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POLÍTICA EDUCACIONAL Caroline Costa Nunes Lima Política educacional contemporânea: debates sobre a Base Nacional Comum Curricular Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Localizar o debate sobre o currículo nacional no campo da política educacional curricular. � Identificar pontos positivos e negativos da implementação de um currículo nacional. � Esclarecer a trajetória da política educacional nos últimos anos. Introdução Neste capítulo, você estudará sobre a construção da Base Nacional Co- mum Curricular (BNCC), que vem sendo pensada, discutida e formulada desde 2013. Já em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, um referencial curricular nacional foi indicado como uma das políticas educacionais a serem construídas. Você conhecerá o debate sobre a existência de um currículo nacional no campo da política educacional curricular, fazendo um levantamento dos pontos positivos e negativos que esse referencial pode trazer para os processos de ensino e aprendizagem das unidades escolares da rede básica de ensino. Por fim, você verá como se deu a trajetória da política nos últimos anos. O debate sobre o currículo nacional no campo da política educacional curricular Ao observarmos as movimentações políticas e sociais no Brasil, identificamos que, desde meados da década de 1980, com o processo de redemocratização, as formulações e execuções de políticas públicas têm avançado significativa- mente, despertando o interesse de muitos pesquisadores. O resultado dessas investigações são discussões, debates, problematizações e reflexões, por meio de diferentes aportes teóricos que abrangem enfoques nacionais e internacionais (MAINARDES, 2009). A presença de influências internacionais em nossas políticas educacionais está em ascensão. O advento da globalização, as novas configurações dos papéis do Estado e as novas tendências econômicas fomentam um discurso de que é necessária a adaptação educacional às transformações ocasionadas por essas circunstâncias (KRAWCZYK, 2005). A América Latina, incluindo o Brasil, é uma das regiões mais influenciadas por essas tendências globais. Todas essas redes de informações, conhecimentos e tendências que carac- terizam as políticas educacionais envolvem relações de poder e disputas de interesse. Com isso, a força da influência das políticas neoliberais impacta, em nível global, as políticas educacionais, trazendo como consequência mais desigualdade no País (AZEVEDO, 2004). Trazendo essas relações para os debates sobre o currículo nacional, anali- saremos, a seguir, como pesquisadores e especialistas que têm essa temática como objeto de estudo têm se manifestado a respeito da BNCC. Veja abaixo, a partir da plataforma do Ministério da Educação (MEC), as informações a respeito do que trata esse documento: [...] é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desen- volver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica. Conforme definido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996), a Base deve nortear os currículos dos sistemas e redes de ensino das Unidades Federativas, como também as propostas pedagógicas de todas as escolas públicas e privadas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, em todo o Brasil. A Base estabelece conhecimentos, competências e habilidades que se espera que todos os estudantes desenvolvam ao longo da escolaridade básica. Orientada pelos princípios éticos, políticos e estéticos traçados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, a Base soma-se aos propósitos que direcionam a educação brasileira para a formação humana integral e para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva (BRASIL, 2018, p. 7). Política educacional contemporânea: debates sobre a Base Nacional Comum Curricular2 Como você pode observar pela descrição acima, esse marco regulatório, organizado pelo Ministério da Educação, está voltado para o currículo da rede básica e tem como objetivo o delineamento de conhecimentos considerados fundamentais aos educandos em seu percurso escolar, desde o ingresso na rede de ensino até a conclusão do ensino médio. Cabe lembrar que a formação básica comum já estava demarcada em documentos tais quais a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), a LDB (Lei nº. 9.394/1996, apresentando-se como “base nacional comum”, no artigo 26)(BRASIL, 1996) e também no Plano Nacional de Educação (Lei nº. 13.005/2014, como “proposta de direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento”) (BRASIL, 2014). A partir de ações articuladas, versões da BNCC foram e estão sendo cons- truídas (a BNCC do Ensino Médio ainda se encontra em debate e construção), trazendo novas especificações para as políticas educacionais. Como exemplo, temos a “Política Nacional de Formação de Professores, a Política Nacional de Materiais e Tecnologias Educacionais, a Política Nacional de Avaliação da Educação Básica e a Política Nacional de Infraestrutura Escolar” (TRICHES; ARANDA, 2016, p. 85). Em