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1-Meu-além-de-Dentro-e-de-Fora

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LUIZ ANTÔNIO MILLECCO 
MEU ALÉM 
DE DENTRO 
E DE FORA 
DITADO PELO ESPÍRITO DELFOS 
 
UNIVERSALISMO 
 
ÍNDICE 
 
 NOTA DA EDITORA 
 APRESENTAÇÃO 
1. CEMITÉRIO DE OVÓIDES 
2. FATOS E VALORES 
3. OVOIDIZAÇÃO 
4. ARQUÉTIPOS E FORMAS ARQUETÍPICAS 
5. O EGO SEM VÉUS 
6. O CÉU EM PLENO INFERNO 
7. MEU ENCONTRO COM GANDHI 
8. MEU ENCONTRO COM S. L. 
9. MEU DIÁLOGO COM UM ESPÍRITO EX-PERVERSO 
10. O LABORATÓRIO DE ÉDISON 
11. UMA EXPERIÊNCIA SIGNIFICATIVA 
12. A PALAVRA DE CHARDIN 
13. A EXORTAÇÃO DE J. R. 
14. A MISSÃO DOS PACIFISTAS 
15. A VOLTA DE LOYOLA 
16. UMA REUNIÃO SOLENE 
17. MEU DIÁLOGO COM EMMANUEL 
18. PROBLEMAS DA MEDITAÇÃO 
19. O CONSELHO DO RAJÁ 
20. ODISSÉIA DE UM PSEUDO-SANTO 
21. SOBRE OS MÉDIUNS 
22. POR QUE ESTE MÉDIUM 
23. NOSSO TRABALHO MEDIÚNICO 
24. ENCONTRO ESTRANHO E DEFINITIVO 
 
 
NOTA DA EDITORA 
 
 
A SOCIEDADE EDITORA ESPIRITUALISTA F. V. LOREZ apresenta, com a maior 
satisfação, o primeiro livro de uma nova série de notável filósofo brasileiro, que nos 
legou magnífica obra, e que se apresenta agora simplesmente como Delfos. Meu 
Além de Dentro e de Fora registra as primeiras impressões de Delfos no Mundo 
Espiritual. Em suas mensagens há ratificações e também retificações... E logo nas 
primeiras linhas do livro, o primeiro, aliás, de uma série já concluída, constataremos, 
com facilidade, que Delfos é, de fato, profundo conhecedor dos assuntos espirituais, 
como diligente estudioso que sempre foi da vida no Mundo do Espírito. 
 
O médium, Luís Antônio Milleco, é bastante conhecido pela sua assinalada 
contribuição à causa do estudo e difusão do Espiritismo. Foi um dos fundadores da 
SPLEB - Sociedade Pró-Livro Espírita em Braile, do Tele-Cristo, do Grupo 
Universalista Os Cirineus e outras instituições. Professor, jornalista, escritor, poeta, 
musicoterapeuta, é cego de nascença. 
 
Com este livro a SOCIEDADE EDITORA ESPIRITUALISTA F. V. LORENZ está 
certa de contribuir também para enriquecer ainda mais a vasta literatura espírita em 
Português e em Esperanto. 
 
APRESENTAÇÃO 
Ignoto Amigo, 
Das profundezas e mistérios do além de fora volto a ti. Não me creias um duende, 
um fantasma, um egresso da Natureza para o sobrenatural. Não! ... Sou eu mesmo, 
intacto e renascido com idêntica sede do Infinito. 
Antes de abandonar meu corpo de carne, não me eram dados contatos com o além 
de fora. É verdade que, por vezes, tinha com ele alguns “Flertes” mais ou menos 
“clandestinos”. Minhas aspirações espirituais estavam, invariavelmente, voltadas 
para o meu além de dentro. Eis, porém, que a irmã Morte, serena e inflexível, houve 
por bem visitar-me e submeter-me à sua cirurgia. Graças a ela, eis-me neste “outro 
mundo”, que só é “outro” para quem ainda não compreendeu que o Universo é um 
só, em múltiplas dimensões. Tão logo cheguei a essas plagas, meus dois aléns, o de 
dentro e o de fora, como se interpenetraram e não mais me foi possível distinguir um 
do outro. Também, como poderia eu separar-me, de maneira absoluta, de um 
mundo que é, em grande parte, uma porção de mim mesmo? 
Agora quero dividir contigo minhas experiências e perplexidades. Quero que saibas 
que, se pude confirmar aqui o que centralmente havia descoberto aí, também tive de 
reformular minhas “verdades” mais ou menos “definitivas”. Convido-te a 
empreendermos juntos, uma viagem por esse país que, embora tão antigo, e sempre 
novo, a cada vez que nos despojamos de uma veste física. 
Se frequentaste as minhas aulas, é provável que te decepciones aqui e ali com o 
antigo “mestre”. Será ótimo que assim seja. Compreenderás, então, que não cheguei 
nem mesmo a ser o professor, conforme supunhas. 
Se apenas me leste, terás confirmadas algumas das minhas teorias e abandonadas 
outras, porque a morte não me despojou apenas do meu invólucro físico, 
desembaraçou-me, também, de algumas teias com que ardilosamente me prendiam 
ao meu ego mental e emocional. 
Delfos 
 
I - CEMITÉRIO DOS OVÓIDES 
Quando fui carinhosamente abraçado pela irmã Morte, com a qual já me reconciliara 
havia muito tempo, esperava ser conduzido a algum céu, onde minha busca do 
Infinito fosse ainda mais profunda e onde mais completa fosse minha comunhão com 
Deus. Tal, porém, não aconteceu. Para minha surpresa, embora soubesse ter 
abandonado o corpo físico, então imprestável, sentia ainda algumas de suas 
mazelas. A ferida na perna cicatrizara, mas persistia ainda um resto de dor. A 
sufocação no peito não me abandonara de todo. Logo fui, porém, recolhido a um 
pouso de refazimento, onde minhas forças foram, aos poucos, se retemperando. 
Minha sensação de convalescença assemelhava-se à que descrevi com o ocorrido 
após o naufrágio em Cosmorama. Logo que refeito fui conduzido ao estudo. 
Disseram-me que no meu pensamento havia muita coisa a reformular e muito a 
completar. 
Um dia fui conduzido a um estranho compartimento da instituição que me abrigava. 
Era uma sala um tanto espaçosa, escura e cheia de pequenas caixas retangulares, 
semelhantes a caixões de natimortos (nascidos mortos). Todavia, o que me deixou 
mais perplexo não foram as aparentes caixinhas mortuárias, mas o que estava 
dentro delas. Tratava-se de formas ovóides, que variavam em seu tamanho; 
algumas tinham a dimensão de um crânio humano, outras chegavam quase à 
estatura de um ovo de galinha. 
Preparava-me para abordar o assunto com o Instrutor Rufus, que me assistia. Ele, 
porém, antecedendo-se, fez-me, curiosamente, a pergunta que eu me dispunha a 
desfechar-lhe à queima roupa: 
- Essas formas que estão diante de ti, que são elas? 
Não quis arriscar-me a responder. Ele, porém, prosseguiu: 
- São almas em profundo desequilíbrio. De tal sorte comprometeram sua forma 
astral que acabaram por perdê-la. 
- Já sei - disse-lhe eu triunfante. - Estamos diante de uma segunda morte. Esses 
seres certamente fizeram a opção zero na evolução. Aos poucos se desintegram, 
deixarão de existir como consciências individuais, embora continuem a ser 
universalmente. 
Rufus, paciente e atento, não quis interromper-me. Tão logo, porém, concluí minhas 
observações, aguardei, interessado e ansioso, que ele confirmasse a “grande 
verdade” que eu enunciara no mundo. Para minha surpresa, ele me respondeu: 
- Apenas em parte, meu caro Delfos, apenas em parte estás com a razão. Esses 
seres perderam afetivamente sua casca astral; todavia, não se encaminham para o 
zero, para o nada. Deus não perde tempo, nem se engana, meu caro Delfos. Para 
Ele não existe o imprevisível. A Suprema Inteligência do Universo é, também, 
supremo amor e jamais crearia1 seres destinados irremissivelmente ao nada. 
Fiquei perplexo e desconcertado. Onde estava o livre arbítrio do homem? Não 
poderia um ser, humano ou angélico, optar pelo seu auto-aniquilamento? 
Rufus, captando-me as últimas inquietações, veio ao encontro delas e me disse: 
- Delfos, o livre arbítrio não é absoluto. Se o fosse, o Universo seria um caos; e 
sabes que é um cosmos de beleza e harmonia. Como quererias que alguém, em 
qualquer fase de jornada evolutiva, pudesse cometer a loucura de auto-destruir-se? 
Não sabes que a consciência de ti mesmo é um patrimônio laboriosamente 
conquistado por tuas lutas milenares? Não sabes que és parte da vida universal e 
que sem ti, sem qualquer das creaturas de Deus, mesmo as aparentemente mais 
ínfimas, a creação estaria incompleta? Como quererias que te fosse permitido 
comprometer a harmonia cósmica com tuas eventuais insânias? 
Sim, de fato - pensei -, quão tolo fui eu ao esposar a teoria da morte eterna! Eterno 
só Deus; e Deus é VIDA! Não poderíamos perecer, nós que somos seus filhos e 
herdeiros! Muitas vezes mergulhamos nos mais profundos abismos da morte, mas 
para de lá sairmos ressurretos e triunfantes. Ainda que nossa consciência mergulhe 
na mais absoluta hibernação, ela será um dia impelida, pelo fatalismo da Vida, a 
despertare a retomar a jornada eterna. 
Minha mente, no entanto, fervilhava de interrogações. Enquanto me demorava 
naquele “cemitério dos ovóides”, perguntava a mim mesmo: 
 
1 O Autor prefere"crear" e seus derivados para atos de creação. 
- Que será feito desses seres? Terão ainda consciência de si próprios? Como 
recuperação sua forma humana perdida? 
Mais uma vez Rufus veio em meu socorro: 
- Alguns têm consciência de si próprios, embora essa consciência seja semelhante à 
dos esquizofrênicos ou dos que cultivam monoideias. Outros vivem uma espécie de 
sono estremunhado, girando em torno dos seus próprios pesadelos. Outros, ainda, 
dormem o sono quase sem sonhos. É difícil descrever-lhe a posição. Trata-se de um 
sono pesado, mas não tranquilo. Só há um remédio para que esses pobres seres se 
curem de seu mal: um novo mergulho na carne. Devem renascer da água, para mais 
tarde renascerem pelo espírito. 
- Onde? - insisti eu. 
- Alguns, ainda na Terra, nos próximos anos, serão mergulhados em corpos 
defeituosos. Outros, porém, terão que ser compelidos a mundos inferiores, porque 
sua presença perturbaria a evolução deste planeta. 
Perplexo, curvei-me à sabedoria divina que tudo retifica e a todos acolhe. Como diria 
um dos nossos humoristas: “Morrendo e aprendendo”. 
 
