, ainda que sua pátria fosse, de novo, dividida? - O esfacelamento era inevitável; com Paquistão ou sem Paquistão, o sangue seria derramado, porque, apesar de meus esforços, não fui suficientemente forte no Espírito para extinguir a praga do sectarismo e para colocar os valores espirituais acima dos econômicos na alma da minha gente. Aprendi, no entanto, que Deus não tem pressa e tudo virá a seu tempo. Isso não quer dizer que cruzemos os braços. O tempo de Deus é a Eternidade. Devemos ter urgência em nos aproximarmos d’Ele, para eternizar o nosso próprio tempo. - Mahatma, lembro-me de que, quando estava na Terra, o senhor rejeitou completamente a tecnologia ocidental. E hoje, fa-lo-ia de novo? - Estou aos poucos compreendendo que tudo é necessário. Continuo a lamentar a mecanização cada vez maior do homem e digo, ainda, que o Ocidente encarna o princípio de Mamon (deus da Riqueza), não o Cristo. Ainda há pouco eu te dizia que minha pátria terrena terá de aceitar a contribuição da cultura ocidental. Confio, todavia, em que o espírito da Índia não lhe permitirá mecanizar-se por completo. As duas culturas, a oriental e a ocidental, hão de encontrar-se para se completarem.Não é isso, aliás, o que já está acontecendo? Observa a proliferação, cada vez maior, de nossas seitas e religiões. Há ainda muito joio misturado com o trigo nessa divulgação indiscriminada. O trigo, porém, acabará triunfando sobre o joio. - Não sei, Mahatma, se deveria classificá-lo, durante sua vida terrena, como o mais nacionalista dos universalistas, ou o mais universalista dos nacionalistas. É essa ainda hoje a sua posição? - A palavra “nacionalismo” sofreu muitas distorções ao tempo em que estive no mundo. Dizia-se nacionalistas todos os que desejam imitar Hitler ou Mussolini. Se o meu amigo considera nacionalismo a noção de que cada país, cada povo, tem características particulares que não devem ser anuladas, então considere-me ainda hoje um nacionalista. Os povos e as pátrias são entidades coletivas; têm personalidade definida e devem enriquecer o mundo com sua presença e com aquilo que cada um pode dar. O verdadeiro nacionalismo não se concilia com qualquer espécie de imperialismo; não significa prevalência universal de?uma cultura sobre as outras, mas sim, o encontro de todas as culturas para que se acompanha o belo espetáculo da verdadeira harmonia. - Entre o socialismo e o capitalismo, que posição adota o Mahatma? - Estou ao lado do primeiro. Devo dizer, no entanto, que no meu socialismo não cabe um Estado todo–poderoso, senhor de propriedades e de almas. Nisto vejo capitalismo mudando de direção. No meu socialismo, o Estado é, apenas, o instrumento do homem e só existe enquanto for necessário a este. - Poderia o Mahatma transmitir, resumidamente, uma mensagem aos ignotos amigos que nos leiam? - Insurgi-vos contra as tiranias, mas amai os tiranos. Levantai-vos contra as injustiças, mas não destruais os injustos. Combatei a opressão, mas não esmagueis os opressores. Lembrai-vos de que o opressor, o injusto, o tirano, são, também, fragmentos da vossa própria alma. Lutai o quanto puderdes pela transformação do mundo, mas não vos esqueçais de alimentar em vós o que desagrada nele. Ao despedir-me do Mahatma, carregava na alma uma energia nova, como se me tivesse banhado numa verdadeira usina de luz. “Vós sois a luz do mundo... Vós sois o sal da terra...” (Evangelho de Mateus - Sermão da Montanha). VIII – MEU ENCONTRO COM S. L. Quando devolvemos à Terra o que é da Terra, isto é, quando abandonamos a casca física, na qual tantas vezes e tão ciosamente nos escondemos de nós mesmos, somos forçados a deixar de lado todos os caros ídolos de nossa ilusão. Vemo-nos como somos e a vida nos entrega a testes decisivos, a fim de sabermos até que ponto somos porta-vozes e imagens daquilo que ensinamos. Eu acabara de emergir de um profundo mergulho nos abismos e alturas do meu próprio ser; nesse instante chegava Rufus, informando-me: - Temos visitas, Delfos! Voltei-me para ver de quem se tratava. Em companhia de meu cicerone do mundo astral, estava outro amigo: S. L. Confesso que estremeci diante dele. Com os olhos nos olhos daquele que me fora pai espiritual em outros tempos, fui sacudido por uma catadupa de lembranças. Recordei a época em que ostentava a veste sacerdotal; as lutas enfrentadas, as perseguições suportadas em silêncio, os colóquios queixosos com Deus às horas mortas da noite e as confidências trocadas com aquele homem, quase sempre tão franco e aberto, mas, também, tão enigmático em certos momentos. S. L. acolheu-me em seus braços, dando-me as boas vindas. Conversamos algum tempo e meu antigo protetor falou-me das dificuldades por ele vividas durante os primeiros tempos de sua desencarnação. Aquilo me surpreendeu. Como poderia ele, tão magnânimo e cuja mente era tão arejada, haver sofrido nas zonas purgatoriais? Todo ele era um halo de bondade; eu fora testemunha de inúmeros benefícios por ele espalhados às ocultas. Era-me impossível penetrar as razões do sofrimento