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AS REFORMAS URBANAS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO NO INÍCIO DO SÉCULO XX E XXI: O PORTO EM QUESTÃO Ingrid Gomes Ferreira Universidade Federal Fluminense (UFF) ingridgomes@id.uff.br A cidade do Rio de Janeiro protagonizou duas grandes reformas urbanas tanto no início do século XX quanto no XXI, acarretando numa acentuada modificação do seu espaço. Entre as diversas intervenções realizadas no campo da mobilidade, moradia e renovação urbana a reforma portuária foi tomada como um elemento chave nesses dois períodos históricos distintos, marcados por suas especificidades. No primeiro caso a justificativa usada para a concepção e execução da reforma era que a cidade estava passando por problemas de salubridade e precária estrutura urbana, além da mudança de eixo econômico em seu porto e consolidando o modelo capitalista de produção. Já início do século XXI há uma busca de recuperação da opinião internacional frente aos diversos problemas sócio-políticos que enfrentava e a incorporação da mesma na dinâmica do capital globalizado que por meio de grandes eventos encontra as boas condições para estabelecer novas relações e por meio do discurso do legado encontra legitimação para a modificação do espaço urbano (CURI, 2013). Em ambos os casos o porto do Rio de Janeiro foi alvo de intervenção direta do Estado com o apoio do capital privado, que acarretou em impactos sociais, culturais e espaciais em toda a região portuária. Dessa maneira, o presente trabalho tem como objetivo fazer uma breve reflexão sobre essa problemática, a partir da articulação entre a História Urbana e a metodologia comparativa em história como ferramenta de análise, justificando o uso desse aparato teórico/metodológico como recurso para a obtenção de algumas respostas que pretendem ser respondidas ao longo das próximas páginas, a saber: Qual foi o papel do Porto do Rio de Janeiro no contexto das reformas urbanas no início do século XX e XXI? Quais são os aspectos similares e antagônicos dessas duas intervenções? Como se deu a imbricação do poder público com outros setores para conceber e executar as intervenções no Porto? mailto:ingridgomes@id.uff.br A CIDADE DO RIO DE JANEIRO NO SÉCULO XIX E A REFORMA URBANA RODRIGUES ALVES/ PEREIRA PASSOS NO INÍCIO DO SÉCULO XX: O INTERESSE NO PORTO A reforma urbana ocorrida na cidade do Rio de Janeiro no início do século XX – mais especificamente entre 1903/1906 – foi fruto de uma ação conjunta entre as esferas de poder federal e municipal, que teve como principais responsáveis políticos o presidente Francisco de Paula Rodrigues Alves e o prefeito Francisco Franco Pereira Passos. No entanto, a força motriz dessa significativa intervenção urbana não se restringiu inexoravelmente ao setor público, concatenando-se numa atuação conjunta com agentes empreendedores do setor privado, alguns intelectuais da época e os componentes do Clube de Engenharia que se fizeram presentes no decorrer da execução da maior reforma urbana da história do Brasil naquele período. O cenário carioca ao final do século XIX teve em sua composição diversos elementos que marcaram o momento da transição econômica, social e política que o país vivenciava. O período precedente a intervenção direta exercida pelo setor estatal sobre a organização espacial da cidade já trazia fatores determinantes e condicionantes na nova forma de conceber e produzir o espaço (LEFEBVRE, 1974), com a vinda da corte portuguesa e depois com as transições de modelos governamentais (COSTA, 1999), a mudança da mão de obra escrava para a assalariada concomitantemente com o tipo de atividade econômica – transição para o capitalismo – , ampliação dos meios de transporte e malha viária, saúde pública, grande concentração de cortiços entre outros (ABREU, 2006; CARVALHO, 1995; CHALHOUB, 1996; ROCHA, 1995). É nesse contexto que começa a se planejar a reforma reunindo os atores sociais envolvidos no processo histórico e as ideologias oriundas dos novos debates sobre o tipo ideal de cidade. Desde 1874 já havia uma mobilização intelectual sobre a elaboração dos projetos que conteriam as premissas a serem levadas a cabo na capital brasileira. Nesse ano, por meio de uma comissão de melhoramentos composta por engenheiros, sendo um deles Pereira Passos, elaborou-se um relatório que englobaria aspectos como saneamento e salubridade, o modelo de ruas e avenidas largas e retificadas, sem deixar de fora a estética da cidade. A organização espacial que permitia a proliferação de epidemias, o acúmulo demográfico em moradias