II – FATOS E VALORES 
Quando entre os terráqueos, não dava maior atenção ao processo reencarnatório. 
Considerava-o apenas como um fato, e aprendera com Einstein que “do mundo dos 
fatos não conduz nenhum caminho ao mundo dos valores”. Além disso, a 
reencarnação para mim era compulsória e não se dava necessariamente na Terra. 
Foi o meu implacável Rufus quem veio desfazer em minha mente mais essa ilusão. 
Levou-me a presenciar inúmeros processos de renascimento, alguns expiatórios, 
outros vividos por almas missionárias devotadas ao sacrifício em prol da 
Humanidade. Aproveitei um momento de lazer e interroguei o meu paciente instrutor: 
- Rufus, como fica afinal o ensinamento de Einstein? Acabas de mostrar-me que 
inúmeras almas renascem vezes sem conta neste pobre planeta; venho de constatar 
contigo que a reencarnação é uma lei fatal, à qual todos os seres se submetem. E 
eu pensava o contrário... Que fizeste das minhas convicções, meu sereno e 
imperturbável juiz? 
- Delfos - respondeu-me ele - não sou juiz senão de mim mesmo, e olha que nem 
assim consigo que meus pensamentos sejam sábios, pois há dentro de mim tanta 
coisa que me demoro a perceber! Quanto às tuas reflexões, Delfos, escuta: não 
estás errado. Com efeito, “do mundo dos fatos não conduz nenhum caminho ao 
mundo dos valores”. É, porém, no “mundo dos fatos”, que o homem se adestra para 
a percepção dos valores. Observa os pássaros. Não é o ovo que os conduz ao vôo; 
eles, no entanto, devem nascer para mais tarde aprenderem a voar. Não é o solo 
que os faz ganhar os ares; eles, todavia, necessitam senti-lo para firmarem os 
pezinhos. Não é, tampouco, a lei da gravidade que os impulsiona para cima. Eles, 
contudo, precisam vencê-la, a fim de cumprir seu destino. Repara: o ovo, o solo, a lei 
da gravidade, são resistências que devem ser superadas, se a ave quiser cumprir 
uma das leis para as quais veio ao mundo. É assim com o Espírito. Deve ele 
mergulhar na carne, sofrer-lhe a opressão e todas as resistências ao ambiente físico, 
a fim de ser ele mesmo, restituído à sua condição de filho de Deus. 
- Mas, Rufus - perguntei eu -, é possível estabelecer-se um limite exato entre a 
chamada prova e a chamada expiação? 
- Até certo ponto, sim. Estavas certo, Delfos, quando afirmavas no mundo que o 
sofrimento era a característica de toda a creação. Em sua generalidade, as creaturas 
de Deus sofrem e nem todas têm o que expiar. A prova, Delfos, é a condição 
necessária ao desenvolvimento do ser espiritual; a expiação é um acidente no 
caminho evolutivo. 
- Por que será então, meu caro Rufus, que esse “acidente” ocorre justamente com 
aqueles que possuem todos os recursos para evitar acidentes? 
- Boa observação, Delfos; o natural é que as crianças se firam por inexperiência, não 
os adultos. Nós, contudo, meu amigo, ainda nos portamos?como crianças 
espirituais. Não enfrentamos os perigos com a prudência necessária e, quase 
sempre, nos ferimos como meninos imaturos que, avidamente, desejam os 
brinquedos de hoje sem pensar no amanhã. 
- Ainda uma questão me inquieta, meu paciente Rufus: estaria eu de todo errado 
quando afirmava que a reencarnação não se dá só na Terra? Afinal, reparei contigo 
que muitos dos que renascem neste planeta estão chegando de outros orbes. 
- É verdade, Delfos; quando um planeta como o nosso chega ao fim de um de seus 
ciclos evolutivos, recebe grandes contingentes de outros orbes, como disseste; além 
disso, compactas multidões vagavam até agora pela erratididade do planeta e só 
agora merecem as bênçãos de uma oportunidade reencarnatória. É preciso, 
também, atentar para o fato de que as humanidades se vinculam aos mundos por 
toda uma gama de forças imponderáveis, não lhe sendo fácil o deslocamento de um 
para outro globo, a não ser em circunstâncias excepcionais, como as que ora 
vivemos. 
Quanta coisa a aprender, quantos conceitos a reformular! Infelizes daqueles que 
fazem de seu credo uma gaiola inexpugnável! Acabarão por perderem o gosto pelo 
vôo e não atingirão seus gloriosos destinos. 
 
III – OVOIDIZAÇÃO 
Não me refizera de todo da profunda experiência, cujo impacto se exercera sobre 
mim no “Cemitério dos Ovóides”, quando Rufus me conduziu a uma nova e 
imprevisível aventura. 
Estávamos no Rio de Janeiro. Essa cidade para mim possuía certo fascínio. 
Conquanto houvesse nela todas as máculas de uma cidade grande, havia, também 
em seu seio, misteriosas fontes de vida e ainda recantos poéticos onde a matéria 
morta não prevalecia de todo sobre a pujança delicada do espírito vivo. 
Rufus levou-me até o alto da Tijuca. Era noite. O bosque recendia. A vida. A vida 
estuava. Não foram, no entanto, os espetáculos do mundo físico que me atraíram. 
Rufus desejava chamar minha atenção para estranhos seres supra-físicos que 
povoavam a mata. Vi-os de vários matizes e sob diversas formas. Alguns tinham 
aspecto masculino e outros feminino. Uma coisa, porém, os caracterizava a todos: 
eram seres pequeninos. Vários chegavam mesmos ao tamanho de um feto. Havia 
outros seres maiores mais ao fundo da floresta. Não tive dificuldade em perceber 
que se tratava dos chamados elementais ou espíritos da Natureza. Já me referi a 
eles em minhas aulas, como habitantes do subsolo do Universo. Agora, porém, 
aconselhado pela prudência, não ousava afirmações. Desconfiava das minhas 
verdades definitivas e preferia interrogar meu companheiro. Não foi preciso. Rufus 
encarregou-se de me responder às perguntas mudas. 
- Sim, Delfos, estás diante dos elementais. Convém saberes, todavia, que eles não 
são seres paralelos à evolução do homem; são, ao contrário, futuros seres humanos. 
Preparam-se agora para os grandes embates do mundo físico. 
- Na terra? - perguntei eu. 
- Não - disse Rufus. - Este planeta, conquanto ainda muito retardado na jornada 
evolutiva, já quase não oferece clima propício para primeiras encarnações. 
Continuamos a observar os elementais. De repente, eis que um fenômeno me deixa 
estupefato: entre aqueles pequeninos e graciosos seres, surgiram formas esféricas e 
ovóides, semelhante às que eu havia visto, em companhia de Rufus, na instituição 
em que nos domiciliávamos. Várias dessas esferas iam, aos poucos, adquirindo 
contornos humanos; outras, contudo, permaneciam em suas formas primitivas. 
- Que significa isso? - perguntei inopinadamente. - São esses seres também 
elementais ? 
- Não tenhas dúvida - respondeu Rufus, para meu espanto. 
Após uma ligeira pausa, prosseguiu meu amigo com suas lições inesperadas e 
desconcertantes: 
- Já sei em que cogitas. Achasnormal que seres já plenamente individualizados e 
responsáveis por si mesmos, possam compreender sua forma astral até ovoidizá-la. 
- Mas esses seres, mal saídos de um longo processo de elaboração na Natureza, 
esses entezinhos ainda semi-animais, o que fizeram para deformar assim seus 
corpos astrais mal formados? 
- Vamos por partes, meu caro Delfos. Que acontece quando o espermatozóide 
fecunda o óvulo? 
- Constitui-se ovo - respondi. 
- Logo, não só o ovo, mas também a esfera, são como que os primeiros estágios de 
todas as formas no plano físico. A própria semente nada mais é do que um ovo um 
tanto alongado. 
- Mas que queres dizer com isso, Rufus? 
- Quero dizer que a ovoidização2 tem causas diferentes nos seres menores e nos 
chamados maiores, na creação terrestre. No ser já plenamente individualizado, 
consciente, é como que uma espécie de resnascimento da forma perispirítica ou 
astral. É o resultado de longos abusos perpetrados por inteligências realmente 
satânicas. Não é o e Espírito que morre; é o perispírito ou corpo astral que se 
deforma. Alguma dessas inteligências, antes de chegarem à forma ovóide, 
recapitulam, também a experiência animal, sem perder a consciência de si mesmas. 
 
2 Aqui o amigo espiritual alude à transformação do perispírito e não à qualquer degeneração do Espírito. (Nota do médium) 
 
