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ECOLOGIA URBANA AULA 6 Profª Mariane Félix da Rocha 2 CONVERSA INICIAL Chegamos à última aula de Ecologia Urbana. Até aqui, aprendemos sobre o funcionamento de um ecossistema urbano, as formas como ele se manifesta, como altera o ambiente onde se insere, a importância da natureza dentro das cidades e as desigualdades de acesso da população aos espaços naturais no meio urbano. Essa desigualdade de acesso pode ser explicada pela falta de planejamento que atribui aos aspectos naturais e socioeconômicos a mesma importância. Este é o foco do planejamento ambiental, que veremos no Tema 1. No Tema 2, será apresentado um tipo de planejamento ambiental que é aplicado na Alemanha e tem como pressuposto a conservação das paisagens e a compatibilização entre os usos humanos e as características naturais do ecossistema, o Planejamento da Paisagem. No Tema 3, abordaremos algumas formas de planejar com a natureza, aproveitando seu potencial em vez de subjugá-la. Há quem acredite, no entanto, que esse planejamento que incorpora as questões ambientais gera um custo desnecessário frente às demandas sociais, que seriam mais urgentes. Porém, nos dois últimos temas da aula, aprenderemos como a natureza pode gerar renda e contribuir com a economia, dentro e fora das cidades. TEMA 1 – O PLANEJAMENTO AMBIENTAL Os precursores do planejamento ambiental já no início do século XIX vislumbraram a escassez de recursos e sublinharam a importância de preservar a natureza. Tiveram suas ideias rechaçadas e foram taxados de românticos e utópicos, pois na época, sob a égide do crescimento econômico e com o desenvolvimento da industrialização, ainda se acreditava na inesgotabilidade dos recursos naturais (Franco, 2001). A autora explica que essa ideia de recursos naturais infinitos se iniciou com as grandes navegações, com a ilusão de que a descoberta de novas terras sempre supriria as demandas. Esse pensamento se intensificou com a Revolução Industrial e foi embasado por um paradigma que colocava a natureza à serviço da humanidade, subjugada a esta. Coerente com esse contexto, a maioria dos planejamentos territoriais ao longo do século XX priorizou a esfera econômica guiado pela euforia do crescimento ilimitado. A partir dos anos 1960, no entanto, 3 podemos observar o avanço da preocupação ambiental frente aos frequentes desastres ambientais causados pela sociedade industrial (Franco, 2001). Então, inicia-se o reconhecimento da importância da conservação da natureza também nas paisagens antropizadas, tais como as cidades, impulsionado também pela perda de espécies animais e vegetais. Os estudos sobre a natureza das cidades, ao trazerem à luz a vasta biodiversidade encontrada nesses ambientes, contribuiu para essa mudança de pensamento (Sukopp; Werner, 1991). Segundo Franco (2001), a partir dos anos 1980 surge uma nova modalidade de planejamento, orientado pela capacidade de suporte dos ecossistemas às atividades humanas. Em outras palavras, foi estabelecido um limite ao crescimento econômico: as fragilidades dos ecossistemas ditariam quais atividades humanas poderiam se desenvolver ali. A esse planejamento, pautado na conservação ambiental, deu-se o nome de Planejamento Ambiental, que é definido por Franco (2001, p. 35-37) como aquele que parte do princípio da valoração e conservação das bases naturais de um dado território como base de autossustentação da vida e das interações que a mantém, ou seja, das relações ecossistêmicas. [...] Atualmente entende-se por Planejamento Ambiental o planejamento das ações humanas (da antropização) no território, levando em conta a capacidade de sustentação dos ecossistemas a nível local e regional, sem perder de vista as questões de equilíbrio das escalas maiores, tais como a continental e a planetária, visando à melhora da qualidade de vida humana, dentro de uma ética ecológica. A autora continua pontuando que planejamento diz respeito a um projeto ou a uma intenção de transformar dada situação em uma determinada direção. Esse ato carrega os valores de quem o cria ou o aplica, os quais comumente refletem os valores predominantes da época. O processo de planejamento pode se estruturar, segundo Gómez Orea (1978 apud Nucci, 2009), por duas linhas: uma da demanda, cujo foco são as necessidades econômicas e sociais da população, e outra da oferta, que zela pelas possibilidades atuais e potenciais do ecossistema em satisfazer a demanda social. Hough (1998) discute