Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.

Prévia do material em texto

CAPITULO XXIV· 
A Chamada 
Acumulação Primitiva 
1. o SBodOO DA ACUMULAÇÃO PIuMITIVA 
V lMOS COMO o dinheiro se transforma em capital, como ~t: 
produz mais valia com capital, e mais capital com mais valia. Ma, .. 
a acumulação do capital presst~ mais valia, .a mais valia ::L 
produção capitalistli, e esta a_existência de grandes quantid<l~e\ 
de capital e de "fÔrça de trabalho nas mãos dos produtores de mer-
cadori;s. Todo êsse movimento tem assim.a aparência de _U,-m . ..cfr-
culo vicios~'-doqual só J>2dt:rem_os.escap.a.r.~dmitindo uma acumu· 
.. -1~~~.~_P-I1ll1.itiva, -. a.ll_t~iI~r __ à. __ llc~\lll!Çãg_ .~_ap~talista _ ("prcvio~s \ 
accumulation", segundo Adam Smlth), uma !lcumulaça0 que nao I 
decorre do mo<!C? capitalista de produ'i..ão,. mas é seu 'ponto dc\ 
... partida. 
828 
Ih X .v(c;. I/' I . I'L4..r ) /' 
.Essa acumulação primitiva desempenha na economia política 
um papel análogo ao do pecado original na teologia. Adão mordeu 
a maçã e, por isso o pecado contaminou a humanidade inteira. 
Pretende-se explicar a origem da acumulação por meio de uma 
estória ocorrida em ,tlassado distante. Havia outrora, em tempos 
muito remotos, duas espécies de gente: uma elite laboriosa, inteli-
gente e SObretudo econômica, e- uma· população constituída de 
vadios. trapalhões que gastavam mais do que tinham. A lenda 
teológica conta-nos que o homem foi condenado a comer o pão 
com o suor de seu rosto, Mas, a lenda econômica explica-nos o 
motivo por que existem pessoas que escapam a êsse mandamento 
divino. Aconteceu que a elite foi acumulando riquezas e a popula-
ção vaJia ficou finalmente sem ter outra coisa para vender além 
da própria. _pele: Temos aí q~.cado_()!!g!nal rl:l!._J;conomia. Por 
caU~a dêie. a grande massa é pobre e, apesar de se esfalfar, só 
(em pMa vender a própria fôrça de trabalho, enquanto creSCe con-
tinuamente a riqueza de poucos, embora tenham êsses poucos para-
do de trabalhar há muito tempo. Thiers. com tôda a untuosidade 
pre~iúcncial, defende a propriedade. servindo aOs franceses, outrO· 
ra tão espirituosos, essas puerilidades jnsulsas .. Mas, quando está 
em jÔgo a questão da propriedade torna se dever sagrado a defesa 
intransigente da doutrina infantil do abecedário capitalista. como 
a única legítima para tôdas as idades e para todos os estágios de 
desenvolvimento. lia.bjºQº-Wl~dç -papel .. de.se_l}1penl1~ºQ _ºª_ ver-
dadeiraJtist9x:i1L pela. conquista, pela escravizaç~.o._~lli_X:~08,. e 
P.t!lo assassin.!lto,_€:.Il!_.s!l!l1_a._ pela. y'i?I~I1~~a=-Na suave economia po-
lítica o idílio reina desde os primórdios. Desde o início da huma-
nidade. o direito é o trabalh~ são os únicos meios de ·enriqueci-
mento, excetuando-se naturalmente o ano corrente. Na realidade, 
(1S métodos da acumulação primitiva nada têm de idílicos. 
lO Como os meios de produção e os de subsistência. dinheiro 
1.: mercadoria em si mesmos não s~ capital. Tem de haver antes 
.. l!ma ~~ que· s8 pode' ocorrer em determinadas cir-
<:unstâncias. Vejamos, logo a seguir, a que se reduzem, em suma. 
essas circunstâncias. Duas espécies bem diferentes de possuidores 
de mercadorias têm de confrontar-se e entrar em contactO: de um 
. lado, o~rietário de dinheiro, de meios de produção e de meiQ~_ 
I de subsistência, empenhado em aumentar a soma de valôres'que.· 
• [!()ssui, comprando a fôrça de trabalho alheia, e, do outro, os 'traba" 
/ 1!L1!~ores livres,' vepdedores da próp~ia fô.rça de trabalho e.......QQrtan.:-. 
\ to, dfê...!I.~lIll!Q. Trabalhadores livres em dois sentidos, porque não 
829 
são parte direta dos meios de produção, como escravos e servos, 
e parQ.ue não são donos dos meios de produção, como o camponês 
autônomo, estando assim livres e desembaraçados dêles. Estabeleci-
dos êsses dois pólos do mercado, ficam dadas as condições bási.c~ 
.. c!.ã produção capjtalista. o sistema capital!~tl! . .J>Eessl!Põ~" ~<fis~2cia-\ 
ção entre os trabalhadorçs. e a propriedade dos meios peJos . .9.uais : 
.. rêãifZãz:;;o"írãbaího. Quando a . produção capitalista se torna inde-·-
Pe;d~gie.·..não se limita 8: manter essa dissociação, mas a reprodu~ , 
em escala cada vez maior.'G-processoque cria o sistema capitalista \ . '/ 
c_onsiste ape ... nas. n. o _",o que retira 00. trabalhadora prORrie.J
i ~ 
-. -º.ª,~e de .seu.s _~~ios de trabalno, uDL,.QJ.2ÇCSSG:i1J,le: rr~~sforma. em 
capftal Os meios sociais de subsistência e os de produção e con-
verte em ãSsalaríados os produtõres" diretos. t}. chamada acúmul.a- ~ 
ção primitiva é apenas o· processo histórico qye dissocia o traba-
.. Ihador dos meios de produção]:e con'iideradr primitiva porque 
~Qnstitui a pré-história do capital e do modo de produção capitalista. 
Ô estrutura econÔmica da sociedade capitalista nasceu da estrú-
tma econÔmica da socjedade feudal. A decomoosição desta liberou 
~ elementos para formação daquela. - -
O produtor direto, o trabalhador, só pôde dispor de sua peso 
soa d~is que deixou de-estar vincUlado à'-gleba e de ser escravo 
cu serv~ de outra pessoa. Para vender livremente sua fôrça de 
trabalho, levando sua mercadoria a qualquer mercado, tinha ainda 
de livrar-se do' domínio das corporações, dos regulamentos a que 
elas subordittavam os aprendizes e oficil$ e das prescrições com 
que entravavam o trabalho. Dêsse modo, ~m <!<?~_ as~c::tQ~ 
movimento histórico que transformou os, p[Q<Ntm;:eL em assalaria-
do~. é a iibertàçJo "da servidão e da coerção corporativa; e ês!e 
~~to- êü único que existe para "nossos historiadores -burgueses .. 
Mas, ps que se emanciparam só se tornaram vendedores de si ines- -
mos depois que lhes roubaram todos os seus meios de produção 
(; os privaram de tôdas as garantias que as velhas instituições feu- f 
dais asseguravam à sua existência. E a história da expropriação 
to que sofreram foi inscrita a sangue e fogo nos_.:in.:lis .. dl!, .hllmanidade" 
Os capitalistas industriais, isses novos potentados, tiveram de 
remover os mestres das corporações e os senhores feudais, que 
possuíam. o' domínio dos mananciais das riquezas. Sob êsse aspecto: 
rep~se11ta.se sua ascensão como uma luta vitoriosa contra o poder 
feudal e seus privilégios revoltantes, contra as corporações e os 
embaraços que elas criavam ao livre desenvolvimento da produção'-~ 
e à livre exploração do homem pelo homem. Todavia. os cavaleiros 
830 
da indústria: só conseguiram expulsar os cavaleiros da espada, ex-
plorando acontecimentos para os quais em nada tinham concorrido. 
Subiram por meios tão vis quanto os empregados Outrora pelo 
libe!1.0 romano para se tOrnar senhor de seu "patronus"$ 
í Lo processo que produz; (,) assalariado e o capitalista tem suas 
raÍZes n~"!!!i~~() do trabalhador) O progresso consistiu numa 
metamorfose dessa sujeição, na transformação da exploração feu .. 
daI em exploração capitalista.' Para compreender sua marcha, não' 
precisamos ir muito longe na história. Embora os prenúncios da 
., produção capitalista já apareçam, nos séculos XIV e XV, em algu. 
mas -cidades mediterrân~as, a era capitalista data do século XVI. 
Onde. ela ..surge, a servidão já está abolida há muito ~ e já 
.. estão em plena decadência as cidades soberanas que representam 
o apogeu da Idade pMédia: 
Marcam ép<>~~"lla_~ist?rill daacull1ulilÇão. pri:ffiiti-..:llLtÔdas 
.~ transformações que servem de alavanca à classe capitalista.em 
formalrão, sobretudo aqiléles deslocamentos de grãndes massas hu-
.. manas, súbitae"víõlentamente privadas de seus meios de subsistên-
cia e lançadas no mercado de trabalho como, levas de prOletários 
destituídos de direitos;, A expropriação do produtor rural, do caro-
PQllês, que. Ji~a.. assim privado de suas ten:as.J. "~onstituLa base d~ 
.. todo o processJ;.' A história dessa expropriação assume coloridos 
diversos nos diferentes países, percorre várias fases em seqüên-
cia diversa e em épocas históricas diferentes.Encontramos sua for· 
.. ma clássica na Inglaterra, que, por isso, nos servirá de exemplo.~ 
2 FXp~.ºPªIAÇ~Q nos Ct.M,PONF5FS 
Nos fins do século XIV, a servidão tinha desaparecido pràtica· 
lO mente da Inglaterra. Então e mais ainda no século XV, a imensa 
® Senhor que libertou seu escravo, 
J..SJ.l Na Itália, onde a produção capitalista se desenvolveu mais cedo, 
ocorre também mais cedo a dissolução das relações de servidão, O 
servo italiano foi emancipado sem ter chegado a assegurar-se, por 
prescrição, de qualquer direito à terra. Sua emancipação transfdr-
moy-o· i!!!..e.q.!a..tlj.l11e!l:t.~._Ilum proletá,r:io _se.m _à.i.rgi,tos, quejIL.eru:g,ptrava 
UOY.!ls..IH~l1hor~:L!\.§u5L.l:sperÂnas cid!idesque, emsua maioria, vinham 
dos.. iempc:; dcs I.!llnaIlOS. Quando a revolução no mercado mundial 
dest!·uiu. nos fms do século XV. fi suprf'macia comercial do nane da 
fUi 
11 maioria da populaçãol.lllt consistia de campcneses proprietários,-
4ualquer 4 ue fôsse o título feudal com que se revestissem seus·-
Jireitt)s de propriedade sôbre a terra que lavravam. Nos grandes 
domínios senhoriais . .Q",,ba,ilill, ainda u.fi:! .servo, foi substituído pelo 
arrendatário livre. Eram assalariados da agricultura os camponeses 
que utilizavam seu tempo de lazer trabalhando para os grandes 
r.roprictários. e os assalariados propriamente ditos, uma classe in-
dependente. relativa e absolutamente pouco numerosa. Mas êstes, 
aO mesmo tempo, eram de fato lavradores independentes. pois, além 
do salário. recebiam uma habitação e uma área para lavrar de 4 
e mais ~es. Demais, junto com os camponeses propriamente di-
tos, dispunham do usufruto das terras comuns, on. d. e PiSt~. se( 
.. gado e de onde ..x:e.tiravanJ.. o.....combustivel, lenha, $urfIL~\!!H!i:n 
todos os países da Europa,i"! produção feudal se caracteriza pela 
Itália, surge um movimento populacional em sentido inverso. Os tn.-
ba.lhadores das cidades foram enXotados para os campos onde deram 
um. impulso nunca. visto à pequena agricultura de hortas e jardiris. 
190 "Os pequenos proprietáriOS qúe cultivavam suas terras com as 
próprias mãos e fruiam um modesto bem-estar .... const1tuiam, em 
comparação com os tempos atuais, uma parte muito mais importan-
te da nação... Não menos de 160 000 proprietários, que com· SU3S 
1 
famil1as deviam representar mais de -- da população, .tiravam sua 
'1 
subsistência de pequenas áreas das 'quais tinham li proprl""* alQ,-
..d1il. Cada um dêSSes pequenos proprietários dispunha. de um rendi-
mento médio estimado em 60 a '10 libras esterlinas por ano. Calculou-
se que o número daqueles que exploravam sua própria. terra. era 
maior que o dos arrendatá.r1os que lavravam terra alheia." (Macaulay, 
"Hlst. of England", 10.- ed., Londres, 1854, I, págs. 333 e 334). Ainda 
no .último têrço .do .século XVII."- populaçãorural,mKl~~,_®.M~ituía 
-,",) 
repartição da terra pelo maior número possível de camponeses-:-\O 
poder do senhor feudal, como o dos soberanos, n~o- depende da 
magnitude de suas rendas, mas do número de seus súditos, ou me· 
Ihor do número de camponeses estabelecidos em, seus domínios.ili) 
Embora ° solo inglês, depois da conquista normanda, se repartisse 
em baronias gigantescas, havendo casos de uma.só abranger 900 
antigos senhorios anglo-saxÔnicos, estava êle coalhado de sítios dos 
camponeses, embora separados a espaços pelas gr!1ndes áreas senho-
riais. Essas condições, juntamente com o florescimento das cidades, 
característico do século XV, propiciavam ao povo aquela riqueza 
que o chanceler Fortescue descreve com tanta eloqüência em sua. 
obra "laudibus Legum Angliae", mas excluíam a riqueza capitalista . 
) li 
O prelúdio da revolução que criou a base ~modo ca.p.i~a1ista 
. de produção -ocõrreu nõUllliiiõt!i'Cõ"ãõ·-SécUto -. e nas primeiras 
décadas do século XVI.rcon:; LdissoluÇag: das UMillf~P$fIlI~S, 
'~ é Jançada ao . mercado 'a'e tràtiâUio _uma massa,_º~_.proletários....)ie 
indivíduos sem direitos, que "por tôdaparte_ enchiam inu,tilmente 
os solares", conforme observa acertadame~te Sir James Steuart. Em-
bora o poder real, produto do desenvolvimento burguês, em seu 
esfôrço pela soberania absoluta, acelerasse pela fôrça .a dissolucão 
das vassalagens. não foi· de modo algum a causa única dela. Opou-
do-se arrogantemente ao Rei e ao Parlamento, o grande senhor feu-
" dai criou um proletariado incomparàvelmente maior, usurpando as 
terras comuns e expulsando os camponeses das terras, os quais pos-
suíam ~ireitos. sôbre elas,baseados, como os do próprio .se$()!, 
nos mes~os institutos feudâis;Q florescimento da manufatura de 
4 
__ da população total <1. c., p. 413). Cito Macauley porque êle-, 
• Jã, com a elevação conseqüente dos preços da lã, impulsionou direta-
mente essas violências na Inglaterra. A velha nobreza fôra devora-
da pelas guerras feudais. A nova era um produto do seu tempo, e, 
para ela, g dinheiro era o poder dOs podêres. Sua preocupação,. por 
isso. era transformar as terras de lavoura em pastagens. Em sua 
obra "Description of England. Prefixed to HoHnshed's Chronicles", 
descreve Harrison como a expropriação dos pequenos camponeses 
arruína o país. "Mas que importa isso aos nossOs grandes usurpado-
res!" As habitações dos camponeses e as choupanas dos trabalhado- . 
5 
.procura reduzir a impo.rtância de fatos dessa natureza, com seu sJ.s. 
}e~a de falsificar a história. 
~ Nunca devemos esquecer que mesmo o servo, embora sujeito ao 
tributo de vassalagem, e.ra proprietá.rio do lote vmculacio à. sua habi-
tação e ainda co-proprietário das terras comuns. "Lá (na Silésia) o 
camponês é servo." Não obstante, OS servos dessa provinda prussianr. 
possuem ten:as comuns." Não se pôde até agora induzir os sileslanos 
a repartirem as terras comulls. Entretanto, na nova Marca não 
existe uma. aldeia onde não se tenha efetuado essa repartição com 
o maior sucesso" (Mirabeau. "De la Monarchle Prussianne", Londres, 
1788, t. n. pá.gs. 125 e 126). 
832 
@> Q Ja*., com ~u sistema. puramente feuda.l de propriedade das 
terras e de peque.nas emprêsas agr1co!as desenvolvidas, oferece um 
quadro muito mais fiel da Idade Média européia do que todos os 
nossos livros de história, dominados em sua maioria por preconceitos 
burgueses. li: multo fácil ser liberal às custas da Idade Média. 
833 
I ,,' -, 
• 
res foram violentamente demolidas ou abandonadas à decadência 
fotal. 
"Quando confrontamos", diz Harrison, "os velhos inventá-
rios dos senhorios, verificamos que desapareceram inúmeras casas 
e pequenas lavouras, de modo que a terra alimenta muito menos 
o gente, mwtas cidades decaíram, embora floresçam algumas DO-
vas .. , Poderia falar de cidades e de aldejas, transformadas em 
pastos de ove!1w e onde apenas se encontram as mansões senho-
riais. ». 
Aquelas velhas crônicas exageram as queixas, mas traduzem 
exatamente a impressão causada. sôbre OS contemporâneos pela re-
volução nas condições de produção. Uma comparacão entre as oU 
dos chanceleres Fortescue e Thomas Moros revela o abismo que 
separava os séculos XV e XVI. A classe trabalhadora inglêsa foi 
lançada, sem transições, da idade de ouro, na expressão acertada 
de Thornton. para a idade de ferro. 
Essa revolução fazia estremecerem os próprios legisladores. 
Não tinham chegado ainda àquele nível de civilização em que a 
riqueza nacional, isto é. I formação de capi~ a exploração im-
piedosa e o empobrecimento' da m· ... ' pQpUlar. constitui a reriR 
última da sabedoria política. Em sua hist6ria de Henrique vn. 
diz Saeco: 
''Nessa época (1489) aumentaram as queixas sabre li trans-
formação de terras de lavoura em pastos" (para ovelhas etc.). 
"para os quais bastavam poucos pastóres; e áreas arrendadas por 
tempo indeterminado, por ano ou vitaliciamente, das quais vivia 
grande parte dos ~vradores independentes (yeomen), transfor-
maram-seem terras ocupadas pelo senhorio. Isso prowcou deca-
dência. do povo e em conseqüência. decadência de cidades, igre-
jas, queda de dírunos. .. Foi admirável 11 sabedoria do Rei e do 
Parlamento aplicada, nessa época, à cura dêsses males... Ado-
taram 'medidas contra a usurpação das terraS comuns, que provo-
cava o despovoamento. e contra a expansão das pastagens. que 
produzia os mesmos ~itos." 
Em 1489, lei de Henrique VII, capítulo 19. proibia a demoli-
ção de tôdas as casas de camponeses às quais estivessem vinculados 
834 
pelo menos 20 acres de terra. Renova-a Henrique VIII. no anl) 25 
de seu reinado, com outra lei -onde se lê: 
• 
"l\(uitos arrendamentos e grandes pastagens, especialmente 
de ovelhas, estão concentrados em poucas mãos; por isso, muito 
aumentou a renda da terra, decaindo a lavoura; casas e igreja, 
foram demolidas, e um número imenso de pessoas ficaram impe-
didas de prover seu próprio sustento e de suas famílias". 
A lei determina a reconstituição das culturas e, de suas ins-
talações, fixa a relação entre área de lavoura e área de pastagem 
etc. Lei de 1533 deplora haver propnetános "pOSsumdó "24lmt\ 
ovelhas e limita o número destas a 2.000 por proprietário.® As 
queixas populares e _ªsJ~is qu~,"a_.pª!'tir_~_l!~nrique VII, durww 
J 50 anos, se _ destinavam a coibir a expropriaçã() _c!()!l"pequ~nos !!!-
rendatlÍ.~i()s e dos C::~P<>l1eses, Ilã~ _ª!.i!!8!f.ªm a nenhu_m resultado 
Px:á~ Sacon, sem o saber, revela-nos o segrêdo dessa ineficácia, 
em seus "Essays, Civil and Moral". seção 29. 
