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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO - FAVENI APOSTILA FUNDAMENTOS E ELEMENTOS DA LINGUAGEM E DA CRIAÇÃO EM ARTES. ESPÍRITO SANTO 2 A ARTE COMO OBJETO DE CONHECIMENTO O universo da arte caracteriza um tipo particular de conhecimento que o ser humano produz a partir das perguntas fundamentais que desde sempre se fez com relação ao seu lugar no mundo. “De onde venho”, “Quem sou”, “Para onde vou...” http://www.cambe.pr.gov.br/site/images/stories/educacao_infantil.jpg A manifestação artística tem em comum com o conhecimento científico, técnico ou filosófico seu caráter de criação e inovação. Essencialmente, o ato criador, em qualquer dessas formas de conhecimento, estrutura e organiza o mundo, respondendo aos desafios que dele emanam, num constante processo de transformação do homem e da realidade circundante. O produto da ação criadora e da inovação é resultante do acréscimo de novos elementos estruturais ou da modificação de outros. Regido pela necessidade básica de ordenação, o espírito humano cria, continuamente, sua consciência de existir através de manifestações diversas. O ser humano sempre organizou e classificou os fenômenos da natureza, o ciclo das estações, os astros no céu, as diferentes plantas e animais, as relações sociais, políticas e econômicas, para compreender seu lugar no universo, buscando a significação da vida. 3 Tanto a ciência quanto a arte, respondem a essa necessidade através da construção de objetos de conhecimento que, juntamente com as relações sociais, políticas, econômicas e sistemas filosóficos e éticos, formam o conjunto de manifestações simbólicas de uma determinada cultura. Ciência e arte são, assim, produtos que expressam as representações imaginárias das distintas culturas, que se renovam através dos tempos, construindo o percurso da história humana. A própria ideia de ciência como disciplina autônoma, distinta da arte, é produto recente da cultura ocidental. Nas antigas sociedades tradicionais não havia essa distinção: a arte integrava a vida dos grupos humanos, impregnada nos ritos, cerimônias e objetos de uso cotidiano; a ciência era exercida por curandeiros, sacerdotes, fazendo parte de um modo mítico de compreensão da realidade. Mesmo na cultura moderna, do início do mundo ocidental até os dias de hoje, a relação entre arte e ciência apresenta-se de diferentes maneiras. Nos séculos que se sucederam ao Renascimento, arte e ciência eram cada vez mais consideradas como áreas de conhecimento totalmente diferentes, gerando uma concepção falaciosa, segundo a qual a ciência seria produto do pensamento racional e a arte, pura sensibilidade. Na verdade, nunca foi possível existir ciência sem imaginação, nem arte sem conhecimento. Tanto uma como a outra são ações criadoras na construção do devir humano. O próprio conceito de verdade científica cria mobilidade, torna-se verdade provisória, o que muito aproxima estruturalmente os produtos da ciência e da arte. Os dinamismos do homem que apreende a realidade de forma poética e os do homem que a pensa cientificamente são vias peculiares e irredutíveis de acesso ao conhecimento, mas, ao mesmo tempo, são dois aspectos da unidade psíquica. Há uma tendência cada vez mais acentuada nas investigações contemporâneas no sentido de dimensionar a complementaridade entre arte e ciência, precisando a distinção entre elas e, ao mesmo tempo, integrando-as numa nova compreensão do ser humano. Nova, mas nem tanto. Existem muitas obras sobre o fenômeno da criatividade que citam exemplos de pessoas que escreveram a respeito do próprio processo criador. Artistas e cientistas relatam ocorrências semelhantes, tornando possível a sistematização de certas invariantes, como por exemplo, o ponto culminante da ação criadora, a famosa "Eureka!": o instante súbito do "Achei!" pode ocorrer para o matemático na resolução repentina de um 4 problema, num momento em que ele não esteja pensando no assunto. Da mesma forma, um músico passeava a pé depois do almoço, quando lhe veio uma sinfonia inteira na cabeça; só precisou sentar depois para escrevê-la. É claro que nos dois casos, tanto o matemático quanto o músico estiveram durante um longo tempo anterior maturando questões, a partir de um processo contínuo de levantamento de dados, investigando possibilidades. https://encrypted-tbn3.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcQ26dLXdLB6VmtqPNrO29uwIAnHxnjFxGJn4c0g1Ix3e2NLWc38 Parece que, em geral, esse caráter de "iluminação súbita" é comum à arte e à ciência, como algo que se revela à consciência do criador, vindo à tona independente de sua vontade quer seja naquele ou noutro momento, mas sendo posterior a um imprescindível período de trabalho árduo sobre o assunto. Para um cientista, uma fórmula pode ser "bela"; para um artista plástico as relações entre a luz e as formas são "problemas a serem resolvidos plasticamente". Parece que há muito mais coisas em comum entre estas duas formas de conhecimento do que sonha nossa vã filosofia. Esta discussão interessa particularmente ao campo da educação, que manifesta uma necessidade urgente de formular novos paradigmas que evitem a oposição entre arte 5 e ciência, para fazer frente às transformações políticas, sociais e tecnológicas e científicas que anunciam o ser humano do século XXI. Apenas um ensino criador, que favoreça a integração entre a aprendizagem racional e estética dos alunos, poderá contribuir para o exercício conjunto e complementar da razão e do sonho, no qual conhecer é também maravilhar-se, divertir-se, brincar com o desconhecido, arriscar hipóteses ousadas, trabalhar duro, esforçar-se e alegrar-se com descobertas. PRODUÇÃO E FRUIÇÃO A obra de arte situa-se no ponto de encontro entre o particular e o universal da experiência humana. "Até mesmo asa branca/ Bateu asas do sertão/ Então eu disse adeus Rosinha/ Guarda contigo meu coração". (Luís Gonzaga e Humberto Teixeira) No exemplo da canção Asa Branca, o voo do pássaro (experiência humana universal) retrata a figura do retirante (experiência particular de algumas regiões). Cada obra de arte é, ao mesmo tempo, um produto cultural de uma determinada época e uma criação singular da imaginação humana, cujo valor é universal. Por isso, uma obra de arte não é mais avançada, mais evoluída, nem mais correta do que outra qualquer. A obra de arte revela para o artista e para o espectador uma possibilidade de existência e comunicação, além da realidade de fatos e relações habitualmente conhecidos. O conhecimento artístico não tem como objetivo compreender