espiritual a que se referia o meu benfeitor. Ele, porém, veio ao encontro da minha perplexidade. - Delfos, nem sempre o que fazemos corresponde ao que sentimos. Não explicaste tantas vezes na Terra a diferença entre as atitudes e os atos? Nem todos os meus atos externos corresponderam a uma coerente atitude interna. Os benefícios que me atribuis me valeram, é certo, mas nem sempre foram o resultado espontâneo de um sentimento de amor ao próximo. Alguns deles constituíram apenas exercícios. Eu precisava treinar as faculdades de minha alma no auxílio anônimo a quem necessitava. Além disso, descobri, após a minha desencarnação, que muitos dos meus atos de benemerência não passavam de tentativas para aliviar a consciência, nem sempre tão tranquila. Quanto ao tão suposto arejamento de minhas idéias, és generoso para comigo, Delfos. É verdade que te acolhia e aplaudia os teus ideais de renovação e aprofundamento da fé; no entanto, para mim, a Igreja era viveiro espaçoso?onde se poderia voar à vontade, contanto que não se ousasse ganhar o espaço livre, ou seja, sair do viveiro. Compreendeste? Sim, eu compreendia, mas fiz ver ao meu velho amigo que não poderia ser de outro modo. Que esperava ele da Igreja de nosso tempo? Só uma meia dúzia de “loucos” ousava, de certa forma, avançar idéias cuja divulgação ela fazia tudo para obstar. Mudando de assunto, S. L. passou a falar-me de maneira misteriosa. Aludiu à necessidade que ele teve de perdoar, de esquecer velhas mágoas, de libertar-se de antigos ressentimentos. Por uma espécie de “halo telepático” a irradiar-se dele, percebi que aquelas palavras não me eram dirigidas, apenas, a título de confidência pessoal. O objetivo delas era eu próprio, sem que me fosse possível compreender por que. Sentindo-se captado pelas antenas de minha alma, declarou S. L.: - Tens razão, Delfos. Lembras-te de como fui anunciado por Rufus? As palavras vieram-me à mente: “Temos visitas”. Eu, contudo, só recebera até aquele instante uma visita. Foi então que S. L., voltando-se para fora do aposento em que nos encontrávamos, chamou por alguém, que não se fez de rogado. Esse alguém entrou com passos lentos e vacilantes, cabeça baixa, olhos miúdos e semi-cerrados, fisionomia grave. Eu o reconheci de imediato. A ele devia grande parte das perseguições que tanto me atormentaram. Senti-me agitado por um terrível vórtice de emoções contraditórias. É verdade que eu não o odiava. Nunca o odiara. Dentro de mim, fervilhavam, porém, as antigas reminiscências e não pude impedir que uma certa dor me abalasse. Que dor seria essa? Eu não saberia explicá-la. Embaraçado, tentei desviar os olhos do meu segundo visitante. S. L., porém, não o permitiu e me falou, com um misto de brandura e energia: - Delfos, nosso irmão veio em busca de teu entendimento. Sofreu intensamente nas zonas abismais e não poderá sentir-se reabilitado perante a própria consciência, enquanto não conheça o teu perdão. Cerrei os olhos, busquei o silêncio com Deus durante alguns instantes. Quantos minutos terá durado essa mini-meditação? Eu não poderia dizê-lo. O que sei é que emergi dela completamente lavado de meus ressentimentos infantis. Como que impelido por uma força, tão estranha quão irresistível, pus-me de pé e caminhei na direção do meu adversário de ontem. Acolhi-o em meus braços como a um velho amigo de quem estivesse saudoso. Ele chorou, longa e copiosamente, mas sua fisionomia se transformou. Renovado pela tempestade das lágrimas, ele era outro. Agora, de cabeça erguida, fazia mil projetos para seu futuro espiritual e eu me propunha a coopera com ele no que me fosse possível. Em seguida, retiraram-se Rufus, S. L. e meu novo amigo, deixando-me só. Eu mergulhei em profunda reflexão. Quem era eu para perdoar? Como era possível que eu, àquela altura, ainda me considerasse ofendível? Calou fundo a lição. Eram, ainda, ecos do meu ego físico-mental-emocional. Mas, de que me queixar? Afinal de contas, na hora precisa, subiao monte do meu Eu maior e, embora com nota baixa, passei no teste. IX - MEU DIÁLOGO COM UM ESPÍRITO EX-PERVERSO Eu tivera no mundo, poucas oportunidades de travar contato com as almas perversas do astral. Para mim, elas eram de fato constituídas por seres pervertidos, no caminho da evolução. Anjos ou homens, pensava eu, poderiam usar mal o seu livre arbítrio e decair, fossem quais fossem as alturas em que estivessem. Agora, despido da forma física, verifico as coisas de maneira mais direta e posso perceber que, em muitos dos meus contatos com o Infinito, interferia toda uma dinâmica, derivada de minhas antigas crenças, de mistura com noções novas, porém mal compreendidas. Fui, certa vez, assaltado por um desejo incoercível: o de contatar as potências invisíveis do mundo inferior. Sempre gostara de aventuras e esta me seria muito útil. Após a experiência da caverna, acreditava-me plenamente apto a não permitir envolvimentos que me fossem prejudiciais. Todavia, Rufus, consultado, discordou de minhas pretensões: - Ainda é cedo, meu caro Delfos. Sofrerias