"A lei de Henrique VI!", diz êle, "era profunda e digna dt' 
admiração, ao criar lavouras e casas de lavradores, de determi-
nado padrão, isto é; ao garantir aos lavradores área· que lhes per-
mita colocarem no mundo súditos com recursos suficientes e não 
sujeitos à condição servil, pondo assim o arado em mãos de pro-
prietários . e não de mercenários. "@ 
@ Em sua "Utopia", Thomas Morus fala de um pais singular em 
que "as ovelhas devoram os sêres humanos" ("Utooia", tradução de 
RlLbinsõn, ed. Arber-;-Londres, 1869, p. 41). -
(;.9.3.'9 Bacon analisa a relação existente entre WIl_ª classe..liYE e -ªbas-
JII,5ia de camponeses e uma bºªjJ:;'~Ataria. "Era da maior importância. 
para o poderio e a manutenção do reino, terem os arrendaniento~ 
área suficiente para manter homens capazes a coberto de necessidades. 
e serem as terras do reino, em grande parte, ocupadas pela XGQIDfIPry 
uma classe de pessoas situadas no meio, entre nobres, de um lado. l' 
agregados e braceiros, do outro ... ll: o!Jiniáo geral dos que mais en-
tendem da arte da guerra ... que. a principal fôrça de um exército está 
na. infantarla, nos que combatem a pé. Mas para formar uma boa in-
fantaria, são necessárias peEsoas que tenham crescido não em condi-
ções servis ou de indigência, mas livres e com certo bem-estar. Quan-
do um estado favorece exageradamente os nobres e 9;5 gentis-homens. 
1<35 
• 
Mas, o sistema capitalista exigia. ao contrário. a subordinação 
servil da massa popular, sua transformação em mercenários e a 
conversão de seu instrumental de trabalho em capital. Duranle êsse 
- período de transição, a legislação procurou manter o lote de 4 
acres junto à choupana do trabalhador agrícola, e proíbiulhe nela 
.abrigar inquilinos. Ainda em 1627, no reinado de Carlos l. Roger 
Crocker de Fontmill foi condenado p<>rteL~ons~uíd'? .. ~ma c~ 
p'ara lavrador no seu feud()~_em acrescen~ar-Ihe. em caráter per-
manente, uma área de 4.l!-cres; ainda no reinado de Carlos I, em 
1638, foi nomeada uma comissão real encarregada de impor a 
aplicação das velhas leis, notadamente com relação a essa área 
de 4 acres, e Cromwell proibiu que se construíssem, na periferia 
de Londres até 4 milhas da cidade, casas que não estivessem do-
tadas de uma área adicional de 4 acres. Ainda na primeira metade 
do século XVIII, ouvem-se queiXas quando a choupana do traba-
lhador não dispõe de um terreno anexo de 1 a 2 acres. Hoje em 
.dia, êle se considera muito feliz se ~ua habitação dispõe. de ug2 
pequeno jardin! .. OJl_i!ºn~!Ult() à sua habitação ou se pode ar-
rendar um lote de teITl~, Ü!WUtiang . .-/. ' 
"Os senhorios e os arrendatários" diz doutor Hunter, "agem 
em conjunto. Poucos acres junto à cho~na tornariam o traba-
lhador demasiadamente independente". ~ 
o plOCessO violento de e~~ .áD..~.\'!Lr~f~beu um 
( terrível impulso, no séCülo XVI,_colll a Reforma. e. oime1l:s~.sª~ue 
\~ 
enquanto os lavradores não D!I.SS9.m. de trabalhadores e criados a 
serviço dêles, ou. de agregados, Isto é, de indigentes que moram em 
seus dom1nlos senhoriais, pode-se ter uma boa cavalaria, mas nunca 
se terá uma infantaria resoluta ... ll: o que se vê na França e na Itá-
1111. e em. outros paise.s estr~ng-eiros onde só se encontra a nobreza, 
{fc um lado, e. do outro, camponeses miseráveis. Dêsse mOdo, são 
êsBes paises obrigados a empregar mercenários suíços e de outras 
proce.dências. Vê-se por ai que essas nações possuem muita gente e 
poucos soldados" ("The Reign of Henry VII etc. Verbatlm Reprint 
from Kennet's England, ed. 1719", Londres, 1870, p. 308). 
~ nr. Hunter. 1. c.. D. 134. - "A auantidade de terra que era 
atribuída aos trabalhadort!li" (nas velhas leis) "seria. hoje considera-
da grande demais e suscetível de convertê-los em pequenas agricul-
tores" (George Roberts, "The Social H!story of the People oLtD.e 
Southern Counties --ºL-EnKland In l!.ML&entunes". Londres, 1850. 
p. 184). 
836 
LJ10s bens da Igr~ia que_J~.~~'?.mpanhQ..u. À época_ da .. n:f()!'!Jla: _a 
Igreja Católica era .propri~tária feudal de grande parte do solo 
~. A supressão dos conventos etc. enxotou os habitantes de ~, suas· terras, os quais passaram a engrossar o. oroletariado. Os bens 
eclesiásticos foram amplamente doados a vorazes favoritos da Côr-
te ou vendidos a preço ridículo a ·especuladores, agricultores ou 
burgueses, que expulsaram em massa os velhOs moradores heredi-
tários e fundiram seUs sítios. O direito legalmente explícito dos 
lavradores empobrecidos a uma parte dos dízimos da Igreja foi 
confiscado tàcitamente.195 "Pauper ubique jacet"I exclamou a rai-
nha Elizabeth após uma viagem através da Inglaterra. No ano 43 ' 
de seu reinado, foi o govêrno por fim compelido a reconhecer 
oficialmente o pauperismo .... introduzindo .9 impôsto de ~stência 
.aos pobres. . __ --
"Os autores dessa lei não ousaram apresentar as razões dela, 
e, contra tôda a tradição, trouxeram-na ao mundo sem qualquer 
exposição de motivos",l98 . 
. Tornou-a definitiva a lei n. o 4, do ano 16, do reinado de Car-
los I, e só veio a ser modificada em 1834. quando foram adotadas 
prescrições' mais severas.197 Mas, a Reforma ainda teve outros efei-
I "O pobre está prostrado por tMa parte." 
195 "0 direito dos pobres a uma parte dos dizimos da Igreja esti 
fixado nos velhos estatutos" (Tuckett, 1. c .• v. lI, pága. 804 e 8(5) • 
196 William CObbett, "A Hlstory of the Protests.nt Reformation," 
§ 471. 
197 O esptrito protestante se retrata bem no seguinte caso. No sul 
da Inglaterra; proprietários de terras e arrendatários abllliltados se 
reuniram e formularam 10 qUt!litões Sóbre a interpretação li. ser dada. 
à lei de assl.!!itência. &OS pobres de Elizabeth, IIUbmetelldo-:as 8.0 pare-
cer de um célebre jurista da época, Sergeant Srugge, que foi nomeado 
juiz no reinado de Jaime I. "Nonaquest:ão: Alguns dos riCOI!I arren_ 
eb-tários da paróquia imaginaram um método engenhOso com o qual 
se pode afastar todas as confUSões que ocorrem na. a.pllc&çl.o da le.t. 
Propõem que se construa uma. cadeia. na. paróquia.. sen. negada. qual-
quer· ajuda 8.0 pobre que nela não. se deixar encarcerar. Entio toda. 
11. v1zinhBnça será avisada. de que qualquer pessoa que queira &lugar 
011 pobres dessa parõquia deve apresentar propostas 1&cradaa, num 
dia determinado, fl.xa.ndo o menor preço pelo qual ficaria. com êles. 
Osautores désse plano IIUpõcm mst1rem. nos condados próxl.mol pes_ 
837 
tos mais poderosos. A propriedade da Igreja constituía o baluarte 
religioso das antigas relações de propriedade. Ao cair aquela. estas 
não poderiam mais se manter~198 
Ainda nas últimas décadas do século xvn, a yeomanry, uma 
• classe de camponeses independentes. era mais numerosa que a dO!l 
arrendatários. Constituíra a principal fôrça de Cromwell e, segundo 
reconhece o próprio Macaulay, contrastava vantajosamente com os 
fidalgotes beberrões e seus lacaios, os párocos de aldeia, que ti. 
nham de arranjar casamentos para as criadas preferidas dêsses 
gentis-homens. A essa época, os trabalhadores rurais ainda eram 
• co-proprietários das terras comuns. ~or volta de 1750 desaparecera 
soas que gostariam de viver sem trabalhar, mas não podem realizar 
seu desejo por não disporem de recursos ou crédito suflciente para 
arrendar terras ou conseguir um barco. Elas estariam Inclinadas a 
fazer propostas vantajosas à paróquia. Se pobres morrerem aos cuida-
dos do contratante, a fa.lta. recairá. sóbre êle uma. vez que a paróquia 
já terá. cumprido seus deveres em reJ.a.çio a. êles. Receamos que a 
lei em vigor, do a.no 43 de Elizabeth, não permita uma. solUção pru-
dente como a. que estamos imaginando. Informamos-lhe, entretant{), 
que os demais proprietários alodials dêsse condado e dos adjacentes 
se juntarão a nós para. levar seus representantes na Câmara dos 
Comuns a propor uma. lei que permita o enca.rcera.mento e o traba-
lho compulsório dos pobres, de modo que ficará sem direito a qual-
quer awdl.io aquêle que se opuser ao encarceramento. Com Isso. es-
peramos que pessoas na miséria se !!!.hstenbam de requerer socorro" 
(R. Blali:ey, "The Hlstory ofPolitlcs.l Literature from the earllest 
times," Londres. 1855, v. n, págs. 114 e 85). Na Escócta. a S(>.rvidão 
fol abolida séculos depois de ter sido ellmina.da na Inglaterra. Em 
1698, declarava. Fletcher de Saltoun no Parlamento escocês: "E esti-
mado em pelo menos 200 000 o número de indigentes da Escócia. 
Republicano por princípio, só vejo um remédio para essa situação: 
restaurar a velha servidão e transformar em escravos todos os que 
sejam incapazes de prover a própria subsistência." No mesmo sentido 
escreve Eden, 1. c., v. r, cap. r, págs. 60 e 61: "O pauperismo surge 
• com a liberdade do lavrador... As manufaturas e o comércio são 
os pais dos nossos pobres." Eden comete o mesmo érro daquele 
It escocês, repUblicano !XJf principio, pOis o lavrador se torna proletá-
rio oU indigente não por ter sido eliminada a servidão. mas por ter 
Sido suprimida a propriedade que tinha do solo que cultivaV'd. -
Na França onde a expropriação seguiu outro processo, a ordenança 
de Moulln de 1566 e o edito de 1656 correspondiarn à.s leiS inglêsas 
de assistência aos pobres. 
1118 Professor Rogers, embora tivesse eXerCido a cátedra de. econo-
mia POI!tica da Universidade de Oxford, o foco da ortodoxia protes-
tante, acentua, em seu prefácio à. "History of Agrlculture." a paupe-
rlzaçã.o da massa do povo pela reforma. 
838 
" 
~ yeomanry~,,-! .. ~, . .n~ .. últimas décadas do século xvm,. OS ves-
tígios que ainda restavam da propriedade -éõDilÍiiàfdÕs .. lavradorC$. 
Deixamos de lado as fôrças motoras puramente econômicas da 
. revolução agrícola, e estamos nos ocupando apenas dos meios coer-
civos utilizados para promovê-la. / 
• 
Com a restauração dos Stuarts, os proprietários das terras, 
utilizando processos legais, levaram a cabo uma usurpação como 
a . que se efetivou depois no Continente, mas sem qualquer forma-
. lidade jurídica. Aboliram as disposições feudais relativas ao solo. 
Transferiram para o estado deveres que estavam vinculados à pro-
priedade do solo, "indenizaram" o estado com tributos incidentes 
sabre os camponeses e sabre o resto do povo, submeteram ao re-
gi~ da moderna propriedade Drivada os bens em relação llQ.!. 
quais possuíam apenas título feudal, e Impuseram, por fim, aque-
las leis de domicílio que,. com as variações impostas pelas cir-
cunstâncias. tinham sôbre os lavradores inglêses os mesmos efei-
tos que o edito do tártaro Boris Godunow sabre os camponeses 
russos.. '., 
A "gloriosa revolução" trouxe ao poder, com Guilherme lU', 
de Orange,200 os proprietários da mais valia. nobres e capitalistas.) 
Inauguraram a nova era em que expandiram em escala colossal oS 
, roubos às terras do estado, até então praticados em dimensões mais 
modestas. Essas terras foram presenteadas, vendidas a preços ir-
1" "A Letter to SIr T.C. Bunlrury, :art.: On the Rlgh Price of 
Provfsions. Bf a SuffoIk Gentleman," Ipsw1ch 1'l95, p. 4. Mesmo 
defensor fanático do siStema de grandes arrendamentos. diz ri: 
ArbuthnotJ, autor do "Inqulry Into the Connectlon of large fuma 
etc .... Londres, 1m, p. 139: ''Deploro a perda de nossa yeomanry, 
·aquela classe de homens que suate.ntavam. na realidade, a indepen-
dência desta nação; e lamento ver suas terras, agora nas mãos mo-
nopolizadoras dos lordes, serem arrendadas a pequenos lavradores 
em condições parecidas com as de va&Is.los que têm de atender a 
chamados em tMas as ocasiões criticas." 
200 Ilustra a moral privada. dêsse heróI. burguêls o segumte: "As 
grandes concessões de terras feitas a Lady Orimey na. Irlanda, no 
ano de 1695, são uma derr;onstração pública da afeição do rei e da 
influência -da lady ... Os serviços va.liosos de La.dy Orlmey consisti-
. ram, conforme é sabido, ém "foeda ·labiorum m1n1sterla.", os sujOS 
serviços dos lábios. Extraído do "Sloane Manuscrlpt Collection", que 
se encontra no Musea Britânico, n. 4224. Titulo do manus.crito: '''l''he 
charakter and behavlour of K1ng W1l1iam. Stmderland etc. as repre-
sented in 0rlg1ns.l Letters to tbe Duke of Shrewsbury frem Somers, 
Hs.l1fu:, Oxford. Secre.ta.ry Vemon etc." Está cheio cf!, coisas eurio-
na. 
839 
risórios, ou simplesmente roubadas mediante anexação direta a 
propriedades particulares.:!ol Tudo isso ocorreu sem qualquer obser-
vância da etiquêta legal. Essa usurpação das terras da COroa e o 
saque aos bens da Igreja, quando os detentores dêstes bens saquea-
til d.os não os perder:am na revolução republicana, constituem a ori~ 
-gem dos grandes domínios atuais da oligarquia inglêsa.~O!l Os capi-
talistas burgueses favoreceram a usurpação, entre outros motivos, 
para transformar a terra em mero artigo de comércio, ampliar a 
área da grande exploração agrícola, aumentar o suprimento dos 
roletários sem direitos. enxotados das terras etc. Além disso, a 
nova anstocracla das terras era a ãliada natural da nova banco-
cracia, da alta finança que acabara de romper a casca do ôvo e da 
burguesia manufatureira que dependia então da proteção aduaneira. 
A burguesia inglêsa defendia seus interêsses tão acertadamente 
quanto os burgueses suecos que, ao contrário, solidários com seu 
baluarte econômico, os camponeses, apoiaram os reis na SUa re-
tomada violenta dos bens da coroa que se encontravam em mãos 
da oligarquia, luta que começou em 1604 e prosseguiu com Car-
los X e Carlos XI. 
A propriedade comij.na!, isto é, as terras comuns. ahsolut;--·'\ 
• mentê diversa da propriedade da Coroa ou do estado. da qual fala- i 
mos, era uma. velha instituição germânica. que continuou a existir ~ 
sob cobertura feudal. Conforme vimos, a violência que se a~senho­
reia das terras comuns, seguida em regra pela transformação das 
lavouras em pastagens, começa no fim do século X V e prossegue 
no século XVI, Mas, então, o processo se efetivava por meio da 
" violência individual, contra a qual ,a legislação lutou em vão du-
rante 15Q anos O progresso do século XVIII consiste em ter.Lar-
nado a própria lei o veículo do roubo das terras pertencentes ao 
.. 'po~, embora os grandes arrendatários empregassem simultânea e 
201 "A alienação ilegal dos bens da coroa, por venda ou por doação,constitui um capítulo escandaloso da história inglêsa ... uma. fraude 
gigantesca contra a nação" (F. W. Newman, "Lectures on PoliticaI 
Econ.," Londres, 1851, págs. 129 e 130,. - (Quanto a pormenores 
sÔbre a mane1rà como os atuais grandes proprietários de te.tT!!S se 
apoderaram delas, vide "Qur OId Nobllity. By Noblesse ObJ.ige". de [N. H. Evansl, Londres, 1879. - F.E.) 
202 Vide. por exemplo, o panfleto de E. Burke sôbre a c8sa. duca.l 
de BE'dford. Seu descendente é Lorei .Iohn Russell, "o cha.pim (tomt1t) 
do liberalismo". 
840 
.independentemente seus pequenos métodos particulares.20!\ O roubo 
assume a forma parlamentar que lhe dão as leis relativas ao cerca-
o mento das terras comuns, ou melhor, os decretos com que os se-
\. nhores das terras se presenteiam com os bens que pertencem ao 
povo, tornando-Os sua propriedade particular, decretos de expro-
priação do povo. Sir F. M. Eden se contradiz, em sua cavilosa 
argumentação jurídica: configura na propriedade comunal a pro-
priedade privada dos lordes latifundiários sucessores dos lordes feu-
dais, e, ao mesmo tempo, pleiteia "lei geral do Parlamento para 
,cercar as terras comuns". admitindo, portanto, ser necessário um 
golpe parlamentar para transformá-las em propriedade privada. E 
continua a contradizer-se, ao oedir ao legislador uma indenização 
para os pobres expropriado~ 
9s yeqmen, os abastados camponeses independentes, joram 
substituídos por pequenos arrendatários, com contratos anualmen-
.. te rescindíveis, gente servil, dependente do arbítrio do grande pro-
prietário. Demais, o roubo sistemático das terras comuns, aliado 
ao furto das terras da Coroa, contribuiu para aumentar aquêles 
grandes arrendamentos, chamados. no século XVIII, de fazendas 
ge capital205 ou fazendas comerciais,2fl6 e que tornavam a popula-
ção agrícola disponível para a indústria. 
O século XVIII não reconhecia ainda, na mesma extensão 
.. que o XIX, a identidade entre riqueza nacional e pobreza do povo. 
Daí as polêmicas mais violentas na literatura econômica daquela 
época sôbre "o cercamento das terras comuns", Do abundante ma-
terial disponível sôbre a matéria apresento algumas passagens que 
proporcionam uma impressão viva do que aconteceu. 
2«! "Os arrendatários profuem aos que moram na área. arrendada. 
manterem em suas habitações qualquer ser vivo além dêles, sob o 
pretexto de que, se êsses moradores tiverem gado ou aves, irão cevá-
los com alimento furtado do celeiro. Os. arrenda.tários . dizem que 08-
moradores têm de ser pobres para trábalhar ativamente. A verdade. 
·eritretanto. é que os arrendatários usurpam. por ésse modo, todos 08-
direitos que os trabalhadores têm às terras comuns" (UA Political En-
quiry roto the Conse4uences of enclosing Wllste Lands" , Londres, 
1785, p. 75). 
@Eden, 1. C., Prefácio, [págs. XVII e XIX]. 
205 "Capital farms." (UTwo Letters on the F10ur Trade a.nd the 
Dearness of Corn. By a Persan 1n Business", Londres. 1767, pâ.gs. 