e definir leis gerais que expliquem porque as coisas são como são. “Tudo certo como dois e dois são cinco”. (Caetano Veloso) 6 As formas artísticas apresentam uma síntese subjetiva de significações construídas através de imagens poéticas (visuais, sonoras, corporais, ou de conjuntos de palavras, como no texto literário ou teatral). Não é um discurso linear sobre objetos, fatos, questões, ideias e sentimentos. A forma artística é antes uma combinação de imagens que são objetos, fatos, questões, ideias e sentimentos, ordenados não pelas leis da lógica objetiva, mas por uma lógica intrínseca ao domínio do imaginário. O artista faz com que dois e dois possam ser cinco, uma árvore possa ser azul, uma tartaruga possa voar. A arte não representa ou reflete a realidade, ela é realidade percebida de um outro ponto de vista. http://www.rioeduca.net/admin/_m2brupload/_fck/Marcia/CMFloraSan/20130506155622.jpg O artista desafia as coisas como são, para revelar como poderiam ser, segundo um certo modo de significar o mundo que lhe é próprio. O conhecimento artístico se realiza em momentos singulares, intraduzíveis, do artistaou do espectador com aquela obra particular, num instante particular. 7 O que distingue essencialmente a criação artística das outras modalidades de conhecimento humano é a qualidade de comunicação entre os seres humanos que a obra de arte propicia, por uma utilização particular das formas de linguagem. A corporificação de ideias e sentimentos do artista numa forma apreensível pelos sentidos caracteriza a obra artística como produto da criação humana. O produto criado pelo artista propicia um tipo de comunicação no qual inúmeras formas de significações se condensam através da combinação de determinados elementos, diferentes para cada modalidade artística, como por exemplo: linhas, formas, cores e texturas, na forma plástica; altura, timbre, intensidade e ritmo, na forma musical; personagens, espaço, texto e cenário, na forma teatral; e movimento, desenho no espaço, ritmo e composição, na forma da dança. http://1.bp.blogspot.com/-gvhdtQgis7o/VQuOOH191gI/AAAAAAAAAEw/C29j5O9QYKQ/s1600/buraimoh638.jpg A forma artística fala por si mesma, independe e vai além das intenções do artista. A "Guernica", de Picasso, contém a ideia do repúdio aos horrores da guerra. Uma pessoa que não conheça as intenções conscientes de Picasso pode ver a Guernica e sentir um impacto significativo; a significação é o produto revelado quando ocorre a relação entre as imagens da obra de Picasso e os dados de sua experiência pessoal. 8 A forma artística pode significar coisas diferentes, resultantes da experiência de apreciação de cada um. Seja na forma de alegoria, de formulação crítica, de descoberta de padrões formais, de propaganda ideológica, de pura poesia, a obra de arte ganha significado na leitura de cada espectador. A percepção estética é a chave da comunicação artística. No processo de conhecimento artístico, do qual faz parte a leitura estética, o canal privilegiado de compreensão é a qualidade da experiência sensível da percepção. Diante de uma obra de arte, habilidades de percepção, intuição, raciocínio e imaginação atuam tanto no artista quanto no espectador. Mas é inicialmente pelo canal da sensibilidade que se estabelece o contato entre a pessoa do artista e a do espectador, mediado pela percepção estética da obra de arte. O processo de conhecimento advém de relações significativas, a partir da percepção das qualidades de linhas, texturas, cores, sons, movimentos, etc. Quando Guimarães Rosa escreveu: "Nuvens, fiapos de sorvete de coco", criou uma forma artística na qual a metáfora, uma maneira especial de utilização da linguagem, reuniu elementos que, na realidade, estavam separados, mas se juntaram numa frase poética pela ação criadora do artista. Nessa leitura estética importa não apenas o exercício da habilidade intelectiva, mas, principalmente, que o leitor seja capaz de se deixar tocar sensivelmente para poder perceber, por exemplo, as qualidades de peso, luz, textura, densidade e cor contidas nas imagens de nuvens e fiapos de sorvete de coco; ao mesmo tempo, a experiência que essa pessoa tem ou não de observar nuvens, de gostar ou não de sorvete de coco, de saber ou não o que é uma metáfora fazem ressoar as imagens do texto nas suas próprias imagens internas e permitem que crie a significação particular que o texto lhe revela. A significação não está, portanto, na obra, mas na interação complexa de natureza primordialmente imaginativa entre a obra e o espectador. A personalidade do artista é ingrediente que se transforma em gesto criador, fazendo parte da substância mesma da obra. 9 Van Gogh disse: "Quero pintar em verde e vermelho as paixões humanas". Os dados da sensibilidade se convertem em matéria expressiva de tal maneira que configuram o próprio conteúdo da obra de arte: aquilo que é percebido através dos sentidos se transforma em uma construção feita de relações formais através da criação artística. O motor que organiza esse conjunto é a sensibilidade: a emoção (emovere quer dizer o que se move) desencadeia o dinamismo criador do artista. A emoção que provoca o impacto no leitor faz ressoar, dentro dele, o movimento que desencadeia novas combinações significativas entre as suas imagens internas em contato com as imagens da obra de arte. Mas a obra de arte não é resultante apenas da sensibilidade do artista, assim como a emoção estética do espectador não lhe vem unicamente do sentimento que a obra suscita nele. http://www.casaelectrolux.com.br/wp-content/uploads/2013/11/power.of_.colors.jpg Na produção e apreciação da arte estão presentes habilidades de relacionar e solucionar questões propostas pela organização dos elementos que compõem as formas artísticas: conhecer arte envolve o exercício conjunto do pensamento, da intuição, da sensibilidade e da imaginação. 