ainda que as preocupações ambientais não se refletiram no ambiente onde habita a maior parte das pessoas: as cidades. Para ele, as disciplinas que planejam o meio urbano têm pouquíssima relação com as ciências naturais e os valores ecológicos e acabam por negligenciá-los. Para o autor, isso é reflexo da dicotomia sociedade/natureza, que coloca de um lado a 4 cidade como ambiente humano, e de outro os ambientes naturais, fora dos limites desta. As disciplinas que ordenam o uso do solo urbano, como engenharias e arquitetura, derivam dessa divisão, gerando um excessivo controle sobre os aspectos naturais, como vimos na Aula 2. Franco (2001) corrobora essa afirmação ao trazer a dificuldade de ecólogos e ambientalistas de pensarem o ambiente construído, encontrando resistências tanto dos especialistas das ciências sociais como os das ciências ecológicas. Assim, mantém-se a dicotomia entre as especificidades, restringindo-se os objetos de estudo de ambas as ciências. TEMA 2 – CONCEITUANDO PLANEJAMENTO DA PAISAGEM Uma tentativa de romper com essa dicotomia entre questões socioeconômicas e ambientais no planejamento das cidades é o Planejamento da Paisagem, uma vertente do Planejamento Ambiental que, de acordo com Nucci (2010, p.20) consiste em um “instrumento de proteção e desenvolvimento da natureza com o objetivo de salvaguardar a capacidade dos ecossistemas e o potencial recreativo da paisagem como partes fundamentais para a vida humana”. O autor acrescenta que esse instrumento de planejamento busca a conservação da natureza dentro e fora dos assentamentos humanos, o que inclui os espaços livres em áreas urbanas por cumprirem importantes funções ecológicas e recreativas; as superfícies que foram impermeabilizadas desnecessariamente e deveriam ser restauradas ao estado natural; e as áreas propícias à recreação que deveriam ser planejadas, protegidas e dispostas espacialmente de maneira adequada. Isso amenizaria a injustiça de distribuição dos espaços livres, que estudamos na Aula 5. Surgiu em meados do século XIX, a princípio como fator de embelezamento das paisagens e, após a Revolução Industrial e o consequente aumento da preocupação com as questões ambientais, passou a se dedicar ao crescimento caótico das cidades e destruição dos ecossistemas (Nucci, 2009). Segundo Haaren; Galler; Ott (2008), o Planejamento da Paisagem tem uma longa tradição na Alemanha, onde é lei federal desde 1976 e é considerado instrumento central de planejamento e conservação da natureza; é composto por planos regionais, estaduais e locais, cobrindo praticamente todos os cantos do país. Esses planos são, segundo os autores, ferramentas confiáveis para embasar 5 tomadas de decisões rápidas e eficazes por parte dos governos e da população, com base na condição e no desenvolvimento da paisagem. Assim, contribuem também ao manter a população informada sobre as condições da paisagem local, favorecendo sua participação nas decisões e fomentando a educação ambiental. Para isso, os autores frisam a necessidade de essas informações estarem acessíveis à população, em termos de linguagem e de ferramentas. A comunicação, no entanto, não pode se restringir a um comunicado sobre as condições da paisagem; a população em geral pode ser uma fonte de informações paraos planos, se essa participação for estimulada. Os planos locais e regionais de paisagem fornecem então, informações sobre as potencialidades e fragilidades das paisagens, indicando os conflitos de uso. Dessa forma, busca-se trabalhar com a prevenção, combinando os usos que são suportados pela paisagem, a fim de evitar os custos com medidas compensatórias ou correção dos conflitos (Haaren; Galler; Ott, 2008). Grohé (1988 apud Del Picchia, 2010) reforça essa afirmação, denominando-a princípio da prevenção, na qual devem ser evitadas intervenções no equilíbrio natural. O autor cita também o princípio do causador, que trata não somente as consequências, mas também as causas dos problemas ambientais e o princípio da coordenação, que integra a atuação de governos e da sociedade em geral. No estudo das paisagens estão, confome Haaren; Galler; Ott (2008), o desempenho e a avaliação das funções das paisagens (condições atuais e potencial de desenvolvimento) e a identificação de subpaisagens sensíveis a determinados impactos, como inclusão de rotas de tráfego e fragmentação de hábitats. Os autores apontam que com o conhecimento das paisagens proporcionado por esses planos, a incorporação dos aspectos naturais no planejamento das cidades se torna mais fácil. Ademais, garante o uso sustentável e a permanente renovação dos recursos naturais, como solos, água, clima e ar. Além da preservação dos recursos, outro objetivo do Planejamento da Paisagem é a preservação das paisagens para recreação humana, garantindo o bem-estar físico e psíquico dos habitantes. A ideia é mesclar paisagens naturais e aptas ao lazer que, para isso, também devem estar acessíveis à população (Haaren; Galler; Ott, 2008). 