19 e 20>-
20e ''Merchant-farms''. ("An Inqu1ry into the Present High Priceil 
of Provisions", Londres, 176'7, p. m, Nota). Essa obra excelente. que 
apareceu anOnimamente, é da autoria do Rev. Nathaniel Forster. 
841 
"Em muitas paróquias de Hertfordshire", escreve uma tes-
temunha indignada, "24 arrendamentos, cada um com 50 a 1!50 
acres em média, foram fundidos em 3 apenas". Em Northanip-
tonsbire e Lincolnshire, cercaram as terras comuns na mais am-
pla escala e a maior parte dos novos senhorios daí surgidos estão 
transformados em pasta.gens; por isso, muitos senhorios não têm 
50 acres arados onde existiam antes 1 500... Ruínas' de antigas 
habitações, celeiros, estábulos etc." são os únicos vestígios dos 
antigos habitantes. "Em muitos lugares, centenas de casas e fa-
mílias foram reduzidas... a 8 ou 10... Os proprietários das ter-
ras, na maioria das paróquias onde o cercamento foi introduzido 
há 15 ou 20 anos. são hoje em número bem menor em relação aos 
que existiam antes. Não é raro ver 4 ou 5 ricos criadores que re-
centemente usurparam e cercaram terras que se encontravam em 
mãos de 20 a 30 lavradores arrendatários e outros tantos peque-
nos proprietários e colonos. !sses lavradores e suas famílias fo-
ram enxotados dos bens imóveis que possuíam, juntam~ com 
muitas outras famílias que empregavam e mantinham'~ 
o lorde latifundiário vizinho, sob o pretexto de cercamento. 
• não anexava apenas a terra inculta, ma~ muitas vêzes a cultivada 
em comum ou mediante arrendamento à comunidade. 
"Falo aqui do cercamento dos campos e terras abertos que já 
estão cultivados. Até os defensores do cercamento admitem, nes-
se caso, que êle uumenta o monopólio das terras, eleva os preços 
dos meios de subsi~ttlncia e produz o despovoamento... e mes-
mo o cercumento de terras incultas, como atualmente se pratica, 
rouba aos pobres parte de seus meios de subsistência e amplia as 
áreas arrendadas que já são grandes demais'~ "Se", diz dou-
tor Price, "tõdas as terras caírem nas mãos de alguns poucos gran-
.. des arrendatários, os pequenos lavradores" Çsegundo êle os defi-
ne, "uma multidão de pequenos proprietários e arrendatários que 
~Oi Thomas Wrlght, "A short address to the Public on the Mono-
poly of la.rge farms," 1779, págs. 2 e 3. 
~ Rev. Addington, "Enqulry into the Rea.sons for or against en-
closing open fields", Londres, 1772, págs. 37 a 43 passlm. 
~ Dr. R. Price, I. c., v. lI, págs. 155 e 156. Veja Forster, Adding-
ton, Kent, Pl'ice E' James Anderson, e compare o que escrevem com 
a pobre tagarelice do sicofanta MacCulloch em seu catálogo "Thc 
Llterature of Polítlcal Economy", Londres. 1845. 
842 
, . 
se mantêm e sustentam suas {amilias com o produto da terra qu," 
,cultivam, com as ovelhas, aves, parcos etc. que criam nas terras 
"comuns, precisando poucas vêzes de comprar meios de subsistên-
cia") "serão transformados em pessoas que terão de ganhar a vi-
,da trabalhando para os outros e forçadas a ir ao mercado para 
.. comprar tudo de que precisam ... Haverá talvez mais trabalho, 
pois a coação será maior... Aumentarão as cidades e as manu-
faturas, pois mais gente afluirá para elas procurando emprêgo. 
il:ste é o sentido em que o açambarcamento das terras naturalmen-
te atu~ em que, há muitos anos, tem realmente atuado neste reino'~ .-f!, 
Resumindo os efeitos do cercamento, diz êle: 
"De modo geral, a situação das classes inferiores do poyo... 
piorou em todos os sentidos: os pequenos proprietários de terra 
e os pequenos arrendatários foram rebai.xados à condição de jor-
naleiros e assalariados, e, ao mesmo tempo,~ tomou mais difícil 
para êles ganharem a vida nessa situação'~ .. 
A usurpação das terras comuns e a revolução agrícola que a 
acompanha agravaram de tal modo a situação do trabalhador agrí· 
~ L. C.; págs. 14'7 e 148. ~ L. C., págs. 159 e 160. ,Lembra a velha. Roma. "Os ricos tinham 
..se apossado das telTas comuns. Confiando nas circunstâncias do 
'. tempo, achavam que elas não lhes seriam retomadas, e por isso com-
~V'IIim os lotes dos pobres nas proximidades, empregando a persua.-
são' ou a violência. Dêsse modo, transformaram suas propriedades 
em vastos domínios. Precisavam então de escra.vos para a lavoura 
e para a pecuária, pois as pessoas livres foram retiradas do trabalho 
. para o serviço militar. Trazia-lhes grande lucro a propriedade de 
';., escravos, pois êstes, isentos do serviço militar, podiam se multiplicar 
,livremente, produzindo muitos filhos. Assim, os poderosos apodera-
.. ram-se de tôda a riqueza e todo o pais estava cheio de escravos. Os 
Halos, entretanto, foram sendo reduzidos, dizimados pela pobreza" 
pelos tributos e pela gue.rra. Nas épocas de paz eram condenados à 
completa inatividade, pois a posse das terras estava com os ricos 
e êstes não pl'ecisavam para a agricultura, de pessoas livres mas de 
escravos" (Aplano, "Guerras Civis Romanas",l, 7). Essa passagem 
se refere ao tempo que precedeu a lei licinia. O serviço militar que 
tanto acelero", a decadência da plebe romana, foi o principal meio 
utilizado por Carlos Magno para ,transformar os livres campones~ 
germânicos' em servos e vassalQIL. 
843 
cola que, segundo o pr6prio Eden, seu salário, entre 1765 e 1780, 
começou a cair abaixo do mínimo e a ser complementado pela 
assistência oficial aos indigentes. Seu salário, diz êle, "bastava ape-
nas para as necessidades absolutamente indispensáveis:. 
Ouçamos ainda um defensor do sistema de cercamento e 
adversário de doutor Price. 
"Não é licito concluir que exista o despovoamento por não 
haver mais gente trabalhando em campos abertos,.. Quando os 
pequenos lavradores se transformam em pessoas que têm de tra-
balhar para os outros, mobiliza-se mais trabalho, uma vantagem 
que a nação'~ (à qual naturalmente não pertencem aquêles lavra-
dores) "86 pode receber com agrado. ,. O produto é maior quan-
do o traba1ho conjunto dêles se emprega num s6 arrendamento. 
Forma-se assim produto excedente para as manufaturas, toman-
do-se estas uma das minas de ouro dêste país, expandindo-se na 
proporção da quantidade produzida de cereais".212 
A serenidade estóica com que o economista político presen-
cia as violações mais cínicas do "sagrado direito de propriedade" 
e as violências mais contundentes contra as pessoas, desde que 
necessárias para estabelecer as bases do modo capitalista de pro-
.ducão, encontramos configurada, por exemplo, no conservador e 
filantropo Sir F. M. Eden. Tôda a série de rapinas. horrores e 
tormentos do povo, que ' acompanham as expropriações violentas 
do último têrço do, século XV aos fins do século xvm servem 
apenas para levá-lo a essa "reconfortante" reflexão final: 
"A proporção adequada entre as terras de lavoura e as de 
pastagem tinha de ser estabelecida. Ainda no decurso do século 
XIV e na maior parte do século XV, havia 1 acre de pastagem 
para 2, 3 e até 4 acres de terras de lavoura. Em meados do século 
21~ [J. Arbuthnotl "An Inquiry fito the Connection between the 
present Prices of Provisions etc.", pá.gs. 124 e 129. O~rvação se-
melhante, mas de tendência oposta: "Os trabalhadores são expulsos 
de suas habitaçõe.s e forçados a procurar oeupação nas cidades; mas. 
obtém -se, então,' um excedente maior, aumentando assim o capital" 
e[R. B. See1ey, 1 "The PerUs of the Nation", 2." ed .• Londres. 1843. 
p. XIV). 
844 
XVI a proporção mudou. havendo i acres de pastagem para ·2 dt' 
tImu de laVoura; mais tarde. 2 acres de pastagem para 1 acre 
de terra de lavoura, até que fmaImente se fixou a justa propor-
ção de 3 ~ para 1", 
No século XIX. perdeu-se naturalmente a lembrança da 00-
• nexão que existia entre agricultura e tem. comUDal. Para não falar 
de tempos mais próximos, perguntariamos que indeDizaçio recebeu 
a popuIaçio dos campos quando, entre 1810 e 1831, foi espoliada 
• em 3. S 11 .770 acres de terras comUIIS, com os quais, através do 
'Parlamento. os landIords presentearam os laDdJ.ords? 
[p último srande ~- de expropri~o dos camponeses é 
finalmente a chamada limpeza das propriê adêS, a qual consiste 
em varrer destas os sares hWlWlOSJTodos os métodos ingleses até 
agora observados culminaram nessa "limpeza". Conforme vimos 
anteriormente, ~ descrever as condições modernas em que não 
há mais campóneses independentes para enxotar, a limpeza pros-
SCiJUe para demolir as choupanas, de mod~ que os trabalhadores 
agrícolas não encontram mais na terra que lavram o espaço ne-
cessário para sua propria babitação.~Mas li "limpeza das proprie-
dades", no seu verdadeiro sentido, vamos encontrar mesmo 'Da re-
gião dileta da literatura novelesca moderna, a Esc6cia serrana. A 
operação l_á. se destaca pelo caráter sistemático, pela magnitude 
da escala em que se executa de um só golpe (na Irlanda, houve 
proprietários que demoliram várias aldeias ao mesmo tempo:' na 
Esc~ia, houve casos de áreas do tamanho de ducados alemães), 
e finalmente pela forma peculiar da propriedade que é usurpada. 
Os celtas da região montanhosa da Escócia estão organizados 
em clãs, cada um dêles proprietário do solo que ocupa. O represen-
tante do clã, seu chefe ou "grande homem", era apenas o proprie· 
. tário titular· dêsse solo, como a Rainha da Inglaterra é a proprie-
tária titular de todo o território inglês. Quando o govêrno inglês 
conseguiu acabar com as guerras internas dêsses "grandes homens" 
e com suas incursões contínuas às planícies da Baixa Escócia, não 
renunciaramêles ao velho ofício de bandoleiro; mudaram apenas 
a forma. Por conta própria, transformaram seu direito ntularao_. 
solQ e~ direito d.ULo..p.rledª-º~...,Pri.vada. e, como encontrassem re· 
sistência--iiõSlile"mbros do clã, resolveram enxotá-los com o em 
prêgo direto da violência. 
.'<45 
"Um rei da Inglaterra poderia. com o mesmo direito, 
pretender lançar seus súditos ao mar", 
diz professor Newman.:l1:l Essa revolução. que começou na Escócia 
depois do último levante dos partidários do pretendente à Coroa 
da Inglaterra, pode ser acompanhada em suas primeiras fases, atra-
vés de Sir James Steuart!!14 e James Anderson.!!lr. No século XVIII, 
foi proibida a emigração dos gaélicos expulsos de suas terras, a fim 
de tangê-los compulsoriamente para GIasgow e para outras cidades 
industriais,216 Para ilustrar o método dominante do século XIX217 
basta citar as "limpezas" levadas a cabo pela duquesa de Suther-
land. Econômicamente instruída, resolveu. ao assumir a direção 
de seus domínios, empreender uma cura radical, transformando 
213 "A kl.ng of England mlght as well clalm to drive 1ús subjeets 
lnto the sea." (F. W. Newman, 1. C., p. 132). 
214 Diz Steuart: "A renda dp.8SaS terras" (confunde, errOneamente 
essa categoria econõmica com o tributo que os taksmen, os vassalos. 
pagam ao chefe do clã) Ué insignificante em relação a sua extensão. 
Mas, se comparamos o número de pessoas alimentadas pela terra, 
veremos que uma propriedade da região montanhosa escocesa sus,. 
tenta, talvez, dez vêzes mais gente que outra do mesmo valor nas 
provincias mais férteis" (1. c., v. I, cap. XVI, pág. 104). 
216 James Anderson. "Observations on the means of exelting a 
splrit of National Industry etc. ," Edimburgo, 1m. 
216 Em 1860, pessoas violentamente expropriadas foram exportadas 
para o canadá. sob falsas promessas. uns fUgiram para as montanhas 
ou ilhas vizinhas. Foram perseguidOS pela policia, entraram em cho-
que com ela e conseguiram escapar. 
~17 "Nas terras altas da Escócia," diz' Buchanan, comentador de 
Adam Smith, Ué diàriamente subvertida a antiga situação da proprie-
dane ... O landlord. sem qualquer consideracão com os rendeiros he-
reditários" (usa errOneamente essa categoria) "arrenda. a terra ao 
que faz o maior lanço, e se êsse licitante é um inovador, introduz 
imediatamente nóvo sistema de cultura. A terra, antes coberta por 
pequenos lavradores, estava povoada na proporção do que produzia; 
no nOvo sistema de melhor cultivo e de maiores rendimentos, obtém-
se a maior produção pOl>Sfve! com a menor despesa possível e, para. 
êsse fim. são afastados os braços que se tomaram inúteis... Os 
que são enxotados da terra procuram sua subsistência IÍas' cidades 
Industriais etc." (Da.vid Buchanan, "Observations on etc. A. Smith's 
Wealth of Nations", Edimburgo, 1814, vaI. IV, p. 144. "Os grandes 
da Escócia expropriaram famílias como se fôssem erva ruim, tra-
taram aldeiaS e suas populações como indianos enraivecidos atacam 
as feras acuadas em seus refúgios ... O ser humano vale uma. pele 
de carneiro ou uma perna de carneiro ou menos ainda ... Quando 
,~46 
em pastagem de ovelhas todo o condado cuja população já fôra 
reduzida antes, por processos semelhantes, a 15.000 habitantes. 
De 1814 a 1820, êsses 15.000 habitantes, cêrca de 3.000 famí-
lias, foram sistemàticamenteenxotados e expulsos. Tôdas. as suas 
aldeias foram destruídas e reduzidas a cinzas, tôdas as suas lavou-
ras convertidas em pastagens. ~ldados britânicos intervieram para 
executar a expulsão e entraram em choque com os nativos. Uma 
velha mOrreu no meio das chamas de sua cabana.. que se recusara 
a abandonar. Assim, apossou-se essa fidalga de 794.000 acres de 
terra que pertencia ao clã, desde tempos imemoriais. Aos aborí-
gines expulsos mandou que se localizassem em 6.000 acres da orla 
mantima a 2 acres por família. &ses 6.000 acres tinham permane-
cido incultos até então, sem propOrCionar qualquer renda. Em sua 
fidalguia.. a duquesa foi ao ponto de cobrar 2 xelins e 6 pence 
de renda em média por acre, a ser paga por membros do clã, que, 
há séculos. tinham vertido seu sangue em defesa de seus nobres 
antepassados. Ela dividiu tôda a terra roubada ao clã em 29 gran-
des arrendamentos para criação de ovelhas, cada um habitado ape-
nas por uma famílià, em regra oriunda da criadagem dos arrenda-
tários ingleses. Em 1825, os 15.000 aborígines gaéticos estavam 
substituídos por 131. 000 ovelhas. Os que foram lançados na orla 
marítima procuraram viver de pesca. Transformaram-se em anfí-
bios e, na expressão de um escritor inglês, viviam uma meia vida 
constituída de duas partes, uma em água e outra em terra. 218 
. Mas a brava gente gaélica devia· pagar ainda mais caro pela 
idolatria que seu romantismo serrano votava aos "grandes homens" 
011 mongó!l 1nV'll.d1ram as provfnclas aetentrimWs da Obina, propc'}s-
lIiI!, em lIeU conselho, ·exterminar os habitantes e transformar suas 
terras em pastagens. Essa proposta foi posta em exeeuçio por muitos 
landlords ~ em suas próprias terras, contra seus pr6prios 
conterrlneoo" (George l!:ns<n', "An Inqu1ry concem1ng the Populll.tion 
oi NlI.tions", Londres, 18111, páp. 215 e. 216) . 
:hs A atwll duqul!lSa de Sutherland recebeu em Londrell, faustosa-
mente, 11. lI,utors. de "A Cabana do Pai Tomás", Harrlet Beecher 
Stowe, s. fim de expre!I!lIar sua st!npatia. pela C&WIIII dos ~vos ne-
gros da República Ame'rican:a, st!npatia. que prudentemente ocultou. 
como os d~ aristocratas, dure.nte a Guerra da. Secessão, quandO 
o coração dos nobres tnglêses pulava 11, favor dos escravocratas. 
Naquela ocasiio, expus, no "New Yorll: Tribune", as condições dOI! 
escravos de SUtherland <Carey incluiu alguns dados do meU trabalho 
em sua obra "The Slave Trade", F11adéltta, 1853, p&gs. 202 e 2(3). 
i~Um jornal escocês reproduziu meu artigo e teve de sustentar forte 
.polêmica com os sicofantas dos Sutherlands. 
847 
I ."}'"' , 
do clã. O cheiro de peixe chegou ao nariz dos grandes homens. 
F arejaram algo lucrativo atrás dêle e arrendaram a orla marítima 
aos grandes mercadores de peixe de Londres. Os gaélicos foram 
enxotados pela segunda vez.219 
Por fim, uma parte das pastagens vem a transformar-se em 
reserva de caça. Sabemos que não há verdadeiras florestas na 
Inglaterra. A caça nos parques dos grandes senhores já se tornou 
gado doméstic9, gordo como os edis londrinos. Por isso, a Esc6cia 
é o último asilo da "nobre paixão". 
"Nas terras altas da Esc6cia", diz Somers em 1848, "aumen-
taram muito as florestas de caça. 211>a De 11m lado de Gaick en-
contra-se a nova floresta de Glenfesrue e, do outro, a de Ard-
verilcie. Continuando para a frente. temos o Bleak-Mount, um 
vasto e imenso ênno, su~do recentemente. De leste para oeste, 
das vizinhanças de Aberdeen até aos penhascos de Oban, temos 
agora uma linha contínua de florestas, e, em. outras partes das 
terras altas, as novas florestas de Loch Archaig. Glengarry, Glen-
moriston etc. '" A transformação de suas terras em pastagens ... 
expulsou os gaélicos para terras estéreis. Agora. a caça começa 
a substituir a ovelha e, por isso, ~les são empurrados para uma 
miséria mais triturante ... Essas florestas de caça e o povo não 
podem coexistir. Um dos dois tem de ceder. Se os campos de 
caça crescerem, no proximo quartel do século. na mesma propor. 
ção do passado, não sobrará mais nenhum gaélico em sua terra 
natal. ~sse movimento entre o.~ propriebí.rios das terras altas de. 
corre, nuns, de moda, de mania aristocrática. de \·ã paixão pela 
caça etc .• e, noutros, do interêsse do lucro que auferem no negó-
cio de caça. Em muitos casos, é incomparàvelmente mais lucra-
tivo utilizar' uma área nas montanhas para caça do que reservá-
la para pastagem de ovelhas,.. O entusiasta que procura um 
campo de caça s6 tem um limite para a sua oferta, o tamanho 
de sua bôlsa... Impuseram-se nas terras altas sofrimentos que 
219 Pormenores Interessantes 8Ôbre o assunto encontramos em "Port. 
1'0110, New Series", de David Urquhart. - Nassau W. Sentor, em 
sua obra PÓStuma já cita.da., classifica "os métodos utllizados em 
Sutherland como uma das limpezas mais benéficas de que se tem 
memória" (1. c., Cp. 2821). . 