10 A imaginação criadora transforma a existência humana através da pergunta que dá sentido à aventura de conhecer: "Já pensou se fosse possível?". A imaginação criadora permite ao ser humano conceber situações, fatos, ideias e sentimentos que se realizam como imagens internas, a partir da manipulação da linguagem. É essa capacidade de formar imagens que torna possível a evolução do homem e o desenvolvimento da criança; visualizar situações que não existem, mas que podem vir a existir, abre o acesso a possibilidades que estão além da experiência imediata. A emoção é movimento, a imaginação dá forma e densidade à experiência de perceber, sentir e pensar, criando imagens internas que se combinam para representar essa experiência. A faculdade imaginativa está na raiz de qualquer processo de conhecimento, seja científico, artístico ou técnico. A flexibilidade é o atributo característico da atividade imaginativa, pois é o que permite exercitar inúmeras composições entre imagens, para investigar possibilidades e não apenas reproduzir relações conhecidas. No caso do conhecimento artístico, o domínio do imaginário é o lugar privilegiado de sua atuação: é no terreno das imagens que a arte realiza sua força comunicativa. Portanto, a qualidade imaginativa é um elemento indispensável na apreensão dos conteúdos, possibilitando que a aprendizagem de cada aluno se realize através de estratégias pessoais. O CONHECIMENTO ARTÍSTICO COMO REFLEXÃO Além do conhecimento artístico como experiência estética direta da obra de arte, o universo da arte contém também um outro tipo de conhecimento, gerado pela necessidade de investigar o campo artístico como atividade humana. Tal conhecimento delimita o fenômeno artístico como: Produto das culturas; Parte da história; 11 Estrutura formal na qual podem ser identificados os elementos que compõem os trabalhos artísticos e os princípios que regem sua combinação. É função da escola instrumentar os alunos na compreensão que podem ter dessas questões, em cada nível de desenvolvimento, para que sua produção artística ganhe sentido e possa se enriquecer também pela reflexão sobre a arte como objeto de conhecimento. http://www.espacoenvolvimento.com/blog/wp-content/uploads/2013/05/image.jpeg Em síntese o conhecimento da arte envolve: A experiência de fazer formas artísticas e tudo que entra em jogo nessa ação criadora: recursos pessoais, habilidades, pesquisa de materiais e técnicas, a relação entre perceber, imaginar e realizar um trabalho de arte; A experiência de ler formas artísticas, utilizando informações e qualidades perceptivas e imaginativas para estabelecer um contato, uma conversa em que as formas signifiquem coisas diferentes para cada pessoa; A experiência de refletir sobre a arte como objeto de conhecimento, onde importam dados sobre a cultura em que o trabalho artístico foi realizado, a história da arte e os 12 elementos e princípios formais que constituem a produção artística,tanto de artistas quanto dos próprios alunos. (Proposta Triangular — contribuição de Ana Mae Barbosa) Assim, a partir desse quadro de referências, situa-se a área de Arte dentro dos Parâmetros Curriculares Nacionais como um tipo de conhecimento que envolve tanto a experiência de apropriação de produtos artísticos (que incluem as obras originais e as produções relativas à arte, tais como textos, reproduções, vídeos, gravações, entre outros) quanto o desenvolvimento da competência de configurar significações através da realização de formas artísticas. Ou seja, entende-se que aprender arte envolve não apenas uma atividade de produção artística pelos alunos, mas também a conquista da significação do que fazem, através do desenvolvimento das percepções estéticas, alimentadas pelo contato com o fenômeno artístico visto como objeto de cultura através da história e como conjunto organizado de relações formais. É importante que os alunos compreendam o sentido do fazer artístico; que suas experiências de desenhar, cantar, dançar ou dramatizar não são atividades que visam distraí-los da "seriedade" das outras disciplinas. Ao fazer e conhecer arte o aluno percorre trajetos de aprendizagem que propiciam conhecimentos específicos sobre sua relação com o mundo. Além disso, desenvolvem potencialidades como percepção, observação, imaginação e sensibilidade que podem alicerçar a consciência do seu lugar no mundo e que também contribuem inegavelmente para sua apreensão significativa dos conteúdos das outras disciplinas do currículo. Através do convívio com o universo da arte, os alunos podem conhecer: O fazer artístico como experiência poética: A técnica e o fazer como articulação de significados e experimentação de materiais e suportes variados; O fazer artístico como desenvolvimento de potencialidades: percepção, reflexão, sensibilidade, imaginação, intuição, curiosidade e flexibilidade; O fazer artístico como experiência de interação: celebração e simbolização de histórias grupais; O objeto artístico como forma: 13 Sua estrutura ou leis internas; O objeto artístico como produção cultural: Documento do imaginário humano, sua historicidade e sua diversidade. https://encrypted- tbn1.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcQAK2C_JF09dKlESpn7YseA2lAllF9LMVXWK_FDKsHAyDc-nwZyFQ A aprendizagem artística envolve, portanto, um conjunto de diferentes tipos de conhecimentos, que visam a criação de significações, exercitando fundamentalmente a constante possibilidade de transformação do ser humano. Além disso, encarar a arte como produção de significações que se transformam no tempo e no espaço permite contextualizar a época em que se vive na sua relação com as demais. A arte é um modo privilegiado de conhecimento e aproximação entre indivíduos de culturas distintas, pois favorece o reconhecimento de semelhanças e diferenças expressas nos produtos artísticos e concepções estéticas, num plano que vai além do discurso verbal: uma criança da cidade, ao observar uma dança indígena, estabelece um contato com o índio que pode revelar mais sobre o valor e a extensão de seu universo do que uma explanação sobre a função do rito nas comunidades indígenas. E vice-versa. 14 Nessa perspectiva, a área de Arte tem uma função importante a cumprir. Ela situa o fazer artístico como fato e necessidade de humanizar o homem histórico, brasileiro, que conhece suas características tanto particulares, tal como se mostram na criação de uma arte brasileira, quanto universais, tal como se revelam no ponto de encontro entre o fazer artístico dos alunos e o fazer dos artistas de todos os tempos, que sempre inauguram formas de tornar presente o inexplicável. ARTES VISUAIS As artes visuais e plástica, além das formas tradicionais (pintura, escultura, desenho, gravura, arquitetura, artefato, desenho industrial), incluem outras linguagens que resultam dos avanços tecnológicos e transformações estéticas a partir da modernidade (fotografia, artes gráficas, cinema, televisão, vídeo, computação, performance). Cada uma dessas visualidades é utilizada de modo particular e em várias possibilidades de combinações entre imagens, por intermédio das quais os alunos podem expressar-se e comunicar-se entre si de diferentes maneiras. O mundo atual caracteriza-se por uma utilização da visualidade em quantidades inigualáveis na história, criando