desnecessariamente, com sérios prejuízos para tua organização perispirítica. Podemos, no entanto, ir até lá. Promoveremos teu encontro com um dos membros das inúmeras organizações secretas que lá operam. Organizações secretas! ... Aquilo me intrigou, mas Rufus sempre me socorria no labirinto de minhas dúvidas e, por isso, não se fez de rogado: - Não te espantes, Delfos. Nos abismos existem verdadeiras sociedades secretas do Bem, que são constituídas de dois grupos distintos. Um arregimenta missionários que buscam arrebanhar antigos entes queridos ou que atuam simplesmente por amor aos que se transviaram. Do outro grupo, fazem parte entidades convertidas, mais ou menos recentemente, e que buscam recuperar o tempo perdido enquanto aguardam a bênção de um novo mergulho na carne. - Gostaria, então, de conversar com uma dessas - interrompi. - Teu desejo será satisfeito - respondeu Rufus. - Temos por lá o nosso irmão Bispo. Ele nos receberá na sua gruta e não se negará a falar-te. Feitos os necessários preparativos, partimos rumo às cavernas ao encontro de nosso irmão, a quem Rufus chamou Bispo. Em lá chegando, encontramos a gruta que ele habitava. Antes de entrarmos, perguntei curioso: - Por que Bispo? - Porque de fato ele foi Bispo, ao tempo da Inquisição. - E há quanto tempo se converteu? - Interroguei de novo. Mas Rufus aquietou-me: - Guarda as tuas perguntas para ele, Delfos. Estamos chegando. À Entrada da gruta, havia uma porta artificial, fechada. Esta porta foi, misteriosa e sutilmente, golpeada por Rufus três vezes. Logo alguém veio abri-la. Era um homenzinho de aspecto desagradável, baixa estatura, nariz adunco, fisionomia cerrada. Esboçou, no entanto, ligeiro sorriso, em saudação a Rufus. - É esse o Bispo? - interroguei eu. - E Rufus me respondeu, quase mentalmente: - Não. Trata-se apenas de um dos seus falangiários. O homenzinho nos fez entrar. Eu não saberia como classificar a tal gruta. Logo ao entrarmos, deparamos com objetos cabalísticos nas paredes e sinais riscados no chão. No interior, no entanto, ao lado de uma mesa tosca, diante da qual estava sentado o Bispo, havia um nicho onde estava pousado um pequeno crucifixo com uma lamparina acesa. O Bispo, que fazia anotações, interrompeu seu trabalho e veio ao nosso encontro, saudando-nos: - Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo - Disse ele. - Para sempre seja louvado - respondi eu, recordando a velha jaculatória. Após rápidas palavras de apresentação da parte de Rufus, sentamo-nos todos, em cadeiras tão toscas quanto a mesa. E a minha entrevista teve início: - Gostaria de saber do irmão, até onde posso interrogá-lo. - Pergunte o que quiser - retrucou o bispo, quase interrompendo-me; e prosseguiu: - Não sei, no entanto, se poderá revelar tudo o que ouvir. Isto é lá com o amigo e seus superiores. - Que faz atualmente? - Procuro retificar meus crimes, desfazendo antigos malefícios ou tentando, com atos bons, compensar os prejuízos que causei ao próximo. - Acredita que cumprirá integralmente essa missão no plano em que está? - Sei que não. Só conseguirei libertar-me de minhas mazelas quando mergulhar na carne. Por enquanto, porém, não mereço essa bênção e não sei se terei tempo de recebê-la na Terra. - Por que não? - Sabe o amigo que este planeta vive o fim de mais um ciclo de sua evolução. Deve desembaraçar-se de todos aqueles que possam obstar-lhe a marcha. Um réprobo, como eu, deve ser conduzido a mundo compatível com baixo grau de sua evolução. - Há quanto tempo se converteu? - Há algumas dezenas de anos, segundo o calendário terreno. - Posso saber como se deu isso? - Eu o autorizei a perguntar o que quisesse, não? Acontece que os antros em que vivemos, são constantemente visitados por missionários do plano superior. Eles buscam tocar-nos com suas palavras ou suas preces. Entre eles, por exemplo, se destacam entes queridos que não se permitem vôos altos sem que nos libertem. Foi o meu caso. - O irmão foi convertido por sua mãe? - Não. Quem me resgatou foi um tio a quem amo como um verdadeiro pai. A ele devo a vida e a educação. Com ele aprendi as sagradas letras e graças ao seu exemplo cheguei, na Terra, à carreira eclesiástica. Fui, porém, um traidor de seus ideais. Ele me queria um cordeiro e eu era na realidade um lobo. - Onde e como se deu isso? A essa altura o Bispo esboçou um sorriso amargo e respondeu: - Onde querias que fosse? Na Espanha e no século XVI. - Era jesuíta? - Nem mais, nem menos? - Onde desencarnou? - No Brasil, mais especificamente na Bahia. - Por ocasião do descobrimento? - Não. Muito depois. - Gostaria que me falasse de sua vida “post-mortem” e de todas as peripécias que a caracterizaram. - Logo que meus órgãos físicos falharam, sofri em extremo. Tinha diante de mim os horrendos crimes cometidos. Além disso, conquanto não fosse um suicida voluntário, sentia o apodrecimento do meu corpo. Passado um tempo muito longo de purgação, comecei a recordar minha vida terrena e me revoltei. Afinal de contas, eu tinha sido um dignitário da Igreja; além disso, recebera