sem infraestrutura, a falta de saneamento básico e o aspecto colonial deveriam ser superados. Porém, nesse instante os planos não se realizaram, mas as principais ideias não foram descartadas e ressurgem no Congresso de Engenharia e Indústria em 1901. Essa segunda mobilização com intenção de organizar as propostas e discussões condizentes com a reforma urbana na capital federal é puxada pelo Clube de Engenharia – que era uma instituição formada a partir de componentes do tecido social civil como engenheiros, empresários e industriais – também não avança para muito além do plano do discurso e da formação de ideias. Só no ano 1903 que por meio da Comissão da Carta Cadastral que muitos dos elementos até então elaborados são efetivados por meio da reforma urbana Rodrigues Alves/Pereira Passos. É importante destacar que entre os sócios e fundadores constavam o nome de Pereira Passos e Paulo de Frontin1que foram personagens diretamente ligados as reformas do início do século XX. Já se torna perceptível a imbricação do poder público com outros setores desde a fase da concepção até a execução das intervenções urbanas: Através de um “mútuo auxílio” entre engenheiros e industriais, constava como primeira questão a organização das bases da sociedade pela associação. Ao Clube caberia o estudo de tudo que dissesse respeito à engenharia e à indústria e, da mesma forma, aos melhoramentos públicos, desenvolvimento da indústria no Brasil e da “prosperidade e coesão” de engenheiros e industriais (RODRIGUES, 2017: 98). Em 1902 o cafeicultor paulista Rodrigues Alves (1848- 1919) vence as eleições para a presidência da república, com o apoio de Campos Sales e da sua articulação com a elite mineira, iniciando o seu mandato que duraria até 1906. Assumiu o seu cargo em 15 de novembro e nomeou no dia 30 de dezembro como prefeito do Distrito federal Pereira Passos (1836- 1913) que era um engenheiro, com uma base de relações profissionais bem estabelecida com os seus pares, componente do Clube de Engenharia. O projeto político concernente ao presidente da república estava pautado na “reforma urbana da capital, na política de imigração e na consolidação do sistema econômico com base na agricultura de exportação” (GONÇALVES, 2013: 50), nesse panorama a busca 1Era o dono da Empresa Industrial de Melhoramentos do Brasil que foi a concessionária responsável pela obra do porto da cidade carioca. por obras que conferissem saneamento e salubridade a cidade se davam de maneira indissociável a uma modernização do porto da capital. Pois: O porto do Rio de Janeiro era, naquela época, o mais importante do Brasil e o terceiro de todo o continente americano. As antigas estruturas portuárias e o tráfego moroso do centro da cidade não asseguravam mais condições propícias à expansão econômica. Além da modernização do porto, o programa de obras previa uma importante transformação da estrutura urbana da cidade. Os imperativos econômicos do fator transporte para a reprodução do capital exigiam uma profunda “cirurgia urbana”. Novas ruas e avenidas precisavam ser abertas para ligar de forma eficiente o porto aos diferentes bairros da cidade, e também ao interior do país. O Rio de Janeiro ainda guardava a fisionomia deuma grande cidade colonial de estilo português, com uma multiplicidade de vielas margeadas por pequenos prédios vetustos. Essas obras prometiam transformar a antiga cidade de feição colonial em uma metrópole comercial moderna (id.,ibid.: 51). No próprio Manifesto Inaugural emitido por Rodrigues Alves no dia de sua posse, o presidente reafirma os compromissos propostos em sua campanha eleitoral com o regime republicano e deixa claro as suas prioridades e ações políticas nos campos da economia. Os elementos imigração, capital estrangeiro e reforma urbana com destaque para a intervenção no porto são declaradas no documento: Aos interesses da immigração, dos quaes depende em maxima parte o nosso desenvolvimento economico, prende-se a necessidade do saneamento desta capital, trabalho sem duvida difficil porque se filia a um conjunto de providencias, a maior parte das quaes de execução dispendiosa e demorada. E’ preciso que os poderes da Republica, a quem incumbe tão importante serviço, façam delle a sua mais seria e constante preoccupação, aproveitando-se de todos os elementos de que puderem dispor para que se inicie e caminhe. A capital da Republica não póde continuar a ser apontada como séde de vida difficil, quando tem fartos elementos para constituir o mais notavel centro de attração de braços, de actividades e de capitães nesta parte do mundo. Os serviços