Outras sofrem como que uma ovoidização direta. Nunca é demais frisar: em nenhum 
desses casos existirá uma segunda morte, mas sim um desequilíbrio provisório. Há 
Espíritos que chegam mesmo a um estado de hibernação ou inconsciência. Essa 
situação, no entanto, embora tenha duração indefinida, não é eterna. Um dia, a 
misericórdia divina visita esses pobres seres e eles retomam a jornada de sua 
evolução. Em suma: o Universo abomina a morte; todo ser espiritual que, por suas 
atitudes e seus atos, tenda para ela, é constrangido pelo Cosmos a regressar à 
forma oval, para começar de novo. Não te assustes, meu caro Delfos, porque isto 
não é uma fatalidade, é um acidente. 
Rufus ia continuar, mas eu o interrompi, cheio de perplexidade: 
- De onde recomeçam eles, meu caro amigo? 
- Exatamente de onde pararam, Delfos. O Espírito pode hibernar, mas não 
retrograda. Leva consigo, em estado latente, todo o patrimônio já adquirido e, com 
esse patrimônio consegue refazer o próprio destino. 
- E quanto aos elementais ? - indaguei. 
- Estes, bem como seres espirituais ainda presos a corpos animais, não atingiram o 
estágio que lhes permita manter a forma que os caracteriza. No caso dos chamados 
irracionais, como já vos disse André Luiz, há, frequentemente, o auxílio das 
vibrações amigas dos seus donos, que os sustentam e lhes mantêm a forma do 
psicossoma, após desencarnados. Quanto aos elementais, estes estão treinando 
por si mesmos a aquisição definitiva de seu corpo suprafísico. Não estão só nesta 
tarefa. As inteligências superiores que lhes supervisionam a evolução, os auxiliam 
até que não necessitem mais de tutela. Além disso, há um outro auxílio que lhes é 
concedido pela própria mente humana das coletividades terrestres. 
Eu ia de espanto a espanto. Como poderiam os homens auxiliar os elementais na 
formação de seu corpo astral? 
Registrando-me o pensamento, Rufus respondeu: 
- Já ouviste falar dos arquétipos? 
- Sim, eu já fora apresentado a eles por seu descobridor Carl Jung. Não me detivera, 
no entanto, no estudo mais apurado dessas energias. 
Após responder afirmativamente com a cabeça, fiquei atento a Rufus, pedindo-lhe, 
sem palavras, que me falasse mais sobre os arquétipos; e ele não se fez de rogado. 
- A mente coletiva, através de milênios, creou diversas formas, às quais Jung 
chamou “figuras arquetípicas”. Os arquétipos são núcleos psíquicos os quais essas 
formas se originam. Trazendo consigo as noções do mundo supra-físico, nos quais 
já esteve, o homem sempre conheceu as fadas que lhe embalaram a imaginação 
infantil, durante sua evolução. Pois bem: Essas “fadas” (e o Espírito humano, em sua 
fase elemental, já esteve entre elas) passaram a participar das fantasias do homem. 
Essas fantasias, por sua vez, integraram-se nele como facetas do psiquismo. É por 
isso que, em todos os tempos, se tem realizado uma espécie de intercâmbio 
automático entre o homem e seus irmãos mais novos, os espíritos da Natureza. 
Estes, por sua simples existência, embalam a imaginação, inspirando lendas e 
contos. O homem, por sua vez, pelo simples contato ou encanto dessas histórias, 
acaba por crear, de modo inconsciente e automático, formas-pensamento em tudo 
semelhantes aos elementais, que, em muitas ocasiões, as revestem ou as utilizam 
por modelos, garantindo assim a configuração de seu psicossoma ou corpo astral. 
Resumindo: no início de seu processo de individualização, o Espírito é semelhante à 
criança recém-nascida. O bebê suga o leite materno, mas só o faz se a mãe se 
inclina sobre ele; mais tarde aprenderá a levar alimento à boca e mastigá-lo. O 
mesmo sucede com o ser espiritual recém-nascido de sua longa elaboração. 
Primeiro será auxiliado pelos seres superiores que lhe supervisionam a evolução; 
em seguida, valer-se-á de figuras arquetípicas ou “clichês” que lhe são fornecidos 
pela própria mente dos encarnados, quer revestindo essas formas, quer utilizando-
as como modelos. Mais tarde, usará seu próprios poderes latentes para manter sua 
firma perispiritual ou supra-física, até que ela se conserve intacta de maneira 
definitiva. 
Quando Rufus deu por finda a sua verdadeira aula, tive ímpetos de me arrojar ao 
solo, quieto e mudo, ante a vastidão infinita do Universo. 
Agora, liberto da prisão da carne, podia perceber melhor a imperscrutável sabedoria 
do Uno e a variedade infinita dos Versos; Uni-Verso - unidade na diversidade, 
sinfonia cósmica que nunca se concluirá, mais inacabada que a de Schubert. 
 
IV – ARQUÉTIPOS E FORMAS ARQUETÍPICAS 
Impressionara-me o contato com os elementais, e a noção sobre os arquétipos me 
fascinava. Meu cérebro fervia de especulações. Depois de um profundo silêncio 
interior, decidi abordar Rufus sobre o assunto. Pensara, de início, numa entrevista 
com o próprio Jung, e ainda não perdi de todo essa esperança. Rufus, porém, 
estava mais ao meu alcance imediato. Embora seja eu na atualidade muito mais 
“repórter” do que quando estava no mundo físico, nem sempre sou bem sucedido 
em minhas tentativas audaciosas de fundo jornalístico. Afinal, todos têm o que fazer 
e não podem estar à disposição da minha curiosidade, mesmo sadia. Por minha vez, 
eu não posso passar todo o tempo a colher matéria para uma espécie de “jornal do 
outro mundo”, a ser editado na Terra. Assim, mais uma vez, recorri ao meu paciente 
e solícito Rufus, que, sem se fazer de rogado, esclareceu-me quanto a um assunto 
no qual eu não me aprofundara. 
- Jung, meu caro Delfos, ainda está para ser descoberto na Terra, Os homens 
ficarão extasiados quando lhe penetrarem mais a fundo o espírito. O que consegui 
foi, todavia, um levantar de espessos véus. Observa o caso dos arquétipos. Que são 
eles? Uma espécie de instintos ou fulcros instintivos que permitem aos seres, ao 
mesmo tempo reencarnados nas mais diversas culturas, representarem de modo 
análogo suas vivências multimilenares. 
- Como se formam esses fulcros, Rufus? 
- Esse instinto já existe na mônada. 
- Poderíamos dizer aos leitores não familiarizados com o assunto, de que 
maneira se dá essa manifestação? 
- Sabes que todos os Espíritos em evolução na Terra, através de suas múltiplas 
existências, já conheceram ou viveram a figura do pai, da mãe, do sábio, do herói, 
da criança, etc.; já estiveram à sombra das árvores ou sobre elas; já travaram 
batalhas, já enfrentaram tempestades em alto-mar. Pois bem: essas vivências, que 
são de toda a espécie humana, aparecem com aspectos mais ou menos análogos 
nos povos mais diferentese distantes uns dos outros. Elas se evidenciam nas 
religiões, nas crenças, nas mitologias, nos sonhos e até nos delírios das creaturas 
que compõem esses povos. 
Que mais poderia eu perguntar? Silenciei, contemplando o espetáculo imponente da 
evolução e agradecendo a Deus por estar vivo. 
 
V – O EGO SEM VÉUS 
Há muito eu já havia deixado o leito; estava mesmo em pleno estudo das novas 
realidades que me surpreendiam. No entanto, ainda convalescia. A dor na perna já 
me abandonara por completo. Minha respiração era cada vez mais livre e profunda. 
As forças, porém, me faltavam. De quando em quando, acabrunhado e triste, eu 
perguntava a mim mesmo: 
- Afinal, que há comigo? Não ultrapassei eu as misteriosas fronteiras do além 
túmulo? Por que me mantenho como se permanecesse ainda no meu corpo físico? 
Sabia, efetivamente, que o mundo astral, invisível, é uma continuação do mundo 
concreto, e tanto aquele como este eram Maya, ilusão. Não compreendia, no 
entanto, por que me comportava eu como enfermo débil. 
Estaria, afinal, tão apegado assim à forma transitória? Não aprendera eu a 
irrealidade do corpo de carne? Não conseguira, em algumas ocasiões, dominá-la? 
Por que sua presença ainda me era tão marcante? Minhas melhoras, em verdade, 
se faziam rápidas. Eu não contava, entretanto, com dificuldades físicas num mundo 
suprafísico. Quando, na Terra, assaltava-me problemas filosóficos e profundos, eu 
me exilava em alguma ermida natural entre árvores silvestres, eu me abismava no 
Infinito até ser penetrado e pensado por Ele. 
Agora, porém, tinha, às vezes, dificuldades até para mover um dedo e, por estranho 
que parecesse, não conseguia alçar aqueles vôos que me eram tão caros e 
familiares em outro tempo. 
Meu bom e querido Rufus encontrou-me nessas divagações. Se quisesse, poderia 
entender-me sem palavras, mas fez questão de ouvir meus desabafos infantis. 
Expus, assim, minhas inquietações, como um menino indeciso apela para o 
esclarecimento paterno. Rufus não se fez de rogado. Colocou-me a destra sobre a 
testa e aconselhou: 
- Aquieta-te. Aquieta-te e vê. 
Diante de mim desenvolveu-se todo o filme da minha última existência. Os fatos 
ocorriam em sucessão inversa, a partir da hora em que deixara o corpo. 
De tudo quanto vira, fixei algumas cenas que me esclareceram de modo especial. 
Eu contemplava a mim próprio, ora ensinando, ora dirimindo dúvidas. Minha atenção 
foi atraída não para o ato de ensinar ou responder, mas para a atitude com que 
respondia ou ensinava. Eu me compenetrava de que era Mestre. 
Quando estava na carne, recusava, de modo absoluto, o título de mestre; aceitava, 
quando muito, o de professor. A nível inconsciente, no entanto, minha atitude era, 
não raro, a do mestre, do alto de sua cátedra, olhando complacente os discípulos 
atentos e às vezes temerosos até de falar. Existia um verdadeiro muro de separação 
entre mim e meus pretensos discípulos. Quando estava de bom-humor, consentia 
em dialogar com eles; aceitava-lhes as interrogações?mais ingênuas a meus olhos. 
Quando, porém, meus humores variavam, achava que deveria entrega-los a si 
mesmos. Era seu dever, pensava eu, perguntar menos e meditar mais. 
Que paradoxo! Deviam caminhar com os próprios pés, mas tinham de aceitar, ao 
mesmo tempo e sem discussões, porém as verdades que eu lhes impusesse. 
Sérias amarguras espalhei com este temperamento! O ego luciférico tem uma 
propriedade toda sua: Consegue penetrar em certos recintos da alma e não deixa, 
facilmente, perceber. Como o camaleão, adapta-se ao meio ambiente assumindo-lhe 
as cores. É o joio ao lado do trigo; para ser extirpado, deve ele crescer com a boa 
semente. 
Era o que acontecia naquele momento dentro de mim. Percebia com clareza a 
fragilidade do meu ego físico, mental e emocional, a aparentar superioridade de 
espírito. Compreendi, então, porque não me situara, de imediato, no mundo do 
espírito. Eu estava livre, é certo, do meu ego físico, mas ainda trazia comigo os 
vestígios do meu ego mental e emocional. Ante aquela experiência, senti que as 
minhas forças desfaleciam ainda mais. As sufocações e as dores ameaçavam-me de 
novo, mas a voz enérgica de Rufus se fez ouvir. 
- Delfos, não cedas. Perdoa-te. Não exijas de ti mais do que podes dar. Situam-se 
bem longe as raízes da fragilidade que percebeste em ti e, para superá-las, é 
preciso compreende-las. Fixa-te, não no ontem que passou, mas no hoje que é 
eterno. Dá início a uma nova era em tua jornada evolutiva. 
Coisa estranha! Da boca e das mãos de meu amigo, parecia escapar uma energia 
que me penetrava todo. Passei a encarar meu ego como uma criança que devia dar 
cuidados e carinho, também, conduzir com energia. 
As forças me voltaram. A fraqueza desapareceu por completo; senti-me leve, forte e 
predisposto a servir. 
“Desde que me encontrei Contigo, Senhor, faço com leveza as coisas pesadas, com 
alegrias as coisas tristes, com suavidade as coisas amargas. Estendo o arco-íris da 
Paz sobre todos os dilúvios de minhas lágrimas.” - (Sabedoria dos séculos, recolhida 
por Huberto Rohden). 
 