a extrema-unção e fora absolvido por meu confessor. Como justificar aqueles tormentos infernais? Era então mentira tudo o que se dizia sobre a eficácia do sacramento? A essa altura, meu venerando tio fez um supremo esforço e desceu ao abismos em que eu me encontrava. Falou-me, sereno e energético, de minhas obrigações para com Deus, da minha traição aos compromissos assumidos e da necessidade inadiável de uma nova encarnação. Chorei. Entreguei-me aos seus cuidados e logo renasci na África, em Angola. Jovem ainda, fui caçado como um animal e trazido para o Brasil, em navio negreiro. A mesma Bahia, que outrora me abrigara como jesuíta, agora me recebia como cativo. Suprema humilhação!... Na África eu era de alta estirpe, iniciado nos mistérios da magia e, por aparente ironia do destino, candidato ao sacerdócio. Aqui, fui reduzido a menos que um animal. Prossegui em minhas práticas ocultas, porém, na clandestinidade. Não sabia bem se odiava os meus opressores ou me rebelava contra uma condição racial, para mim, na época tão humilhante. O fato é que, o quanto pude, acionei contra os senhores brancos as forças psico-magnéticas ao meu alcance. Além disso, dominava os meus irmãos de cor, impondo-me pelo medo e pela força. Muitas intrigas foram por mim arquitetadas. Algumas sinhazinhas foram mesmo arruinadas por minha ação nefasta. Um dia fugi. Tentei ganhar as Alagoas, a fim de integrar-me no Quilombo dos Palmares. Todavia, antes, muito antes que lá chegasse, um capitão-do-mato me apanhou. Fui torturado sem piedade e por fim assassinado. Novamente mergulhei em agudos e terríveis sofrimentos, até que ocorreu um fato singular: quando minha mente, sempre vigorosa, pôde dominara situação, rebelei-me contra minha condição de negro e, de maneira automática, recordei minha existência anterior. Transformei-me, então, num misto de sacerdote católico e feiticeiro africano. A revolta se multiplicou. Eu queria recuperar o antigo mando e, para isso, recorreria a quaisquer poderes infernais, se fosse necessário. Foi o que fiz. Com todas as forças de minha alma, invoquei os seres das trevas, quem quer que eles fossem. Não sabia, a esta altura, se a teologia estava ou não com a razão quando proclamava a existência de Satanás. Sabia, no entanto, que, em alguma furna da região em que estava, existiam seres iguais a mim ou piores do que eu. Estava com a razão. Minha invocação foi respondida com uma gargalhada sinistra e surgiu, diante de mim, a figura horripilante de um ser, meio homem, meio animal, que me convidava ao serviço dos dragões. Antes mesmo de saber quem eram os tais dragões, acedi, e fui iniciado nos chamados mistérios negros do espaço. Os referidos mistérios não constituíam para mim grande novidade, mas ajudaram a aprofundar meus conhecimentos na área do magnetismo e, por incrível que pareça, da psicologia. Fiquei sabendo como penetrar e manipular os pântanos que se ocultam em cada creatura humana. A essa altura interrompi: - Que são, na realidade, os dragões? - André Luiz já o disse: “são Espíritos que permanecem no Mal, desde épocas primevas da creação planetária. Supõe-se cooperadores da Providência na administração da justiça aos que erram”. - Mas então crêem eles em Deus? - Sim e não. No fundo reconhecem, no Universo e na Natureza, um pensamento diretor. Não se detêm, porém, em divagações sobre os atributos dessa força. Preferem enganar a si mesmos, julgando-se intérpretes da lei universal. - A que tipos de funções se entregou o amigo, quando começou a servir aos dragões? - A duas atividades essenciais: uma, aqui, que punia os culpados; outra, na Terra, utilizando-me de médiuns ignorantes ou inescrupulosos: praticava a magia. - Utilizava seus poderes apenas em prejuízo dos homens? - Não. Prestava bons serviços aos que sabiam gratificar-me: uma garrafa de cachaça ou um bife sangrento, e eu seria o instrumento de felicidade ou desgraça para aqueles que sintonizavam com as minhas vibrações. - Há aí, segundo me parece, uma incoerência, pois, enquanto no espaço o amigo se dedicava à punição dos maus, na Terra convertia-se, desde que lhe interessasse, em instrumento do Mal. - Já ouviste falar de projeção? Aqui, quando punimos os criminosos, estamos na realidade castigando neles a nós próprios. Não é assim que procede o farisaísmo hipócrita de todos os tempos, na Terra e no Além? E não é só: devo confessar que fiz pequenas e grandes falsetas contra aqueles que me assalariavam. Por incrível que pareça, mesmo na prática do Mal, fui despertando meu senso de justiça. Muitas vezes, achava profundamente iníquos os trabalhos que me eram encomendados. Resultado: fazia com que o feitiço virasse contra o feiticeiro. Não raro explorava com prazer o feiticeiro, pedindo, ou antes, exigindo dele sempre mais. - Por favor, fale-me com mais detalhes a respeito do seu despertar. - Vai te parecer inacreditável, mas até isso se deu - repito - até isso se deu na prática do Mal. Eu havia sido requisitado por um velho rico, para provocar a sedução de uma moça indefesa. Fui