um universo de exposição múltipla para os seres humanos, o que gera a necessidade de uma educação para saber perceber e distinguir sentimentos, sensações, ideias e qualidades. Por isso o estudo das visualidades pode ser integrado nos projetos educacionais. Tal aprendizagem pode favorecer compreensões mais amplas para que o aluno desenvolva sua sensibilidade, afetividade e seus conceitos e se posicione criticamente. A educação em artes visuais requer trabalho continuamente informado sobre os conteúdos e experiências relacionados aos materiais, às técnicas e às formas visuais de diversos momentos da história, inclusive contemporâneas. Para tanto, a escola deve colaborar para que os alunos passem por um conjunto amplo de experiências de aprender 15 e criar, articulando percepção, imaginação, sensibilidade, conhecimento e produção artística pessoal e grupal. A educação visual deve considerar a complexidade de uma proposta educacional que leve em conta as possibilidades e os modos de os alunos transformarem seus conhecimentos em arte, ou seja, o modo como aprendem, criam e se desenvolvem na área. http://caduart.files.wordpress.com/2010/03/arte-visual2.jpg Criar e perceber formas visuais implica trabalhar frequentemente com as relações entre os elementos que as compõem, tais como ponto, linha, plano, cor, luz, movimento e ritmo. As articulações desses elementos nas imagens dá origem à configuração de códigos que se transformam ao longo dos tempos. Tais normas de formação das imagens podem ser assimiladas pelos alunos como conhecimento e aplicação prática recriadora e atualizada em seus trabalhos, conforme seus projetos demandem e sua sensibilidade e condições de concretizá-los permitam. O aluno também cria suas poéticas onde gera códigos pessoais. 16 Além disso, é preciso considerar as técnicas, procedimentos, informações históricas, produtores, relações culturais e sociais envolvidas na experiência que darão suporte às suas representações (conceitos ou teorias) sobre arte. Tais representações transformam- se ao longo do desenvolvimento à medida que avança o processo de aprendizagem. Os blocos de conteúdos de Artes Visuais para o primeiro e o segundo ciclos são: Expressão e comunicação na prática dos alunos em artes visuais As artes visuais no fazer dos alunos: desenho, pintura, colagem, escultura, gravura, modelagem, instalação, vídeo, fotografia, histórias em quadrinhos, produções informatizadas. Criação e construção de formas plásticas e visuais em espaços diversos (bidimensional e tridimensional). Observação e análise das formas que produz e do processo pessoal nas suas correlações com as produções dos colegas. Consideração dos elementos básicos da linguagem visual em suas articulações nas imagens produzidas (relações entre ponto, linha, plano, cor, textura, forma, volume, luz, ritmo, movimento, equilíbrio). Reconhecimento e utilização dos elementos da linguagem visual representando, expressando e comunicando por imagens: desenho, pintura, gravura, modelagem, escultura, colagem, construção, fotografia, cinema, vídeo, televisão, informática, eletrografia. Contato e reconhecimento das propriedades expressivas e construtivas dos materiais, suportes, instrumentos, procedimentos e técnicas na produção de formas visuais. Experimentação, utilização e pesquisa de materiais e técnicas artísticas (pincéis, lápis, giz de cera,papéis, tintas, argila, goivas) e outros meios (máquinas fotográficas, 17 vídeos, aparelhos de computação e de reprografia). Seleção e tomada de decisões com relação a materiais, técnicas, instrumentos na construção das formas visuais. As artes visuais como objeto de apreciação significativa Convivência com produções visuais (originais e reproduzidas) e suas concepções estéticas nas diferentes culturas (regional, nacional e internacional). http://static.todamateria.com.br/upload/55/a0/55a0694739e4d-o-que-e-artes-visuais.jpg Identificação dos significados expressivos e comunicativos das formas visuais. Contato sensível, reconhecimento e análise de formas visuais presentes na natureza e nas diversas culturas. Reconhecimento e experimentação de leitura dos elementos básicos da linguagem visual, em suas articulações nas imagens apresentadas pelas diferentes culturas (relações entre ponto, linha, plano, cor, textura, forma, volume, luz, ritmo, movimento, equilíbrio). 18 Contato sensível, reconhecimento, observação e experimentação de leitura das formas visuais em diversos meios de comunicação da imagem: fotografia, cartaz, televisão, vídeo, histórias em quadrinhos, telas de computador, publicações, publicidade, desenho industrial, desenho animado. Identificação e reconhecimento de algumas técnicas e procedimentos artísticos presentes nas obras visuais. Fala, escrita e outros registros (gráfico, audiográfico, pictórico, sonoro, dramático, videográfico) sobre as questões trabalhadas na apreciação de imagens. As artes visuais como produto cultural e histórico Observação, estudo e compreensão de diferentes obras de artes visuais, artistas e movimentos artísticos produzidos em diversas culturas (regional, nacional e internacional) e em diferentes tempos da história. Reconhecimento da importância das artes visuais na sociedade e na vida dos indivíduos. Identificação de produtores em artes visuais como agentes sociais de diferentes épocas e culturas: aspectos das vidas e alguns produtos artísticos. Pesquisa e frequência junto às fontes vivas (artistas) e obras para reconhecimento e reflexão sobre a arte presente no entorno. Contato frequente, leitura e discussão de textos simples, imagens e informações orais sobre artistas, suas biografias e suas produções. Reconhecimento e valorização social da organização de sistemas para documentação, preservação e divulgação de bens culturais. Frequência e utilização das fontes de informação e comunicação artística presente nas culturas (museus, mostras, exposições, galerias, ateliês, oficinas). 19 Elaboração de registros pessoais para sistematização e assimilação das experiências com formas visuais, informantes, narradores e fontes de informação. DESENVOLVIMENTO GRÁFICO-PLÁSTICO “Antes eu desenhava como Rafael, mas precisei de toda uma existência para aprender a desenhar como as crianças” (Picasso) Os primeiros estudos sobre a produção gráfica das crianças datam do final do século XIX e início do XX e estão fundados nas concepções psicológicas e estéticas de então que estavam calcadas em uma produção estética idealista e naturalista de representação da realidade, sendo a habilidade técnica um fator prioritário. https://encrypted- tbn2.