6 TEMA 3 – PLANEJANDO COM A NATUREZA: EXEMPLOS Um exemplo de aplicação dos pressupostos do Planejamento da Paisagem citado por vários autores dessa base teórica, diz respeito às medidas compensatórias às impermeabilizações, de modo a tentar renaturalizar o ambiente construído. Um dos princípios do planejamento da paisagem é a integração dos edifícios aos ecossistemas (Sukopp; Werner, 1991). Del Picchia (2010) cita a possibilidade dos telhados e das fachadas verdes (Figuras 1a e 1b) como forma de compensar e substituir as intervenções inevitáveis, às quais acrescento a possibilidade do uso de pavimentos permeáveis à água da chuva e à vegetação herbácea (Figura 1c) no lugar dos pavimentos totalmente impermeáveis, bem como o uso de pergolados e plantas trepadeiras em locais a serem sombreados em substituição aos telhados convencionais (Figura 1d). Figura 1 – Formas de aumentar a vegetação sobre as construções nas cidades A) B) C) D) Legenda: (a) Telhado verde; (b) jardim vertical; (c) paralelepípedo (piso permeável); (d) pergolado com trepadeira. Créditos: Shutternelke/Shutterstock; Zyankarlo Re/Shutterstock; Gurezende/Shutterstock; Whiteaster/Shutterstock. 7 Além do reverdecimento das edificações como forma de compensar a construção e impermeabilização do solo, também os espaços que contém vegetação em estágio avançado de sucessão, como alguns terrenos baldios e até cemitérios, deveriam ser protegidos e integrados aos sistemas de áreas verdes da cidade que, por sua vez, deveriam ser adequadamente distribuídos por toda a área da cidade (Sukopp; Werner, 1991). Outro princípio do Planejamento da Paisagem é a valorização da biodiversidade e dos elementos locais. A esse respeito, Gouvêa (2002) ressalta que o uso de vegetação nativa representa uma economia de água e de manutenção, haja vista a adaptação das plantas ao clima local, além de constituir- se em um elemento de preservação do patrimônio ecológico local. Outra questão a ser considerada ao se planejar com a natureza é a adequação das construções às condições naturais do local. Gouvêa (2002) exemplifica que no Brasil a transposição direta do tipo de construção predominante na Europa, com ruas tortuosas que dificultam a circulação dos ventos, tratou-se de um equívoco, uma vez que os ventos aqui exercem um papel fundamental no conforto térmico dos habitantes. Mascaró (1996) ratifica essa ideia, ao afirmar que muitas vezes o desconforto ambiental não se deve às condições climáticas, mas aos projetos arquitetônicos incompatíveis com o meio em que se inserem, o que demandam ações para melhorar o conforto térmico, a exemplo do uso do ar-condicionado. O planejamento que se baseia na ecologia e adapta a cidade às condições ambientais locais, demanda menor esforço e gastos (Hough, 1998). O autor aponta que, no futuro, outro elemento das cidades que planejam com a natureza será a capacidade de gerar e consumir seus próprios recursos, por meio da reciclagem dos produtos anteriormente indesejados. Folhas de árvores e resíduos orgânicos serão utilizados como fertilizantes do solo; a coleta seletiva de materiais recicláveis (papel, metal, vidro etc.) permitirá sua reutilização; o excesso da energia térmica produzida na cidade será utilizado para aquecer edifícios; a água da chuva será reutilizada. Tudo isso, de acordo com o autor, a um custo ambiental e econômico mais baixos que os mecanismos utilizados até então. O autor conclui afirmando que é preciso ir além das questões sobre como reduzir os impactos negativos da ação humana sobre o ambiente, os quais supõem que alguma perda ambiental sempre será inevitável. Devemos começar a nos perguntar como podemos contribuir com o ambiente que habitamos. 