do melhoramento do porto desta cidade devem ser considerados como elementos da maior ponderação para esse emprehendimento grandioso (MANIFESTO INAUGURAL, 1902: 11- 12). O prefeito Pereira Passos seria o encarregado de comandar a reforma urbana proposta pelo presidente, porém acrescentando-lhe os pontos remanescentes tão discutidos por seus companheiros intelectuais e de classe no fim do século XIX. Esse novo governo trouxe consigo um olhar direcionado para o alcance de objetivos como progresso material, civilização e modernidade. Um outro interessante fator que também interferiu nas ações de Pereira Passos foi a reforma urbana empreendida na Argentina, mais especificamente em Buenos Aires, que contou com a abertura da Avenida de Mayo que acabou se caracterizando como um forte elemento simbólico do processo de metropolização portenho (ARAÚJO, 2009). Tal situação corroborou para um maior desconforto da sociedade civil e dirigentes políticos com a imagem ultrapassada e deteriorada que a capital brasileira estava apresentando para o mundo. O historiador André Nunes de Azevedo observa que o regime republicano ainda não havia conquistado forte adesão popular e nem rompido totalmente com o saudosismo imperial, por isso “com efeito, a referência simbólica escolhida para tanto, foi a do progresso; o progresso entendido como desenvolvimento material, como realização material, ou seja: como desenvolvimento técnico e econômico” (2011: 7). A reforma urbana que durou de 1903 até 1906 foi dividida entre interesses específicos do governo federal e do municipal, mesmo agindo conjuntamente, assim as obras de saneamento e portuária – sua modernização e integração com outros pontos da cidade – estavam ligadas ao âmbito federal ao passo que a de expansão do sistema viário com a abertura de ruas, infraestrutura como canalização de rios/drenagem do solo/ implantação de sistema de esgoto, habitação e modificação arquitetônica foram concernentes à esfera municipal. De toda forma, no centro desse emaranhado de intervenções a modernização do porto era a menina dos olhos do governo federal por conta do seu papel econômico agora também voltado para a importação decorrente dos benefícios tributários a União contidos na Constituição de 1891: O investimento de Rodrigues Alves na modernização do porto do Rio de Janeiro viria a atender a uma demanda econômica pelo equilíbrio das contas da União, prejudicadas desde o surgimento da nova ordem tributária que emergiu com a República, uma disposição fiscal que tornava o Tesouro Nacional demasiado dependente dos impostos sobre as importações. Desta forma, a modernização do porto do Rio de Janeiro assumia um papel fundamental no equilíbrio das contas do governo federal, pois este era o principal beneficiário econômico das compras internacionais brasileiras. Pela ordem tributária que surgiu com a Constituição brasileira de 1891, os impostos sobre as exportações eram recolhidos para os estados, ao passo que os tributos das importações destinavam-se ao governo federal (AZEVEDO, op. cit.: 136). Somadas as obras do porto ocorreu a abertura de três novas avenidas: a Rodrigues Alves que abrangeria todo o alcance do cais do porto recebendo inicialmente o nome de Avenida do Cais justamente pelo seu trajeto, a Avenida Central no sentido sul, futura Avenida Rio Branco, e a Avenida do Mangue, posteriormente denominada de Francisco Bicalho, que estaria situada no sentido norte margeando o canal do mangue. A região portuária sofreu modificações que “consertavam” as suas irregularidades topográficas para atender aos projetos dos engenheiros responsáveis pelas obras, como aterramento e retificação de suas ruas que se apresentavam de maneira simétrica dentro da perspectiva mecanicista de urbanismo baseada no paralelismo e perpendicularidade que conferiam ao encontro das ruas um ângulo reto. Por conta de tal modelo urbanístico adotado Pereira Passos, que esteve na França no século XIX e visualizou as obras parisienses daquele período, recebeu o codinome de “Haussmann tropical” (SILVA, 2013) e, consequentemente, o julgamento da opinião pública de que tentava implementar no Rio de Janeiro uma espécie de “Paris dos trópicos”. As três avenidas construídas posteriormente faziam parte do projeto de sistema viário integrado que possibilitaria as distribuições de mercadorias da região portuária. O historiador Jaime Larry Benchimol em seu livro Pereira Passos: um Haussmann Tropical mostra que a “função do porto do Rio de Janeiro, que perdia cada vez mais sua importância como porto exportador de café, afirmando-se, em compensação, como