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcRmYyj7WuYosGh3Ee0mx6PcpLVQ1TWlPCjQdpBDueV8S97F3FuKAg Assim, são os psicólogos, que no final do século XIX descobrem a originalidade dos desenhos infantis e publicam as primeiras notas e observações sobre o assunto, 20 influenciando positivamente a maneira de ver e de pensar o desenho da criança e o seu desenvolvimento. Modo de expressão próprio da criança, o desenho constitui uma linguagem que possui vocabulário e sintaxe. Ao prazer do gesto associa-se o prazer da inscrição, a satisfação de deixar marcas. Seu desenvolvimento é progressivo e implica mudanças significativas que, no início, dizem respeito à passagem dos rabiscos das garatujas para construções cada vez mais ordenadas, fazendo surgir os primeiros símbolos. No início, a criança trabalha sobre a hipótese de que o desenho serve para imprimir tudo o que ela sabe sobre o mundo, então ela passa a articulá-los no espaço bidimensional do papel, na areia, na parede ou em qualquer outra superfície. Passa também a constatar a regularidade nos desenhos presentes no meio ambiente e nos trabalhos aos quais tem acesso, incorporando esse conhecimento em suas próprias produções. É assim que, por meio do desenho, a criança cria e recria individualmente formas expressivas, integrando percepção, imaginação, reflexão e sensibilidade, que podem ser então apropriadas pelas leituras simbólicas de outras crianças e dos adultos. O desenho está também intimamente ligado ao desenvolvimento da escrita. Dotada de prestígio por ser “secreta”, a escrita exerce uma verdadeira fascinação sobre as crianças, e isso bem antes de ela própria poder traçar seus signos. Muito cedo ela tenta imitar a escrita dos adultos, e quando ingressa na escola verifica-se uma diminuição da sua produção gráfico-plástica, já que a escrita, considerada mais importante, passa a ser concorrente do desenho. Enfim, o desenho como possibilidade de brincar, o desenho como possibilidade de falar, de registrar, marca o desenvolvimento da infância. Entretanto em cada estágio ou etapa, o desenho assume um caráter próprio, definindo a maneira do desenhar que são similares em todas as crianças, apesar das diferenças individuais de temperamento e sensibilidade. Esta maneira própria de desenhar de cada idade varia, inclusive, muito pouco de cultura para cultura. 21 Para entendermos melhor o desenvolvimento gráfico-plástico da criança, julgamos pertinente dividir em dois grandes blocos as teorias e os teóricos que tratam do assunto. Assim temos: Teorias De Concepções Interacionista: Representação e Interação Social na Construção do Conhecimento AUTORES: HENRI WALLON Nasceu na França em 1879. Antes de chegar à psicologia passou pela filosofia e medicina e ao longo de sua carreira foi cada vez mais explícita a aproximação com a educação. Em 1902, com 23 anos, formou-se em filosofia pela Escola Normal Superior, cursou também medicina, formando-se em 1908. Viveu num período marcado por instabilidade social e turbulência política. As duas guerras mundiais (1914-18 e 1939-45), o avanço do fascismo no período entre guerras, as revoluções socialistas e as guerras para libertação das colônias na África atingiram boa parte da Europa e, em especial, a França. Em 1925 funda um laboratório destinado à pesquisa e ao atendimento de crianças ditas deficientes. Ainda em 1925 publica sua tese de doutorado, “A Criança Turbulenta”. Inicia um período de intensa produção com todos os livros voltados para a psicologia da criança. O último livro, “Origens do pensamento na criança”, foi escrito e publicado em 1945. Em 1931 viaja para Moscou e é convidado para integrar o Círculo da Rússia Nova, grupo formado por intelectuais que se reuniam com o objetivo de aprofundar o estudo do 22 materialismo dialético e de examinar as possibilidades oferecidas por este referencial aos vários campos da ciência. Em 1942, filiou-se ao Partido Comunista, do qual já era simpatizante. Manteve ligação com o partido até o final da vida. Em 1948 cria a revista ‘Enfance’. Neste periódico, que ainda hoje tenta seguir a linha editorial inicial, as publicações servem como instrumento de pesquisa para os pesquisadores em psicologia e fonte de informação para os educadores. Faleceu em 1962. Segundo sua teoria, a gênese da inteligência é genética e organicamente social, ou seja, o ser humano é organicamente social e sua estrutura supõe a intervenção da cultura para se atualizar. Nesse sentido, a teoriado desenvolvimento cognitivo de Wallon é centrada na psicogênese da pessoa completa. Assim, o desenvolvimento da criança aparece descontínuo, marcado por contradições e conflitos, resultado da maturação e das condições ambientais, provocando alterações qualitativas no seu comportamento em geral. https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcRjHtsBklVFws0pJ5ldsReLEYdjw6TE1HS5G2QiqrdAhF1bYIth Wallon apresenta cinco estágios de desenvolvimento do ser humano que se sucedem em fases com predominância afetiva e cognitiva. São eles: 23 Impulsivo-emocional: que ocorre no primeiro ano de vida. A predominância da afetividade orienta as primeiras reações do bebê com as pessoas, as quais, intermediam sua relação com o mundo físico; Sensório-motor e Projetivo: que vai até os três anos. A aquisição da marcha e da prensão, dão à criança maior autonomia na manipulação de objetos e na exploração dos espaços. Também, nesse estágio, ocorre o desenvolvimento da função simbólica e da linguagem. O termo projetivo refere-se ao fato da ação do pensamento precisar dos gestos para se exteriorizar. O ato mental "projeta-se" em atos motores Personalismo: ocorre dos três aos seis anos. Nesse estágio desenvolvesse a construção da consciência de si mediante as interações sociais, reorientando o interesse das crianças pelas pessoas; Categorial: os progressos intelectuais dirigem o interesse da criança para as coisas, para o conhecimento e conquista do mundo exterior; Predominância Funcional: ocorre nova definição dos contornos da personalidade, desestruturados devido às modificações corporais resultantes da ação hormonal. Questões pessoais, morais e existenciais são trazidas à tona. Com isso, Wallon nos deixou uma nova concepção da motricidade, da emotividade, da inteligência humana e, sobretudo, uma maneira original de pensar a psicologia infantil e reformular os seus problemas. Procura explicar os fundamentos da psicologia como ciência, seus aspectos epistemológicos, objetivos e metodológicos. Admite o organismo como condição primeira do pensamento, pois toda a função psíquica supõe um componente orgânico. No entanto, considera que não é condição suficiente, pois o objeto de ação mental vem do ambiente no qual o sujeito está inserido, ou seja, de fora. Considera que o homem é determinado fisiológica e socialmente, sujeito às disposições internas e às situações exteriores. Wallon propõe a psicogênese da pessoa completa, ou seja, o estudo integrado do desenvolvimento. Considera que não é possível selecionar um único aspecto do ser humano e vê o desenvolvimento nos vários campos funcionais nos quais se distribui a atividade infantil (afetivo, motor e cognitivo). 