investigações sobre o currículo, pesquisadores apontam que essas reformas buscam favorecer à economia, articulando o ensino ao mercado de trabalho e à produtividade (AZEVEDO, 2004). Assim, observa-se que as políticas públicas educacionais voltadas para o currículo estabelecem relações estreitas entre aspectos sociais e econômicos, como afirma Pacheco (2009, p. 397): Ao eleger a educação como alavanca da economia do conhecimento, a glo- balização, na busca de uma identidade de legitimação, institui a lógica da competitividade na base do pressuposto de que o mundo pode se tornar uma imensa planície, fazendo com que a educação deixe em segundo plano sua missão de formação pública e cívica. Assim, notamos na construção curricular a presença de características neoliberais sendo incorporadas na apresentação de habilidades e competências voltadas para a produção e para o mercado. E essa tendência, que vem se consolidando a partir da década de 1990, ocorre por meio de sujeitos: [...] individuais e coletivos que estão cada vez mais organizados, em redes do local ao global, com diferentes graus de influência e que falam de diferentes lugares: setor financeiro, organismos internacionais e setor governamental (TRICHES; ARANDA, 2016, p. 85). 3Política educacional contemporânea: debates sobre a Base Nacional Comum Curricular Ainda nas pesquisas bibliográficas de Triches e Aranda (2016), eviden- ciaram-se indagações sobre quais as reais necessidades da existência de uma base nacional comum curricular, assim como perguntas sobre foram feitas as escolhas do que se precisa ser ensinado ou mesmo quais os critérios de seleção desses conteúdos. Quando são analisados os discursos de forças de interesses públicos e privados a respeito da BNCC e o modo como estão interligadas, enxergamos como esse documento concebe o sujeito a ser formado por meio dos conhe- cimentos selecionados para a educação básica. No centro dessas discussões, encontramos, nos aportes teóricos destinados ao tema, a caracterização da base como: [...] arma social, proposição curricular, projeto de educação nacional, descritivo de saberes e conteúdos a serem ensinados e apreendidos, forte amarração ideológica contaminada por um caráter tecnicista e empresarial, pretensão centralizadora (TRICHES; ARANDA, 2016, p. 92). Desse modo, vemos que a educação brasileira está traçando caminhos baseados em modelos internacionais, a partir da formulação e execução de políticas públicas de seleção curricular com a presença marcante de forças de interesse econômico, que se manifestam por meio de debates e discussões globais. Como ficam as instituições de ensino diante das mudanças resultan- tes dessas transformações e quais as consequências diretas para as práticas pedagógicas docentes? A escola é, historicamente,um espaço de resistência que se esforça, por meio de todos os atores envolvidos, para preservar um ambiente de desenvolvimento da cidadania, demarcado por diversidade, pluralidade, democracia, participação e diálogo, em um mundo cada vez mais competitivo e globalizado. Concomi- tantemente, lida também com reformas curriculares e suas consequências nos processos de ensino, aprendizagem e formação de educandos. Pontos positivos e negativos da implementação de um currículo nacional Pensar na seleção e organização de conteúdos curriculares é levar em consi- deração que essas escolhas não partem de uma posição de neutralidade. Em um país de dimensões continentais como o Brasil, marcado historicamente Política educacional contemporânea: debates sobre a Base Nacional Comum Curricular4 por lutas sociais e políticas e contando com a presença de tantas culturas e identidades, como pensar o que deve ser ensinado a grupos tão distintos? Por considerar a diversidade, a BNCC se posiciona como um instrumento pedagógico ao qual deve ser acrescentado uma seção diversificada, a partir do contexto de cada comunidade escolar (BRASIL, 2018). Pesquisadores como Michael Young (2013) ratificam essa necessidade ao considerar que ao currículo nacional comum cabe assegurar uma base de saberes para todos os alunos, juntamente com a oferta de garantia de que cada instituição de ensino possa ter a autonomia para se articular com sua realidade escolar. Feita essa breve apresentação sobre a complexidade que envolve o processo de construção de um currículo nacional, iremos trazer problematizações a respeito do conceito de “currículo”, presente na BNCC, por meio dos estudos de Contreras Domingo (1990). O autor nos propõe quatro reflexões: – O currículo deve propor o que se deve ensinar ou o que os alunos devem aprender? A partir da ideia originada de currículo como o conjunto de saberes que se deve transmitir aos alunos, nesta disjuntiva está enraizada outra con- cepção de currículo que diz respeito a tudo o que os alunos devem aprender na escola. A definição de currículo não se faria a partir do que se pensa que os alunos devem aprender para viver em seu mundo. – O currículo é o que se deve ensinar e aprender, ou é o que realmente se ensina e