219& As florestas de caça da Escócia não possuem uma. única árvore, 
As ovelhas expulsas são substituídas pelos cervos nas montanhas des-
nudas que recebem então o nome de floresta de caça. Náo há. por-
tanto, nem mesmo sllvicultut'a. 
848 
, ''''''..-:::1 
não eram menos' cruéis que os impostos pelos reis oomlandos à 
Inc1aterra. Os cervos dispõem de espaços livres. enquanto os S("-
res humanos são aoossados para um circulo cada vez mais es-
treito, .. Roubam ao povo uma liberdade atrás da outra... E li' 
opressão cresce diàriamente. Expulsar e dispersar gente é· li nt 
principio inabalável dos proprietários, que o consideram uma Ilt'· 
cessidade agrícola igual à de extirpar as árvores e os arbustos 
Das florestas virgens da América e da Austrália; e a operação SE'-
gue sua l1UIlCba tranqüila como se fôsse um negócio regular" .:."':U 
220 Robert aOmenl, "Letters from the Highlanda; or, the l"amJne 01 
184.,.., !oDdreI, UMI, Na. 12 a 28 pauim. Easaa cartas apareceram 
OI'igiDalmente DO '''l'lmes'' . Os t\CODom1staa lntr1êse& ll&tura1mente 
atribufram a epidemia de fome dos pélic08, em 184'1, a sua. super-
PQPuIaçio. Em todo o caso. fies "pressionavam" a6bre a oferta de 
aUmentos. - A llinpeza. d&iI propriedades. ou a expropriaçl.o dos 
camponeses pelos nobres. Il& Alemanha, tomou-se sobretudo vigorosa. 
• Il& 'Guerra dos Trinta ADos e provocou, em 1'790, revoltas doi cam-
poneses no Eleitorado da SaxOnI&. A expropriaç§.o prevaleceu prin-
cipalmente Il& Alemanha oriental. Na maior parte das. provfnclu da 
,. Prúsata., Frecier!oo n:: ~, peJa. primeira. vez, aos camponeses 
o direito de propriedade. Depois de conquistar a SUésIa, obrigou os 
proprietários du terras a reccmatru1rem u habltaç6es, os celeiros 
etc. e a proverem 011 campem_ de pdo e tnstrwnentos qricolas. 
Precisava de soldados para o exército. e de contribuintes para. o te-
8OU1'O. A vida agradável dos camponues sob a tirania f1nanceIra de 
Frederico e sua mistura ele dellpOÜllmO, ~. e ~~daHsmo, pode 
.. infertd.a através da sepinte ~ de ~Mfrabeau~ que tanto o 
admirava: "O linho repreeenta, portanto, uma -dali' grandes riqueza.& 
do Ja.ftador na Alemanha aetentrioDal. Infelizmente para a espécie 
humana, 00Mt1tu1 apenas um recurso contra .. mWria e nio um 
meto ele bem-estar. Os impostos diretos, ali corvéiu e os aervlçer, 
compuls6r1os de tôda espécie esmagam o camponês alemio, que a.Lnda 
pap Impostos indiretos em tudo que compra ... e para completat 
sua ruíDa, não !IIe atreve a vender lIeWI produtos onde e como quer; 
nlo !IIe atreve a comprar o que preclsa nos comerciantes que podem 
lhe vender m&I.!! barato. TMu eIIIU CIWll\lIIlI o amúwIm lenta mru 
MlI!:tI%'lWlEeme. e !!em a fl:IiI,çio estarI.& 1mpolllrlblll.tado de pag&r os Im-
.~ no dia do vmclmento; ela lhe of~ uma ajuda. 
~llAmdo' dtn ama mulher, l!IeWI filhos, SUM criadu. 
eua criados e a ~. ~ d_ ajuda, que vida IIIIoCrlfica:' 
da lllml. êle! No vedo, tnl.baIha como um cond.enado, Il& lavoura e na 
colhe1t1.; vai del.tar... u S horu danoite e Immtl.-1Ie u 2 da 
manb!. para. dar conta de lIeUB tnl.bIJhos; no inverno, deveria. recupe-
rar suu f6rou com um 10D10 repou!iIO; mu. fIIltar-lhe-Wn gri.oa 
para o pio e para a. semeadura, !Ie os vendesae. para pap.r os Im-
postoIiI. 'l'erWn de flUlll!l' Isso, !IIe nio houveae uma. 1llÚda, fiar... e 
com o maior afinco. Aalm, no inverno, o camponês deitl.-se l meia-
noiw ou à 1 da manM. e levanta-se u 5 ou 6. ou deit&-se U li da 
849 
_.I, o roubo dos bens da Igreja, a alienação fraudulenta dos domí. 
niOs-do estado. a ladroeira das terras comuns e a transformação 
da propriedade feudal e do clã em propriedade privada moderna, 
• levada a cabo com terrorismo implacável, figuram entre os métodos 
idílicos da acumulação primitiva] Conquistaram o campo para a 
agricultura capitalista, incorporaram as terras ao capital e pro":" 
porcionaram à indústria das cidades a oferta necessária de pro-
, letários sem direitos. I 
noite e levanta-se às 2 da. manhã. E isso todos os dias de sua. vida, 
exceto aos domingos. l!:sse excesso de vlgilia e de trabaJhos esgota. o 
ser humano. de modo que os homens e as mulheres envelhecem no 
campo mUito mais ràpidamente do que na cidade" (Mirabeau, 1. c., 
t. m, págs. 212 e seguintes) . 
Adendo à 2.- edição. Em março de 1866, 18 anos a!)ÓS a. publica-
çio da. obra de Robert Somera citada, professor Leone Levi fêz uma 
conferência na Society of Arts s6bre a. tra.nsformação das pastagens 
de ovelhas em campos de caça. descrevendo a. desolação crescente 
das terras· altas da Escócia. DIsse êle: "O despovoamento e a trans-
formaçli.o das lavouras em meros pastos de ovinos ofereceram o meio 
mais cômodo para um rendimento sem despesas ... Tornou-se moda. 
depois, transformar os pastos em campos de caça. As ovelhas são 
expulsas pelos animais de caça. do mesmo modo que os aéres hu-
manos foram enxotados antes para dar lugar às ovelhas ... Podemos 
ir das propriedades do conde de Dalhou.sl.e em Forfarshire até Jobn 
o'Groats, sem perder de vista os campos de caça. - Em mUitos dêles 
habitam a rapôsa, o gato selvagem, a marta, a fubIha. a doninha, 
a lebre alplrul.; chegaram depois o coelho, o esquilo e o rato do 
mato. Imen.sa.s áreas que figuravam na _tfstica da Escócia como 
pastagens de excepcionais fertilidade e extensão nio são cultivadas 
nem melhoradas, estando reservadas exclusivamente para algumas 
pessoas terem o prazer da caça em perfodo curto e determinado do 
ano." 
O "Economist" de Londres, de 2 de junho de 1866, transcre.ve a 
segUinte noticia pUblicada num jornal escocês, na semana anterior: 
"Uma das melhores pastagens de ovelhas em Sutherlandshire pela 
qual se ofereceu recentemente uma renda anual de 1 200 libras es-
terlinas ao término do contrato de arrendamento, transforma-se em 
crunpo de caça." E comenta: "Manifestam-se os instintos feudais ... 
como nos tempos dos conquistadores normandos... que destrUiram 
36 aldeias para criar a Nova Floresta ... Dois milhões de acres que 
incluem algumas das terras mais férteis da Escócia se transformaram 
em áreas incultas. As pastagens naturais de Glen T1It figuravam 
entre as mais nutritivas do condado de Perto. o campo de caça de 
Ben Aulder era. a melhor pastagem do vasto distrito de Badenoch, 
uma parte da. área de, caça de Black Mount era a melhor pastagem 
escocesa para ovelhas de cara preta. Para se formar uma idéia da 
extensão dos imensos espaços êrmos destinados à. pa1x1i.o da caça. 
850 
CD 
,/ 
LEGISLAÇÃO SANGUINÁRIA CONTRA OS ExPROPRIADOS, A 
PARTIR 00 SÉCULO XV. LEIS PARA REBAIXAR os SALÁRIOS 
\~ /. Os qUe foram expulsos de suas terras com a dissolução das 
vassalagens feudais e com a expropriação intermitente e violenta, 
êsse proletariado sem direitos, não podiam ser absorvidos pela 
manufatura nascente com a mesma rapidez com que se tornavam 
disponíveis. Bruscamente arrancados das suas condições habituais 
de existência, não podiam enquadrar-se, da noite para o dia, na 
disciplina exigida pela nova situação. Muitos se transform~am em 
mendigos, ladrões, vagabundos, .em parte por inclinação... mas na 
maioria dos casas por fôrça das circunstâncias. Daí ter surgido 
• em tôda a ~uropa ocidental, na fim do século XV e no .decur~o 
çlo XVI uma legislação sanguinária contra a vadiagem. Os ances-
trais da classe trabalhadora atual foram punidos inicialmente por 
SE.' transfcrmarem em vagabundos e indigentes, transformação que 
lhes era imposta. 4A legislação os tratava como pessOas que es-
colhem propositalmente o caminho do cri~, como se dependesse 
da vontade dêles prosseguirem trabalhando nas velhas cond~ 
que não mais existiam. 
Essa legislação começou na Inglaterra, no reinado de Henri-
que VII. JZ 
Henrique VIII, lei de 1530. - Mendigos velhos e incapacita-
dos para trabãIbar têm direito a uma licença para pedir esmolas. 
Os vagabundos sadios serão flagelados e encarcerados. Serão 
amarrados atrás de um carro e açoitados até que o sangue lhes 
corra pelo corpo; em seguida prestarão juramento de voltar à sua 
terra natal ou ao lugar onde moraram nos últimos 3 anos, "para 
se porem a trabalhar" x Que ironia cruel! Essa lei é modificada, 
com acréscimos ainda mais inexoráveis, no ano 27 do reinado de 
Henrique VIII. Na primeira reincidência de vagabundagem, além 
basta verificar que abrangem uma área muito maior que todo o 
condado de Perth. Para se avaliar a perda causada à. produção do 
pais. por essa· devastação violenta. é suficiente observar que o cam-
po de caça de Ben Aulder podia alimentar 15000 ovelhas e que êle 
1 
constitui aoenas -- das reservas de caça da Escócia ... Tõda e~a 
- 30 
área de caça. é absolutamente improdutiva ... e poderia estar submer-
gida no Mar do Norte sem fazer falta. É chegada a hora de a lei 
intervir para acabar com essas áreas que se tornam propositalmente 
incultas, com êsses êrmos improvisados." 
851 
.. 
da pena de flagelacão metade da orelha será cortada; na segunda. 
o culpado será enforcado como criminoso irrecuperável e inimigo 
\ da comunidade. 
Eduardo VI. - Uma lei do primeiro ano de seu govêrno, 
1547, estabelece que, se alguém se reCUSa a trabalhar, será con-
• denado como escravo da pessoa que o tenha denunciado cOmo va-
dio. O dono deve alimentar seu escravo com pão e água, bebida~ 
fracas e restos de carne, conforme achar conveniente. Tem o di-
reito de forçá-lo a executar qualquer trabalho, por mais repugnan: 
te que seja, flagelando-o e pondo-o a ferros. Se o escravo desapare 
cer por duas semanas, será condenado à escravatura por tôda a vi-
da e será marcado a ferro, na testa e nas costas, com a letra S: 
se escapa pela terceira vez será enforcado como traidor. O dono 
pode vendê-lo, legá-lo, alugá-lo, como qualquer bem móvel ou ga·· 
do. Se o escravo tentar qualquer coisa contra seu senhor, será 
também enforcado. Os juízes de paz quando informados, devem 
prcvidenciar a busca dos velhacos. Se se verifica que um vagabundo 
está vadiando há 3 dias, será êle levado à sua terra natal, marcado 
com ferro em brasa no peito com a inicial Velá pôsto a traba-
lhar a ferros na rua ou em outros serviços. Se informar falsamen-
te o lugar de nascimento, será condenado a escravo vitalício dêsse 
lugar, dos seus habitantes ou da comunidade e marcado cOm S. 
Tôdas as pessoas têm o direito de tomar os filhos dos vagabundos 
e mantê-los como aprendizes. os rapazes até a idade de 24 anos 
e as môças até 20. Se fugirem, 10rnaNe-ão, até essa idade, escra-
vos do mestre, que pode pô-los a ferro, açoitá-los etc., conforme 
quiser. O dono pode colocar um anel de ferro no pescoço, nos 
braços ou pernas de seu escravo, para reconhecê-lo mais fàcilmen-
te e ficar mais seguro dêle. 221 A última parte da lei prevê que 
certos indigentes podem ser empregados por comunidades ou peso 
soas que tenham a intenção de lhes dar de comer e de beber e 
de arranjar-lhes trabalho. Essa espéciede escravos de paróquia 
subsistiu por muito tempo. chegando até ao século XIX, sob o no-
me de rondantes (roudsmen). 
Elizabeth, 1572. - Mendigos sem licença e com mais de 14 
ê anos serão flagelados severamente e terão suas orelhas marcadas 
221 O autor de "EEsay on Trade etc. ", 1770, observa: "No govêrno 
de Eduardo VI. os inglêses parecem ter levado a sério fomentar as 
manufaturas e empregar os pobres. É o que inferimos de uma lei 
digna de reparo, a qual prevê que todos os vagabundos devem ser 
marcados a ferro" etc. (1. c .. p. 5). 
852 
a ferro. se ninguém qt!iser tomá-los a serviço por 2 anos; em caso 
de reincidência. se têm mais de 18 anos. serão enforcados, se nin-
guém quiser tomá-los a serviço por 2 anos: na terceira velo serão 
enforcados, sem mercê. como traidores. Leis análogas_ a n.o 13 
do ano 18 do reinado de Elizabeth. e a do ano de 1597 .:!:!l a 
Jaime L - Quem perambule e mendigue será declarado vadio 
e vagabundo. Osiuízes de Daz, em suas sessões, estão autorizados 
fi a mandar açoitá-lo e encar~erá.-Io por 6 meses, na primeira vez e 
por 2 anos, na segunda. Na prisão, receberão tantas vêzes tantas 
chicotadas quantas os juízes de paz acharem adequadas... Os 
221" Thomas Morus diz em sua "Utopia", [págs. 41 e 42]: "Um 
voraz e insaciável avarento, terrível praga de sua terra natal, trama 
t' consegue apossar-se de mUhares de acres, contorna-os e fecha-os 
com eêrcas e valados, expUlsa os lavradores que os ocupavam, utili-
zando a fraude e a violência, ou os atormenta de tal modo que os 
força a lhe venderem tudo. De um modo ou de outro, por bem ou 
por mal, forçou-os a irem embora, pobres, simples e desventuradas 
Almas! Homens, mulheres, esposos, espõsas, órfãos, viúvas, mães cho-
rosas com crianças de peito, famílias Inteiras, pobres, mas numerosas, 
poiS a lavoura. exigia muitos braços. Carregando seus haveres, afas-
tam-se lenta e penosamente dos lugares conhecidos e amados, e não 
encontram adiante onde repousar. A venda de todos os seus perten-
ces, embora de pouco valor, poderia lhes proporcionar certos recursos, 
noutras circunstâncias; mas. subitamente, lançados ao ar, têm de se 
desfazer dêles a preço irrisório. E quando vagueiam depois de con-
sumir o último ceitll, que poderão fazer além de roubar le então, meu 
Devs, se.rem enforcados com tôdas as formalidades jurídicas) ou 
pedir esmolas? E se mendigarem serão lançados ao cárcere como 
vagabundos, por estarem perambulando sem tra.balhar; êles, a quem 
ninguém quer dar trabalho por mais que implorem." Dêsses sêres 
erradios compelidOS a. roubar segundo o depoimento de Thomas Morus, 
"72000 foram enforcados como ladrões grandes e pequenos no reina-
do de Henrique VIII" CHolinshed, "Description of England", v. I, 
p. 186). Na época dE Elizabeth "vagabundos foram enforcados em 
série e geralmente não havia um ano em que 300 ou 400 não fôssem 
l"!vadc·J à fõrea" (strype, "Anna1s of the Reformation and Establish-
ment of Rel1gion, and other Various Occurrences in the Church of 
England during Queen Elizabeth's Happy Reign", 2.a ed., 1725, voI. 
IT) . Ainda segundo Strype, em Some.rsetshire, num único ano, foram 
enforcadas 40 pessoas, ferreteadas 35, flageladas 37, e postos em 
liberdade 183 "criminosos incorrigíveis." Apesar disso, observa êle: 
"Esse grande número de réus não compreende nem mesmo a quinta 
parte de todos os criminosos, em virtude da negligência dos juízes 
de paz e da compaixão estúpida do povo. ,. Acrescenta: "Os demais 
condados da. Inglaterra não estão em melhor situação que Somerset-
shlre e muitos até em pior." 
853 
,. 
( 
vagabundos incorrigíveis e perigosos serão ferreteados com um R 
sôbre o ombro esquerdo e condenados a trabalhos forçados; se 
novamente forem surpreendidos mendigando, serão enforcados sem 
mercê.i}::ssas prescrições legais subsistiram até aO comêço da segun-
li> da década do século XVIII, quando f!?ram revogadas pela lei' 
n. O 23 do ano 12 do reinado de Ana.: 
Houve leis análogas na França. Nos meados do século XVII, 
estabelecera-se em Paris um reino dos vagabundos. Ainda no início 
do reinado de Luiz XVI, pela ordenança de 13 de julho de 1777, 
todo homem válido de 16 a 60 anos, sem meios de existência e 
sem exercer uma profissão, devia ser mandado para as galés. Eram 
de natureza semelhante o edito de Carlos V, de outubro de 1537, 
para os Países Baixos, o primeiro edito dos Estados e Cidades de 
Holanda, de 19 de março de 1614, e o das Provínc.ias Unidas, 
de 25 de junho de 1649 etc. 
I Assim, a população rural, expropriada e expulsa de suas ter-
ras, compelida à vagabundagem, foi enquadrada na disciplina exi· 
.1... gida pelo sistema de trabalho assalariado, por meio de um groteSco 
. terrorismo ,legalizado que empregava o açoite, o ferro em brasa e 
1'. tortura. _, '- ' 
Não basta que haja, de um lado, condições de trabalho sob a"'"'" 
forma de capital, e, do outro, sêres humanOs que nada têm para 
.. vender além de sua fôrça de trabalho. Tampouco basta forçá-los a 
se venderem livremente. Ao progredir a produção capitalista, desen-
. volve-se uma classe trabalhadora que por educação, tradição e 
.. costume aceita as exigências daquele modo de produção como leis 
'naturais evidentes. 'A organização do processo de produção capi·· 
talista, em seu pleno desenvolvimento, quebra tôda resistência, a '.' 
produção contínua de uma superpopulação relativa mantém a lei ~ . 
da oferta e da procura de trabalho e, portanto, o salário em' harmo-
nia com as necessiáades de expansão do capital, e a coação surda 
das relações econômicas consolida o domínio do capitalista sôbre 
o trabalhador. Ainda se empregará a violência direta, à margem 
das leis econômicas, mas doravante apenas em caráter excepcional. 
Para a marcha ordinária das coisas basta deixar o trabalhador 
entregue às "leis naturais da produção", isto é, à sua dependência 
do capital, a qual decorre das próprias condições de produção,. 
e é assegurada e perpetuada por essas condições. Mas. as coisas 
corriam de modo diverso durante a gên(':se histórica da produção 
capitalista .. A burguesia nascente precisava e empregava a fôrça 
do estado. para "regular" o salário. isto é. comprimi-lo dentro dor, '* 
854 
limites convenientes à produção de mais valia, para prolongar a 
jornada de trabalho e para manter o próprio trabalhador ,num . 
grau adequado de dependência. Temos aí um fator fundamental 
da chamada acumulação primitiva. 