centro distribuidor de artigos importados e como mercado de consumo” (BENCHIMOL, 1992: 219). A Comissão de Obras do Porto serviu-se do projeto elaborado pela Empresa de Melhoramentos do Brasil, contudo fazendo algumas modificações em relação ao cais sobretudo no seu alinhamento buscando aumentar o aproveitamento da sua área de atracação, então: a retificação da linha irregular do litoral implicava não só a demolição de centenas de prédios, como o aterro das diversas áreas enseadas ou “sacos” existentes naquela orla, abrangendo uma superfície coberta de água de 20 hectares. Entre o cais projetado e a orla da praia, a menor distância era de 25m e a maior, de várias centenas de metros. A terra e o entulho para esses trabalhos provieram do arrasamento do morro do Senado, em cujo local foram traçadas várias ruas novas, e de uma vertente do morro do Castelo, eliminada para dar passagem à Avenida Central (id.,ibid.: 224). Diante dessa nova abordagem econômica valorativa da importação pelo interesse na captação de impostos e consequente aumento na renda do governo federal que auxiliaria no fechamento positivo das suas contas, Rodrigues Alves decide promover essa reforma no porto envolvendo os seus armazéns e docas, o cais, guindastes, energia elétrica entre outros aspectos. O antigo porto que concentrava os seus armazéns e trapiches na área do litoral da Prainha e Valongo seria expandido para as áreas da Saúde e Gamboa. Sob o comando do Ministério da Viação, Transportes e Obras públicas, sendo Lauro Müller o seu responsável, contando com o auxílio técnico de Francisco Bicalho a região portuária – não restrita ao porto em si, mas englobando as regiões da Saúde, Gamboa e Santo Cristo – passa a operar a partir de uma nova lógica de integração. Já em 1903 há uma enxurrada de decretos direcionados para a realizaçãodas obras portuárias, que deram brechas para a entrada do capital inglês nessa empreitada com a contração de empréstimos da N. M. Rothschild & Sons e o contrato, para a execução das obras supracitadas, da C. H. Walker & Company Limited. Visto a grande magnitude dessa intervenção, o presidente receberia em seu mandato apenas a primeira parte da obra em 1906 a conclusão ocorreu apenas em 1911. A cronologia ficou definida por: Em setembro de 1903, a firma inglesa C. H. Walker foi contratada, sem concorrência, para efetuar as obras de melhoramentos que começaram em março de 1904. Os trabalhos estenderam-se até 1911, quando foi concluída a primeira seção do porto, entre o Arsenal da Marinha e o canal do Mangue, abrangendo, portanto, toda a orla marítima da área de estudo. No dia 20 de julho de 1910 – data oficial da inauguração do porto do Rio de Janeiro – tinham sido efetivamente concluídos 800m de cais, extensão extremamente reduzida frente a um total previsto de 3.500m. Ainda em 1910, a exploração do porto “recém- inaugurado” foi confiada pelo governo – mediante arrendamento – à empresa francesa Compagnie du Port de Rio de Janeiro (LAMARÃO, 2006: 162). Tal ênfase na capital federal ocorreu pela circunstância de ter sido enxergada pela elite política como a imagem referencial ao exterior sobre o país. A reforma urbana esteve ligada ao processo de progresso material- calcado na agroexportação, importação de bens industrializados e captação de imigrantes europeus para trabalhar nas lavouras de café paulistanas-, civilização como no ideário europeu, e na manipulação desta imagem para afirmar o sistema republicano que já vinha sofrendo uma crise em seus treze primeiros anos, visto casos de corrupção, negociatas e não atendimento das necessidades do povo. Estando ligada a reformulação material do país e a moral do regime político (AZEVEDO, 2016). O PROJETO PORTO MARAVILHA E A GESTÃO EDUARDO PAES: A REFORMA SOB A ÉGIDE DAS OLIMPÍADAS DE 2016 O contexto histórico de disputa pelas sedes dos Megaeventos esportivos do início dessa década, e que o Brasil esteve presente, tem suas raízes no final do século XX, mais especificamente em 1993, quando César Maia pertencente ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) foi eleito, pela primeira vez, para ocupar o cargo de prefeito do município do Rio de Janeiro. A partir de então, a cidade passou a ter uma gestão de cunho empresarial, consequentemente, seguindo a lógica neoliberal que permeia essa estratégia. A característica principal desse modelo operatório de política é a necessidade das parcerias entre os agentes/setores públicos e privados2 a fim de atingir uma inserção da imagem da cidade no mercado internacional globalizado. Outro elemento a ser considerado foi o período