regiamente pago, aliás, e por antecipação. Ao aproximar- me, porém, da jovem, tive duas surpresas que me paralisaram: de um lado a luz que ela emitia e que quase me fulminou; de outro, a constatação de que aquele Espírito reencarnado me fora irmã muito querida quando estive na Espanha. Não sei se aquilo foi uma trama do destino ou do?meu próprio tio, que me acompanhava de longe. O que sei é que, ao ver naquela jovem a irmã que me fora segunda mãe e que eu perdera quando não havia chegado à adolescência, senti que dentro de mim se operava verdadeira convulsão. Fugi esbaforido. Quis ficar sozinho. Como seria boa, generosa para mim, uma segunda morte naquele momento! Ela, porém, não veio. Após um período indeterminado de angústia sem limites, fui tomado por uma espécie de lassidão. Deixei-me ficar a beira de um pantanal, sem forças, se quer, para mover-me. Aos poucos, minhas emoções se foram recompondo. Minha mente passou, então, a ver com clareza. Percebi o quanto era abjeto e quanto tempo estava perdendo. Chorei amargamente e, desta vez, invoquei os poderes celeste, suplicando-lhes que me afastassem daquele inferno ou me aniquilassem de uma vez. Atraído pela sinceridade de meu remorso, o tio abnegado veio de novo até mim. Acolheu-me; Levou-me a um posto de socorro por aqui mesmo. Lá, graças à ação magnética dos benfeitores, mergulhei num sono profundo e sem sonhos. Ao despertar, recebi tratamento adequando, de acordo com aqueles que hoje me dirigem. Fiquei servindo por aqui mesmo, até que possa renascer, na Terra ou fora dela. Àquela altura, senti-me sinceramente mais próximo do Bispo. Vi com simpatia suas angústias e tormentos e, antes de prosseguir no diálogo, pedi-lhe que me permitisse tratá-lo por tu. Sentindo-me as vibrações sinceras de fraternidade, o Bispo, comovido, acedeu. Reiniciei, então, a entrevista: - Agradeceria se mi falasses com mais detalhes sobre o que fazes agora. - Aqui, procuro arrebanhar antigos celerados como eu fui, a fim de que recebam os mesmos benefícios que recebi. Na Terra, manifesto-me ainda, como fazia antigamente. Sou africano, entendido em mandingas, manipulo as forças da Natureza, solto gargalhadas quando necessário, porém, não mais me dedico à prática do Mal. - Por que gargalhadas? - Já esperava por esta interrogação. Esta prática tem três objetivos: o primeiro, é satisfazer às necessidades psicológicas dos meus consulentes. - Como assim? - Antigamente, quando me manifestava na Terra, eu me apresentava como uma espécie de “empregado das divindades”. Ora, no Brasil, entidades como eu são sincretizadas com o diabo e, como você sabe, todo diabo que se preza emite gargalhadas sinistras. É ou não é? - Dissestes que esta prática tem três objetivos. Só dissestes o primeiro. Prossegue por favor. - Vamos então ao segundo. Todos os sons, quando insistentemente repetidos, acabam por crear em torno de si uma espécie de “clichê” psicosférico ou mental. É por isso que nas práticas afro-brasileiras, por exemplo, determinadas entidades emitem o seu brado. Esse brado expressa determinadas características dos que o emitem. É esse o meu caso. Já que os Espíritos da minha categoria são sincretizados com os supostos Príncipes das Trevas, para nós a única maneira de bradar é gargalhar e, por causa disso - e aí entramos no terceiro motivo -, a gargalhada impõe um certo respeito à nossa volta. Em outros tempos, quando gargalhava pela garganta de alguns médiuns, era para atemorizar meus consulentes e fazer que acreditassem na minha força e na decisão de atendê-los. Hoje, a minha gargalhada os desencoraja em seus propósitos menos dignos, porque sabem que estou entrando no caminho certo e não ousam pedir-me nada que esteja fora desse caminho. Aqui também gargalho quando é preciso, como rugem as feras para manter seu espaço vital, compreendes? - Disseste-me que na Terra apareces como feiticeiro africano; aqui, porém, continuas sendo o Bispo. Por quê? - Aqui, faço questão de manter presente diante de mim o simulacro da vestimenta física, com a qual fracassei quando encarnado entre os europeus. Ao mediunizar alguém, apresento-me com características que assinalam meu fracasso entre os africanos. Faço questão de ter sempre presentes as minhas quedas, para não voltar a elas. - Para concluir, fala-me um pouco dessas organizações do astral inferior. Qual o seu objetivo? Haverá para todas algum núcleo central? - Certos escritores modernos, dedicados ao que chamam realismo fantástico, assinalaram aexistência de dois tipos de diabos; um pretende a desordem, outro deseja a instituição de uma nova ordem. É claro que não existe nenhum diabo; existem, sim, Espíritos desequilibrados como eu. - Mas tu já estás a caminho do equilíbrio, não? - Essa é a única diferença entre mim e eles. Pois bem: alguns desses Espíritos pretendem o estabelecimento de um mundo caótico, de uma terra de ninguém onde o domínio pertença ao mais esperto e ao mais forte. Outros lutam quase por um mesmo objetivo; também eles querem a prevalência do mais forte, mas mediante a instituição