VI - O CÉU EM PLENO INFERNO 
Um dia, Rufus veio ao meu encontro com uma estranha proposta: 
- Concorda em que, juntos, visitemos as cavernas? 
Cavernas... que desagradável me soou aos ouvidos aquele substantivo plural... Não 
quis, todavia, interrogar meu cicerone. Limitei-me a segui-lo. Após algum tempo de 
volitação, chegamos efetivamente a uma região cavernosa. 
Escuso-me de descrever as sensações que senti naquele momento, pois o leitor 
nada de novo encontraria neste relato. Deu-se comigo o que aconteceu com André 
Luiz, conforme está citado em sua obra Libertação. O que talvez seja útil ao leitor, é 
o relato dos fatos ocorridos após nossa chegada às regiões sombrias. 
Depois de recomendar-me serenidade e cautela, disse-me Rufus, de maneira 
misteriosa: 
- Delfos, observa fora e dentro de ti. 
Diante de nós surgiram figuras horripilantes; algumas delas nada ficavam a dever às 
antigas bruxas do tempo medieval, outras assemelhavam-se a serpentes, lobos, 
escorpiões e dragões. Alguns seres mais nitidamente humanos aos meus olhos, 
exibam, contudo, uma carantonha que me lembrava os habitantes dos hospícios 
terrestres. A todo aquele cenário infernal, se juntava uma espécie de pantomima 
sonora que me era insuportável. Uivos, sibilos, imprecações, gemidos, maldições, 
blasfêmias, gargalhadas estertóricas. Confesso que vacilei. 
Instintivamente, voltei-me para Rufus, que, no entanto, desaparecera. Como explicar 
aquela estranha armadilha que me preparara o amigo em quem eu confiava? E não 
ficou aí a minha perplexidade. Como que petrificado naquele solo, comecei a ser 
assaltado por sensações intraduzíveis e intransferíveis. De dentro de mim emergiu 
todo um passado de sombras. Pude vislumbrar inúmeras cenas por mim vividas em 
remotos e perdidos avatares. Nelas, minhas atitudes se assemelhavam às daqueles 
monstros que me faziam tremer. Eles próprios a tal ponto participavam de mim que 
eu me perguntava: 
- Onde estão, afinal? À minha volta ou em algumas das ignotas profundezas do meu 
próprio ser? Onde situar o inferno em que eu vivia? Na região à qual me sentia preso 
ou em algum obscuro porão da minha própria alma? Foi aí que soou a voz de Rufus. 
Embora permanecesse ele invisível, disse-me ela: 
- Delfos, olha mais para dentro de ti. Tu não és nada disso. 
Fiz então um indizível esforço para transportar-me do ego para o eu. Busquei entrar 
em comunhão com Deus, recordando-me de sua divina onipresença e imanência em 
toda a creação. Após algum tempo de esforço quase extenuante, houve mudança 
radical naquele cenário tenebroso. Instantaneamente as imagens e os sons 
desarmônicos se desvaneceram e me vi cercado por figuras graciosas, seres de 
aparência quase angélica, pássaros que cantavam, árvores que convidavam ao 
repouso à sua sombra amiga. Como explicar aquele fenômeno?Eu não me sentira 
levitar. Não fora transportado daquela região para parte alguma. Estava ali mesmo, 
ou não estava? Dentre as pessoas amigas que me cercavam, surgiu meu 
imprevisível Rufus, maroto e sorridente, como quem acaba de praticar uma 
travessura. Antes que lhe perguntasse qualquer coisa, ele me adiantou: 
- Delfos, não compreendes as próprias lições que transmitiste aos outros? 
Não precisou dizer mais nada o meu inventivo cicerone. Lembrei-me de que vivemos 
todos, efetivamente, num Uni-Verso (unidade na diversidade), universo facetado por 
multidimensões que se interpenetram e vão do mais denso ao mais sutil; do mais 
concreto ao mais rarefeito. Mais uma vez constatei que o céu e o inferno são meros 
estados de consciência. Estivera, sim, numa região tenebrosa, em termos de espaço 
e tempo; constatara, porém, que, mesmo ali, o céu pode ser encontrado por quem o 
busque. 
“Onde quer que eu esteja, lá Deus está, e que mal me poderia acontecer lá onde 
Deus está?” 
 
VII - MEU ENCONTRO COM GANDHI 
Habituara-me, na Terra, a admirar e até amar esse homem estranho, esse “eremita 
das multidões”; das multidões, porque sua vida era da Humanidade e, mais 
especificamente do seu povo; e eremita, porque trazia dentro de si a ermida na qual 
podia permanecer solitário no meio da turba e silencioso apesar do vozerio. 
Agora eu estava diante de uma oportunidade ímpar. Podia avistar-me com ele e não 
perderia o ensejo de fazê-lo. 
Quando o vi, reconheci o mesmo homenzinho franzino e aparentemente frágil dos 
dias terrenos. Todavia, seu ser inteiro irradiava uma luz que ele não conseguia 
apagar. 
Tomado por um arrebatamento místico, muito comum à minha personalidade no 
tempo em que ostentava as minhas vestes sacerdotais, tive ímpeto de prostrar-me 
aos pés do Mahatma. Ele, contudo, não o permitiu. Sereno, sorridente e enérgico, 
veio ao meu encontro. Colocou o braço sobre meus ombros, convidou-me a me 
sentar ao seu lado. 
O local em que estávamos era em tudo semelhante ao “ashram” por ele mantido na 
Índia. Ambiente campestre, gente trabalhando, ovelhas e cabras ao redor. Tão logo 
nos sentamos, o Mahatma, naturalmente para me deixar à vontade, iniciou a 
conversa falando-me do Brasil. Disse-me que, embora não conhecesse em vida 
terrena o meu país, pôde visitá-lo algum tempo depois de haver regressado aos 
planos extra-físicos. Conhecia-o agora, talvez como poucos brasileiros, e via nesta 
terra risonhas promessas de melhor futuro para todo o planeta. 
Estimulado pelo halo de simpatia com que me envolveu o Mahatma, passei a 
entrevistá-lo. Tinha ele “pouco tempo” (não nos esqueçamos de que a vida astral 
não nos exonera, de imediato, da gaiola espaço tempo). Eu devia aproveitar aquele 
instante e logo passei a desfechar sobre o meu paciente e excelso interlocutor as 
perguntas que trazia comigo: 
- Mahatma, se estivesse entre os homens, reformularia, de algum modo, seus 
métodos e teorias? 
- Evidentemente, não. A não violência (ahimsa) e o amor à verdade (satyagraha) são 
as grandes armas que o homem utilizará para seus vôos ao Infinito, logo que 
desperte de seu sono milenar. 
- Estaremos muito distantes desse momento glorioso? 
- Sei que talvez estranhará minha resposta. Estamos, no entanto, mais perto dele do 
que possas imaginar. 
Eu percebi o verdadeiro sentido das palavras do Mahatma; quis, no entanto, 
provocá-lo a fim de trazer seu pensamento, tão intacto quanto possível, para estas 
páginas. Ia perguntar-lhe como poderia ele falar assim, sabendo que o mundo atual 
é todo um incêndio de violência, de Norte a Sul, do Oriente ao Ocidente. Gandhi 
antecipou-se à minha argumentação e, por sua vez, me perguntou: 
- Qual o princípio da homeopatia? 
- “Similia similibus curantur” - semelhante cura semelhante - respondi. 
- Pois o homem há de curar-se exatamente através desse princípio. O processo, em 
linguagem filosófica, se chama dialética3, em termos científicos, homeopatia ou, 
quem sabe, vacina. Não importa. O importante é que, quanto mais próximo estiver o 
clímax da guerra, também mais próxima estará a era da paz. 
- Que conselho daria o Mahatma aos adeptos da não violência? 
- Dir-lhes-ia, simplesmente, que continuem a praticá-la. 
- Mas não disse o senhor que, quanto mais próximo estivesse o clímax da guerra 
mais próxima estaria a era da paz? 
- Isso não nos autoriza a colocar mais lenha na fogueira. Seria incoerente de nossa 
parte vender armas ou usá-las, para apressar o dia do desarmamento. Quando falo 
da extinção da violência pela própria violência, quero dizer que os homens devem 
sentir de perto o quanto é perigoso esse monstro por eles mesmos gerado. Já que 
crearam, devem perceber com toda a clareza que ele os devorará, se não quiserem 
 
3 Dialética: A arte de argumentar - raciocinar - a lógica, arte de argumentar e discutir; modo de filosofar que busca a verdade 
por meio de oposição e reconciliação de contradições lógicas ou históricas. (Nota do Médium) 
destruí-lo. 
- Quando aconselha seus adeptos a continuarem na prática da não violência, fá-lo 
como o fazia durante sua vida física? 
- Nem poderia ser de outro modo. Não violência é uma coisa; capitulação diante da 
injustiça é outra, e muito diferente. Pergunta ao Cristo se baixou a cabeça diante dos 
escribas e fariseus; se temeu as ameaças de Herodes, que desejava silenciá-lo; se 
aceitou a arrogância de Pilatos, que supunha dispor de sua vida. Quando estiverem 
em jogo os direitos fundamentais do Homem, o caminho é o da desobediência civil. 
Essa desobediência, no entanto, deve ser norteada pelo Amor. Devo insurgir-me 
contra a opressão, mas se odiar ao meu opressor, estarei imantado com ele por laço 
de ódio; e o ódio é uma enfermidade. Quando ergo a cabeça contra um tirano, meu 
objetivo deve ser curar-nos, a mim e a ele: a mim da subserviência, a ele da ilusão 
do poder, e a nós dois daquilo que os ocidentais chamariam sadomasoquismo. 
- Que pensa da índia de hoje? 
- Meu povo tem uma lamentável tradição de fome, apatia e indolência. Deverá 
primeiro assimilar o positivo e até negativo da cultura ocidental, para depois 
ressurgir, ele mesmo, transfigurado e devolvido às suas verdadeiras raízes. 
- Gostaria que o Mahatma, ainda uma vez, me dissesse onde hauriu as forças 
necessárias para ser o que foi entre os homens. 
- Devo, antes de mais nada, declarar que nada fui que os homens já não o sejam. 
Só uma coisa fiz - e é esta a resposta à tua pergunta: mergulhei em Deus. Vivi em 
Deus. Alimentei-me de Deus. Nada fiz, nada pude de mim mesmo. Era Deus que 
tudo fazia em mim. 
- Se tivesse hoje entre os homens e pudesse retroceder na História, faria 
exatamente o que fez, ainda que sua pátria fosse, de novo, dividida? 
- O esfacelamento era inevitável; com Paquistão ou sem Paquistão, o sangue seria 
derramado, porque, apesar de meus esforços, não fui suficientemente forte no 
Espírito para extinguir a praga do sectarismo e para colocar os valores espirituais 
acima dos econômicos na alma da minha gente. Aprendi, no entanto, que Deus não 
tem pressa e tudo virá a seu tempo. Isso não quer dizer que cruzemos os braços. O 
tempo de Deus é a Eternidade. Devemos ter urgência em nos aproximarmos d’Ele, 
para eternizar o nosso próprio tempo. 
- Mahatma, lembro-me de que, quando estava na Terra, o senhor rejeitou 
completamente a tecnologia ocidental. E hoje, fa-lo-ia de novo? 
- Estou aos poucos compreendendo que tudo é necessário. Continuo a lamentar a 
mecanização cada vez maior do homem e digo, ainda, que o Ocidente encarna o 
princípio de Mamon (deus da Riqueza), não o Cristo. Ainda há pouco eu te dizia que 
minha pátria terrena terá de aceitar a contribuição da cultura ocidental. Confio, 
todavia, em que o espírito da Índia não lhe permitirá mecanizar-se por completo. As 
duas culturas, a oriental e a ocidental, hão de encontrar-se para se completarem.Não é isso, aliás, o que já está acontecendo? Observa a proliferação, cada vez 
maior, de nossas seitas e religiões. Há ainda muito joio misturado com o trigo nessa 
divulgação indiscriminada. O trigo, porém, acabará triunfando sobre o joio. 
- Não sei, Mahatma, se deveria classificá-lo, durante sua vida terrena, como o mais 
nacionalista dos universalistas, ou o mais universalista dos nacionalistas. É essa 
ainda hoje a sua posição? 
- A palavra “nacionalismo” sofreu muitas distorções ao tempo em que estive no 
mundo. Dizia-se nacionalistas todos os que desejam imitar Hitler ou Mussolini. Se o 
meu amigo considera nacionalismo a noção de que cada país, cada povo, tem 
características particulares que não devem ser anuladas, então considere-me ainda 
hoje um nacionalista. Os povos e as pátrias são entidades coletivas; têm 
personalidade definida e devem enriquecer o mundo com sua presença e com aquilo 
que cada um pode dar. O verdadeiro nacionalismo não se concilia com qualquer 
espécie de imperialismo; não significa prevalência universal de?uma cultura sobre as 
outras, mas sim, o encontro de todas as culturas para que se acompanha o belo 
espetáculo da verdadeira harmonia. 
- Entre o socialismo e o capitalismo, que posição adota o Mahatma? 
- Estou ao lado do primeiro. Devo dizer, no entanto, que no meu socialismo não cabe 
um Estado todo–poderoso, senhor de propriedades e de almas. Nisto vejo 
capitalismo mudando de direção. No meu socialismo, o Estado é, apenas, o 
instrumento do homem e só existe enquanto for necessário a este. 
- Poderia o Mahatma transmitir, resumidamente, uma mensagem aos ignotos amigos 
que nos leiam? 
- Insurgi-vos contra as tiranias, mas amai os tiranos. Levantai-vos contra as 
injustiças, mas não destruais os injustos. Combatei a opressão, mas não esmagueis 
os opressores. Lembrai-vos de que o opressor, o injusto, o tirano, são, também, 
fragmentos da vossa própria alma. Lutai o quanto puderdes pela transformação do 
mundo, mas não vos esqueçais de alimentar em vós o que desagrada nele. 
Ao despedir-me do Mahatma, carregava na alma uma energia nova, como se me 
tivesse banhado numa verdadeira usina de luz. 
“Vós sois a luz do mundo... Vós sois o sal da terra...” (Evangelho de Mateus - Sermão 
da Montanha). 
 