,A classe dos, assalariados que -surgiu na segunda metade do 
,século XIV; constituía então, e ainda no século segUinte, apenas 
• fração diminuta do povo, com sua posição protegida, no campo, 
pela economia camponesa independente e, na cidade, pela organiza-
ção oorporativa. Na cidade e no campo, patrões e trabalhadores 
estavam próximos socialmente. A subordinação do trabalho ao ;capÍL- . 
" tal era apenas formal, isto é, o próprio modo de produÇão 010" 
possuia ainda carátér especlflcámente ,ca~tansta. 'A"pâ.rtevarl&vel 
• do capital predominava muito SÕbreã oonstante. Por isso, a pro-
cura de trabalho assalariado crescia rápida com tôda acumulação, 
• e era seguida lentamente pela oferta. Grande parte do produto 
nacional, à qual se transforma mais tarde em fundo de acumulação 
do capital, ainda alimentava então o fundo de consumo do traba-
lhador. 
rNa Inglaterra, começa pelo "Estatuto dos Trabalhadores" de 
Eduãrdo m, de 1349, a legislação sôbre trabalho assalariado.) a 
qual desde a origem viSa explorar o trabalhador e prossegue sêÍn-
pre hostil a êle. 222 Na França, êsse estatuto encontra seu cor-
respondente na ordenança de 1350, publicada em nome do rei .João. 
. A legislação inglêsa e a francesa seguem os mesmos rumos e aio 
idênticas em seU conteúdo. Não tratarei das disposições dessas íeis 
quando se refiram ao prolongamento compulsório do dia de traba-
lho, matéria de que já nos ocupamos no capítuloVIII, 5. 
O Estatuto dos Trabalhadores foi aprovado em virtude das 
queixas crescentes da Câmara dos Comuns. 
"Outrora", diz íngênuamente um deputado tory, "os salários 
exigidos pelos pobres eram tão altos que ameaçavam a indústria 
e a riqueza. Hoje, os salários estão tão baixos que ameaçam a 
indústria e a riqueza igualmente Ou talvez mais, embora de outro 
modo." 223 
2!!:! "Sempre que 'a legislação procura regular as diferenças entre 
patrões e trabalhadores. os conselheiros são os patrões," diz A. Smith. 
"O espirito das leis é a. propriedade," diz Linguet. 
223 [J. B. Byles,] "Sophisms of Free Trade. By a. Barr1ster", Lon-
dres, ls:50, p. 206. Mas, o deputado acrescenta. maliciosamente: Estl':' 
855 
Foi atab~lecida uma tarifa legal de salários para a cidade 
e ..ra o campo, para trabalho por peça e por diaJOs trabalhadores 
ru.ru deviam alugar-se por ano, os da cidade "no mercado livre". 
Proibiu-se, sob pena de prisão, pagar salários acima dos legais. e 
.. quem OS recebesse era punido mais severamente do que quem os 
papJllllC. Assim, o Estatuto dos Aprendizes de Elizabeth, nas se-
ções 18 e 19. impunha 10 dias de cadeia a quem pagasse salários 
acima dos legais, e 21 dias a quem os recebesse. Uma lei de 1360 
tomou as penas mais severas e autorizava o patrão a recorrer à 
coação f'1SK:a, para obter o trabalho de acôrdo com a tarifa legal. 
Foram declarados nulos de pleno direito tOOas as combinações, 
contratos. juramentos etc. pelos quais pedreiros e carpinteiros esta-
belecesretq_DOrmas comuns obrigatórias para o exercício de suas 
profissõesL A coligação de trabalhadores é considerada crime gra-
ve, desde «» século XIV até 1825, ano em que foram abolidas as 
leis contra a coligação ou associação dos trabalhado~ O espírito 
do Estatuto dos Trabalhadores de 1349 e de seus rebentos poste-
riores se patenteia na circunstância de o estado ditar um máximo 
para os salários, mas nunca um mínimo. 
Conforme sabemos, piorou muito a situação do trabalhad~?-
.. no século XVIII. Subiu muito o salário em dinheiro. mas não ) 
proporcionalmente à depreciação dêste e à correspondente eleva- J 
ção dos preços das mercadorias. O salário real portanto caiu. Não v 
obstante, continuaram em vigor as leis destinadas a rebai,xá-Io. 
juntamente com as punições de cortar orelhas e de ferretear, apli-
cadas Aqueles ."que ninguém queira tomar a seu serviço". O Estatu-
to dos Aprendizes de Elizabeth (lei n.o 3 do ano 5 do seu reinado) 
autorizava os juízes de paz a fixar certos salários e modificá-los 
de acôrdo com as estações do ano e os preços das mercadorias. 
Jaime I estendeu essa disposição aos tecelões, fiandeiros e a tôdas 
as categorias possíveis de trabalhadores,224 Jorge II submeteu tô-
das as manufaturas às leis contra a coligação de trabalhadores. 
vemos sempre prontos a interferir em defesa do empregador. E os 
I'!mpregados, não se pode fe.zer nada por êles?" 
224 De acôrdo com uma cláusula da lei n? 6 do ano 2 do reinado de 
.111.1me I, verifica-se que certos fabricantes de pano tomaram em 
!UM m.ios ditar, na qualidade de juízes de pe.z, a tarifa. oficial de 
sa.láIios a. vigorar em suas próprias oficinas. - Na. Alemanha. nota-
damente du.ra.nte a Ouerra dos Trinta Anos, eram freqüentes estatu-
tos para manter baixos os salá.rios. "Nas terras despovoadas, seus 
proprietários sentiam multo a falta de criados e trabalhadores. Froi.-
~~:~,m :,:<~. 
No período manufatureiro propriamente dito. o modo capitalis-
la de produção estaVa suficientemente forte para dispensar. por 
.. impraticáveis e supérfluas, as leis reguladoras do salário. Entretan-
to, guardaram-se as armas do velho arsenal, para o caso de ne-
cessidade, e ainda se promulgaram disposições sôbre remuneração 
do trabalho. Jorge n, no ano 8 de seu reinado, proibiu que os ofi-
ciais de alfaiataria recebessem um salário diário superior a 2 xelins 
e 7Y2 pence excetuados os casos de luto geral: Jorge IH, pela lei 
n.O 68 do ano 13 de seu reinado. transferiu a regulamentação dos 
salários dos tecelões de sêda para os juízes de paz; em 1796, eram 
n~essárias duas sentenças dos tribunais superiores para decidir se 
eram também aplicáveis aos trabalhadores não agrícolas as deter-
minações dos juízes de paz sôbre salário; em 1799. uma lei do 
Parlamento estabeleceu que o salário dos trabalhadores das minas 
na Escócia continuava a ser regulado pOr uma lei de Elizabeth e 
por duas leis escocesas de 1661 e 1671. Mas, a situação tinha mu-
" dado muito. f: o que demonstra um acontecimento inaudito na 
Câmara dos Comuns. Aí, onde há mais de 400 anos se fabricavam 
/I leis fixando o máximo que o salário em nenhuma hi~tese podia 
ultrapassar, propôs Whitbread, em 1796, um salário mínimo le-
gal para o jornaleiro agrícola. Pitt opôs-se, embora reconhecesse 
'"ser cruel a situação dos pobres". Em 1813, foram abolidas final-
• mente as leis que regulavam os salários. Eram uma anomalia ri-
dícula, uma vez que o capitalista passara a decretar nas fábricas 
sua legislação particular e recorria à taxa de assistência aos po-
bres para reduzir o salário do trabalhador agrícola ao mínimo 
blu-se aos habitantes das aldeias alugarem quartos a homens e 
mulheres solteiros. e todos êsses hóspedes deviam ser denunciados à 
autoridade e. se recusassem emprégo de criado, postos na cadeia, 
alnda que tive~sem outra atividade, como a de trabalhar a jornal na 
s~meadura para camponeses ou mesmo a de negociar com dinheiro 
e trigo (Prívilégios e. Sanções Imperiais para a Silésl.a., I, 125). Du-
rante um século inteiro, nos decretos dos principes alemães, repetem-
se queixas amargas contra a ralé perversa e petUlante que não quer 
se ajustar às condições severas que lhe são impostas nem se con-
tenta com o salário legal. l!: proibido ao proprietário da. terra pagar 
salário superior ao fixado pela tarifa do estado. Apesar disso, as 
condições de trabalho, depois da guerra, eram às vézes melhores do 
que 100 anos depois; em 1652, na Silésia, os criados recebiam carne 
duas vêzes por semana, qU:J.l1do, ainda em nosso século, havia lá 
distritos em que êles só recebiam carne três vézes ao ano. Depois da. 
guerra, o salário diário era mais alto que os dos séculos posterio-
res" (O. Freytag). 
.•. 
. ~ 
indispenSável. As disposições dos Estatutos dos Trabalhad~res. re-
lativas a contratos entre patrões e assalariados, a aviso prévio e 
matérias análogas, e que, por quebra contratual, permitem ação 
criminal contra o trabalhador em falta e apenas uma ação civil 
contra o patrão que viola o contrato, continuam a.té hoje em pIe-
oo~~ . . 
As leis cruéis contra as coligações dos trabalhadores foram 
abolidas em 1825 ante a atitude ameaçadora do proletariado. Mas, 
apenas em parte. Alguns belos resíduos dos velhos estatutos só 
desapareceram em 1859. Finalmente, a lei do Parlamento, de 29 
de junho de 1811, pretendeu eliminar os últimos vestígios dessa 
legislação de classe com o reconhecimento legal.das Trades' Unions. 
Mas uma lei do Parlamento, da mesma data (destinada a modificar 
a legislação criminal na parte relativa a violências, ameaças e 
ofensas). restabelece na .realidade a situação anterior sob nova for-
ma. Com essa escamoteação parlamentar, os meios que podem 
ser utilizados pelos trabalhadores em caso de greve ou lock-out 
(greve feita pelos fabricantes fechando todos ao mesmo tempo suas 
fábricas) foram subtraídos ao domínio do direito comum e coloca-
dos sob uma legislação penal de exceção, a ser interpretada pelos 
pr6prios fabricantes, na sua qualidade de juízes de paz. Dois anos 
antes. a mesma Câmara dos Comuns e o mesmo GÍadstone, com 
a costumeira honradez: parlamentar, tinham elaborado projeto de 
lei para abolir a legislação penal de exceção contra a classé traba-
lhadcra. Mas, não se deixou o projeto chegar à segunda leitura, 
e a coisa foi sendo protelada até que finalmente o "GrandePar-
tido Liberal". aliado aos tories, resolveu voltar-se em cheio con-
tra o mesmo proletariado que o guindou ao poder. E não satisfei-
to com essa traição, o "Grande Partido Liberal" permitiu aos juí. 
zes inglêses, eternos serviçais das classes dominantes, desenterrarem 
as leis arcaicas sôbre "conspirações" e aplicá-l.as às coligações dos 
trabalhadores. Está claro: de má vontade e pressionado pelas mas-
sas, o Parlamento inglês revogou as leis contra as greves e a~ 
JJJ'~ges' J)nions, depois de fer, durante 5 séculos, com cínico egob-
:no, sustentado a posição de uma permanente Trades' Union do, 
capitalistas contra os trabalhadores. 
Logo no comêço da tormenta revolucionária, a burguesia fran-
cesa teve a audácia de abolir o direito de associação dos trabalha 
dores, que acabara de ser conquistado. Com o decreto de I 4 de 
junho de 1191, declarou tôda coligação dos trabalhadores um 
"atentado à 'liberdade e à declaração dos direitos do homem", :l 
858 
ser punido com a multa de 500 francos e a privação dos direitos 
de cidadania por 1 ano.225 Essa lei que, por meio da coação 
policial, comprime a competição entre o capital e o trabalho den" 
tro de limites convenientes aO capital sobreviveu a revoluções e a 
mudanças de dinastias. Mesmo o regime do terror deixou-a intacta. 
Só recentemente, foi essa norma proibitiva excluída do código pe-
nal. Nada caracteriza melhor a mentalidade burguesa do que o 
pretexto dêsse golpe de estado. Le Chapelier, o relator da lei; diz 
"$Crdesejável que o salário esteja mais alto do que está atualmen-
te, a fm de que o assalariado não fique nessa dependência absoluta 
i cãusada pela privação dos meios de subsistência indispensáveis, 
! e que é quase a dependência da escravidão." Entretanto, segurado 
êle, não devem os trabalhadores ter a permissão de estabelecerem 
entendimentos entre si sôbre seus próprios interêsses. de agirem 
em comum e assim moderarem sua "dependência absoluta que é 
quase escravidão", pois sua coligação fere "a liberdade dos em-
presários. os antigos mestres corporativos" (a liberdade de man-
terem os tràbalhadores na escravidão!), e uma associação contra 
o despotismo dos ex-mestres (adivinhem!) é uma restauração das 
corporações abolidas pela constitUição francesa.226 
4. G~NESE 00 AUENDATÁRIO CAPJTAUSTA 
Vimos· como se processou a cnaçao violenta dos proletários 
sem direitos, a disciplina sanguinária que os transformou em as-
salariados, a ação grotesca e s6rdida que aumenta o grau de ex-
225 O artigo I!' dessa lei diz: "Sendo um:!. das bases !undamentllili; 
da constitu1çli.o fra.ncesa. a. eliminação de tôdas as espécies de cor-
porações da mesma. classe e profissão, fica proibido restabeled-Ia.s 
sob qualquer pretexto ou qualquer forma." O artigo 4.° declara que 
"se cidll.dãos da. mesma. profissli.o, arte ou oficio tomarem delibera-
ções, fizerem convenções, com o fim de conjuntamente se recusarem 
a. fornecer os serviços de sua indfultria ou seus trabalhos, ou de só 
fornecê-los a um preço determinado, essas deliberações e conven-
ções .. , serão declaradas inconstituciona.is, atentatórias à. liberda.de 
~ â declaração dos direitos do homem etc.,.. crimes contra o estado, 
portanto, exatamente conforme já. prescreViam os velhos estatutos 
dos trabalhadores ("Révolutions de. Paris", Paris, 1'1'91, t, m. p. 
523) • 
226 Buch'ez et RaUl:, "Hlstolre Parlementaire", t. X, p. 193 a 195, 
passim. 
859 
ploração do trabalho por métodos policiais li fim de acelerar a 
acumulação do capital, mas precisamos agora saber como se ori-
.. ginaram os capitalistas. "A expropriação da população rural cria 
• imediatamente apenas grandes proprietários de terras. Quanto à. 
origem do arrendatário, podemos por assim dizer senti-Ia com o 
tato, pois evolveu lentamente através de muitos séculos. Os pró-
prios sen'os, do mesmo modo que os pequenos proprietários li-
.. vres, tinham a posse da terra a títulos os mais diversos e por isso 
emanciparam-se sob aS condições econômicas mais diversas 
Na Inglaterra, o ponto de partida das transformações que 
culminam com o aparecimento da figura do arrendatário capitalis-
lO ta, seu germe mais primitivo, é o bailiff, ainda servo. Sua posição 
é análoga à do vitlicus da velha Roma. embora com uma esfera 
• menor de atribuições. Durante a segunda metade do século XIV, 
é substituído por um colono a quem o landlo~d fornece sementes, 
gado e instrumentos agrícolas. Sua situação não é muito diferen-
te da do camponês. Apenas explora mais trabalho assalariado. Logo 
se torna parceiro, um tipo que se parece mais com o verdadeiro 
arrendatário. O parceiro fornece uma parte do capital, o landlord 
a outra. Ambos dividem o produto total em proporção contratual-
mente estabelecida. E.~sa forma desaparece ràpidamente na Ingla-
terra. ~para dar lugar aO arrendatário propriamente dito, que pro-
cura expandir scuprÓ.orio capital empregando trabalhadores a'l-
salariados e entrega ao landlord uma parte do produto excedente, 
em dinheiro ou em produtos, como renda da terra.] 
i}lo século XV, enquanto o camponês independente e, ao seu 
lade. o trabalhador do campo trabalhando para si mesmo e por 
salário se enriquecem com seu labor, a situação do arrendatário 
e sua escala de produção permanecem num nível monotonamente 
modesto.)das, a revolução agrícola .do último têrço daquele sécUlo, 
que prossegue por todo o século XVI com exceção de suas últimas 
dé::adas, enriqueceu o arrendatário com a mesma rapidez cOm que 
empobreceu a população rural.22~ A usurpação das pastagens co-
muns etc. permitiu-lhe aumentar muito seu gado quase sem des-
pesas, ao mesmo tempo que o gado lhe fornecia maior quantidade 
de adubos para o cultivo da terra._ 
227 Em sua "Description of England" diz Harrison: "Arrendatários 
que antes tinham dificuldades em pagar uma renda. de 4 libras es-
terlinas. pagam hoje 40, 50, 100 libras esterlinas e acham que fize-
ram um mal ne.g6cio quando no fim do contrato não economizaram 
o eqUivalente a 6 ou 7 anos de renda." 
860 
1 " 
No século XVI. intervém ainda outro fator de decisiva impor-
tância. Os COntralos de arrendamento da época tinham prazo muito 
.. longo. muitas vézcs 99 anos. A depreciação contínua dos metais 
preciosos e em conseqüência do dinheiro trOUXe ao arrendatário 
.. pomos dourados. Rebaixou os salários, independentemente de tôtias 
aquelas circunstâncias que já foram examinadas. O montante de 
redução real dos salários serviu então para acrescer os lucros dos 
arrendatários. fà elevação contínua dos preços do trigo, da lã, da 
carne, enfim tíe todos os produtos agrícolas, dilatou o capital mo-
netário do arrendatário sem qualquer intervenção de sua parte, 
• enquanto a renda que tinha de pagar ao dono da terra estava 
fixada pelo valor ;monetário antigo.2:!s)Assim, enriqueceu.-se às 
• custas dos assalariados e do landlord. Não admira portanto que a 
Inglaterra possuísse nos fins do século XVI uma classe de capitalis-
tas arrendatários, ricos em face das condições da época.2~'1f 
228 Sõbre a influência da depreciação da moeda no Século XVI nu 
diversas clas.ses soc1a.1s, vide: "A CompencUous or Br!efe Examination 
of Certayne Ordinary Complaints of Diverse of our Countrymen in 
these our DayS. By W. S. Gentleman", Londres, 1581. A forma. 
dialogada dê.sse trabalho contribuiu durante multo tempo para que 
se atribuf.sse sua autor1a. a Shak:espeare e fôsse re~utado em seu 
nome, a1ncla em 1751. Seu autor é William Stafford. Num trecho 
um personagem, o cavaleiro, raciocina como segue: 
O cavaleiro: "Você, vizinho lavrador, você negociante, você com-
padre latoeiro, vocês como todos os artesãos, sabem se defender mUito 
bem. Quando as coisas sobem de preço, vocês aumentam propor-
cionalmente os preços das mercadorias e dos serviços que vendem. 
Mas nós nada temos para vender, e não podemos contrabalançar 
com. o aumentodo preço do qUe vendêssemos as maiores despesas 
com as coisas que temos ne.oessàriamente de comprar." Noutra pas-
sagem, o cavaleiro pergunta ao doutor: "Por favor, de que espécie 
de gente o senhor está falando?" - Doutor: "Refiro-me àqueles que 
.. vivem de comprar e vender, pois na. medida em que compram caro, 
também vendem caro." - O cavaleiro: "E qual é o outro grupo que, 
a seu ver, sai ganhando nesta situação?" _ O doutor; "TOdos os 
arrendatários que cultivam as terras arrendadas de acôrdo com a 
renda antiga, pois enquanto pagam esta, vendem na base da renda 
nova, isto é, a terra lhes sai barata e vendem caro tudo o que nela 
cresce ... " - O cavaleIro: "E quem, na sua opilúáo. sai perdendo 
enquanto êsses ganham?" - O doutor: "Todos os nobres, gentis-ho-
mens, e tôdas as demais pessoas que vivem de. uma renda fixa ou 
de um estipêndio, ou que não cultivam a terra ou que não exercem 
o ofíCio de comprar e vender." 