de um regime férreo, obscurantista, em que uma pseudo-elite domine e as massas obedeçam. - Queres dizer que os primeiros pretendem uma caoscracia e os segundos batalham por uma pseudo-aristocracia? - Chama as coisas como quiseres, mas a essência é exatamente essa. Para os adeptos daquilo que o amigo chamou de caoscracia, tudo vale: o instinto sem peias, a libertinagem desenfreada. Para aqueles a quem consideras como defensores de uma pseudo-aristocracia, só vale o que sirva aos seus interesses. Tanto podem servir-se da libertinagem quanto do “moralismo”,?desde que qualquer dessas posições lhe garanta o poder. O objetivo central de todos eles é a dominação do planeta e, pela proposta de cada grupo, não te será difícil avaliar de que maneira operam entre os homens. Despedi-me do Bispo com sincera gratidão e voltei, em companhia de Rufus. Preferi não falar. Mergulhei em profundas e silenciosas reflexões. Durante aqueles momentos, eu tivera diante de mim não um anjo decaído, mas um ser humano que, não obstante imerso em profundas trevas, era capaz de comover-se diante de um ser amado. O Universo é na realidade um cosmos; nem extinção individual, nem contemporização com o desequilíbrio, mas harmonia; nem sentimentalismo, nem rigidez, mas amor. Após minha entrevista com o Bispo, senti fome e sede de silêncio. Um silêncio tão profundo que me ensurdecesse para as coisas do exterior e me abismasse no insondável do meu próprio ser. Ali, eu colocaria em ordem tudo o que me parecesse confuso. Efetivamente, quanta coisa percebi naquele silêncio! Fatores externos podem fazer com que a água se condense e até sofra uma perda aparente de sua característica principal como líquido. Quem tocasse uma pedra de gelo ressecado, dificilmente perceberia nela a mesma substância capaz de dessedentar e até nutrir seres vivos. No entanto, ela, a água, ali está essencialmente intacta; basta um leve aquecimento da atmosfera para que ela volte ao seu estado primitivo, no qual ninguém seria capaz de perceber o concreto e esfumaçante gelo ressecado de antes. O mesmo acontece com seres espirituais; podem eles congelar sua mente naquilo que se convencionou chamar a prática do Mal; basta, contudo, o mais brando calor do Infinito para derreter esse gelo provisório. Foi exatamente o que aconteceu com o Bispo: O Infinito o foi penetrando aos poucos, primeiro sobe a forma de justiça: o Bispo foi, gradativamente, percebendo que seus atos não eram justos, isto é, não estavam ajustados às leis do Universo. Foi ele compreendendo lentamente, que necessitava enquadrar-se não só na sua Justiça, mas também na justeza, na harmonia do Cosmos. Mais tarde, o Infinito o fulminou com um raio de amor: seus próprios passos, desviados da lei universal, acabaram por levá-lo ao encontro de alguém a quem amara em épocas pretéritas. No Apocalipse e em outras Escrituras, Deus é revelado como Senhor e Rei; é posto num trono, de onde comanda, supremo, a história do Universo. Trata-se aqui, de uma antropomorfização da idéia central da soberania absoluta da Divindade. Não podem nossas dissonâncias provisórias comprometer a?harmonia eterna; não pode o nosso desejar finito sobrepujar o supremo querer do Infinito. Após essas reflexões, brotadas das profundezas do meu silêncio, procurei Rufus: queria saber dele mais alguma coisa a respeito do Bispo, especialmente de sua história espiritual, e o meu cicerone, como sempre, não deixou de me responder às indagações. - Nosso irmão - disse ele - vem trilhando há muito tempo as sendas tortuosas da sombra e da morte. Tudo fez o plano superior para despertá-lo. Como sacerdote, na Espanha, ele teve contato mais direto com as letras evangélicas, mas o espírito do Evangelho o acompanhou desde a infância, sem que ele tivesse podido aproveitar- se disso em prol de seu crescimento interior. Como sacerdote e escravo africano, ele poderia ter tido um excelente ensejo de evoluir, pois, se é verdade que entrou em contato com tenebrosas potências do astral inferior, também é certo que teve notícias de uma filosofia elevada que o poderia ter ajudado a resgatar-se. Não julgueis, Delfos, que a África seja apenas um antro de feiticeiros. Havia por lá civilizações, em cujo seio surgiam verdadeiros iniciados em doutrinas tão puras quanto as da Índia ou da Grécia. Além disso, nosso irmão teve ainda uma vantagem, ao ser trazido para a Bahia: conheceu ali um pequeno grupo que trazia em suas práticas religiosas, em sua ética, muito da sabedoria egípcia. Poderia ele se ter valido desse grupo para obter crédito na espiritualidade, caso assimilasse os ensinamentos iniciáticos que lhe eram transmitidos por seus irmãos. Preferiu, porém, enveredar pelos caminhos da feitiçaria e isso o perdeu. Agora, enquanto aguarda uma encarnação breve e dolorosa, talvez ainda na Terra, suas vastas potencialidades são aproveitadas aqui mesmo, na correção dos equívocos de ontem. Nada mais tinha a dizer e a ouvir. Ficara sabendo, mais uma vez, que o plano divino da evolução pode sofrer atrasos, porém, jamais se