de degradação da imagem pública da cidade, a partir da crise social urbana no final da década de 1980 calcada em crônica conturbação social oriunda de graves e recorrentes episódios de violência (VELHO, 2000). A agenda de grandes eventos internacionais3, com destaque para os esportivos, deu força para o movimento de retorno ao centro de interesses que contou com alianças políticas em seus três níveis de governo (municipal, estadual e federal). Na década de 90 o city marketing (SÁNCHEZ, 1999) foi incorporado em diversas áreas da Europa Ocidental e, até mesmo, na América Latina. Essa proposta de marketing voltado para o urbano visa o aumento da disputa da cidade por investimentos e concomitantemente posicionando “a cidade perante a um mercado globalizado de fluxos de pessoas, investimentos e informações” (DUARTE; CZAJKOWSKI JÚNIOR, 2007: 273). Logo, no primeiro mandato do prefeito César Maia houve a contratação de uma empresa catalã para ser responsável pela direção do Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro, a partir de um acordo feito entre a FIRJAN, a ACRJ e a prefeitura (VAINER, 2014). Tal situação corrobora para o uso dos megaeventos como tática discursiva, 2Essa articulação se dá sob a forma de parcerias público- privado (PPPs) regulamentada pela Lei 11.079/2004, que é caracterizado segundo o Art 2º como “o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa”. As principais PPPs que estão em vigor no município do Rio de Janeiro foram decorrentes das intervenções para os Megaeventos, dais quais se destacam a do Porto Maravilha, do VLT e do Parque Olímpico. 3A realização desses grandes eventos internacionais não se restringiu apenas ao ramo esportivo, mas foi nele que teve maior repercussão e concentração de ocorrência sobretudo nas duas primeiras décadas do novo milênio. É importante dizer que desde o século XX a cidade vem recepcionando eventos de grande porte que também modificaram o espaço da cidade, como a Exposição Nacional de 1908, a Exposição Internacional Comemorativa do Centenário da Independência do Brasil em 1922, a Copa do Mundo – que culminou na construção do Estádio do Maracanã – de 1950, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco- 92) em 1992. Já adentrando no século XXI há no ano de 2007 os Jogos Pan-Americanos, os Jogos Mundiais Militares em 2011, o Rock in Rio que tem o seu retorno no ano de 2011 e passa a ter edições bienais, o Rio + 20 em 2012, a Jornada Mundial da Juventude em 2013, a Copa das Confederações em 2013, a Copa do Mundo de Futebol em 2014 e os Jogos Olímpicos de Verão no ano de 2016. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/Lei/L11079.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/Lei/L11079.htm principalmente a partir desse plano estratégico empresarial voltado para o gerenciamento urbano, da instauração e funcionamento do arquétipo cidade- empresa. No Brasil, a cidade do Rio de Janeiro acabou se destacando nas discussões acerca dos megaeventos por conta de ter sido a sede dos Jogos Pan-Americanos de 2007, dos Jogos Olímpicos de Verão em 2016 e por ser uma das cidades- sede da Copa do Mundo de 2014. No ano de 1996, fim do primeiro mandato do prefeito César Maia, com a colaboração de planejadores urbanos catalães, que foram os responsáveis pela organização e elaboração do projeto dos Jogos olímpicos de Barcelona- 1992, iniciou-se a saga da tentava de lançar a primeira candidatura da cidade do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas. Nesse momento, a retórica de melhoria da cidade em determinados setores como: segurança, economia e infraestrutura, já havia sido posta sob a perspectiva mercadófila dos Megaeventos. No entanto, visto o insucesso nesse primeiro instante os Jogos Pan-Americanos foram tidos como a porta de entrada para competições esportivas internacionais de maior destaque, e foi assim que em 2002 a cidade do Rio de janeiro obteve a oportunidade de sediar o Pan- 2007. Posteriormente, em 2007, conquistou o direito de ser uma das capitais a sediar a Copa do Mundo- 2014 e de maneira inédita no ano de 2009, dentro do contexto brasileiro em receber grandes eventos esportivos, elegeu-se a sede dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Verão- 2016. Os impactos na urbe para recepcionar esses jogos foram tão diversos que o próprio poder municipal compara a reforma urbana feita no início do século XXI com a promovida por Rodrigues Alves e Pereira Passos no século XX. No caso de Pereira Passos, este engenheiro e prefeito, colocaria em prática as reformas exigidas pelo governo federal. Já no século XXI com