se aprende? O que está em questão aqui é qual deve ser o grau de cumprimento na prática para que um currículo possa ser chamado como tal. – O currículo é o que se deve ensinar e aprender, ou inclui também o como, as estratégias, métodos e processos de ensino? Há duas formas de ver esta disjuntiva. Uma é considerar se o currículo faz somente menção aos resul- tados de aprendizagem que se deseja obter, dizendo respeito ao conjunto de conteúdos culturais e de objetivos de aprendizagem. Outra forma deixa à margem do conceito toda referência a processos instrutivos, e o currículo inclui assim a especificação das estratégias metodológicas que serão seguidas para se alcançar as aprendizagens pretendidas. – O currículo é algo especificado, delimitado e acabado, que logo se apli- ca, ou é algo aberto, que se delimita no próprio processo de aplicação? A alternativa aqui é se considera que o currículo é algo estático, previamente definido, ou se deve entendê-lo como algo dinâmico, que evolui no transcurso de sua aplicação. Neste sentido, esta perspectiva supera a polêmica suscitada pela segunda disjuntiva, para propor uma visão de currículo que engloba o trânsito e a evolução que se produza desde as intenções à realidade da aula (CONTRERAS DOMINGO, 1990, p. 177-178). Assim, a definição de currículo pode ser pensada a partir das reflexões de Contreras Domingo, e a escolha de uma dessas concepções refletirá a organização de saberes e o que se pensa sobre os fins da educação. 5Política educacional contemporânea: debates sobre a Base Nacional Comum Curricular Em 2015, foi publicizada a primeira versão da BNCC, que foi homologada em 2017, em sua terceira versão — conforme previsto no trâmite legal. A Base Nacional Comum Curricular é um referencial obrigatório que define o que qualquer educando, em todo o Brasil, deve aprender nas instituições escolares. Estruturalmente, conta com objetivos de aprendizagem nas seguintes áreas do conhecimento: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas. Além disso, determina o grupo de conhecimentos e habilidades essenciais para todos os estudantes, em cada período letivo da educação bá- sica, também dispondo sobre os 12 direitos de aprendizagem necessários aos estudantes ao longo da educação básica (GONÇALVES; KOEPSEL, 2017). Dentre os aspectos favoráveis e desfavoráveis analisados por especialistas, encontramos, nos estudos de Duarte (2006), a observação de que, nas discussões educacionais, prevalecem, desde as últimas décadas, a defesa do princípio do “aprender a aprender” e de uma práxis pedagógica que demande uma formação de professores reflexivos. Na BNCC, até o momento, não foi inserida nenhuma seção que discuta o papel do docente no que tange aos processos de ensino. Um ponto positivo que merece destaque é que a Base se esforça para superar o ensino tradicional, restrito à transmissão e à reprodução de conteúdos. O referencial curricular apresenta objetivos de desenvolvimento de competências cognitivas, colocando o aluno em uma posição de protagonista, quando dispõe que o educando precisa: [...] exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a análise crítica, a imaginação e a criati- vidade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e inventar soluções com base nos conhecimentos das diferentes áreas (BRASIL, 2018, p. 9). Outro aporte teórico importante para nossos estudos, apresentando diferen- tes pontos de vista sobre a previsão da implementação da BNCC, é a pesquisa organizada pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC), solicitada pela Fundação Lemann e realizada com a finalidade de identificar diferentes óticas de entes representativos das institui- ções educacionais. Vejamos, no Quadro 1, alguns destaques dos argumentos apresentados pelos entrevistados. A pesquisa sintetizou o pensamento de diferentes grupos favoráveis e des- favoráveis à implementação da BNCC, incluindo acadêmicos, pesquisadores, representantes de sindicatos e docentes. Você já refletiu sobre esses diferentes apontamentos? Formou sua opinião sobre esse documento referencial? Política educacional contemporânea: debates sobre a Base Nacional Comum Curricular6 Fonte: Adaptado de Cenpec (2015, p. 34-36). Pontos de vista positivos favoráveis à BNCC � A educação básica é direito de todos. � Há forte desigualdade social e escolar no País. � O acesso de todos a conhecimentos universais é um meio de enfrentar as desigualdades. � A escola tem como papel distribuir entre todos o conhecimento que se julga essencial para a integração social, para a vida social e para o mundo do trabalho. � As desigualdades culturais estão relacionadas às desigualdades sociais e escolares. � A escola não é o único lócus de produção de identidades e cultura, mas uma parte da vivência dos alunos, um espaço de aprendizagem de conteúdos relevantes para a vida social e para o trabalho. � A escola favorece a inclusão social dos setores historicamente excluídos. � A padronização curricular aumenta o controle social sobre a escola, gerando cumprimento