frustrará em definitivo. X – O LABORATÓRIO DE ÉDISON Por intermédio de Rufus, fui apresentado ao irmão Jacó - pseudônimo com que Frederico Figner se havia comunicado com a Terra, por via psicográfica. Meu contato com o irmão Jacó não se dera por acaso: eu ouvira falar das experiências que Thomas Édison realizava ultimamente, visando estabelecer intercâmbio com os homens por meios físio-técnicos. Aquilo me fascinava. Eu assistira na Alemanha a fenômenos psíquicos verdadeiramente extraordinários. Sobre alguns deles me fora fácil adotar uma posição tranqüilamente jesuítica. Nas horas de “aperto”, o subconsciente vinha em nosso socorro em nome das ciências exatas e nossas consciência clerical ficava em paz, se não com Deus, pelo menos com o nosso comodismo escolástico. Não renuncio de todas às minhas antigas convicções. Efetivamente, o homem possui em seu psiquismo certas zonas penumbrais, certas forças escondidas e inexploradas, que ainda farão dele o gigante que está destinado a ser. Hoje, porém, estou convencido de que não se pode estabelecer um limite rígido entre manifestações do além e as do aquém. Os médiuns não são objetos sujeitos à telecinésia; são seres humanos, verdadeiros turbilhões de forças ignotas que facilitam ou dificultam sua comunicação conosco. Agora surgia diante de mim uma perspectiva nova: os dois planos de um mesma vida poderão interpenetrar-se com o auxílio da técnica e sem as inconvenientes interferências anímicas. Ao ser apresentado ao irmão Jacó, entabulei com ele longa conversação a respeito do inventor da lâmpada elétrica. Agora, segundo me afirmava, tinha Jacó freqüentes contatos com o genial cientista e poderia aproximar-me dele para uma entrevista. Isto se deu pouco tempo depois do nosso primeiro encontro. Viajei, sem necessidades de passaporte, para as terras da Califórnia e, nas esferas espirituais vizinhas à crosta, fui encaminhado ao laboratório de Édison. Era uma sala espaçosa e iluminada, sem atrativos por fora mas palpitante de vida por dentro. Aparelhos os mais diversos abarrotavam o recinto. Alguns eu conhecia; outros, porém, me eram totalmente estranhos e me pareciam exóticos: formas piramidais ou afuniladas, microfones ligados a paredes,lâmpadas suspensas no ar a emitir variados sons, cujas modulações eram combinadas com as mais diferentes e cambiantes cores. Quase não havia cadeiras. Sentei-me em uma das poucas ali existentes e aguardei, curioso ao ouvir não só os sons emitidos pelas lâmpadas, como também os emitidos pelos trabalhadores do laboratório. Eles cantavam notas, ora em voz baixa, ora em alto e bom som. Depois, essas notas eram como que reproduzidas pelas próprias paredes da sala. Não se tratava do fenômeno comum ao qual chamamos eco; era como se os sons se gravassem nas paredes e depois fossem reproduzidos à vontade – e misteriosamente, pelo menos para mim - graças à ação dos trabalhadores. Decorrido algum tempo, vi, afinal, diante de mim o tão esperado Thomas Édison. Apresentei-me e, para minha surpresa, ele se referiu a alguns dos meus livros. Como era possível que aquele homem tivesse conhecimento de minhas obras? Ele sorriu e, para meu espanto, disse que eu era lido também no outro mundo. Que responsabilidade!... Mas meu interesse era em Édison, em suas tarefas, não em Delfos e seus livros. Iniciei a entrevista perguntando que aparelhagens eram aquelas e quais as suas finalidades. - É difícil explicar-lhe - respondeu ele. - O que posso, por enquanto, dizer-lhe é qual o seu objetivo: estamos experimentando a manipulação do som. Pretendemos dominar e utilizar ondas sonoras para estabelecer comunicação mais concreta com o mundo físico. - De que maneira se fará isso? - perguntei eu. - Já se faz, pelo menos em parte. Quando desejamos comunicar-nos via rádios ou gravadores, aproveitamos toda a gama de sons guardados ou circulantes no ambiente. - Guardados? - perguntei eu, mais para provocá-lo. - Pensas que o som se perde? - respondeu ele. - Para além do ambiente físico existem, como tu sabes, registros onde estão arquivados, em cada ambiente, sons, imagens e até mesmo idéias e sentimentos. Aqui, estamos como que “fabricando sons” para depois adensá-los e condensaá-los. - Como será isso possível? - Sabes que só há uma energia passível de todas as transformações. Assim como se pode congelar a energia luminosa, transformando-a em matéria opaca, também nos é possível fazer que a vibração sonora desça até o nível em que possa ser percebida pelo ouvido humano. O trabalho é árduo mas já nos aproximamos da recompensa. Breve os homens poderão escutar-nos e ver-nos, sem grandes gastos de energia da parte dos médiuns. - A propósito - interrompi -, qual o papel do médiuns em suas investigações? - Quanto menos precisarmos deles, melhor - respondeu o gênio. - Os homens, quando desejam estratificar suas concepções, levam seus sofismas até as últimas consequências. Enquanto os médiuns forem indispensáveis no intercâmbio conosco, a teoria animista e materialista buscará sempre sobreviver, utilizando, na hora do