Eduardo Paes a frente da prefeitura, durante dois mandatos consecutivos (2009- 2017) será a condução das obras voltadas para os megaeventos o epicentro do seu projeto político. Na reforma empreendida no início do século XX que contou com forte atuação dos intelectuais do Clube de Engenharia, dos médicos e dos higienistas como pensadores do novo modelo de cidade, tendo desde o século XIXa criação abstrata dos projetos que só alcançariam êxito com Rodrigues Alves/ Pereira Passos. No século XXI a obra portuária, de expansão da malha viária e valorização imobiliária já era pensada desde as últimas décadas do século XX em conjunto com o poder estadual e federal. Conforme afirma a arquiteta e urbanista Paula De Paoli “Não eram, pois, intenções novas, nem partidas do zero, em nenhum dos dois casos. Os governantes responsáveis “apenas” assumiram a tarefa de consolidar- e sobretudo de executar aqueles projetos” (2018: 58). Sobre o planejamento de revitalização da região portuária nas últimas duas décadas do século XX é importante ressaltar que ocorria um movimento que extrapolava a elaboração técnica do projeto. Esse movimento também se refletiu na mutação da legislação municipal ao longo dos anos: Com a lei 971/1987, a região ganha status patrimonial, dando origem à área de proteção ambiental do SAGAS (região dos bairros Saúde, Gamboa e Santo Cristo). Com o Plano Diretor (1992), estabeleceram‐se as bases para uma política pública voltada para a proteção do patrimônio cultural e se instituíram diferentes tipos de unidade de conservação, entre elas as Áreas de Proteção Ambiental – APAs (área dotada de características ecológicas) – e as APACs (área que apresenta interesse cultural relevante). Em 1993, um diagnóstico socioeconômico foi elaborado para o estabelecimento da Área Especial de Interesse Urbanístico no sentido de definir características de ocupação na região do SAGAS. Em 2001, a Prefeitura da cidade definiu como prioridade para a Secretaria de Urbanismo um programa de revitalização da área portuária, desenvolvendo o “Porto do Rio – Plano de Recuperação e Revitalização da Região Portuária do Rio de Janeiro” (RIO DE JANEIRO, 2001)” (AZEVEDO; PIO, 2016: 196). E como Rodrigues Alves fez em seu manifesto inaugural ao declarar a execução das obras de modernização e saneamento com ênfase no porto, o prefeito Eduardo Paes também anuncia em sua chegada a sua intervenção portuária que, posteriormente, seria levada a cabo sob a égide das olimpíadas: O projeto Porto Maravilha teve seu pontapé inicial no primeiro dia da administração Eduardo Paes e foi lançado oficialmente em 23 de junho de 2009, com a presença do presidente Lula e do governador Sérgio Cabral. Seu lançamento antecedeu a escolha do Rio de Janeiro para a sede das Olimpíadas de 2016, que tornou-se pública no dia 2 de outubro de 2009. O projeto não foi, portanto, uma obra olímpica, embora tenha sido chamado, mais tarde a desempenhar o papel de principal símbolo das obras olímpicas realizadas na cidade (DE PAOLI, op. cit.: 60). O documento oficial “Plano de Políticas Públicas- Legado”, que foi lançado somente em 2014, traz em seu corpo textual as intervenções, divididas entre os poderes responsáveis, que serão herdadas pela cidade carioca e entre elas sob a temática de “renovação urbana” encontra-se o projeto Porto Maravilha que dentro desse plano de legado foi o que teve o valor mais elevado entre todas as obras que ficaram sob a responsabilidade de execução do governo municipal, essa obra contou também com investimentos do setor privado. Novamente, numa reforma urbana de início de século o porto da cidade é tomado como um referencial a ser readaptado. Se na reforma de 1903- 1906, no que diz respeito ao porto a sua reforma era regida pelo discurso de modernização e progresso material, no século XXI as palavras de ordem são a de “renovação”, “recuperação” e “valorização”. Esse movimento se dará pelo viés da operação viária e imobiliária, que são os dois pontos nevrálgicos desse projeto de porto. Desde o primeiro dia de mandato do prefeito Eduardo Paes houve a promulgação do decreto nº 30.355, já objetivando pôr em prática a realização do Projeto Porto Maravilha, que em sua descrição aponta diversas vezes para a necessidade de renovação urbana atrelada ao setor econômico e turístico, a partir da ação conjunta com a iniciativa privada. Na primeira reforma a tríade saneamento, ampliação da malha viária e a estética da cidade, era basilar nas intervenções promovidas pelo governo. Porém, diante da diminuição do adensamento populacional nessa região por meio da mudança na