VIII – MEU ENCONTRO COM S. L. 
Quando devolvemos à Terra o que é da Terra, isto é, quando abandonamos a casca 
física, na qual tantas vezes e tão ciosamente nos escondemos de nós mesmos, 
somos forçados a deixar de lado todos os caros ídolos de nossa ilusão. Vemo-nos 
como somos e a vida nos entrega a testes decisivos, a fim de sabermos até que 
ponto somos porta-vozes e imagens daquilo que ensinamos. 
Eu acabara de emergir de um profundo mergulho nos abismos e alturas do meu 
próprio ser; nesse instante chegava Rufus, informando-me: 
- Temos visitas, Delfos! 
Voltei-me para ver de quem se tratava. Em companhia de meu cicerone do mundo 
astral, estava outro amigo: S. L. 
Confesso que estremeci diante dele. Com os olhos nos olhos daquele que me fora 
pai espiritual em outros tempos, fui sacudido por uma catadupa de lembranças. 
Recordei a época em que ostentava a veste sacerdotal; as lutas enfrentadas, as 
perseguições suportadas em silêncio, os colóquios queixosos com Deus às horas 
mortas da noite e as confidências trocadas com aquele homem, quase sempre tão 
franco e aberto, mas, também, tão enigmático em certos momentos. 
S. L. acolheu-me em seus braços, dando-me as boas vindas. Conversamos algum 
tempo e meu antigo protetor falou-me das dificuldades por ele vividas durante os 
primeiros tempos de sua desencarnação. 
Aquilo me surpreendeu. Como poderia ele, tão magnânimo e cuja mente era tão 
arejada, haver sofrido nas zonas purgatoriais? Todo ele era um halo de bondade; eu 
fora testemunha de inúmeros benefícios por ele espalhados às ocultas. Era-me 
impossível penetrar as razões do sofrimento espiritual a que se referia o meu 
benfeitor. Ele, porém, veio ao encontro da minha perplexidade. 
- Delfos, nem sempre o que fazemos corresponde ao que sentimos. Não explicaste 
tantas vezes na Terra a diferença entre as atitudes e os atos? Nem todos os meus 
atos externos corresponderam a uma coerente atitude interna. Os benefícios que me 
atribuis me valeram, é certo, mas nem sempre foram o resultado espontâneo de um 
sentimento de amor ao próximo. Alguns deles constituíram apenas exercícios. Eu 
precisava treinar as faculdades de minha alma no auxílio anônimo a quem 
necessitava. Além disso, descobri, após a minha desencarnação, que muitos dos 
meus atos de benemerência não passavam de tentativas para aliviar a consciência, 
nem sempre tão tranquila. 
Quanto ao tão suposto arejamento de minhas idéias, és generoso para comigo, 
Delfos. É verdade que te acolhia e aplaudia os teus ideais de renovação e 
aprofundamento da fé; no entanto, para mim, a Igreja era viveiro espaçoso?onde se 
poderia voar à vontade, contanto que não se ousasse ganhar o espaço livre, ou seja, 
sair do viveiro. Compreendeste? 
Sim, eu compreendia, mas fiz ver ao meu velho amigo que não poderia ser de outro 
modo. Que esperava ele da Igreja de nosso tempo? Só uma meia dúzia de “loucos” 
ousava, de certa forma, avançar idéias cuja divulgação ela fazia tudo para obstar. 
Mudando de assunto, S. L. passou a falar-me de maneira misteriosa. Aludiu à 
necessidade que ele teve de perdoar, de esquecer velhas mágoas, de libertar-se de 
antigos ressentimentos. Por uma espécie de “halo telepático” a irradiar-se dele, 
percebi que aquelas palavras não me eram dirigidas, apenas, a título de confidência 
pessoal. O objetivo delas era eu próprio, sem que me fosse possível compreender 
por que. 
Sentindo-se captado pelas antenas de minha alma, declarou S. L.: 
- Tens razão, Delfos. Lembras-te de como fui anunciado por Rufus? 
As palavras vieram-me à mente: “Temos visitas”. Eu, contudo, só recebera até 
aquele instante uma visita. 
Foi então que S. L., voltando-se para fora do aposento em que nos encontrávamos, 
chamou por alguém, que não se fez de rogado. Esse alguém entrou com passos 
lentos e vacilantes, cabeça baixa, olhos miúdos e semi-cerrados, fisionomia grave. 
Eu o reconheci de imediato. A ele devia grande parte das perseguições que tanto 
me atormentaram. Senti-me agitado por um terrível vórtice de emoções 
contraditórias. É verdade que eu não o odiava. Nunca o odiara. Dentro de mim, 
fervilhavam, porém, as antigas reminiscências e não pude impedir que uma certa dor 
me abalasse. Que dor seria essa? Eu não saberia explicá-la. 
Embaraçado, tentei desviar os olhos do meu segundo visitante. S. L., porém, não o 
permitiu e me falou, com um misto de brandura e energia: 
- Delfos, nosso irmão veio em busca de teu entendimento. Sofreu intensamente nas 
zonas abismais e não poderá sentir-se reabilitado perante a própria consciência, 
enquanto não conheça o teu perdão. 
Cerrei os olhos, busquei o silêncio com Deus durante alguns instantes. Quantos 
minutos terá durado essa mini-meditação? Eu não poderia dizê-lo. O que sei é que 
emergi dela completamente lavado de meus ressentimentos infantis. Como que 
impelido por uma força, tão estranha quão irresistível, pus-me de pé e caminhei na 
direção do meu adversário de ontem. Acolhi-o em meus braços como a um velho 
amigo de quem estivesse saudoso. 
Ele chorou, longa e copiosamente, mas sua fisionomia se transformou. 
Renovado pela tempestade das lágrimas, ele era outro. Agora, de cabeça erguida, 
fazia mil projetos para seu futuro espiritual e eu me propunha a coopera com ele no 
que me fosse possível. 
Em seguida, retiraram-se Rufus, S. L. e meu novo amigo, deixando-me só. 
Eu mergulhei em profunda reflexão. 
Quem era eu para perdoar? Como era possível que eu, àquela altura, ainda me 
considerasse ofendível? 
Calou fundo a lição. Eram, ainda, ecos do meu ego físico-mental-emocional. 
Mas, de que me queixar? Afinal de contas, na hora precisa, subiao monte do meu 
Eu maior e, embora com nota baixa, passei no teste. 
 