8 Atualmente, os processos que sustentam as atividades humanas são lineares: a água sai do reservatório de abastecimento de água para a torneira, desta para o ralo e do ralo para o sistema de esgoto. Precisamos pensar em formas de transformar em cíclicos esse e outros processos, em que os rejeitos de um processo se tornem o combustível de outro, contribuindo positivamente com o ambiente. TEMA 4 – NATUREZA E ECONOMIA Dentre os objetivos do Planejamento Ambiental e da Paisagem está a economia de recursos e consequentemente de dinheiro, que se dá a partir da utilização das potencialidades ambientais. Isso inclui deixar as paisagens, inclusive as urbanas, o mais próximo possível de seu ambiente natural, resultando em ganhos não somente relativos à qualidade ambiental urbana e ao bem-estar dos habitantes – que por si só já seriam suficientes para garantir a conservação desses espaços –, mas também em vários benefícios econômicos. Esses benefícios incluem valorização imobiliária, geração de emprego e fomento ao turismo, e fornecem mais um incentivo à manutenção e ao aumento das áreas com vegetação nas cidades. 4.1 Valorização imobiliária Uma das vantagens econômicas da vegetação mais citadas na literatura especializada é a valorização imobiliária. Woolley (2003) aponta que propriedades localizadas próximas a áreas verdes apresentam valor de mercado superior àquelas afastadas. O autor traz o exemplo de um levantamento realizado na cidade de Worcester, nos EUA, na qual os valores das propriedades inseridas em até 4 mil pés (cerca de 1.200 metros) da entrada de quatro parques foram monitorados por cinco anos. Ao final do período, constatou-se que entre propriedades semelhantes, as que estavam mais próximas dos parques (2 pés ou pouco mais de 6 metros) custavam em média 2,7 mil dólares a mais do que as mais afastadas (200 pés ou 60 metros). A diferença entre os valores não ocorreu em propriedades que estavam distantes, a mais de 2 mil pés (600 metros), de um parque. Mascaró; Mascaró (2010) reforçam essa informação e complementam que edificações próximas a parques e outros espaços abertos têm valor de 8 a 20% 9 superior em relação às propriedades comparáveis em locais sem esses espaços. O valor dessas propriedades também se mantém mais estável desde que o parque seja arborizado, bem-conservado e com segurança, ou seja,tenha qualidade. Ressaltam ainda que esse valor extra também beneficia o município pela cobrança dos impostos sobre a propriedade. Todavia, não é apenas a proximidade com áreas verdes que traz essa valorização; a arborização dentro do próprio lote também pode contribuir. Um estudo que relacionou jardim frontal, tamanho da casa, número de banheiros e outras comodidades, constatou que as propriedades com árvores valorizaram 3,5 a 4,5% em relação àquelas sem árvores. E mais: árvores de madeira dura e/ou maiores apresentaram melhores resultados sobre árvores de madeira macia e de porte menor (Woolley, 2003). 4.2 Outras formas de geração de renda Podemos observar que também há a criação de empregos relacionados ao cuidado e planejamento nas cidades. Jardineiros e guardas florestais são os primeiros que surgem à mente, mas não podemos esquecer dos responsáveis pelo planejamento e pela implementação dessas áreas, como arquitetos paisagistas, engenheiros florestais, geógrafos, biólogos e outros profissionais ligados ao meio ambiente e às cidades (Woolley, 2003). O turismo também é afetado pela existência de áreas verdes, uma vez que esses espaços podem ter potencial de atrair não apenas os habitantes locais, mas também visitantes regionais ou nacionais (Woolley, 2003). Curitiba, a capital do Paraná, é um exemplo de cidade cujos parques são amplamente visitados por turistas, fazendo parte inclusive do itinerário de uma linha de ônibus que leva aos principais pontos turísticos da cidade. As hortas urbanas, além de possibilitarem o contato com a terra e as plantas, também têm despontado como forma de gerar renda, alimentação e qualidade de vida à população das cidades. A esse respeito, Monteiro; Monteiro (2006) apontam que nos anos 1980 as hortas comunitárias urbanas de Teresina (PI) receberam incentivo com a criação de um programa da prefeitura municipal que almejava gerar trabalho e renda e melhorar o padrão alimentar da população mais carente. Outro objetivo foi coibir a marginalidade de crianças e adolescentes, entretanto, depois o projeto teve a adesão de outras faixas etárias devido ao alto desemprego na época. As hortas foram implantadas sob as linhas de alta tensão, 10 evitando a proliferação de casebres nessa área, de risco à ocupação. Dos horticultores que cultivam essas hortas, 80% têm rendimentos de até um salário mínimo, já somado com a renda que vem da horta comunitária. Essas informações endossam o que dizem