naufrágio, a balsa ou o escapismo do inconsciente. É preciso, de uma vez por todas, desfazer essa falácia dos eternos negadores. E não estamos longe de conseguir. A própria eletricidade, ao lado de outras forças da Natureza, nos fornece os recursos necessários para dispensar os médiuns, quase por completo. - Fale-me um pouco mais, por favor, dessa condensação do som; não me disse que, para o intercâmbio com os encarnados, são aproveitadas ondas sonoras circulantes ou guardadas no ambiente? Por que levar para o plano físico o som daqui? - Nesse campo, meu caro, queremos depender cada vez mais de nós e cada vez menos das pessoas e circunstâncias da Terra. Se conseguirmos produzir, por nós próprios, os sons que facilitam o nosso intercâmbio com os?encarnados, comunicar- nos-emos com eles tão fluentemente quanto eles se comunicam entre si, através dos mil e um recursos da eletrônica. - Há outros cientistas em sua equipe? - Claro. Trabalho com Marconi e Landel de Moura. Não sei se sabes, mas este também captou, em terras brasileiras, a noção da existência do rádio e do telégrafo sem fio. - Em contato com o irmão Jacó, soube do seu atual interesse em buscar, não a descoberta de lâmpadas externas, mas o encontro de luz interior. Surpreendo-me, no entanto, aqui em seu laboratório empírico, visando comprovação das realidades do Espírito, através de efeitos físio-técnicos. Não haverá nisso uma certa contradição? - Sabes mais do que ninguém, que a analise é o primeiro passo para a síntese e que o intelecto é a antecâmara da intuição. Do mesmo modo, a comprovação dos fatos é o impulso inicial para a percepção da realidade. Não queiras transformar homens em anjos de um momento para o outro. Eles perceberão por si mesmos que são Espíritos eternos, mas antes precisam despir a morte dos trajes horrendos com que a revestiram. Devem primeiro ser abalados pelo contato daqueles a quem julgavam mergulhados no nada ou beatificados num paraíso distante. Depois, sim, nascerão de novo pelo Espírito. Lembra-te do Cristo: repreendeu Tomé, é verdade, mas se deixou tocar pelo apóstolo; em consequência, Tomé, o incrédulo, despertou para as realidades mais íntimas do seu ser e exclamou: “Senhor meu e Deus meu!”. Nossa entrevista poderia efetivamente acabar ali, tão soberbas e transcendentes eram as palavras de Édison; eu, porém, queria um pouco mais e o abordei, nestes termos: - Até que ponto a teoria da relatividade favorece as suas experiências? - Nem era preciso que me fizesse essa pergunta - respondeu ele, sorrindo. - Em todo caso, acrescento a tudo o que já viste, a informação de que o som a irradiar-se das lâmpadas não passa de transformação da energia luminosa em vibração sonora. Isto confirma um dos pressupostos einstenianos, segundo o qual, no mundo físico tudo vem da luz. Lembrando Hermes Trimegisto, digo-te que no mundo extra-físico as coisas também são assim. XI – UMA EXPERIÊNCIA SIGNIFICATIVA Algum tempo depois de minha desencarnação, deu-me vontade de rever antigas paragens de minha infância. Ainda assessorado por Rufus, expus a ele minha intenção, no que fui plenamente compreendido. Disse-me o amigo, inclusive, que me acompanharia nessa viagem. E ela foi feita. Tubarão era o seu ponto terminal. Certas cidades do sul do Brasil dão-nos a sensação de estarmos na Europa. Tubarão é uma dessas cidades. Conquanto hoje por lá, como não poderia deixar de ser, vestígios de nossa origem cultural luso-afro-indígena, a presença alemã é ali sentida com mais intensidade. No formato e nos efeitos das casas, na psicologia e nos hábitos de seus habitantes, Tubarão é muito semelhante a certos burgos do sul da Alemanha. Aliás, tão logo pisei a cidade, fui invadido por sensações estranhas. Tive nítida lembrança de vivências minhas em plagas européias. Recordei episódios por mim vividos em terras longínquas, fatores decisivos que em muito concorreram para os acontecimentos principais de minha última existência no Brasil. Sobre esses fatos, no entanto, não quero deter-me agora; mais tarde merecerão eles alguma reflexão. O que importa, no momento, é o episódio significativo de que fui, ao mesmo tempo, espectador e autor. Corríamos a cidade. Era noite, o tempo estava chuvoso e o frio enregelava os ossos de quem por lá usasse o escafandro do corpo físico. De repente, avistamos ao longe um filete de luz; logo percebemos que a luminosidade não vinha do plano físico, mas do nosso plano. Aproximamo-nos e chegamos a um casebre, onde havia um agonizante, uma senhora, duas meninas e um médico. Este, não poupava esforços, embora inutilmente, para, pelo menos, atenuar um pouco os sofrimentos daquele homem... Fomos recebidos por duas entidades que velavam à cabeceira do moribundo. Verifiquei pessoalmente a situação deplorável do enfermo. Estava ele na nossa esfera; no entanto, laços vigorosos ainda o detinham no corpo. Os efeitos luminosos à sua volta e os emitidos por ele eram singulares. A mulher e as filhas oravam, daí o filete de luz que nos
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