IX - MEU DIÁLOGO COM UM ESPÍRITO EX-PERVERSO 
Eu tivera no mundo, poucas oportunidades de travar contato com as almas 
perversas do astral. Para mim, elas eram de fato constituídas por seres pervertidos, 
no caminho da evolução. Anjos ou homens, pensava eu, poderiam usar mal o seu 
livre arbítrio e decair, fossem quais fossem as alturas em que estivessem. 
Agora, despido da forma física, verifico as coisas de maneira mais direta e posso 
perceber que, em muitos dos meus contatos com o Infinito, interferia toda uma 
dinâmica, derivada de minhas antigas crenças, de mistura com noções novas, porém 
mal compreendidas. 
Fui, certa vez, assaltado por um desejo incoercível: o de contatar as potências 
invisíveis do mundo inferior. Sempre gostara de aventuras e esta me seria muito útil. 
Após a experiência da caverna, acreditava-me plenamente apto a não permitir 
envolvimentos que me fossem prejudiciais. Todavia, Rufus, consultado, discordou de 
minhas pretensões: 
- Ainda é cedo, meu caro Delfos. Sofrerias desnecessariamente, com sérios 
prejuízos para tua organização perispirítica. Podemos, no entanto, ir até lá. 
Promoveremos teu encontro com um dos membros das inúmeras organizações 
secretas que lá operam. 
Organizações secretas! ... Aquilo me intrigou, mas Rufus sempre me socorria no 
labirinto de minhas dúvidas e, por isso, não se fez de rogado: 
- Não te espantes, Delfos. Nos abismos existem verdadeiras sociedades secretas do 
Bem, que são constituídas de dois grupos distintos. Um arregimenta missionários 
que buscam arrebanhar antigos entes queridos ou que atuam simplesmente por 
amor aos que se transviaram. Do outro grupo, fazem parte entidades convertidas, 
mais ou menos recentemente, e que buscam recuperar o tempo perdido enquanto 
aguardam a bênção de um novo mergulho na carne. 
- Gostaria, então, de conversar com uma dessas - interrompi. 
- Teu desejo será satisfeito - respondeu Rufus. - Temos por lá o nosso irmão Bispo. 
Ele nos receberá na sua gruta e não se negará a falar-te. 
Feitos os necessários preparativos, partimos rumo às cavernas ao encontro de 
nosso irmão, a quem Rufus chamou Bispo. 
Em lá chegando, encontramos a gruta que ele habitava. Antes de entrarmos, 
perguntei curioso: 
- Por que Bispo? 
- Porque de fato ele foi Bispo, ao tempo da Inquisição. 
- E há quanto tempo se converteu? - Interroguei de novo. Mas Rufus aquietou-me: 
- Guarda as tuas perguntas para ele, Delfos. Estamos chegando. 
À Entrada da gruta, havia uma porta artificial, fechada. Esta porta foi, misteriosa e 
sutilmente, golpeada por Rufus três vezes. Logo alguém veio abri-la. 
Era um homenzinho de aspecto desagradável, baixa estatura, nariz adunco, 
fisionomia cerrada. Esboçou, no entanto, ligeiro sorriso, em saudação a Rufus. 
- É esse o Bispo? - interroguei eu. - E Rufus me respondeu, quase mentalmente: 
- Não. Trata-se apenas de um dos seus falangiários. O homenzinho nos fez entrar. 
Eu não saberia como classificar a tal gruta. Logo ao entrarmos, deparamos com 
objetos cabalísticos nas paredes e sinais riscados no chão. No interior, no entanto, 
ao lado de uma mesa tosca, diante da qual estava sentado o Bispo, havia um nicho 
onde estava pousado um pequeno crucifixo com uma lamparina acesa. O Bispo, que 
fazia anotações, interrompeu seu trabalho e veio ao nosso encontro, saudando-nos: 
- Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo - Disse ele. 
- Para sempre seja louvado - respondi eu, recordando a velha jaculatória. 
Após rápidas palavras de apresentação da parte de Rufus, sentamo-nos todos, em 
cadeiras tão toscas quanto a mesa. E a minha entrevista teve início: 
- Gostaria de saber do irmão, até onde posso interrogá-lo. 
- Pergunte o que quiser - retrucou o bispo, quase interrompendo-me; e prosseguiu: - 
Não sei, no entanto, se poderá revelar tudo o que ouvir. Isto é lá com o amigo e seus 
superiores. 
- Que faz atualmente? 
- Procuro retificar meus crimes, desfazendo antigos malefícios ou tentando, com atos 
bons, compensar os prejuízos que causei ao próximo. 
- Acredita que cumprirá integralmente essa missão no plano em que está? 
- Sei que não. Só conseguirei libertar-me de minhas mazelas quando mergulhar na 
carne. Por enquanto, porém, não mereço essa bênção e não sei se terei tempo de 
recebê-la na Terra. 
- Por que não? 
- Sabe o amigo que este planeta vive o fim de mais um ciclo de sua evolução. Deve 
desembaraçar-se de todos aqueles que possam obstar-lhe a marcha. Um réprobo, 
como eu, deve ser conduzido a mundo compatível com baixo grau de sua evolução. 
- Há quanto tempo se converteu? 
- Há algumas dezenas de anos, segundo o calendário terreno. 
- Posso saber como se deu isso? 
- Eu o autorizei a perguntar o que quisesse, não? Acontece que os antros em que 
vivemos, são constantemente visitados por missionários do plano superior. Eles 
buscam tocar-nos com suas palavras ou suas preces. Entre eles, por exemplo, se 
destacam entes queridos que não se permitem vôos altos sem que nos libertem. Foi 
o meu caso. 
- O irmão foi convertido por sua mãe? 
- Não. Quem me resgatou foi um tio a quem amo como um verdadeiro pai. A ele 
devo a vida e a educação. Com ele aprendi as sagradas letras e graças ao seu 
exemplo cheguei, na Terra, à carreira eclesiástica. Fui, porém, um traidor de seus 
ideais. Ele me queria um cordeiro e eu era na realidade um lobo. 
- Onde e como se deu isso? 
A essa altura o Bispo esboçou um sorriso amargo e respondeu: 
- Onde querias que fosse? Na Espanha e no século XVI. 
- Era jesuíta? 
- Nem mais, nem menos? 
- Onde desencarnou? 
- No Brasil, mais especificamente na Bahia. 
- Por ocasião do descobrimento? 
- Não. Muito depois. 
- Gostaria que me falasse de sua vida “post-mortem” e de todas as peripécias que a 
caracterizaram. 
- Logo que meus órgãos físicos falharam, sofri em extremo. Tinha diante de mim os 
horrendos crimes cometidos. Além disso, conquanto não fosse um suicida voluntário, 
sentia o apodrecimento do meu corpo. Passado um tempo muito longo de purgação, 
comecei a recordar minha vida terrena e me revoltei. Afinal de contas, eu tinha sido 
um dignitário da Igreja; além disso, recebera a extrema-unção e fora absolvido por 
meu confessor. Como justificar aqueles tormentos infernais? Era então mentira tudo 
o que se dizia sobre a eficácia do sacramento? A essa altura, meu venerando tio fez 
um supremo esforço e desceu ao abismos em que eu me encontrava. Falou-me, 
sereno e energético, de minhas obrigações para com Deus, da minha traição aos 
compromissos assumidos e da necessidade inadiável de uma nova encarnação. 
Chorei. Entreguei-me aos seus cuidados e logo renasci na África, em Angola. Jovem 
ainda, fui caçado como um animal e trazido para o Brasil, em navio negreiro. A 
mesma Bahia, que outrora me abrigara como jesuíta, agora me recebia como cativo. 
Suprema humilhação!... Na África eu era de alta estirpe, iniciado nos mistérios da 
magia e, por aparente ironia do destino, candidato ao sacerdócio. Aqui, fui reduzido 
a menos que um animal. Prossegui em minhas práticas ocultas, porém, na 
clandestinidade. Não sabia bem se odiava os meus opressores ou me rebelava 
contra uma condição racial, para mim, na época tão humilhante. O fato é que, o 
quanto pude, acionei contra os senhores brancos as forças psico-magnéticas ao 
meu alcance. Além disso, dominava os meus irmãos de cor, impondo-me pelo medo 
e pela força. Muitas intrigas foram por mim arquitetadas. Algumas sinhazinhas foram 
mesmo arruinadas por minha ação nefasta. Um dia fugi. Tentei ganhar as Alagoas, a 
fim de integrar-me no Quilombo dos Palmares. Todavia, antes, muito antes que lá 
chegasse, um capitão-do-mato me apanhou. Fui torturado sem piedade e por fim 
assassinado. Novamente mergulhei em agudos e terríveis sofrimentos, até que 
ocorreu um fato singular: quando minha mente, sempre vigorosa, pôde dominara 
situação, rebelei-me contra minha condição de negro e, de maneira automática, 
recordei minha existência anterior. Transformei-me, então, num misto de sacerdote 
católico e feiticeiro africano. A revolta se multiplicou. Eu queria recuperar o antigo 
mando e, para isso, recorreria a quaisquer poderes infernais, se fosse necessário. 
Foi o que fiz. Com todas as forças de minha alma, invoquei os seres das trevas, 
quem quer que eles fossem. Não sabia, a esta altura, se a teologia estava ou não 
com a razão quando proclamava a existência de Satanás. Sabia, no entanto, que, 
em alguma furna da região em que estava, existiam seres iguais a mim ou piores do 
que eu. Estava com a razão. Minha invocação foi respondida com uma gargalhada 
sinistra e surgiu, diante de mim, a figura horripilante de um ser, meio homem, meio 
animal, que me convidava ao serviço dos dragões. Antes mesmo de saber quem 
eram os tais dragões, acedi, e fui iniciado nos chamados mistérios negros do 
espaço. Os referidos mistérios não constituíam para mim grande novidade, mas 
ajudaram a aprofundar meus conhecimentos na área do magnetismo e, por incrível 
que pareça, da psicologia. Fiquei sabendo como penetrar e manipular os pântanos 
que se ocultam em cada creatura humana. 
A essa altura interrompi: 
- Que são, na realidade, os dragões? 
- André Luiz já o disse: “são Espíritos que permanecem no Mal, desde épocas 
primevas da creação planetária. Supõe-se cooperadores da Providência na 
administração da justiça aos que erram”. 
- Mas então crêem eles em Deus? 
- Sim e não. No fundo reconhecem, no Universo e na Natureza, um pensamento 
diretor. Não se detêm, porém, em divagações sobre os atributos dessa força. 
Preferem enganar a si mesmos, julgando-se intérpretes da lei universal. 
- A que tipos de funções se entregou o amigo, quando começou a servir aos 
dragões? 
- A duas atividades essenciais: uma, aqui, que punia os culpados; outra, na Terra, 
utilizando-me de médiuns ignorantes ou inescrupulosos: praticava a magia. 
- Utilizava seus poderes apenas em prejuízo dos homens? 
- Não. Prestava bons serviços aos que sabiam gratificar-me: uma garrafa de 
cachaça ou um bife sangrento, e eu seria o instrumento de felicidade ou desgraça 
para aqueles que sintonizavam com as minhas vibrações. 
- Há aí, segundo me parece, uma incoerência, pois, enquanto no espaço o amigo se 
dedicava à punição dos maus, na Terra convertia-se, desde que lhe interessasse, 
em instrumento do Mal. 
- Já ouviste falar de projeção? Aqui, quando punimos os criminosos, estamos na 
realidade castigando neles a nós próprios. Não é assim que procede o farisaísmo 
hipócrita de todos os tempos, na Terra e no Além? E não é só: devo confessar que 
fiz pequenas e grandes falsetas contra aqueles que me assalariavam. Por incrível 
que pareça, mesmo na prática do Mal, fui despertando meu senso de justiça. Muitas 
vezes, achava profundamente iníquos os trabalhos que me eram encomendados. 
Resultado: fazia com que o feitiço virasse contra o feiticeiro. Não raro explorava com 
prazer o feiticeiro, pedindo, ou antes, exigindo dele sempre mais. 
- Por favor, fale-me com mais detalhes a respeito do seu despertar. 
- Vai te parecer inacreditável, mas até isso se deu - repito - até isso se deu na 
prática do Mal. Eu havia sido requisitado por um velho rico, para provocar a sedução 
de uma moça indefesa. Fui regiamente pago, aliás, e por antecipação. Ao aproximar-
me, porém, da jovem, tive duas surpresas que me paralisaram: de um lado a luz que 
ela emitia e que quase me fulminou; de outro, a constatação de que aquele Espírito 
reencarnado me fora irmã muito querida quando estive na Espanha. Não sei se 
aquilo foi uma trama do destino ou do?meu próprio tio, que me acompanhava de 
longe. O que sei é que, ao ver naquela jovem a irmã que me fora segunda mãe e 
que eu perdera quando não havia chegado à adolescência, senti que dentro de mim 
se operava verdadeira convulsão. Fugi esbaforido. Quis ficar sozinho. Como seria 
boa, generosa para mim, uma segunda morte naquele momento! Ela, porém, não 
veio. Após um período indeterminado de angústia sem limites, fui tomado por uma 
espécie de lassidão. Deixei-me ficar a beira de um pantanal, sem forças, se quer, 
para mover-me. Aos poucos, minhas emoções se foram recompondo. Minha mente 
passou, então, a ver com clareza. Percebi o quanto era abjeto e quanto tempo 
estava perdendo. Chorei amargamente e, desta vez, invoquei os poderes celeste, 
suplicando-lhes que me afastassem daquele inferno ou me aniquilassem de uma 
vez. Atraído pela sinceridade de meu remorso, o tio abnegado veio de novo até mim. 
Acolheu-me; Levou-me a um posto de socorro por aqui mesmo. Lá, graças à ação 
magnética dos benfeitores, mergulhei num sono profundo e sem sonhos. Ao 
despertar, recebi tratamento adequando, de acordo com aqueles que hoje me 
dirigem. Fiquei servindo por aqui mesmo, até que possa renascer, na Terra ou fora 
dela. Àquela altura, senti-me sinceramente mais próximo do Bispo. Vi com simpatia 
suas angústias e tormentos e, antes de prosseguir no diálogo, pedi-lhe que me 
permitisse tratá-lo por tu. 
Sentindo-me as vibrações sinceras de fraternidade, o Bispo, comovido, acedeu. 
Reiniciei, então, a entrevista: 
- Agradeceria se mi falasses com mais detalhes sobre o que fazes agora. 
- Aqui, procuro arrebanhar antigos celerados como eu fui, a fim de que recebam os 
mesmos benefícios que recebi. Na Terra, manifesto-me ainda, como fazia 
antigamente. Sou africano, entendido em mandingas, manipulo as forças da 
Natureza, solto gargalhadas quando necessário, porém, não mais me dedico à 
prática do Mal. 
- Por que gargalhadas? 
- Já esperava por esta interrogação. Esta prática tem três objetivos: o primeiro, é 
satisfazer às necessidades psicológicas dos meus consulentes. 
- Como assim? 
- Antigamente, quando me manifestava na Terra, eu me apresentava como uma 
espécie de “empregado das divindades”. Ora, no Brasil, entidades como eu são 
sincretizadas com o diabo e, como você sabe, todo diabo que se preza emite 
gargalhadas sinistras. É ou não é? 
- Dissestes que esta prática tem três objetivos. Só dissestes o primeiro. 
Prossegue por favor. 
- Vamos então ao segundo. Todos os sons, quando insistentemente repetidos, 
acabam por crear em torno de si uma espécie de “clichê” psicosférico ou mental. É 
por isso que nas práticas afro-brasileiras, por exemplo, determinadas entidades 
emitem o seu brado. Esse brado expressa determinadas características dos que o 
emitem. É esse o meu caso. Já que os Espíritos da minha categoria são 
sincretizados com os supostos Príncipes das Trevas, para nós a única maneira de 
bradar é gargalhar e, por causa disso - e aí entramos no terceiro motivo -, a 
gargalhada impõe um certo respeito à nossa volta. Em outros tempos, quando 
gargalhava pela garganta de alguns médiuns, era para atemorizar meus consulentes 
e fazer que acreditassem na minha força e na decisão de atendê-los. Hoje, a minha 
gargalhada os desencoraja em seus propósitos menos dignos, porque sabem que 
estou entrando no caminho certo e não ousam pedir-me nada que esteja fora desse 
caminho. Aqui também gargalho quando é preciso, como rugem as feras para 
manter seu espaço vital, compreendes? 
- Disseste-me que na Terra apareces como feiticeiro africano; aqui, porém, continuas 
sendo o Bispo. Por quê? 
- Aqui, faço questão de manter presente diante de mim o simulacro da vestimenta 
física, com a qual fracassei quando encarnado entre os europeus. Ao mediunizar 
alguém, apresento-me com características que assinalam meu fracasso entre os 
africanos. Faço questão de ter sempre presentes as minhas quedas, para não voltar 
a elas. 
- Para concluir, fala-me um pouco dessas organizações do astral inferior. Qual o seu 
objetivo? Haverá para todas algum núcleo central? 
- Certos escritores modernos, dedicados ao que chamam realismo fantástico, 
assinalaram aexistência de dois tipos de diabos; um pretende a desordem, outro 
deseja a instituição de uma nova ordem. É claro que não existe nenhum diabo; 
existem, sim, Espíritos desequilibrados como eu. 
- Mas tu já estás a caminho do equilíbrio, não? 
- Essa é a única diferença entre mim e eles. Pois bem: alguns desses Espíritos 
pretendem o estabelecimento de um mundo caótico, de uma terra de ninguém onde 
o domínio pertença ao mais esperto e ao mais forte. Outros lutam quase por um 
mesmo objetivo; também eles querem a prevalência do mais forte, mas mediante a 
instituição de um regime férreo, obscurantista, em que uma pseudo-elite domine e as 
massas obedeçam. 
- Queres dizer que os primeiros pretendem uma caoscracia e os segundos batalham 
por uma pseudo-aristocracia? 
- Chama as coisas como quiseres, mas a essência é exatamente essa. Para os 
adeptos daquilo que o amigo chamou de caoscracia, tudo vale: o instinto sem peias, 
a libertinagem desenfreada. Para aqueles a quem consideras como defensores de 
uma pseudo-aristocracia, só vale o que sirva aos seus interesses. Tanto podem 
servir-se da libertinagem quanto do “moralismo”,?desde que qualquer dessas 
posições lhe garanta o poder. O objetivo central de todos eles é a dominação do 
planeta e, pela proposta de cada grupo, não te será difícil avaliar de que maneira 
operam entre os homens. 
Despedi-me do Bispo com sincera gratidão e voltei, em companhia de Rufus. 
Preferi não falar. Mergulhei em profundas e silenciosas reflexões. Durante aqueles 
momentos, eu tivera diante de mim não um anjo decaído, mas um ser humano que, 
não obstante imerso em profundas trevas, era capaz de comover-se diante de um 
ser amado. 
O Universo é na realidade um cosmos; nem extinção individual, nem 
contemporização com o desequilíbrio, mas harmonia; nem sentimentalismo, nem 
rigidez, mas amor. 
Após minha entrevista com o Bispo, senti fome e sede de silêncio. Um silêncio tão 
profundo que me ensurdecesse para as coisas do exterior e me abismasse no 
insondável do meu próprio ser. Ali, eu colocaria em ordem tudo o que me parecesse 
confuso. 
Efetivamente, quanta coisa percebi naquele silêncio! 
Fatores externos podem fazer com que a água se condense e até sofra uma perda 
aparente de sua característica principal como líquido. Quem tocasse uma pedra de 
gelo ressecado, dificilmente perceberia nela a mesma substância capaz de 
dessedentar e até nutrir seres vivos. No entanto, ela, a água, ali está essencialmente 
intacta; basta um leve aquecimento da atmosfera para que ela volte ao seu estado 
primitivo, no qual ninguém seria capaz de perceber o concreto e esfumaçante gelo 
ressecado de antes. 
O mesmo acontece com seres espirituais; podem eles congelar sua mente naquilo 
que se convencionou chamar a prática do Mal; basta, contudo, o mais brando calor 
do Infinito para derreter esse gelo provisório. 
Foi exatamente o que aconteceu com o Bispo: O Infinito o foi penetrando aos 
poucos, primeiro sobe a forma de justiça: o Bispo foi, gradativamente, percebendo 
que seus atos não eram justos, isto é, não estavam ajustados às leis do Universo. 
Foi ele compreendendo lentamente, que necessitava enquadrar-se não só na sua 
Justiça, mas também na justeza, na harmonia do Cosmos. 
Mais tarde, o Infinito o fulminou com um raio de amor: seus próprios passos, 
desviados da lei universal, acabaram por levá-lo ao encontro de alguém a quem 
amara em épocas pretéritas. 
No Apocalipse e em outras Escrituras, Deus é revelado como Senhor e Rei; é posto 
num trono, de onde comanda, supremo, a história do Universo. Trata-se aqui, de 
uma antropomorfização da idéia central da soberania absoluta da Divindade. Não 
podem nossas dissonâncias provisórias comprometer a?harmonia eterna; não pode 
o nosso desejar finito sobrepujar o supremo querer do Infinito. 
Após essas reflexões, brotadas das profundezas do meu silêncio, procurei Rufus: 
queria saber dele mais alguma coisa a respeito do Bispo, especialmente de sua 
história espiritual, e o meu cicerone, como sempre, não deixou de me responder às 
indagações. 
- Nosso irmão - disse ele - vem trilhando há muito tempo as sendas tortuosas da 
sombra e da morte. Tudo fez o plano superior para despertá-lo. Como sacerdote, na 
Espanha, ele teve contato mais direto com as letras evangélicas, mas o espírito do 
Evangelho o acompanhou desde a infância, sem que ele tivesse podido aproveitar-
se disso em prol de seu crescimento interior. Como sacerdote e escravo africano, ele 
poderia ter tido um excelente ensejo de evoluir, pois, se é verdade que entrou em 
contato com tenebrosas potências do astral inferior, também é certo que teve 
notícias de uma filosofia elevada que o poderia ter ajudado a resgatar-se. Não 
julgueis, Delfos, que a África seja apenas um antro de feiticeiros. Havia por lá 
civilizações, em cujo seio surgiam verdadeiros iniciados em doutrinas tão puras 
quanto as da Índia ou da Grécia. 
Além disso, nosso irmão teve ainda uma vantagem, ao ser trazido para a Bahia: 
conheceu ali um pequeno grupo que trazia em suas práticas religiosas, em sua ética, 
muito da sabedoria egípcia. Poderia ele se ter valido desse grupo para obter crédito 
na espiritualidade, caso assimilasse os ensinamentos iniciáticos que lhe eram 
transmitidos por seus irmãos. Preferiu, porém, enveredar pelos caminhos da 
feitiçaria e isso o perdeu. Agora, enquanto aguarda uma encarnação breve e 
dolorosa, talvez ainda na Terra, suas vastas potencialidades são aproveitadas aqui 
mesmo, na correção dos equívocos de ontem. 
Nada mais tinha a dizer e a ouvir. Ficara sabendo, mais uma vez, que o plano divino 
da evolução pode sofrer atrasos, porém, jamais se frustrará em definitivo. 
 