Branco; Alcântara (2011), que nos anos 1980 as hortas urbanas se popularizaram na América Latina, Ásia e África como uma estratégia de sobrevivência da população mais pobre. A partir do início do século XXI, no Brasil, as hortas urbanas surgiram como uma política nacional de redução de pobreza e segurança alimentar. No que tange ao perfil socioeconômico dos agricultores urbanos, esses autores, pela compilação de várias pesquisas sobre o tema realizadas no Brasil, encontraram informações de que a maioria recebe menos de dois salários mínimos e que estudaram no máximo até o nível fundamental. São também predominantemente mulheres. Dentre os benefícios econômicos e sociais dessa prática estão a comercialização e o consumo da produção; a mudança dos hábitos alimentares e a garantia de segurança alimentar; e a geração de emprego e a capacitação (Branco; Alcântara, 2011). Do ponto de vista ambiental, os autores descrevem a recuperação de áreas degradas, a conservação do solo, a diversificação da fauna (atraída pelos cultivos) e a reciclagem de resíduos orgânicos (compostagem), dentre outros. TEMA 5 – SERVIÇOS AMBIENTAIS Os serviços ambientais dizem respeito aos benefícios diretos e indiretos que os ecossistemas fornecem às pessoas. Incluem serviços de provimento, como a água, os alimentos e a madeira; serviços de regulação, como o controle de enchentes e de doenças; serviços culturais, como a recreação e a estética; e serviços de apoio, como a ciclagem de nutrientes e a fotossíntese (Millennium Ecosystem Assessment, 2003). Um exemplo de serviços ambientais, sobretudo de regulação, prestados pelas árvores nas cidades foi descrito no estudo de McPherson; van Doorn; Goede (2016). Os autores constataram que as árvores removem da atmosfera mais de 375 mil toneladas de CO2 por ano, o que equivale a retirar 120 mil carros de circulação. Isso corresponde a um rendimento de cerca de 10 mil dólares em armazenamento de carbono. 11 Além disso, as árvores também representam economias em outros segmentos. Em termos energéticos, a cobertura vegetal reduz a temperatura do ambiente (como vimos na Aula 4) e, consequentemente, a necessidade do uso do ar-condicionado. Segundo o estudo, as árvores nas ruas economizaram o equivalente a 101 milhões em energia gasta com ar-condicionado. No tocante à remoção de poluentes do ar, as árvores prestam um serviço que equivale a 18 milhões de dólares de economia aos cofres públicos. Pela interceptação da água da chuva e redução das enchentes, as árvores prestam um serviço estimado em 41 milhões de dólares. Cada árvore, segundo o estudo, rende 110,63 dólares em serviços ambientais e custa 19 dólares para ser mantida, gerando um retorno de mais de cinco vezes o valor investido. Outro exemplo de serviço ambiental prestado pela conservação dos ecossistemas diz respeito à disponibilidade de água para abastecimento público. Segundo Jardim; Bursztyn (2015), a preservação dos mananciais de água depende da conservação da floresta, uma vez que o desmatamento impacta a qualidade e quantidade de água disponíveis. De acordo com as autoras, manter a cobertura vegetal ao longo dos rios e das nascentes conserva a qualidade da água e reduz os processos erosivos das margens e a consequente sedimentação nos corpos-d’ água. Ademais, regula o ciclo hidrológico, evitando tanto as enchentes nos períodos de chuva intensa como a probabilidade de escassez nos períodos de seca. Jardim; Bursztyn (2015) descrevem um programa municipal de Extrema, em Minas Gerais, denominado Projeto Conservador de Águas, que incentiva os pequenos proprietários rurais a manterem bem conservada a vegetação em torno dos mananciais para garantir o abastecimento público em quantidade e qualidade. Entre os objetivos do projeto estão: aumentar a cobertura vegetal e a formação de microcorredores ecológicos nas bacias hidrográficas em que foi implantado; reduzir a poluição difusa rural, causada pela sedimentação e eutrofização e falta de saneamento; garantir o manejo integrado da vegetação, do solo e da água e a sustentabilidade ecológica e socioeconômica das práticas adotadas. Porém, como os benefícios dessa conservação ultrapassam os limites da propriedade e se estendem a toda a população que consumirá água de qualidade enquanto o ônus da conservação fica a cargo do proprietário, o município paga um valor a eles para manter a vegetação em suas propriedades. É uma forma de 12 dividir os custos entre os beneficiários também, prática denominada pagamento