229 Na França, o regisseur, administrador e coletor dos tributos de-
vidos ao senhor feudal e que aparece nos primórdios da Idade Média, 
logo se tornl1. um homme d'affaires que se transforma em capitalista, 
861 
5. REPERCUSSÕES DA REVOLUÇÃO AGRícOLA NA INDÚSTRIA. 
FORMAÇÃO DO MERCADO INTERNO PARA O CAPITAL IN-
DUSTRIAL 
Conforme vimos, a expropriação e a expulsão da população 
rural, renovadas, intermitentes, proporcionaram à indústria urbana 
massas sempre novas de proletários inteiramente desligadQs~~_da 
esfera corporativa. Em sua história do comércio, o velho A. An-
derson (que não se deve confundir com James Anderson) vê nesse 
fato uma intervenção direta da Providência. Devemos deter-nos 
um pouco no exame dêsse fator da acumulação primitiva. O escas-
- seamento dos camponeses independentes que mantinham sua pró-
por meio de extorsões, fraudes etc. As vêzes, êsses l"CIlisseurs eram 
npbres. Exemplo: "Contas que o senhor Jacques de Thoraisse, go-
vernador do castelo de Besançon, presta ao nobre senhor que em 
D1jon administra os bens do senhor duque e conde, de Bargonha, 
contas relativas às rendas da referida castelania, de 25 de dezembro 
de 1359 até 28 de dezembro dE'. 1360" (Alpxis Monteil, "H1stoire des 
Matériaux manuscr1ts etc. ", pAgs. 234 e 0;35). A parte de leão já se 
encaminha aí Dara o intermediário, co~forme se observa em tôdas 
as e.;feras da Vida social. No domínio econômico, os agentes finan-
ceiros, os especuladores de bóIsa, os comerciantes, os vendelros tiram 
para si a melhor parte; no direito burguês, o advogado tosquia seu 
cliente; na polftica, o representante é mais imoortante que seus elei-
tores, o ministro mais que o soberano; na religião, o "mediador" põe 
Deus em segundo plano, sendo aquêle por sua vez empurrado para 
trás pelo cura, o intermediário indispensável entre o "bom pastor~ 
e suas ovelhaS. Na França, como sucedeu na Inglaterra, os grandes 
territórios feudais foram repartidos em inúmeras pequenas explo-
rações agncolas, mas em condições incomparàveJmente mais desfa-
voráveis para a população rural. No século XIV, apareceram os ar-
rendamentos ou terrlers. Seu número aumentou continuamente, indo 
muito além de 100000, Pagavam em dinhe,iro ou em produtos uma 
1 1 
renda. que variava de -- a -- da produção. Os terriers ou arreI!-
12 fi 
damentos eram divisões e subdivisões de feudos etc., havendo muit.os 
que, de acôrdo com o valor e a extensão do domínio, continh::tm 
apenas poucos arpents.I Todos êsses terriers possuíam um grau qual-
quer de jurisdIção sôbre a população; havia quatro graus. Compreen-
de-se a opressão em que vivia o. população rural sob o domínio de 
tantos tlranetes. Montei! diz que havia, então. na França, 160000 
jurisdições, onde hoje bastam 4000 jurlsdições inclusive as dos juizes 
de paz. 
I Arpent, antiga. medida agrária francesa cUjo valor variava, con-
forme a. região, de 50 a 51 ares. 
862 
',!,-
pria cultura correspondia ao adensamento do proletariado indus-
trial, do mesmo modo que, segundo Geoffroy Saint-Hilaire, a con-
'yensação da matéria num ponto explica sua rarefação noutro.230 
•. Apesar da diminuição de seus cultivadores, o solo proporcionava 
a mesma quantidade de produção ou maior, porque a revolução 
• no regime de propriedade territorial corria paralela com a melho-
ria dos métodos de cultura, com maior cooperação, concentração 
dos meios de produçüo etc., e porque os assalariados tinham de 
trabalhar mais intensivamente,!m dispondo de uma área cada vez 
menor em que podiam trabalhar para si mesmos:-:Parte dos habi-
tantes rurais se torna disponível e se desvincula cros meios de sub. 
sistência com que se abastecia. ~sses meios se transformam então 
em elemento material do capital variável. Os camponeses expulsos 
das lavouras têm de comprar o valor dêsses meios, sob a forma 
de salário, a seu nôvo senhor. o capitalista industrial. O que sucede 
com os meios de subsistência, ocorre com as matérias-primas que 
a agricultura indígena fornece à indústria. Elas se transformam 
em elemento do capital constante. 
Imaginemos que uma parte dos camponeses da Westfalia que, 
no tempo de Frederico lI, fiavam todo o linho que produziam. 
fôsse violentamente expropriada e expulsa de suas terras, sendo os 
restantes que lá ficassem transformados em íornaleiros de grandes 
arrendatários. Suponhamos ainda que se construam grandes fia. 
ções e tecelagens. onde êsses expropriados passem a trabalhar como 
assalariados. O linho não mudou materialmente em nada. Não se 
modificou nenhuma de suas fibras, mas uma nova alma social en. 
IfOU no seu corpo. Constitui agora parte do capital constante do 
patrão manufatureiro, Antes. repartia-se ,entre os inumeráveis pe 
quenos produtores que o cultivavam e fiavam em pequenas por-
ções com suas famílias; agora, concentra-se nas mãos de um capi-
talista para quem outras pessoas o fiam e tecem. Antes. o traba-
lho extra despendido na fiação do linho se concretizava em ren-
dimento extra de inúmeras famílias camponesas e, no tempo de 
Frederico H. também em impostos para o rei da Prússia. Agora. 
se concretiza em lucro de alguns capitalistas. Os fusos e teares, 
antes espalhados pelos campos. estão agora reunidos em algumas 
, grandes casernas de trabalho. o mesmo ocorrendo com os trabalha-
dores e a matéria--prima. Os fusos. os teares e as matérias-prima,;; 
~"" Em suas "Notions de Philosophie Naturelle", Paris. 1838. 
~:: I Um pontà salientado por Sir James Steuart. 
fl63 
,r Iralh"'rlll:lral1l J, mC'il" dr exi,t':m:iü indepemJ,nlr de fiündei 
ro, c tccc/àe,. em meios Je comündá-/os~"~ e de extrair dêles traba-
Ih(1 nüo pago. A~ grande, manufaturas e os grandes arrendamen-
Im não mostram ú primeira vista que são uma soma de numero-
sos centres diminutos de produção. tendo sido formados pela ex-
propriação de muitos produtores pequenos e independentes_ Mas, 
a observação imparcial não se deixa enganar. Ao tempo de Mira-
beau, o leão revolucionário, as manufaturas ainda eram chamadas 
de manufactures réunies. oficinas reunidas como as terras que fó~ 
ram expropriadas. 
"Só se dá atenção", diz Mirabeau, "às grandes manufaturas, 
onde centenas de pessoas trabalham sob uma única direção, co-
mumente chamadas de manufaturas reunidas. Mas ninguém dá 
imp<1Thlllcia àquelas em que trabalham dispersos, cada um por 
suu L~mta, um número muito grandt- dto obreiros. São colocadas 
a lima distüncia infinita das manufaturas reunidas. :E: um grande 
,'rro, pois só as manufaturas individuais dispersas constituem um 
<.~)mr(}nentt- rpalmentt' importantt' da riqueza do povo... A fá-
I brieu reuniua (fahrique réunie) enriquece maravilhosamente um 
I 011 dois empresários, mas os trabalhadores não passam de jorna-I leiros, com seus pobres salários variáveis, e não participam do 
bem-estar do empresário. Na fábrica separada (fabrique sépa-
rée), ao contrário, embora ninguém se tome rico, um bom nú-
mero de trabalhadoresalcança uma boa situação... Aumenta o 
número dos industriosos e dos econômicos, pois vêem na conduta 
prudente, na atividade, um meio de melhorar substancialmente 
sua situação, e não de ganhar um pequeno aumento de salário, 
que nunca tem importância para o futuro, mas na melhor hipó-
tese capacita ao trabalhador viver um pouco melhor imediata-
mente. AI; manufaturas individuais' dispersas, geralmente conju-
gadas com uma pequena exploração agrícola, é que são as li-
vres. "238 
232 "Concedo-vos." diz o capitalista. "a honra de me servir desde 
que me deis o pouco que vos resta pelo trabalho que tenho de vos 
comandar" (J. J. Rou~seau. "Discours sur l'l!:conomie Politique.". 
f Genebra, 1760, p. 70)). 
:!:,;, Mirabeau. 1. c., p. In, págs. 20 a 109, passim. A situação de 
grande parte das manufaturas continentais naquela época explica a 
razão de Mirabeau ter consideI'ado as manufaturas separadas mais 
eco:Jómicas f" produtivas do que as "reunidas", e ter visto nesta um 
produto meramente artificial da intervenção do estado. 
864 
._--
~-A expropriação e a expulsão de uma parte da pu pu/ação rural 
libero trabalhadores, seus meios de subsistência e seus meios de 
" trabalho, em benefício do capitalista industrial; alél11 disso, cria () 
mercado internol 
Na realidade, os acontecimentos que transformam os pequenos 
lavradores em assalariados e seus meios de subsistência e meios de 
trabalho em elementos materiais do capital, criam ao m'!smo tempo 
para êste o mercado interno. Antes, a família camponesa produzia 
• 'e elaborava os meios de subsistência e matéria~-primas, que eram, 
na sua maior parte, consumidos por ela mesma. 2sses meios de 
.. subsistência e matérias-primas transformam-se agora em mercado-
rias; o arrendatário vende-as no mercado gerado !>C1as manufaturas. 
Fios, tecido de linho, panos grosseiros de lã - coisas cujas ma-
térias-primas estavam ao alcance de tôda família camponesa, fia-
.. 
das e tecidas por esta para o próprio consumo - são agora artigos 
de manufatura que encontram seu mercado exatamente nos distri-
tos rurais. A numerosa clientela antes extremamente fragmentada, 
dependente de uma quantidl:de imensa de pequenos produtores que 
trabalhavam por sua própria conta, concentra-se agora num vasto 
mercado, abastecido pelo capital industrial.234 Assim, à .expropria-
ção dos camponeses que trabalhavam antes por conta própria e 
1:0 divórcio entre êles e seus meios de produção correspondem a 
ruína da indústria doméstica rural e o processo da dissociação 
entre a manufatura e a agricultura. E só a destruição da indústria-
tloméstica rural pode proporcionar ao mercado interno de um país 
extt!n~ão' e a solidez exigidas pelo modo capitalista de produção. 
Todavia, o período manufatureiro propriamente dito não che-
ga a rcnlizar uma transformação radical. Recordemos q~e a ~a. 
nufatura só se apodera da produção nacional de maneira mUito 
fragmentária, encontrando sua base principal nos ofícios urbanos 
e na indústria doméstica rural. Quando destrói uma forma dessa 
indústria doméstica num ramo específico, em determinados luga-
~34 "Vinte libras-péso de lã imperceptivelmente transformadas pela i 
familia de um trabalhador em roupas que preenchem suas necessi- : 
dades anuais, nos intervalos de outras tarefas. não causam assombro. ' 
Mas, se a lã é levada ao mercado, encaminhada à fábrica, daí aO 
ataca.dista e depois ao -(olista, teremos grandes operações comerciais. 
e o capital nominal nelas envolvido representará Vinte vêzes o valor 
da lã ... A classe trabalhadora é explorada para manter uma popuJ.i-
ção operária miserável, lojistas e vendeiros parasitas e um sistem3. 
comercial, monetário e financeiro absolutamente fíc tício " (David 
Urquhart, 1. c., p. 120). 
865 
.~ 
res, a manufatura provoca seu renascimento em outros, pois pre-
cisa dela dentro de certos limites, para a preparação de matérias· 
primas.I'Ã manufatura produz, por isso, uma nova classe de pe-
quenos iavradores, para os quais o cultivo do 80J9 é a atividade 
acessória, sendo a principal o trabalho industrial," cujas produtos 
a ela são vendidos diretamente ou por meio dé um negociante. 
Isto é causa, mas não a principal, de um fenômeno que confunde 
o pesquisador da história inglêsa. Do último têrço do século XV 
em diante, encontra êle queixas contínuas, interrompidas apenas 
em certos intervalos, contra a crescente exploração capitalista da 
terra e a destruição progressiva dos camponeses. Por outro lado. 
essa classe camponesa reaparece constantemente, embora mais re-
duzida e em pior situaçãO.235 Causa principal: na Inglaterra ora 
predomina a produção de trigo, ora a criação de gado, em períodos 
alternados, variando com êstes a extensão da atividade rural.[ Só 
a indústria moderna, com as máquinas, proporciona a base sólida 
da agricultura capitalista, expropria radicalmente a imensa maio-
ria dos habitantes do campo e consuma a dissociação entre agri-
cultura e indústria doméstica rural cujas raízes, a fiação e a tecela-
gem. são extirpadas.236 Por isso, só ela consegue se apoderar do 
mercado interno por inteiro para o capital industrial.2S'I' 
235 O tempo de Cromwell é uma exceçio a êsse respeito. Enquanto 
durou a república, a massa do povo inglês, em tMas as suas cama.-
das, ergueu-se acima. da degradação a que fOra lançada. pelos Tudors. 
238 Tucltett sabe que a moderna indústria de li surgiu das manu.-
.. faturas. propriamente ditas e da destruição das ind11stria.s ruraiS ou 
domésticas (TUcltett, 1. c., v. I, páp. 139 a 144). "O arado, o jugo 
eram invenções dos deuses e Instrumentos de trabalho dos heróis. 
O tear, o fUso e a roca. serão por acaso de origem menos nobre? 
'Separa! a roca e o arado, o ft:'JO e o jugo, e tereis fábricas e asilos 
de Indigentes, crédito e pânico, duas nações inimigas, uma agricola 
e outra comercial" (David Urquha.rt, 1. c" p. 122). Aparece entá.o 
Carey e acusa a Inglaterra. com razão, de procurar transformar os 
demais paíSes em nações puramente agrícolas, das quais a Inglaterra 
é o fornecedor industrial, Sustenta êle que a Turqufa. foi por Isso 
arruinada. pois a Inglaterra impediu "aos proprietários e cultivado-
res do solo turco fortalecerem-se por meio da alianÇa natural entre 
o arado e o tear, o martelo e a grade ("'I'he Slave 'rrade", p. 125), 
Segundo êle, o próprio Urquhart é um dos principais agentes da ruí-
na da. Turquia., onde fêz propaganda do livre-cambiamo para servir 
aos interêsses da Inglaterra.. O melhor é que Carey, aliás um grande 
russófilo, quer impedir com o sistema de proteção aduaneira o pro-
cesso de dissociação, que o sistema protecionista. acelera.. 
237 Os filantropos da economia inglêsa, como MiIl, Rogers. Goldwin 
Smith e Fawcett, e os fabricantes liberais, como John Bright e com-
866 
6. G~NI'!SE DO CAPITALISTA INDUSTRIAL 
A gênese do capitalista' industrial238 (~o se processou de ma-
neira gradativa como a do arrendatário. Sem"dúvida, certo níiInero 
de mestres de corporações, número maior de artesãos independen-
tes e, ainda, assalariados se transformaram em capitalistas rudimen-
tares e, através da exploração progressivamente mais ampliada do 
trabalho assalariado e da correspondente acumulação, chegam a 
assumir realmente a figura do capitalista. Na infância da produção 
capitalista, as coisas se passaram, muitas vêzes, como nos primór. 
dios das cidades medievais, onde a classificação das foragidos da 
gleba em mestres e criados era decidida em grande parte pelo 
tempo decorrido após a fuga. A marcha lenta do período infantil 
do capitalismo não se coadunava com as necessidades do nôvo 
mercado mundial criado pelas grandes descobertas dos fins do 
século XV. A Idade Média fornecera duas formas de capital que 
• amadurecem nas mais diferentes formações econõmico-sociais e 
foram as que emergiram como capital antes de despontar a era 
capitalista,a saber, ~ capital usurário e o capital mercantil. ' 
"Atualmente, t6da a riqueza da sociedade vai para as mãos 
do capitalista •.. ~le paga a renda da terra ao proprietário, o sa-
lário ao trabalhador, os tributos ao coletor de impostos e de dí-
zimos e guarda para si mesmo grande parte do produto anual 
do trabalho, na reatidade a parte maior que aumenta cada dia. 
Hoje, pode-se dizer que o capitalista é quem primeiro se apro-
pria de tôda li riqueza social, embora nenhuma lei lhe tenha con-
cedido ê5se direito. " Essa mudança na propriedade ocorreu em 
panhia, lembram Deus interrOgando Cairo a respeito do irmão Abel 
desaparecido, ao perguntarEm aos aristocratas inglêses, donOs daa 
terras, para onde foram os milhares de freeholders (proprietáriO!!! de 
s16dio) que existiam antigamente. Seria. melhor que êsses filantro-
pos e liberais perguntassem a 51 mesmos de onde é que vieram, &e-
não da destruição daqueles freeholders, e que fôssem mais adiante, 
procurando saber para onde foram os tecelões, fiandefros e artesãos 
independentes . 
238 Industrial aqUi se opõe a agricola. Mas, o arrendatário agricola 
.. se inclui na categoria de capitalista industi:'ial, do mesmo modo que 
o fabricante. 
867 
virtude da cobrança de juros s&re o capital~ .. e admira que os 
legisladores de tóda a Europa tenham procurado impedir Isso por 
meio de leis contra a usura... O poder do capitalista sabre t6da 
a riqueza do país significa uma revolução completa DO direito de 
propriedade; mas, por que lei ou por que série de leis foi ela 
efetivada?" 239 
o autor deveria ter visto que revoluções não se fazem com 
leis. 
rã capital dinheiro formado por meio da USUfa e do comércio 
li era 1inpedido de se transformar em capital industrial pelo sistema 
feudal no campo e pela organizaçio corporativa na cidade~1jsses 
entraves caíram com a dissolução das vassalagens feuda1i, com a 
expropriação e a ex.pulsão parcial das pOpUlações rurais':} As novas 
manufaturas instalaram-se nos portos marítimos ligados' ao comér-
cio de exporta.çl.o ou em pontos do interior do país fora do contrale 
do velho sistema urbano e da organização corporativa. Verificou-
se, então, na Inglaterra, uma luta exasperada entre as cidades 
corV9rativas e êsses novos centros manufatureiros. 
.fts descobertas de ouro e de prata na América, o extermínio, 
a escravização das populações indígenas, forçadas a trabalhar no 
., interior das minas, o inicio da conquista e pilhagem das lndias 
Orientais e a transformação da África num vasto campo de caça-
da lucrativa são os acontecimentos que marcam os albores da era 
• da produção capitalistaJ:esses ~Jdllicos ~º- .. fª~~_hfu.:n­
damcntais da acumul~o _primitiva. Logo segue a guerra comer-
Cial entre âS naÇões emc;Péias, tendo o mundo por palco. IDiciHe 
cc'm a revolução dos Países Baixos contra a Espanha, assume enor-
mes dimensões com a guerra antijacobina da Inglaterra, prossegue 
com a guerra do ópio contra a China etc. 
Os diferentes meios propulsores da acumulação primitiva se 
repartem numa ordem mais 01.1 mellOs cronológica DOr diferentes 
países, Espanha, Portugal, HOlanda, F~a e 
239 "The Na~ Imd Art1f1cl.al Rlghts of ~ ~". 
Londres, 18.2. páp. 98 e 911. Obra Imõmma, mas CUjo autor é 'l'h. 
Hodpk1n. 
240 Ainda. em 1"194, OS pequenos fabricantes d.e panos, da cidade de 
Leeds, mandlmlm uma delepçi.o ao Parlamento pcIn. pedir uma. lei 
que prmb1sae todo comerciante de se tnnaformar em f~te (dou-
tor ~ 1. c.). 