X – O LABORATÓRIO DE ÉDISON 
Por intermédio de Rufus, fui apresentado ao irmão Jacó - pseudônimo com que 
Frederico Figner se havia comunicado com a Terra, por via psicográfica. 
Meu contato com o irmão Jacó não se dera por acaso: eu ouvira falar das 
experiências que Thomas Édison realizava ultimamente, visando estabelecer 
intercâmbio com os homens por meios físio-técnicos. 
Aquilo me fascinava. Eu assistira na Alemanha a fenômenos psíquicos 
verdadeiramente extraordinários. Sobre alguns deles me fora fácil adotar uma 
posição tranqüilamente jesuítica. Nas horas de “aperto”, o subconsciente vinha em 
nosso socorro em nome das ciências exatas e nossas consciência clerical ficava em 
paz, se não com Deus, pelo menos com o nosso comodismo escolástico. 
Não renuncio de todas às minhas antigas convicções. Efetivamente, o homem 
possui em seu psiquismo certas zonas penumbrais, certas forças escondidas e 
inexploradas, que ainda farão dele o gigante que está destinado a ser. Hoje, porém, 
estou convencido de que não se pode estabelecer um limite rígido entre 
manifestações do além e as do aquém. Os médiuns não são objetos sujeitos à 
telecinésia; são seres humanos, verdadeiros turbilhões de forças ignotas que 
facilitam ou dificultam sua comunicação conosco. 
Agora surgia diante de mim uma perspectiva nova: os dois planos de um mesma 
vida poderão interpenetrar-se com o auxílio da técnica e sem as inconvenientes 
interferências anímicas. 
Ao ser apresentado ao irmão Jacó, entabulei com ele longa conversação a respeito 
do inventor da lâmpada elétrica. Agora, segundo me afirmava, tinha Jacó freqüentes 
contatos com o genial cientista e poderia aproximar-me dele para uma entrevista. 
Isto se deu pouco tempo depois do nosso primeiro encontro. 
Viajei, sem necessidades de passaporte, para as terras da Califórnia e, nas esferas 
espirituais vizinhas à crosta, fui encaminhado ao laboratório de Édison. 
Era uma sala espaçosa e iluminada, sem atrativos por fora mas palpitante de vida 
por dentro. Aparelhos os mais diversos abarrotavam o recinto. Alguns eu conhecia; 
outros, porém, me eram totalmente estranhos e me pareciam exóticos: formas 
piramidais ou afuniladas, microfones ligados a paredes,lâmpadas suspensas no ar a 
emitir variados sons, cujas modulações eram combinadas com as mais diferentes e 
cambiantes cores. Quase não havia cadeiras. Sentei-me em uma das poucas ali 
existentes e aguardei, curioso ao ouvir não só os sons emitidos pelas lâmpadas, 
como também os emitidos pelos trabalhadores do laboratório. 
Eles cantavam notas, ora em voz baixa, ora em alto e bom som. Depois, essas notas 
eram como que reproduzidas pelas próprias paredes da sala. Não se tratava do 
fenômeno comum ao qual chamamos eco; era como se os sons se gravassem nas 
paredes e depois fossem reproduzidos à vontade – e misteriosamente, pelo menos 
para mim - graças à ação dos trabalhadores. 
Decorrido algum tempo, vi, afinal, diante de mim o tão esperado Thomas Édison. 
Apresentei-me e, para minha surpresa, ele se referiu a alguns dos meus livros. 
Como era possível que aquele homem tivesse conhecimento de minhas obras? 
Ele sorriu e, para meu espanto, disse que eu era lido também no outro mundo. 
Que responsabilidade!... 
Mas meu interesse era em Édison, em suas tarefas, não em Delfos e seus livros. 
Iniciei a entrevista perguntando que aparelhagens eram aquelas e quais as suas 
finalidades. 
- É difícil explicar-lhe - respondeu ele. - O que posso, por enquanto, dizer-lhe é qual 
o seu objetivo: estamos experimentando a manipulação do som. Pretendemos 
dominar e utilizar ondas sonoras para estabelecer comunicação mais concreta com 
o mundo físico. 
- De que maneira se fará isso? - perguntei eu. 
- Já se faz, pelo menos em parte. Quando desejamos comunicar-nos via rádios ou 
gravadores, aproveitamos toda a gama de sons guardados ou circulantes no 
ambiente. 
- Guardados? - perguntei eu, mais para provocá-lo. 
- Pensas que o som se perde? - respondeu ele. - Para além do ambiente físico 
existem, como tu sabes, registros onde estão arquivados, em cada ambiente, sons, 
imagens e até mesmo idéias e sentimentos. Aqui, estamos como que “fabricando 
sons” para depois adensá-los e condensaá-los. 
- Como será isso possível? 
- Sabes que só há uma energia passível de todas as transformações. Assim como 
se pode congelar a energia luminosa, transformando-a em matéria opaca, também 
nos é possível fazer que a vibração sonora desça até o nível em que possa ser 
percebida pelo ouvido humano. O trabalho é árduo mas já nos aproximamos da 
recompensa. Breve os homens poderão escutar-nos e ver-nos, sem grandes gastos 
de energia da parte dos médiuns. 
- A propósito - interrompi -, qual o papel do médiuns em suas investigações? 
- Quanto menos precisarmos deles, melhor - respondeu o gênio. - Os homens, 
quando desejam estratificar suas concepções, levam seus sofismas até as últimas 
consequências. Enquanto os médiuns forem indispensáveis no intercâmbio conosco, 
a teoria animista e materialista buscará sempre sobreviver, utilizando, na hora do 
naufrágio, a balsa ou o escapismo do inconsciente. É preciso, de uma vez por todas, 
desfazer essa falácia dos eternos negadores. E não estamos longe de conseguir. A 
própria eletricidade, ao lado de outras forças da Natureza, nos fornece os recursos 
necessários para dispensar os médiuns, quase por completo. 
- Fale-me um pouco mais, por favor, dessa condensação do som; não me disse que, 
para o intercâmbio com os encarnados, são aproveitadas ondas sonoras circulantes 
ou guardadas no ambiente? Por que levar para o plano físico o som daqui? 
- Nesse campo, meu caro, queremos depender cada vez mais de nós e cada vez 
menos das pessoas e circunstâncias da Terra. Se conseguirmos produzir, por nós 
próprios, os sons que facilitam o nosso intercâmbio com os?encarnados, comunicar-
nos-emos com eles tão fluentemente quanto eles se comunicam entre si, através 
dos mil e um recursos da eletrônica. 
- Há outros cientistas em sua equipe? 
- Claro. Trabalho com Marconi e Landel de Moura. Não sei se sabes, mas este 
também captou, em terras brasileiras, a noção da existência do rádio e do telégrafo 
sem fio. 
- Em contato com o irmão Jacó, soube do seu atual interesse em buscar, não a 
descoberta de lâmpadas externas, mas o encontro de luz interior. Surpreendo-me, 
no entanto, aqui em seu laboratório empírico, visando comprovação das realidades 
do Espírito, através de efeitos físio-técnicos. Não haverá nisso uma certa 
contradição? 
- Sabes mais do que ninguém, que a analise é o primeiro passo para a síntese e que 
o intelecto é a antecâmara da intuição. Do mesmo modo, a comprovação dos fatos é 
o impulso inicial para a percepção da realidade. Não queiras transformar homens em 
anjos de um momento para o outro. Eles perceberão por si mesmos que são 
Espíritos eternos, mas antes precisam despir a morte dos trajes horrendos com que 
a revestiram. Devem primeiro ser abalados pelo contato daqueles a quem julgavam 
mergulhados no nada ou beatificados num paraíso distante. Depois, sim, nascerão 
de novo pelo Espírito. Lembra-te do Cristo: repreendeu Tomé, é verdade, mas se 
deixou tocar pelo apóstolo; em consequência, Tomé, o incrédulo, despertou para as 
realidades mais íntimas do seu ser e exclamou: “Senhor meu e Deus meu!”. 
Nossa entrevista poderia efetivamente acabar ali, tão soberbas e transcendentes 
eram as palavras de Édison; eu, porém, queria um pouco mais e o abordei, nestes 
termos: 
- Até que ponto a teoria da relatividade favorece as suas experiências? 
- Nem era preciso que me fizesse essa pergunta - respondeu ele, sorrindo. - Em 
todo caso, acrescento a tudo o que já viste, a informação de que o som a irradiar-se 
das lâmpadas não passa de transformação da energia luminosa em vibração sonora. 
Isto confirma um dos pressupostos einstenianos, segundo o qual, no mundo físico 
tudo vem da luz. Lembrando Hermes Trimegisto, digo-te que no mundo extra-físico 
as coisas também são assim. 
 