legislação e a existência do Elevado da Perimetral, que foram usados como justificativas para o abandono da região na retórica política, há um desejo pela “recuperação” dessa região por meio do Porto Maravilha. Assim: Segundo Rabah (2004), a área foi associada à escravidão, à pobreza, à habitação proletária, doenças contagiosas e ao “perigo e a má fama” em vários momentos de sua história. Essas características são pensadas de duas maneiras pelos discursos oficiais. Primeiramente, a atribuição de má fama é omitida ou amenizada para que não haja contradições evidentes entre o perfil histórico da região e o modo pelo qual essa é contemporaneamente representada. Em outros contextos, esses usos tradicionais são abordados e reduzidos a determinadas categorias acusatórias: decadência, abandono, degradação. Nesse segundo sentido, elabora‐se uma oposição entre o passado recente da área e o perfil sociocultural e econômico que se está construindo no presente. Trata- se, nesse sentido, de enfatizar a resolução de um conjunto de “problemas” que caracterizavam a região, os quais serão superados pela intervenção urbana. Essa operação de ressignificação simbólica supõe um reenquadramento e uma “reconquista” de memória da região, bem como um modo específico de abordar o patrimônio local” (AZEVEDO; PIO, op. cit.: 195- 196). O Porto Maravilha é, segundo a sua página oficial disponível na internet, a maior parceria público- privada do país. Essa imbricação do poder público com o setor privado para a execução das obras portuárias se dá por meio de uma operação consorciada, que é respaldada pela Lei Federal nº 10257/2001 como um recurso para recuperar uma área urbana que se encontra numa situação degradada, com a Concessionária Porto Novo com duração de quinze anos (2011 a 2026). O gerenciamento e fiscalização dessas obras de revitalização ficaram a cargo da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp). De acordo com o conteúdo contido na apresentação sobre a concepção e funcionalidade do Porto Maravilha em sua plataforma online tal empreendimento é descrito como: O Porto Maravilha foi concebido para a recuperação da infraestrutura urbana, dos transportes, do meio ambiente e dos patrimônios histórico e cultural da Região Portuária. No centro da reurbanização está a melhoria das condições habitacionais e a atração de novos moradores para a área de 5 milhões de metros quadrados(m²). A chegada de grandes empresas, os novos incentivos fiscais e a prestação de serviços públicos de qualidade estimulam o crescimento da população e da economia. Projeções de adensamento demográfico indicam salto dos atuais 32 mil para 100 mil habitantes em 10 anos na região que engloba na íntegra os bairros do Santo Cristo, Gamboa, Saúde e trechos do Centro, Caju, Cidade Nova e São Cristóvão4. Conforme o trecho anterior é possível perceber que no próprio discurso direto acerca dessa intervenção o elemento empreendimento imobiliário é tido como o de maior relevância dentro desse projeto de reurbanização, antagonicamente a política de Pereira Passos se deu com uma remoção e/ou com a compra de diversos prédios em massa das moradias e alguns comércios do centro da cidade. A mobilidade urbana, presente nas duas reformas, também se apresenta como integrante das reformas do centro e região portuária. As intervenções realizadas dentro desse tópico, com maior relevância, no século XXI foram: a implantação do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) – que atua como modal de integração com os outros meios de transporte coletivos nessa região – contando com uma linhade 28 quilômetros de extensão, a Via Binário do Porto e Túnel Rio 450, a Via Expressa e Túnel Prefeito Marcello Alencar, a Orla Conde e, por último mas não menos importante, a demolição do Elevado da Perimetral. Entre os símbolos da desvalorização da área portuária o Elevado da Perimetral foi utilizado pelo poder público como peça chave em seu discurso a fim de promover a reforma na região, porque “a degradação da Zona Portuária passava a ter um único vilão, 4 Site oficial do Porto Maravilha, disponível em: https://www.portomaravilha.com.br/portomaravilha . Acesso em junho de 2019. https://www.portomaravilha.com.br/conteudo/legislacao/leis-ordinarias/leifederal02.pdf https://www.portomaravilha.com.br/portomaravilha palpável e atacável. Isso tornava mais fácil a construção do imaginário da reforma urbana” (DE PAOLI, op. cit.: 63). Além, dos aspectos propriamente materiais e físicos a reforma portuária também agregou o apelo cultural e ao entretenimento com a criação do boulevard olímpico, que