por serviços ambientais (PSA). O PSA pode ser conceituado, segundo Wunder (2006 apud Jardim e Bursztyn, 2015), como transferência financeira voluntária ou pagamento dos beneficiários dos serviços ambientais para as pessoas que, conservando a natureza, fornecem esses serviços. Trata-se de uma compensação pelos custos com a conservação das águas (plantio de árvores, por exemplo) e pela impossibilidade de utilizar as partes da propriedade para outras atividades econômicas (como a agropecuária). No caso do município de Extrema (MG), o pagamento é realizado pela prefeitura municipal, por meio do projeto Conservador das Águas. O objetivo é prevenir o dano ambiental, o que é economicamente mais vantajoso que remediá- lo (Jardim; Bursztyn, 2015). Ainda segundo as autoras, a conservação das águas em Extrema (MG) não garante apenas o abastecimentodeste recurso no município. As bacias hidrográficas da região fazem parte do sistema Cantareira, responsável pelo suprimento de água de 50% da região metropolitana de São Paulo (SP). Por isso há outros parceiros no projeto, como a Companhia de Saneamento e Abastecimento Público de São Paulo (Sabesp). Esse exemplo ilustra o que vimos na Aula 1, que por não serem autossuficientes em termos de recursos naturais as cidades dependem dos ambientes de entrada, externos aos ecossistemas urbanos. Nesse caso, a água das cidades paulistas vem parcialmente de outro estado. NA PRÁTICA Conforme estudamos no Tema 2, um dos pressupostos do Planejamento da Paisagem é a participação popular opinando sobre os rumos da área. Para que isso ocorra, no entanto, a população precisa estar adequadamente informada sobre os aspectos sociais e ambientais da área. A atividade prática de hoje consistirá em verificar se a gestão atual ou se as gestões passadas têm ou tiveram esse hábito. Para isso, consulte a prefeitura municipal (via site, telefone, e-mail etc.) e verifique se é usual que se façam audiência públicas, se as informações relativas ao município e ao planejamento municipal são acessíveis e fáceis de entender ou se há outras formas de incentivo à participação popular no planejamento. Se possível, pesquise também: 13 Informações sobre o meio ambiente (condições dos rios e da cobertura vegetal ou uso do solo do município, por exemplo) e aspectos sociais do município (atividades econômicas, distribuição de renda etc.), verificando se são informações completas e acessíveis. Se há um plano diretor ou outro documento a respeito do planejamento sobre os rumos do município para os próximos anos e se ele é fácil de ser encontrado e de ser compreendido. Caso haja esse documento, analise se ele contempla questões ambientais ou se é voltado às questões puramente socioeconômicas. Se há formas de incentivo à participação popular, tais como audiências públicas, reuniões, pesquisas de opinião, canais de comunicação com a prefeitura, e se elas funcionam efetivamente. O objetivo desta atividade é averiguar a inserção dos princípios do Planejamento da Paisagem em seu município ou, ao menos, a importância da conservação do meio ambiente e da participação popular no futuro do município. FINALIZANDO Nesta aula que encerra a disciplina de Ecologia Urbana aprendemos sobre a importância da inclusão dos aspectos relativos ao meio ambiente no planejamento urbano. Ao longo dos nossos estudos, vimos que as cidades são ecossistemas altamente dependentes do ambiente externo e, de certa maneira, tóxicas a si e ao seu entorno. O retorno às dinâmicas naturais nesse ambiente, todavia, mostrou- se como uma alternativa de evolução dessas relações predatórias com o entorno, aproveitando o solo urbano de foram produtiva (fornecendo oxigênio, alimentos, reciclando os nutrientes e reduzindo a poluição, por exemplo) ao mesmo tempo que melhora a qualidade de vida de seus próprios habitantes. Para que a natureza faça parte das cidades, primeiramente devemos romper com a mentalidade de que não há natureza nas cidades e de que há uma rígida separação entre homem e meio ambiente. A visão holística que aprendemos na Aula 1, versa sobre essa necessidade de ver a cidade a partir de todas as suas relações. Com essa mudança de pensamento, é possível integrar os aspectos ambientais no planejamento das cidades, garantindo avanços na qualidade 14 ambiental e mantendo a exploração humana dentro dos limites de cada ecossistema, sob a égide da sustentabilidade. 15 REFERÊNCIAS BRANCO, M. C.; ALCÂNTARA, F. A. 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