XI – UMA EXPERIÊNCIA SIGNIFICATIVA 
Algum tempo depois de minha desencarnação, deu-me vontade de rever antigas 
paragens de minha infância. 
Ainda assessorado por Rufus, expus a ele minha intenção, no que fui plenamente 
compreendido. Disse-me o amigo, inclusive, que me acompanharia nessa viagem. E 
ela foi feita. 
Tubarão era o seu ponto terminal. Certas cidades do sul do Brasil dão-nos a 
sensação de estarmos na Europa. Tubarão é uma dessas cidades. 
Conquanto hoje por lá, como não poderia deixar de ser, vestígios de nossa origem 
cultural luso-afro-indígena, a presença alemã é ali sentida com mais intensidade. No 
formato e nos efeitos das casas, na psicologia e nos hábitos de seus habitantes, 
Tubarão é muito semelhante a certos burgos do sul da Alemanha. Aliás, tão logo 
pisei a cidade, fui invadido por sensações estranhas. 
Tive nítida lembrança de vivências minhas em plagas européias. Recordei episódios 
por mim vividos em terras longínquas, fatores decisivos que em muito concorreram 
para os acontecimentos principais de minha última existência no Brasil. 
Sobre esses fatos, no entanto, não quero deter-me agora; mais tarde merecerão 
eles alguma reflexão. O que importa, no momento, é o episódio significativo de que 
fui, ao mesmo tempo, espectador e autor. 
Corríamos a cidade. Era noite, o tempo estava chuvoso e o frio enregelava os ossos 
de quem por lá usasse o escafandro do corpo físico. De repente, avistamos ao longe 
um filete de luz; logo percebemos que a luminosidade não vinha do plano físico, mas 
do nosso plano. Aproximamo-nos e chegamos a um casebre, onde havia um 
agonizante, uma senhora, duas meninas e um médico. 
Este, não poupava esforços, embora inutilmente, para, pelo menos, atenuar um 
pouco os sofrimentos daquele homem... 
Fomos recebidos por duas entidades que velavam à cabeceira do moribundo. 
Verifiquei pessoalmente a situação deplorável do enfermo. Estava ele na nossa 
esfera; no entanto, laços vigorosos ainda o detinham no corpo. Os efeitos luminosos 
à sua volta e os emitidos por ele eram singulares. A mulher e as filhas oravam, daí o 
filete de luz que nos

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