868 
v-r ,{ ti';' " _ ». .... ~ ,J :: I ') ~ (~y : '1 ._~ r,,, ~ 
terra. Na Inglaterra, nos fins' do ~culo XVII, são coordenados 
-1través de vários sistemas: o colonial, o das díVldas '-ptiblic~_o, __ 
• mcderno regime tributário e o protecionismo. f:sses métOdos S~ 
baseiam em parte na violência màis brutal, como é o caso do 
sistema COlonial. Mas, todos êles utilizavam o poder do estado, a 
fôrça concentrada e organizada da sociedade para ativar artificial. 
mente o processo de transformação do modo feudal de produção 
00 modo capitalista, abreviando assim as etapas de transição. A 
força é o parteiro de tôda SOCiedade velha que traz uma nova em 
suas entranhas. Ela mesma é- uma potência econômica. 
A propósito do sistema colonial cristão, diz W. Howitt, que 
se especializou em cristianismo: 
"As barbaridades e as implacáveis atrocidades praticadas p{'_ 
Jas chamadas nações cristãs, em tôdas as regiões do Inundo e con-
tra todos os povos que elas conseguem submetar, não encontram 
paralelo em nenhum período da história universal, em nenhuma 
raça, por mais feroz, ignorante, cruel e cínica que se tenha T{'-
-velado. "241 
A história da colonização holandesa, e a Holanda foi a na-
ção capitalista modelar do século XVII, "desenrola aos nossos olhos 
Um quadro insuperável de traições, corrupções, massacres e vile-
zas. "242 Caracteriza bem essa colonização o sistema de roubo de 
sêres humanos em Célebes, a fim de prover Java com escravos. 
Os raptores eram treinados para essa profissão. O raptor, o intér-
prete e o vendedor eram os agentes principais dêsse comércio. 
sendo os prínCipes nativos os. principais vendedores. Os menino~ 
raptados eram escondidos nas cadeias secretas de Célebes até q U~ 
241 William Howitt. "Colonlzatíon and Chrlstianity. A Popular His-
tory of the Treatment of the Nat1ves by the Europeans in aI! theír 
Colonies", Londres, 1838, p. 9. Encontra-se uma boa comollação sóbre 
o tratamento dado aOs escravos, em Charles Comte, "Tralté de la 
Législation". 2.- ed., Bruxelas, 1837. Temos de {'studá-Ia detidamen_ 
te, para ver o que o burguês faz de .si mpsmo e do trabalhador, 
Quando fica à sua vontade para mOdelar o mundo li. sua imagem e semelhança. 
"I" "The History of Java". Londres, 1817, rv. n, Págs. CXC e CXCIJ. 
por Thomas Stamford Raffles, mais tarde gOVernador des~.a ilha. 
869 
estivessem na idade de serem expedidos para os navios de escra-
vos. Diz um relatório oficial: 
"Só a cidade de Macassar, por exemplo, está cheia de pri-
sões secretas, uma mais horrenda que a outra, entulhadas de mi-
seráveis, vítimas da cupidez e da tirania, postos a ferros, violen-
tamente arrancados de suas famílias". 
Para se apoderar de Malaca, os holandeses subornaram o go-
vernador portu~uês que, em 1641, os deixou entrar na cidade. 
Correram logo a sua casa, assassinaram-no, a fim de "se absterem 
de lhe pagar a soma do subômo, 21.875 libras esterlinas. Onde 
punham o pé, vinham a devastação e o despovoamento. Banjuwangi, 
província de Java, tinha, em 1750, 80.000 habitantes e, em 1811,'" 
apenas 8. 000. ~te era o doce comércio. 
A Companhia Inglêsa das índias Orientais, como se sabe, obte". 
ve, além do poder político na índia, o monopólio exclusivo do \, /' 
" comércio de chá, do comércio chinês em geral e do transporte de \ .. 
mercadorias da Europa e para a Europa. Mas, a navegação cos- . 
teira da índia e entre as ilhas, o comércio do interior da índia.· 
se tornaram monopólio dos .altos funcionários da companhia. Os 
li monopólios de sal, ópio, ,.!>éter. e de outras mercadorias eram minas 
inesgotáveis de enriquecimento. Os pr6prios funcionários fixavam 
os preços e esfolavam a seu bel-prazer os infelizes hindus. O gover-
nador-geral tomava parte nesses negócios particulares. Seus favori-
a tos obtinham contratos sob condições em que, . mais sagazes que 
cs alquimistas, faziam ouro de nada.· Grandes fortunas brotavam 
num dia como cogumelos; processava-se a acumulação primitiva 
sem ser necessário desembolsar um centavo. O processo judi-
cial contra Warren Hastings está repleto dêsses exemplos. Cita-
remos apenas um caso. Certo Sullivan conseguiu um contrato de 
ópio no momento em que tinha de viajar em função oficial para 
uma parte da lndia muito afastada das zon~ onde se produz a 
mercadoria. Sullivan vende seu contrato por 40.000 libras esterli-
nas a Binn, êste transfere-o no mesmodia por 60.000 libras e o 
último cessionário e executor do contrato declara que ainda con-
seguiu um lucro descomunal. Segundo uma lista apresentada aO 
Parlamento, a Companhia e seus funcionários, de 1757 a 1766, 
conseguiram que os hindus lhes presenteassem 6 milhões de libras 
87() 
esterlinasl 13ntre 1769 e 1770, os inglêses fabricaram na lndia uma 
epidemia de fome, açambarcando todo o arroz e retardando de 
pois sua. venda, de modo a obter preços fabulosos. 243 
O tratamento que se dava aos nativos era naturalmente mais 
terrível nas plantações destinadas apenas aO comércio de exporta-
ção, como as das lndias Ocidentais, e nos países ricos e densamen-
te povoados, entregues à matança· e à pilhagem, como México e 
índias Orientais. Todavia, mesmo nas colônias propriamente ditas, 
não se desmentia o espírito cristão da acumulação primitiva. Aquê-
les protestantes virtuosos e austeros,os.puritanos d~.Noyl'l.lngla.-
·.lerra, estabeleceram, em 1703, por deliberação de . sua assembléia, 
prêmio de 40 libras esterlinas por cada escalpo. ~.~. j>elc;::.vermelha 
.:.Qu por çaqa pele-vermelha feito prisioneiro;. em 1720, Um prêmio 
. ~e 100 libras por cada escalpo; em 1744, depois de Massachuseus .. 
Bay ter declarado certa tribo em rebelião, os seguin~es preços: 
100 libras de nova cunhagem por escalpo masculino, de 12 anos 
ou mais; 105 libras por homem capturado e 50 libras por mulher 
ou criança capturada; por escalpo de mulheres ou de crianças. 50 
libras! Algumas décadas mais tarde, o sistema colonial descarregou 
sua ferocidade sõbre os descendentes dêsses piedosos colonizadores. 
os Pilgrim Fathers. Instigados e pagos pelos inglêses. os índios 
empenhavam-se em matá-los com seus machados de guerra. O Par-
lamento inglês considerou o cão policial e o escalpo. "meios que 
Deus e a natureza puseram em suas mãos." 
O sistema colonial. fêz prosperar o comércio e a navegação;'. 
• ~~.Qciedade.sJ:lotadas demonopQlio, de que já falava lutero,_er~; '} 
eoderosas alavancas de conc€:!ntI:ação....d'LÇ~pi.tªl. As colônias as-··· 
.. seguravam mercado às manufaturas em expansão e. graças ao mo-
nopólio, uma acumulação acelerada. As riquezas apresadas fOra 
da Europa pela pilhagem, escravização e massacre refluíam para 
a metrópole onde se transformavam em capital. Â __ !:!ol.an4a._qgç..l pe~1iOOeira.vez, desenvolveu plenamente o sistema colonial atin-
grr.aJ...?ml648, o apogeu de sua grandeza comercial. Tinha então· 
"a posse quase exclusiva do comercIO das índias Orientais <-
do intercâmbio entre o sudoeste e o nordeste da Europa. Sua in. 
243 Em 1866, morreram de fome mais de um milhão de hindus numa 
única. provincia, R de OmsR. Não obstante, procurou-se enriquecer 
o erário com os preços R que se vendiam os gêneros à. gente faminta. 
871 
" 
.. ,. - , 
'"" 
dústria de pesca, a marinha e as manufaturas ultrapassavam as 
de qualquer outro pais. Os capitais da república holandesa eram 
talvez superiores aos de tôda a Europa reunidos". 
\ .. :;: 
Gülich esquece de acrescentar que, em 1648, o povo holand&' ..c') 
era o mais sobrecarregado de trabalho, o mais pobre e o mais brutal~ 
mente oprimido de tôda a Europa.' 
. Hei!. .em dia, a supremacia industrial ~ a supremacia co-
~: mercialJJ.!0 periodo manufatureirt), ao contrário, é a supremacia 
comercial que proporciona o predomwo industriáQ Entio, o siste-
ma colonial desempenhava o papeLpre~~~te~, Era O' "deus 
estraDFtro" que subiu aõãr'tü' o. se encontravam os velhos 
ídolos da Europa e, um belo dia, com um empurrão, joga a todos 
êles por terra. Procl8.mÓU a produçio da mais valia último e único 
objetivo da bumanidade. 
,.,. 'º. sistema de crédito público, isto é. da dívida pública, cujas 
origens j' vamos encontrar na Idade Média, em Ganova e Veneza, 
apoderou-se de tôda a Europa durante o período manufatureiro. 
ImpuIsionava-o o sistema colonial com seu comércio I;IWinmo e 
suas guerras comerciais. O regime de dívida pública implantou-se 
primeiro na Holanda. A dívida do estado, a venda dêstC, seja êle 
despótico, constitucional ou republicano, imprime sua marca à era 
capitalista. A única parte dacha!n.ada _ riqlleZll n~~º~Lque é real-
mente objetO '~põiSê' êO~8.~oo.._povosmõdemos é... la.' diVifi' 
·púbfiéà.2Caa Por isso, a doutrina moderna . revela _coerênci~_~!Íei~ 
ao sustentar que uma nação é tanto. mais _!i~.Jl~t~L.!D~ está. 
endividada. O crédito público toma-se o credo do capital. Ir o 
pecado contra o Espírito Santo, para o qual não há perdio, é 
substituído pelo de não ter f~ na dívida pública. 
., '\ r A dívida pública converte-se numa das alavancas mais pode-
rosas da acumulação primitiva:'1 Como uma varinha de condão, ela 
dota o dinheiro de. capacidacIe criadora, transformando-o assim 
em capital, sem ser necessário que seu dono se exponha aOS abor-
recimentos e riscos das aplicações industriais e mes-
mo usurárias. Os credores do estado nada dão· na realidade, pois 
a soma emprestada converte-se em títulos de dívida pública freil-
mente transferíveis, que continuam a funcionar em suas mãos como 
243" WW!am Cobbett observa que na Inglaterra. chamam de' "~ .. 
tódu u fnstitu.lç6es ptíbllcas. mas em compensação chamam. de "na--
clonsl" a. divida. púbLica . 
872 
.se fôssem dinheiro. A dívida pública criou uma classe de capitalis-
tas ociosos, enriqueceu, de improviso, os agentes financeiros qlle 
servem de intermediários entre o govêrno e 11. nat;ã.o. As parcelas, 
de sua emissão adquiridas pelos arrematantes de impostos, coma-
" ciantes e fabricantes particulares lhes proporcionam o serviço de 
um capital caído do céu. Mas, além de tudo isso, a dívida pública 
fêz prosperar as sociedades anônimas, o comércio com os títulos 
negociáveis de tôda espécie, a agiotagem, em suma, o jôgo de bôlsa 
e a moderna banc::ocracia. . 
Desde sua origem, os grandes bancos omadOs com títulos na-
cionais não passavam de sociedades de especuladores particulares 
que cooperavam com os governos e, graças aos privilégios recebi-
dos, ficavam em condições de' adiantar-lhes dinheiro. Por isso. a 
acumulação da dívida pública tem sua mensuração mais infalível 
nas altas sucessivas das ações dêsses bancos, que se desenvolvem 
plenamente a partir da fundação do Banco da Inglaterra, em J 694. 
O Banco da Inglaterra começou emprestando seu dinheiro ao go-
vêrno a juros de 8%; ao mesmo tempo foi autorizado pelo .Par-
lamento a cunhar moedas utilizando o capital emprestado ao go_ 
vêrno. Passou então a emprestar o mesmo capital ao público sob 
a forma de bilhetes de banco, tendo sido autorizado a utilizar êsses 
bilhetes para descontar letras, emprestar com garantia de mercado-
rias e comprar metais preciosos. Não passou muito tempo para 
o banco fazer empréstimos ao estado neSSa moeda fiduciária que 
fabricava e para pagar com ela, por conta do estado, os juros da 
dívida pública. Não bastava que o banco recebesse muito mais 
do que dava; ainda recebendo, continuaVa credor eterno da nação 
até o último centavo adiantado. Progressivamente tornou-se o 
guardião inevitável dos' tesouros metálicos do país e o céntro de 
gravitação de todo o crédito comercial. Na Inglaterra, quando dei-
xaram de queimar feiticeiras, começaram a enforcar falsificad~res . 
de bilhetes de banco. Os documentos da época, notadamente os 
. escritos de Bolingbroke, põem em evidência a impressão causada 
lIÔbre seus contemporâneos por essa fauna, que aparece subitamen-
te, de bancocratas, agentes financeiros, rentiers, corretores, agiotas 
e Iôbos de bôlsaJM3b 
%43b "Se os tártaros inundassem hoje a Europa seria. muito difícil 
explicar-lhes o que é entre nós um. agente !1na.nceiro" (Montesquieu. 
"Esprit des lois", t. IV, p. 33, ed. Londres, 1769). 
873 
Com a dívida pública nasceu um sistema internacional de 
crédito, que freqüentemente dissimulava uma das fontes da acumu-
lação primitiva neste ounaquele país. Assim, as vilezas do sistema 
veneziano de rapina constituíram uma das bases ocultas dos 
abundantes capitais da Holanda, a quem Veneza decadente em-
prestou grandes somas de dinheiro. O mesmo aconteceu entre ã\ 
Holanda e a Inglaterra. Já no comêço do século XVIII. as ma-
nufaturas da Holanda tinham sido bastante ultrapassadas, e a 
Holanda cessara de ser a nação dominante no comércio e na indús-
tria. De 1701 a 1776, um de seus negócios principais é, por isso, 
emprestar epormes capitais, especialmente a seu concorrente mai!\J 
I=0deroso, a Inglaterra. Fenômeno análogo sucede hoje entre Ingla-
terra e Estados Unidos. Muito capital que aparece hoje nos Esta-
dos Unidos, sem certidão' de nascimento, era ontem, na Inglaterra, 
sangue infantil capitalizado. 
Apoiando-se a dívida pública na receita pública, que tem 
de cobrir os juros e demais pagamentos anuais, tornou-se o mo-
derno sistema tributário o complemento indispensável do sistema 
de empréstimos nacionais. Os empréstimos capacitam o govêmo 
a enfrentar despesas extraordinárias, sem recorrer imediatamente 
ao contribuinte, mas acabam levando o govêrno a aumentar pos-
teriormente c.s impostos. Por outro lado, o aumento de impostos, 
<::ausado pela acumulação de dívidas sucessivamente contraídas, 
força o govêrno a tomar novos empréstimos sempre que aparecem 
novas despesas extraordinárias. O regime fiscal moderno encontra 
seu eixo nos impostos que recaem sôbre o meios de subsistência 
mais necessários, encarecendo-os portanto, e traz em si mesmo o 
germe da progressão automática. A. tributação exceJsiv.a_ .. pãº.J_ 
_tlm incidente; é um princípio. Na Holanda onde se implantou êsse 
regfnie pela primeira vez, o grande patriota de Witt louvou-o em 
suas máximas, proclamando-o o melhor sistema para manter o 
assalariado submisso, frugal, ativo e... sobrecarregado de traba-
lho. Mas não é a influência destruidora que exerce sôbre a situa-
ção dos trabalhadores o que mais importa ao estudo do tema que 
estamos considerando, e sim a violência com que expropria o cam-
ponês. o artesão, enfim todos os componentes da classe média in-
ferior. Sôbre o assunto não há duas opiniões, nem mesmo entre 
os eccnoÍnistas burgueses. Sua eficácia expropriante é ainda for-
talecida pelo sistema protecionista, que constitui uma de suas par-
tes integrantes. 
874 
O grande papel que a dívida pública e o' correspondente re-
gime fiscal desempenham na capitalização da riqueza e na ex-
li propriação das massas levou muitos escritores, como Cobbett, 
Doubleday e outros, a procurarem erradamente nêles li causa fun-
damental da miséria dos povos modernos . 
.. ~ @ sistema protecionista era um meio artificial de fabricar 
fabricantes, de expropriar trabalhadores independentes. de capitalizar 
meios de produçio e meios de subsistência. de encurtar a transição 
do velho modo de produção para o modemo]esse invento lcriOU 
uma grande disputa entre OS estados europeus. que, uma vez colo-
cadQS a serviços dos fabricantes de mais valia. do se limitaram a 
espoliar seu próprio povo, indiretam~nte através de impostos adua-
neiros e diretamente através de premios à exportàçio etc. Nos 
países secundários deles dependentes, extirparam violentamente ta .. 
da indústria. como foi o caso por exemplo da manufatura de Jã 
irlandesa eliminada pela Inglaterra. No continente europeu o. pro-
cesso foi muito mais simplificado, de acaróo com o modêlo de 
Colbert. Aí o capital primitivo do industrial flui em parte direta-
mente do erário público, 
"Por que", pergunta 'Mirabeau, "jr tio longe procurar a cau-
sa do esplendor manufatureim da Sax6nia antes da Guerra dos 
Sete ÂnOS? 180 mi1hões de dívidas contraídas pelos IIOberanos'''2U 
O sistema colonial. a dívida pública, os impostos pesados, o 
protecionismo, as guerras comerciais etc., êsses rebentos do perío-
., do manufatureiro desenvolvem-se extraordinAriamente no período 
infantil da indústria moderna. Festeja-se o nascimento desta com 
'_/'ó grande rapto herodiano de crianças. As fábricas, como a marinha 
real, recrutam seus contingentes à fôrça. Embora indiferente aos 
horrores da expropriação da gente do campo, desde o útimo têrço 
do século XV até sua época, fins do século XVIII, embora se sen-
tisse feliz considerando êsse pr0<::es50 "necessário" para estabelecer 
a a.gricultura capitalista e "a correta proporção entre terras de la-
voura e da pastagem" - Sir F. M. Eden jánio utiliza o mesmo 
raciocínio econômico relativamente à necessidade do· roubo e da 
244 ''PotIl'qUOi &!.ler chercher ai 10m la cauáe de l'éclat msmutacturiet 
de la SUe avant la gue.rre? Cent quatre-vingt milUona de WiIttes 
flÚtes par lei souverains'" (Mirabeau, 1. c .• t. VI, p. 1(1). 
875 
escravização das crianças para transformar a exploração manufa-
tUJeira em exploração industrial e estabelecer assim a COrreta pro-
pOrção entre capital e fôrça de trabalho. Diz êle: 
":E; uma qüestão fJlle pmvàvelmente merece a consideração 
rln pílblico, a de saber se pode aumentar a soma de felicidade na-
cional e individual uma manufatura que, para funcionar com su-
cesso, precisa arrancar pobres crianças de choupanas e de asilos, 
empregá-las em turmas que se revezam durante a maior parte da 
noite, roubando-lhes o repouso indispensável e, além disso, tem 
de juntar pessoas de sexo, idade e inclinações diferentes, de tal 
maneira que o convívio com os maus exemplos impele-as neces-
sàriamente à depravação e à libertinagem". 245 "Em Derbyshire, 
Nottinghamshire e sobretudo em Lancashire", diz Fielden, "a 
maquinaria recentemente inventada foi utilizada em grandes fá-
hricas construídas à margem de correntes capazes de fazerem 
funcionar a roda hidráulica. Milhares de braços tornaram-se de 
súbito necessários nesses lugares, distantes das cidades; e Lan-
cashire, em especial, até então relativamente pouco povoada e im-
produtiva, tinha necessidade premente de uma população. Procura-
vam-se principalmente dedos pequenos e ágeis. Por isso surgiu logo 
o costume de requisitar aprendizes (!) dos diversos asilos paro-
quiais dt' pobres, em Londres, Birmingham e em outras cidades. 