do currículo e favorecendo o acompanhamento das famílias. � A padronização curricular organiza a formação dos professores e orienta o seu trabalho. Pontos de vista negativos desfavoráveis à BNCC � Considera-se a escola como reprodutora da dominação de determinados grupos sociais sobre outros, razão pela qual seria necessário focalizar, nas definições curriculares, o conhecimento local e as experiências comunitárias. � A compreensão de escola como um local de emancipação e de construção de sentido paraas experiências dos alunos, e menos como lócus de aquisição de conhecimentos necessários para a inserção na vida social e no mundo do trabalho. � A compreensão de escola como lócus de construção de identidades. � As desigualdades no País são produzidas ou corroboradas pela escola. � A preocupação em preservar a cultura local e a diversidade regional e o receio de que se rompa com o pacto federativo. � A noção de que há uma tradição docente de trabalho que estrutura o currículo das escolas e que precisar ser respeitada. � A visão de que já existem no País documentos curriculares nacionais. � A concepção de que qualquer tipo de padronização não respeita diferenças. � Qualquer padronização curricular guiará as avaliações baseadas em teste sem larga escala, que terminam necessariamente por produzir hierarquias escolares e educacionais. � Sem zelo pelas condições materiais e salários dos professores não há possibilidade da implementação de BNCC. Quadro 1. Pontos de vista acerca da implementação da BNCC 7Política educacional contemporânea: debates sobre a Base Nacional Comum Curricular O próprio Movimento Pela Base Nacional Comum afirma que a BNCC não se trata de um documento que apresenta uma única solução para educação brasileira, colocando-se como um auxílio para diminuir as desigualdades educacionais e buscando a melhoria da qualidade educacional. Para nós, profissionais da educação em formação, ou já formados, é fundamental nos apropriarmos das movimentações que as políticas educacionais estão realizando em formulações e implementações construídas por meio de tantas influências globais, nacionais e políticas. Devemos identificar quais consequências elas podem trazer aos processos de ensino e aprendizagem e refletir qual sobre nosso papel e responsabilidade nesse cenário educacional. A trajetória da política educacional nos últimos anos A educação é um tema recorrente em diferentes âmbitos — políticos, sociais e econômicos, por exemplo — com diferentes interesses, projetos e finalida- des. Houve reformulações em nossas leis, por meio da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) e da LDB de 1996 (BRASIL, 1996), visando ao acesso a uma educação de qualidade para todos os cidadãos, para que tenham condições iguais no meio social e no mercado de trabalho. Mas, se observar atualmente como anda a qualidade do ensino público e as condições de acesso à suposta educação democrática, participativa e autônoma, você acreditaria que essas leis estão sendo cumpridas? Encontramos, no livro Escola, estado e sociedade (FREITAG, 1980), que a divisão de nossa história educacional está diretamente relacionada com os três períodos a seguir: a) 1º período — de 1500 a 1930, abrangendo a Colônia, o Império e a Primeira República; b) 2º período — de 1930 a 1960, aproximadamente; c) 3º período — de 1960 em diante (FREITAG, 1980, p. 46). Essas divisões correspondem a períodos marcados por tendências econômicas, tais como aponta Freitag (1980): o agroexportador, o de substituição de importações e o de internacionalização do mercado interno. Política educacional contemporânea: debates sobre a Base Nacional Comum Curricular8 Para que possamos fazer uma análise aprofundada das mais recentes políticas educacionais voltadas para a reforma curricular, é fundamental observarmos, também, a trajetória de nossa história político-educacional dos últimos anos. Em especial, devemos atentar para os desenvolvimentos a partir da década de 1990, que trouxe tantas mudanças para os mais variados contextos nacionais e internacionais. Além do advento da globalização, que alterou as relações de tempo e espaço mundiais, contamos também com as influências das políticas econômicas, que passaram por um processo de transformação, formando a base para uma tendência denominada “neoliberalismo”. O neoliberalismo ressignificou os papéis do “Estado, do mercado e da sociedade civil, alterando a forma como esse novo modelo age para avançar no objetivo de acúmulo do capital [...]” (SOUSA; ARAGÃO, 2018, p. 4). A partir desse novo cenário econômico, a democracia e a cidadania passa- ram a abarcar novas configurações, com tendências voltadas para a competição, para as lógicas de mercado, de produção e de capital. O mercado assume um papel junto ao Estado, participando de decisões, influenciando na criação de políticas públicas e incentivando um campo educacional competitivo com metas, bonificação, concorrências, avaliações em larga escala e conteúdos que preparam o indivíduo para o ambiente produtivo. De