contou com a reforma na Praça Mauá, o surgimento do AquaRio, o Museu do Amanhã e do Museu de Arte do Rio (MAR), sem falar na arte urbana contemporânea materializada nos grafites do muralista Eduardo Kobra. Dessa forma: A inspiração do projeto atual de reurbanização do Porto do Rio é importada de modelos de cidade como Barcelona, por exemplo, que se reinventaram a partir de megaeventos. Os ideais de progresso, dessa forma, não se baseiam na simples destruição do passado para dar lugar ao novo, mas na ressignificação da realidade para se adequar às exigências dos padrões do comércio exterior, atualizando, portanto, o modelo de modernidade urbana imposto por Passos, que já no início do século XX privilegiava tanto os aspectos estruturais e racionais da modernização quanto os estéticos. O produto final da reurbanização contemporânea de Paes materializa-se na crescente mercantilização da cultura, uma vez que na lógica cultural contemporânea o consumo não está focado apenas em bens, mas também em entretenimento, lazer, diversão; o que é apontado por Sanchez (2010), entre outros, como um dos imperativos do planejamento urbano que determinam as características do espaço transformado em mercadoria. Dessa forma, observa-se, na região do porto que as reformas estruturais para estimular o uso residencial da região, as melhorias na infraestrutura e o incentivo às atividades de comércio se dão a reboque da revitalização cultural da área, fortemente apoiada nos dois monumentais equipamentos culturais que a região abriga – o MAR e o Museu do Amanhã – e na patrimonialização da região (MELLO; PESSÔA, 2019: 68- 69). Numa passagem citada, anteriormente, no texto é possível visualizar que em 1987 a SAGAS (Saúde, Gamboa e Santo Cristo) adquire uma posição patrimonial de área de proteção ambiental. Atualmente, na amálgama Programa Porto Maravilha Cultural conta com a participação dessa área enquanto patrimônio histórico e cultural sob o título de “circuito histórico e arqueológico da celebração da herança africana” que é composto por pontos históricos como o Cais do Valongo e da Imperatriz – que foi reencontrado com as obras de escavação para a instalação dos trilhos do VLT –, a Pedra do Sal, o Jardim Suspenso do Valongo, o Largo do Depósito, o Cemitério dos Pretos Novos e o Centro Cultural José Bonifácio. O boulevard olímpico – situado no perímetro demarcado por pontos como o MAR, o Museu do Amanhã e a street art – que fica entre a Praça Mauá e o Aquario, também fazem parte da área cultural do projeto Porto Maravilha muito explorada durante o período das olimpíadas se destacando como um novo ponto turístico na cidade. Porém, esse espaço que deveria ser público abriga dialeticamente equipamentos culturais que para se ter acesso é necessário a realização de pagamento, contando com a presença de uma culinária gourmet que é encontrada nos modernos food trucks ou em eventos que se dão naquele lugar por meio de uma relação comercial, dessa maneira o valor de troca acaba de sobrepondo ao valor de uso daquela região (LEFEBVRE, 2001). Portanto, entende-se que “é possível observar que há um elo entre os dois projetos, que trata da busca pela consolidação de um novo ethos de cidade como espaço de acumulação capitalista, como lócus do progresso, objetivando investimentos financeiros mundiais” (MELLO; PESSÔA, op. cit.: 77). CONSIDERAÇÕES FINAIS Os dois fatos históricos aqui analisados mostraram diversos pontos comuns e divergentes, que foram específicos das ações espaço-temporais dos seus agentes sociais. Levando esse fator em consideração, compreendeu-se que nessas duas reformas urbanas de início de século, o Porto do Rio de Janeiro esteve numa posição privilegiada dentro dos interesses políticos e econômicos dos governantes municipais e federais atrelados aos desejos de uma elite intelectual e burguesa. A mudança se dá, sobretudo, a partir da expansão das relações financeiras ao longo do século XX para o XXI. Se a busca por uma captação de impostos, exportação de produtos e entrada da mão de obra era o cerne da reforma, no novo episódio a situação da cidade, per si, como uma mercadoria a ser consumida, por diversos prismas vide turismo, cultura, lazer e megaeventos, regeu a eleição desse local histórico como ponto estratégico dos novos investimentos urbanos. O que não mudou foram os laços estreitos entre os representantes políticos e os grandes investidores de sua época, que acabaram por nortear essas grandes reformas urbanas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, Maurício de Almeida. 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