Muitos, muitos milhares dêsses pequenos sêres infelizes, de 7 a 
13 ou 14 anos, foram despachados para o Norte. O costume era 
o mestre" (o ladrão de crianças.> "vesti-los, alimentá-los e alojá-
los na casa de aprendizes junto à fábrica. Foram deSignados su-
pervisores para lhes vigiar o trabalho. Era interêsse dêsses feitores 
de escravos fazerem as crianças trabalhar o máximo possível, pois 
sua remuneração era proporcional à quantidade de trabalho que 
delas podiam extrair. A conseqüência natural disso era a cruelda-
de ... Em muitos distritos industriais, especialmente Lancashire, em-
pregavam-se torturas de dilacerar o coração, contra essas crianças 
inofensivas e desamparadas, conSignadas ao dono da fábrica. Es-
gotadas por excesso de trabalho até à morte ... eram açoitadas, 
postas a ferro e torturadas com esquisitos requintes de perversi-
dade; em muitos casos ficavam à míngua de alimentos até apa-
recerem os ossos, sendo obrigadas a trabalhar a chicote... Sim, 
em alguns casos as crianças foram impelidas ao suicídio!... Os 
belos e românticos vales de Derbysnire, Nottinghamshire e Lan-
cashire, segregados ao público, converteram-se em solidões sinis-
~4:, Eden. 1. c. v. II. capo I. p. 421. 
87f1 
tra~ dtO tortura e muitas vêzes dt' morte!... Os lucros dos fabri-
mntes eram enormes, mas isto apenas aguçava-lhes a voracidade 
lupina. Começaram então a prática do trabalho noturno, reve-
zandu. sem solução de continuidade, a turma do dia pela da noi-
te; (J gnlpo diurno ia se estender nas camas ainda quentes que 
o grupo noturno acabara de deixar, e vice-versa. Todo mundo 
• diz em Lancashire q~e as camas nunca t'sfriam".246 
Com o desenvolvimento da prodUção capitalista durante o 
período manufatureiro perdeu a opiniãopública européia o que 
lhe restara de pudor e de consciência. As nações se jactavam cinica-
mente com cada ignomínia que lhe servisse para acumular capital. 
Vejamos, por exemplo, os ingênuos anais do comércio. do probo 
'A. Anderson. Aí trombeteia-se como triunfo da sabedoria política 
ter a Inglaterra, na paz de Utrecht, extorquido dos espanhóis, com 
o tratado de Asiento, o privilégio de explorar o tráfico negreiro 
entre África e América Espanhola, o qual ela realizara até então 
apenas entre África e lndias Ocidentais Inglêsas. A Inglaterra con-
seguiu a cOncessão de fornecer anualmente à América Espanhola, 
~.8 Jobn Fielden, 1. c., páp. 5 e 6. Sóbre as to~ lniciaJa do aia-
tema fabril, 'lide doutor Aikin. 1795, 1. c., p. 219, e Giabarne, "En-
quJ.ry into tbe dutie.! of men", 1795, v. Ir. - Tendo a máquina. a 
vapor transplantado as fábricas das zonas ruraia onde havia. qUedM 
d'água para. as cidades, o produtor da. maia vaUa. com seu espfrito 
de renúncia., abSteve-se de requisitar como escravos as crta.nçaa doa 
asilos, tIm1i vez que passou a ter à mio o material infantil. - Quan-
do, em uns. Sir R. Peel, pai do ministro da pla.us1bUldade, apre-
sentou seu projeto de lei de proteção à criança. F. Homer, o lúmen 
do comitê monetário e íntimo amigo de Ricardo, declarou ns. Oi-
mara. dos Comuns: "Em certa. falência, e êsse fato é público e no-
tório. uma malta.. se me permitem usa.r a palavra, de crianças de 
fábricas foi anunciada e leiloada em hasta. pública. como parte da. 
massa falida. m dois anos. em 1813. foi à Côrte Suprema. um sórdi-
do C!lIlO de meninos aue uma naroouta. de Lonfires entrega.ra. como 
anrendizes a. um fabricante e êste os trlULc;ferra a outro. Foram nor 
fim encon~dos em estAdo de comolp.ta manlcão nor neR<:oas dota,. 
das de sentimento de humanidade .. 011tro cuo. mais Sórrilrln alnt1a. 
chP"O'ou a meu conhecimento. auando membro de uma. coml.ssão nar-
lllmenta.r de inauérito. Não há muitos anos, uma. pai6quia. de Lon-
drf'S e um fabricante de Lancashire fizeram um contrato em Que se 
estlnulava que uma cT1!l.nça idiota seria Incluída. em cada lote de 
20 sadias." 
877 
até o aoo de 1743, 4.800 negros. Isto servia, aO mesmo tempu, 
para encobrir sob o manto oficial o contrabando britânico. Na 
base do tráfico negreiro. l-iverpool teve um grande crescimento. O 
tráfico constituía seu método de .acumulaçã9primítiy~.: E até hoje 
a "gente respeitável" de Liverpcol canta Ioas aO tráfico negreiro 
(vide a obra do doutor Aikin. de J 795. já citada), o qual "incen. 
tiva até à paixão o espírito de empreendimento comercial. gera 
famosos marinheiros e traz grandes fortunas". Liverpool emprega-
va 15 navios no tráfico negreiro, em 1730; 53, em 1751; 74, em 
1760; 96, em 1770, e 132. em 1792. 
A indústria algodoeira têxtil, aO introduzir a escravidão in·· 
fanti! na Inglaterra impulsionava ao mesmo tempo a transfo~ 
., ção da escravatura negra dos Estados Unidos que, antes, era mallt 
ou menos patriarcal, num sistema de exploração mercantil,. De fa-
to, a escravidão dissimulada dos assalariados na Europa precisava 
fundamentar-se na escravatura. sem rebuços, no Nôvo MundO.247 
Com tão imenso custo. estaheleceram .. se as "eternas leis na .. 
lurais" do modo capitalista de produção. completou-se o processo 
de dissociação entre trabalh3.dore~ e suas condições de trabalho, 
os meios sociais de produção e de subsistência se transformaram 
em capital, num pólo, e. no p610 oposto, a massa da população se 
ccnverteu em assalariados livres. em "pobres que trabalham", essa 
cbra .. prima da indústria moderna.~~' Se_ o dinheiro, segundo Augier, 
~H Em 1790, havia, nas índias Ocidentais InglêBas, 10 escravos par~ 
I homem livre; nas france:;:ts. 14 para 1; nas holandesas, 23 para 1 
IHenry Brougham, "An Il1qulry Into the Colonial Policy of the Eu-
rcpean Powers", Edimburgo. 1803. V. IT, p. 74). 
~{" A expressão "labouring poar" (pobres que trabalham) aparece 
na legislação inglêsa desde quando a classe dos trabalhadores assala-
riados começa a despertar ateonçáo. Os "Iabouring poor" se distin-
guem dos "jdle poor", mendigos etc., e dos trabalhadores que ainda 
não foram despojados, proprletár:os. portanto, do seu lnstrument'il 
de trabalho. Do domínio legal, a expressão "Iabourtng poor" passou 
para a economia pol!tica e foi sendo utilizada por CUlpe.per, J. Child 
etc. até A. Smith e Eden. Por ai se vê a "boa fé" 00 "execrável 
embusteiro político"~dmund Bllrl!:~, quando classifica a expressão 
"labounng poor'>dé "execrável embuste politico". l!:sse sicofa.nta, que 
a sôldo da oligarquia inglêsa ba.ncou o adverSário romântico da 
revolução francesa, do mesmo modo que, a sôldo das colônias norte~ 
americanas, no início dos tumultos que lá se desencadearam, desem-
penhou o papel de liberal contra a oligarqUia inglêsa, não passava, 
-\ de um burguês ordinário e completo: "As leis do comércio são as 
... \ leis da natureza e conseqüentemente as leis de Deus" (E. Burke, 1. 
c., )JiigS. 31 e 32). Sendo fiel às leis de Deus e da natureza. não 
·878 
"vem ao mundo com uma mancha natural de sang"Je numa de sua;; 
... faces",249 o capital, ao surgir, escorrem-ihe sangue e sujeira por 
lodos os poros, da cabeça aOs pés. 250 
7. TENOÊNCIA HISTÓRICA OA ACUMULAÇÃO CAPITALISTA 
li A que se reduz, em última análise, a acumu.la~ão primitiva, 
a origem histórica do capital? Quando não é transformação direta 
de escravos e servos em assalariados, mera mudança de forma, 
., significa apenas a expropriação dos produtores diretos. isto é, a 
dissolução da propriedade !>rivada baseada no trabalho pessoal, 
próprio. 
A propriedade privada. antítese da propriedade coletiva, so-
• dal, só existe quando o instrumental e as outras condições exter-
nas do trabalho pertencem. a particulares. Assume caráter diferen-
te conforme êsses particulares sejam trabalhadores ou não. Os ma-
.tizes inumeráveis que a propriédadc privada oferece à primeira 
vista refletem apenas os estados intermediários que existem entre 
• êsses dois extremos, a propriedade privada de trabalhadores e a 
de náo-trabalhadores. 
A propriedade privada do trabalhador sôbre os meios de pro-
.dução serve de base à pequena indústria, e esta é uma condição ne-
cessária para desenvolver-se a produção social e a livre individuali-
admira. que se vendesse pelo melhor preço do mercado! O Rev. Tu-
ker, pastor protestante e tory, homem honesto e competente econo-
mista político, apresenta. em seus escritos. um bom retra.to de Edmund 
Burke, no tempo em que. êste era paladino do liberaJ.ismo. Em face 
da vergonhosa falta de caráter que reina hoje em dia e da. devoção 
total às "leis do comércio", é necessário estigmatizar os burkes que só 
"fi se distinguem de seus sucessores por uma coisa: o talento. 
~t~ Marie Augler, "Du Crédit Public", [Paris, 1842, p. 265]. 
~,,() "O Quarterly Reviewe.r diz que o capital foge à turbUlência e à. 
cizânia, sendo tímido por natureza. Isto é apenas parte da verdade. 
O capital tem horror à auSência de lucro ou ao lucro muito pequeno, 
como a natureza tem horror ao vácuo. Com lucro adequado, o capi-
tnl cria coragem. Dez por cento certos, e fica as..ooegurado seu emprê-
go em qualquer parte; com 20%, infla-se de entusiasmo; com 50%, 
é positivamente audacioso; com 100%, calca a seus pés tôdas as leis 
humanas; com 300%, não se detém diante de nenhum crime, mesmo 
sob o risco da fôrca. Se a turbulência e a cizânia. produzem lucros, 
encorajará a ambas. Prova: contrabando e tráfico de escravos" (T. 
J. Dunning, 1. c., págs. 35 e 36) . 
879 
dade do traballwlor. Sem dúvida, encontramos essa pequena m-
dústria nos sistemas de escravatura, servidão e em outras relações 
de dependência. Mas, ela só floreSce, só desenvolve tôdas as suas 
energias, só conquista a adequada forma clássica quando o traba. 
Ihador é o proprietário livre das condições detrabalho (meios e 
objeto de trabalho)· com as quais opera, a saber, o camponês i'1 
dono da terra que cultiva, o artesão, dos instrumentos que maneja! 
com perícia. 
&se modo de produção supõe parcelamento da terra e disper-
são dos demais meios de produção. Exclui. além da concentração 
dêsses meios, a cooperação, a diVisão do trabalho .dentro do mes· 
mo processo de produção, o domínio social e o contrôle da nature-
za, o livre desenvolvimento das fôrças produtivas da sociedade. Só 
é compativel com lámitaçóes estreitas e ingênuas à produção e à 
soc:i.edade. Pretender eternizá-lo significaria, conforme a acertada 
expressio de Pec::quer, "decretar a mediocridade universal". Chega~ 
• do a certo grau de desenvolvimento, êsse modo de produção gera/, 
os meios materiais de seu próprio aniquilamento. A partir dêsse 
momento agitam-se no seio da sociedade fôrças e paixões que se 
• sentem acorrentadas por êle. Tem de ser destruído e é destruído. 
Sua destruição, a transformação dos meios de produção individual·~ 
mente dispersos em meios socialmente concentrados, da proprie-
dade minúscula de muitos na propriedade gigantesca de poucos; ) 
a expropriação da grande massa' da pOptdação, despojada de suas v 
terras, de seus meios de subsistência e de seus instrumentos de 
.. trabalho. essa temvel e difícil expropriação, constitui a pré-hist6-
ria do capital. Ela se realiza através de uma série de métodos vio-
lentos dqs quais examinamos apenas aquêles que marcaram sua 
época como processos de acumulação primitiva do capital. A ex· 
propriação do produtor direto é levada a cabo com o vandalismo 
mais implacável, sob o impulso das paixões mais infames, mais 
vis e mais mesquinhamente odiosas.(A propriedade privada, ob.tida 
com o esfôrço pessoal, baseada por assim dizer na identificação 
do trabalhador individual isolado e independente com suas condi-
ções de trabalho, é implantada pela propriedade capitalista, fun-
damentada na exploração do trabalho alheio, livre a~nas for-
IIlIlIAmente.2111 ] 
211 "Chep.mos &. uma situação inteiramente nova. na sociedade ... 
Teu4emos &. .eparar toda espécÍ! de propriedade de tMa. espécie de 
tr.aDalho" (Bismond!, "Nouveaux Princ!pes de. 11tcon. Polit. ", t. n, 
p_ 434). 
880 
J 
DesinteJfada a velha sociedade, de alto a baixo, por êsse pro-
celSO de tnmsformação, comertidos os trabalhadores em proletá-
ri~ e suas condições de trubafuo em capital, pôsto o modo capi. 
talista de produção a andlu' com seus próprios pés, passa a des-
dobrar-se outra etapa em qlle prosseguem, sob nova forma, a so-
cialização do trabalho, a conversão d~ solo e de outros meios de 
produção em meios de produção coletivamente empregados, em 
comum, e, conseqüentemente, a expropriação dos proprietários par-
ticulares. O que tem de ser expropriado agora não é mais aquêle 
• trabalhador independente e sim o capitalista que explora muitos 
trabalhadores. 
Essa expropriação se opera pela ação das leis imanentes à 
própria produção capitalista, pela centralização dos capitais. Cadi' 
• capitalista.elimina.~ui~os . outros capitalistu. Ao lado dessa cen-
tralização oU da expropriação de muitos capitalistas por poucos. 
desenvolve-se, cada vez mais, a forma cooperativa do processo de 
trabalho, a aplicação consciente da ciência ao progresso tecno· 
lógico, a exploração planejada do solo, a transformação dos meios I 
de trabalho em meios que só podem ser utilizados em comum,. ..J 
o empr!go econômico de todos os meios de produção manejados 
pelo trabalho combinado, social, o envolvimento de todos os po-
vos na rêde do mercado mundial e, com isso, o caráter internacio-
nal do regime capitalista. À medida que diminui o número dos 
• magnatas capitalistas que usurpam e monopolizam tôdas as wan-
tqettS dêsse Processo de transformação, aumentam a miséria, a 
opiessio, a escravização, a degradação, a exploraçãe; mas. cresce 
.. t1mlbém li revolta da classe trabalhadora,~ada vez. m~n~~r~.~ 
disciplinada, umida e organizada peÍo mecanismo do pr6prio pro-
Cesso capitalista de produção.[O monopólio do capital passa a eri~ 
travar o modo de produção que floresceu com êle e sob êleJ A 
centralização dos meios de produção e a socialização do trabalho 
I> alcançam um ponto em que se tomam incompatíveis com o envol-
tório capitalista. O inv61ucro rompe-se. Soa a hora fin~l da proprie-
dade particular capitalista. Os expropriadores são expropriados. 
O modo capitalista de apropriar-se dos bens, decorrente do 
modo capitalista de produção,. ou seja a propriedade privada capi-
talista, é a primeira negação da propriedade privada individual· 
baseada no tra.balho pr6prio; Mas, a produção capitalista gera sua 
própria negação, com a fatalidade de um prOcesso natural. ~ a 
negação da negação. Esta segunda negação não restabelece a pro-
priedade privada, mas a propriedade individual tendo por fundamen-
881 
r, 
~.-< 
to a conquista da era capitalista: a cooperação e aposse comum 
do solo e dos meios de produção gerados pelo próprio trabalho. 
A transformação da propriedade particular esparsa, baseada 
no trabalho próprio dos indivíduos, em propriedade privada capi-
li! talista, constitui naturalmente um processo muito mais longo, mais 
duro e mais difícil que a transformação em propriedade social da 
propriedade capitalista que efetivamente já se baseia sôbre um 
modo coletivo de produção. Antes, houve a expropriação da massa 
do povo por poucos usurpadores, hoje, trata-se da expropriação 
de poucos usurpadores pela massa do poVO.252 
252 "O progresao industrial - e a burguesia é o portador inconscien-
te e pe.ssivo dêsse progresao - tra.nsmuta. a s'eparação dos traba-
lhadores pela concorrência na. sua unificação revolucloná.ria através 
da associação. Ao desenvolver-se a grande indústria, a burguesia 
sente que lhe foge aos pés o fundamento da produção capitalista, 
em v1rtude do qual se apropria dos produtos. Ela !)roduz. antes de 
tudo, seus próprios coveiros. Sua ruina e o triunfo do proletariado 
são igualmente inevitáveis ... Entre tódas as classes que hoje se con-
frontam com a burguesia, a única realmente revolucionária é o pro-
letariado. As outras decaem e desaparecem com a expansão da gran-
de indústria, enquanto o proletariado é desta o prOduto mais autên-
tico. Todos os setores da classe média, o pequeno industrial, o pe-
queno comerciante, o artesão, o camponês, combatem a burguesia 
para. assegurar sua existência como classe média. em· face da. extin-
ção que os ameaça... São reacionálios, pois procuram fazer andar 
para tráa a roda da história (Karl Marx e F. Engels. ''ManI.festo do 
Partido Comunista", Londres, 1848, págs. 11 e 9). 
882 
i 
; ! 
. i 
.. , 
'1 
. .< 
CAPíTULO XXV 
Teoria Moderna 
da C olonização253 
POR. PR.INdPIO, a economia política confunde duas espec1t~s 
muito diferentes de propriedade: a que se baseia sôbre o trabaUÍo 
., do próprio produtor e, a sua antítese direta, a que se fundamenta 
na exploração do trabalho alheio. Esquece que esta s6 cresce sôbre 
o túmulo daquela. /'" 
Na Europa ocidental, o berço da economia política, o pro-
cesso da acumulação primitiva está mais ou menos concluído. Aí 
o regime capitalista ou apoderou-se diretamente de tôda a produção 
nacional, ou, onde as condições econômicas estão menos desen-
volvidas, controla pelo menos indiretamente aquelas camadas da. 
253 Tn.tamos aqui das verdadeiras co1OniaB. terras 'l'irgens, coloniza-
das por imigrantes livres. Do ponto de vista econômico. os Estados 
Unidos ainda são uma colônia da Europa. Incluímos também nesaa. 
clI.tai;orll1. IIS velhas plantações onde as condições foram Inteiramente 
modificadas com a abolição da escravatura. 
883

Mais conteúdos dessa disciplina