acordo com Michael Apple (2001, p. 17), temos a seguinte definição das configurações resultantes da trajetória política global dos últimos anos: Actualmente (sic), debaixo da influência do neoliberalismo, o verdadeiro significado de cidadania foi radicalmente transformado. Nos dias de hoje, em muitos países, o cidadão é simplesmente um consumidor. O mundo é visto como um vasto supermercado. As escolas e inclusive os nossos alunos (...) tornam-se mercadorias que são compradas e vendidas do mesmo modo como se compram e vendem outro género de mercadorias. Isto é uma transformação importante no modo como nós pensamos. Pensar na cidadania como um con- ceito político significa que ser cidadão implica a participação na construção e reconstrução das nossas instituições. Ser consumidor é a apologia ao indi- vidualismo possessivo que é conhecido pelos seus produtos. Defines-te pelo que compras e não pelo que fazes. Assim, o movimento geral sociológico e económico que redefine a democracia e a cidadania num conjunto de práticas de consumo, e no qual o mundo é visto como um vasto supermercado, tem vindo a ter um grande impacto na educação. Desse modo, essas novas articulações políticas, presentes em diferentes países, tais como os países da América, África e Ásia, passam a valer-se da “[...] disseminação de soluções ‘privadas’ para os ‘problemas’ da educação 9Política educacional contemporânea: debates sobre a Base Nacional Comum Curricular pública” (BALL, 2014, p. 25). Como efeitos dos resultados dessas políticas, a partir do âmbito educacional, vimos a formação de uma arena de disputas entre diferentes setores, defendendo seus interesses, influenciando as deci- sões públicas e pregando a responsabilidade coletiva para o desenvolvimento mundial e o progresso das nações. O Estado, assim, perde a centralidade das decisões políticas, que passam a ser regidas por “redes políticas” formadas por: [...] pessoas com forte influência política que defendem os interesses dos gru- pos aos quais representam; organismos multilaterais que atuam em diversos países; instituições do setor privado; sindicatos; associações científicas, dentre outros grupos (SOUSA; ARAGÃO, 2018, p. 5). Essa descentralização ocupa diferentes segmentos, que defendem diferentes posições ideológicas a respeito das políticas educacionais e sociais do governo. Luck (2000) aponta que o ensino público passa por grandes mudanças, resul- tado das reformas e das diferentes ações de diversas esferas governamentais. Estados e municípios modificam suas práticas pedagógicas e suas formas de organização escolar, tentando tornar mais eficientes os processos de ensino e buscando universalizar e padronizar seus meios de atendimento e acesso escolar. Essas transformações ampliam o foco da educação, que passa a estar no centro das atenções políticas e da mídia como instrumento essencial de desenvolvimento nacional. Outro aspecto transformador, ocasionado pela descentralização, está relacionado às formas de gestão, que passam a ter uma inserção maior da comunidade escolar, financeira e pedagógica, contando com a formação de entes representativos em Conselhos Escolares. Esse tipo de órgão colegiado está garantido na Lei nº. 9394/96, sendo uma política pública importante por assegurar “[...] a participação da comunidade escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes [...]” (BRASIL, 1996, documento on-line), fortale-cendo decisões coletivas e democratizando o ensino. Na prática, atuam em conjunto com os gestores escolares. É importante ressaltar a trajetória das políticas públicas dos últimos anos, já que a LDB está articulada com outros documentos legislativos, tais como a Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), as emendas posteriores anexadas e o estabelecimento do Plano Nacional de Educação 2014-2024, relatados a seguir: [...] a Constituição Federal define a competência da União, dos Estados e Municípios e estabelece a necessidade da organização de seus sistemas de ensino em regime de colaboração (Art. 211). A Constituição prevê também Política educacional contemporânea: debates sobre a Base Nacional Comum Curricular10 o sistema nacional de educação, a ser articulado por um plano decenal (Art. 214, alterado pela Emenda Constitucional 59/2009). O Plano Nacional de Educação (PNE) e, consequentemente, os planos estaduais, distrital, e mu- nicipais ultrapassam os planos plurianuais de governo. Exigem articulações institucionais e participação social para sua elaboração ou adequação, seu acompanhamento e avaliação. Para o cumprimento do dispositivo legal, foi publicado o Plano Nacional de Educação, aprovado pela lei n° 13.005/2014 (FERREIRA; NOGUEIRA, 2015, p. 236-237). Assim, com a implementação do PNE 2014–2024, juntamente com as pro- postas de metas, objetivos e índices de desempenho, novas políticas públicas formuladas pelas esferas estaduais e municipais devem se articular com os documentos legislativos norteadores vigentes. APPLE, M. W. 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