24 Para ele o estudo do desenvolvimento humano deve considerar o sujeito como “geneticamente social” e estudar a criança contextualizada nas relações com o meio. Segundo este autor, a atividade do homem é inconcebível sem o meio social; porém as sociedades não poderiam existir sem indivíduos que possuam aptidões como a da linguagem que pressupõe uma conformação determinada do cérebro, haja vista que certas perturbações de sua integridade privam o indivíduo da palavra. Vemos então que para ele não é possível dissociar o biológico do social no homem. Portanto, concebe-o como sendo genética e organicamente social e a sua existência se realiza entre as exigências da sociedade e as do organismo. Quanto ao grafismo infantil, Wallon assim se posiciona: Os primeiros trabalhos da criança, como consequência e extensão de um gesto que deixa marcas vigorosas em uma superfície, são seus rabiscos. Mas, “existem diferentes manifestações entre o gesto e o seu traço”. Para ele, a origem do desenho está no gesto, mesmo quando o traço tenha começado de modo casual, pois esta aptidão está ligada às funções de equilíbrio e não é, sem dúvida, acaso se as primeiras garatujas da criança pertencerem à mesma época que seus primeiros passos. Dessa maneira, pode-se dizer que as representações gráficas da criança surgem simultaneamente às suas representações gestuais. Mais, o rabisco, ao se realizar, torna-se para a criança um objeto privilegiado, porque é o objeto em vias de ser criado pela própria criança, que podem começar por ser fortuitos, mas que depois são destinados a realizar um jogo mais complexo, evoluindo para o desenho. Assim, no início a criança pode estar rabiscando pelo prazer de rabiscar, à medida que vai dominando o gesto e percebendo visualmente que entre o gesto e as marcas que faz existe uma ligação, seus atos passam a ser intencionais. Aparecem então, linhas contínuas ou interrompidas, curvas que se entrecruzam, rabiscos enovelados, ou simplesmente pequenas marcas que se contrastam na superfície. Neste momento o rabisco está representando algo. 25 Além disso, Wallon aprofunda os estudos sobre a influência do meio e da cultura que afetam diretamente as crianças de várias idades e aponta porque as crianças podem ter evoluções artísticas diferentes, mesmo quando pertencem à mesma faixa etária, região ou classe social. O meio e a cultura, para este autor como para Gardner e Vygotsky, interferem no desenvolvimento gráfico da criança: “já se tornou consciência da solidariedade existente entre a ambiência e o indivíduo, este não podendo existir sem aquela, sendo, entretanto o indivíduo capaz de também modificar o meio”. (Wallon) Resumindo, a criança se educa por meio da cultura e com o mundo social. LEV S. VYGOTSKY Lev S. Vygotsky (1896-1934), professor e pesquisador foi contemporâneo de Piaget. Nasceu em Orsha, pequena cidade da Bielorusia em 17 de novembro de 1896, e morreu de tuberculose quando tinha 37 anos. https://encrypted- tbn3.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcRf5o1B0ZOJeggRu6tRim538XtVfkUMbQxpdLQWZniz8voewYWDMw 26 Construiu sua teoria tendo por base o desenvolvimento do indivíduo como resultado de um processo sócio histórico, enfatizando o papel da linguagem e da aprendizagem nesse desenvolvimento, sendo essa teoria considerada histórico social. Sua questão central é a aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito com o meio. As concepções de Vygotsky sobre o funcionamento do cérebro humano o colocam como a base biológica, e suas peculiaridades definem limites e possibilidades para o desenvolvimento humano. Essas concepções fundamentam sua ideia de que as funções psicológicas superiores (por ex. linguagem e memória) são construídas, ao longo da história social do homem, através de sua relação com o mundo. Desse modo, as funções psicológicas superiores referem-se a processos voluntários, ações conscientes, mecanismos intencionais e dependem de processos de aprendizagem. Uma ideia central para a compreensão de suas concepções sobre o desenvolvimento humano como processo sócio histórico é a ideia de mediação. Enquanto sujeito do conhecimento o homem não tem acesso direto aos objetos, mas acesso mediado, através de recortes do real, operados pelos sistemas simbólicos de que dispõe, portanto Vygotsky enfatiza a construção do conhecimento como uma interação mediada por várias relações, ou seja, o conhecimento não está sendo visto como uma ação do sujeito sobre a realidade, assim como no construtivismo e sim, pela mediação feita por outros sujeitos. O outro social, pode apresentar-se por meio de objetos, da organização do ambiente e do mundo cultural que rodeia o indivíduo. Segundo ele, a interação social e o instrumento linguístico são decisivos para o desenvolvimento. Existem, pelo menos dois níveis de desenvolvimento identificados por Vygotsky: um real, já adquirido ou formado, que determina o que a criança já é capaz de fazer por si própria, e um potencial, ou seja, a capacidade de aprender com outra pessoa. Que a aprendizagem interage com o desenvolvimento, produzindo aberturanas zonas de desenvolvimento proximal (distância entre aquilo que a criança faz sozinha e o que ela é capaz de fazer com a intervenção de um adulto); ou seja, distância entre o nível de desenvolvimento real e o potencial nas quais as interações sociais são centrais, estando então, ambos os processos, aprendizagem e desenvolvimento, inter-relacionados; assim, 27 um conceito que se pretenda trabalhar, como por exemplo, em arte, requer sempre um grau de experiência anterior para a criança. Para Vygotsky, o sujeito não é apenas ativo, mas interativo, porque forma conhecimentos e se constitui a partir de relações intra e interpessoais. É na troca com outros sujeitos e consigo próprio que se vão internalizando conhecimentos, papéis e funções sociais, o que permite a formação de conhecimentos e da própria consciência. Trata-se de um processo que caminha do plano social — relações interpessoais para o plano individual interno — relações intrapessoais. Quanto ao desenvolvimento da expressão gráfico-plástica infantil, vejamos abaixo como Vygotsky identifica e distingue cada etapa: Etapa Simbólica: é a fase dos conhecidos bonecos “cabeça-pés” que representam, de modo resumido, a figura humana. Trata-se da etapa na qual a visão do sujeito encontra-se totalmente subordinada ao seu aparato dinâmico-táctil. Esta etapa é descrita por Vygotsky como o momento em que as crianças desenham os objetos “de memória” sem aparente preocupação com fidelidade à coisa representada. Ou seja: os sujeitos desenham o que já sabem sobre os objetos que buscam representar procurando destacar-lhes apenas os traços que julgam mais importantes. É o período em que a criança “representa de forma simbólica objetos muitos distantes de seu aspecto verdadeiro e real” (Vygotsky, 1982, p.94). Vygotsky explica-nos que a arbitrariedade é a licença do desenho infantil nesta etapa porque “o pequeno artista é muito mais simbolista que naturalista” (Ibidem, p. 96). Então, nas representações da pessoa humana, de maneira geral, constata-se que o sujeito se limita a traçar apenas duas ou três partes do corpo fazendo com que os seus desenhos sejam “mais propriamente enumerações, ou melhor, dizendo, relatos gráficos abreviados sobre o objeto que querem representar” (Ibidem, p. 96). É também o período dos chamados “desenhos-radiografia” (desenhos em que as crianças traçam pessoas vestidas mostrando suas pernas sobre a roupa). Etapa Simbólico-Formalista: é a etapa na qual já se percebe maior elaboração dos traços e formas do grafismo infantil. A visão e o aparato 28 dinâmico-tátil do sujeito lutam para subjugarem um ao outro. É o período em que a criança começa a sentir necessidade de não se limitar apenas à enumeração dos aspectos concretos do objeto que representa, buscando estabelecer maior número de relações entre o todo representado e suas partes. Nesta etapa há uma espécie de mescla de aspectos formalistas e simbolistas na representação plástica. Constata-se que os desenhos permanecem ainda simbólicos, mas, por outro lado, já se pode identificar neles os embriões de uma representação mais próxima da realidade. Tratasse de um período que não se distingue facilmente da fase precedente e que se caracteriza por uma quantidade bem maior de detalhes na atividade figurativa da criança. As figuras representadas assemelham-se bem mais ao aspecto que de fato possuem a olho nu. Há nítido esforço do sujeito em tornar suas representações mais verossímeis. Porém, sobrevivem ainda os “desenhos-radiografias”. Etapa Formalista Veraz: é o período em que o simbolismo que se encontrava presente nas representações típicas das duas etapas anteriores definitivamente desaparece. A visão passa a subordinar totalmente o aparato dinâmico-táctil do sujeito. Nesta fase, as representações gráficas são fiéis ao aspecto observável dos objetos representados, mas a criança ainda não faz uso das técnicas projetivas. Nos desenhos deste período as convenções realistas, que enfatizam a proporcionalidade e o tamanho dos objetos, são violadas com frequência e, em razão disso, desestabiliza-se toda a plasticidade da figuração. Etapa Formalista Plástica: nesta etapa a plasticidade da figuração é enriquecida e ampliada porque a coordenação viso-motora do sujeito já lhe permite o uso vitorioso das técnicas projetivas e das convenções realistas. Observa-se uma nítida passagem a um novo modo de desenhar. O sujeito não mais se satisfaz com a expressão gráfico-plástica pura e simplesmente: ele busca adquirir novos hábitos representacionais, diferentes técnicas gráficas e conhecimentos artísticos profissionais. O grafismo deixa de ser uma atividade com fim em si mesma e converte-se em trabalho criador. 29 HOWARD GARDNER Howard Gardner, é professor adjunto de Neurologia na Boston School of Medicine e de Psicologia na Harvard University, onde também é codiretor do projeto Zero. Autor de dezoito livros e com centenas de artigos publicados, Gardner foi o primeiro americano a receber o Prêmio Grawemeyer em educação. https://s-media-cache-ak0.pinimg.com/236x/99/17/8c/99178cff5fef738499cc82ac89536746.jpg O conceito de inteligências múltiplas, desenvolvido por ele, foi destacado com a mais importante contribuição para o processo pedagógico, depois dos trabalhos de Jerome Bruner, Jean Piaget e John Dewey. 30 Assim, entre Psicologia e Arte encontra-se Howard Gardner. Esse pesquisador americano atualmente conhecido entre professores e pesquisadores devido à sua produção referente às crianças pré-escolares e inteligências múltiplas, apresenta uma contribuição bastante rica em seu livro As Artes e o Desenvolvimento Humano. O livro situa-se dentro do campo da psicologia desenvolvimentista. Gardner dedica um capítulo especialmente à criança pequena como artista, onde enfatiza as atividades infantis e as artes adultas, sendo que, segundo ele, as primeiras já se encontram envolvidas no processo artístico. Embora estejamos priorizando o desenho infantil, acreditamos ser interessante a maneira como o autor trata de outras linguagens artísticas tais como a música, pintura e literatura quando trata do desenvolvimento do processo artístico. Para Gardner há noções ou sensos que já se encontram presentes, pois a criança pequena já aprecia e compreende as mensagens transmitidas pelos objetos de arte; há senso de ritmo e harmonia, necessitando de um pouco de refinamento. Segundo ele, a criança de cinco anos já é capaz de experiência sentimentos quando contempla objetos simbólicos e de apreciar a linha entre realidade e ilusão. E que, posteriormente atingirá o grau de jovem artista e jovem executor, tendo então desenvolvido muito de seu potencial artístico por ter entrado em contato com estas produções da humanidade. Coloca ainda que, sobretudo os bem pequenos, imprimem em suas produções grande parte de sua personalidade, o que para ele nos permite conhecê-las melhor, e que o desenho surge aí como uma das linguagens, assim como a pintura, para análise do desenvolvimento e da personalidade infantil. O estudo minucioso de Gardner, apesar de muito contribuir com os conhecimentos acerca da produção infantil, não apresenta formas inovadoras de concebê-los. Podemos colocá-los ao lado das demais produções cujas análises pautam-se pela interpretação possibilitando ao adulto que entra em contato com seu estudo, uma concepção de ordem psíquica do fazer infantil. Gardner define da seguinte maneira o desenvolvimento gráfico-plástico da criança: 31 O autor da teoria das Inteligências Múltiplas, vê no Primeiro momento (estágio, etapa ou período) uma forma de conhecimento Intuitivo, construída a partir das interações com objetos físicos e com outras pessoas, adquiridos por meio de sistemas de percepções sensoriais e interações motoras,que são estimuladas pelo mundo externo, mesmo em crianças com dificuldades ou limitações físicas. Segundo ele, relações de causa-efeito, compreensões da natureza e da constituição de objetos e do mundo, bem como dos números, formarão a base das teorias que surgirão mais tarde. No Segundo momento, denominado por ele de Simbólico, a criança constrói seus símbolos por meio de ações, objetos e conceitos. Na verdade, são representações sobre representações. Ex: fingir beber numa xícara. Isso representa um significado e tem uma função lúdica e comunicativa, implicando uma conversa interna, tornada possível pela interiorização da ação e expressada pelas representações verbais, visuais, gestuais, sonoras e plásticas. Afinal, nas palavras de Gardner: “muito conhecimento é aprendido e comunicado através de gestos e outros meios paralinguísticos. A descrição dos aspectos do mundo através de desenhos, construções com blocos ou argila, ou outros veículos icônicos, é um acesso ao simbólico de grande significação na primeira infância”. O Terceiro momento é descrito por Gardner como a Idade de Ouro do Desenho pois aos 4, 5 e 6 anos a criança elabora soluções criativas para expressar o espaço, a sobreposição, o que tem por baixo ou por traz das coisas, criando uma lógica e uma coerência perfeitamente adequadas aos seus intentos. Agora a criança tem intenção de buscar verossimilhança em sua representação, procurando convenções e regras com uma certa exigência. Por essas características, Gardner denomina este período de Notacional — a criança é dominada pelo desejo de registrar tudo: o que vê, sabe, intui e imagina. O Quarto momento Gardner chama de Conhecimento Conceitual Formal — a metamorfose adolescente: “quem sou eu?” “Para onde vou?” “Que profissional quero ser?”. Marcas representativas da problematização da identidade e a gênese do pensamento formal. Segundo ele, tal mudança de perspectiva provoca alterações na produção artística- estética do adolescente. Como “construtor de ideias”, com prazer de lidar com novas proposições, o adolescente realiza espontaneamente suas metáforas, ampliando-as e 32 aprofundando-as; o que faz com que procure o seu estilo pessoal e uma liberdade de expressão, com a experimentação de formas abstratas. Para Gardner, essa preocupação nascente com as formas abstratas pode também ser vista no curioso fenômeno que chamou de doodle — rabiscos sem sentido que estão nas carteiras, nos banheiros, nas agendas, na rua. Teorias Centradas Na Individualidade: Potencialidades Expressivas, Perceptivas e Cognitivas do Saber LUQUET Uma das primeiras publicações a respeito do desenho de crianças foi realizada por Georges Henri Luquet, em 1913, ao escrever a obra Os desenhos de uma Criança, na qual apresenta os desenhos de sua filha. Em 1927, publicou a obra clássica O desenho Infantil. Conforme visão vigente em sua época, Luquet considerou as produções gráficas das crianças tomando como referência o desenho do adulto, daí a interpretação dada por ele repousar na noção de realismo. Apesar de não aceitarem esse ponto de vista, estudos posteriores, principalmente em psicologia, continuaram a usar a terminologia de Luquet, o que lhes deu uma visão marcadamente evolutiva. A influência desses estudos no ensino pode levar os professores a verem, de modo inadequado, os desenhos das crianças como produções a serem melhoradas, ou até como incorretas. Antropólogo e pesquisador do desenho infantil do início do século XX, podemos situá-lo entre aqueles cuja preocupação voltava-se para o desenho espontâneo da criança e, como Victor Lowenfeld e Rhoda Kellogg, aponta posturas a serem adotadas pelos adultos frente a essa produção infantil. Provavelmente devido à sua formação, propõe que sejam consideradas as produções gráficas produzidas pelas crianças em diferentes contextos, estados e países, 33 procurando-se perceber as diferenças culturais existentes no desenho. Assim, estabelece fases para o desenvolvimento do desenho infantil: Realismo Fortuito: começa por volta dos dois anos e põe fim ao período chamado rabisco. A criança que começou por traçar signos sem desejo de representação descobre por acaso uma analogia com um objeto e passa a nomear seu desenho. Caracteriza-se pelos aspectos espontâneos e com a intenção de representação, mas sem correspondência com a percepção (figuras humanas = círculos e traços). http://cmapspublic3.ihmc.us/rid=1HTQWWTGX-21YXKS0-6DTH/Girino.gif Realismo Fracassado: geralmente entre 3 e 4 anos tendo descoberto a identidade forma-objeto, a criança procura reproduzir esta forma. Realismo Intelectual: estendendo- se dos 4 aos 10 e 12 anos, caracteriza-se pelo fato que a criança desenha do objeto não aquilo que vê, mas aquilo que sabe. Nesta fase ela mistura diversos pontos de vista e já é capaz de chegar a síntese gráfica, desenhando tudo o que está presente no objeto, tanto de ordem visível como os invisíveis, inclusive os elementos abstratos que só tem existência no espírito do desenhista. Realismo Visual: acontece geralmente por volta dos 12 anos, e é marcado pela descoberta da perspectiva. Neste momento há, um enxugamento progressivo do grafismo 34 que tende a se juntar às produções dos adultos. Nesta última fase teríamos um empobrecimento da arte infantil devido a uma maior capacidade de imitar ou copiar produções de outros, recebendo, portanto, influência do ambiente externo. E diz: “julgo que, no que diz respeito ao desenho, o que terá de melhor a fazer o educador é apagar-se, deixar a criança desenhar o que quer, propondo-lhe temas sempre que ela necessita, sobretudo quando lhe pede, mas sem lhe impor e, sobretudo deixá-la desenhar como quer, a seu modo”. (Luquet) Pode-se perceber, claramente, sua opção pela forma de produção espontânea da criança e a proposta de um trabalho cuja preocupação volta-se para práticas nas quais a participação adulta esteja em segundo plano. A este cabe o papel de orientador sem, contudo, ter propostas de trabalho diretivas e não voltadas para a percepção do percurso criador da criança. JEAN PIAGET Jean Piaget nasceu em Neuchâtel, Suíça em 1896 e faleceu em 1980. Escreveu mais de cinquenta livros e monografias, tendo publicado centenas de artigos. Estudou a evolução do pensamento até a adolescência, procurando entender os mecanismos mentais que o indivíduo utiliza para captar o mundo. Como epistemólogo, investigou o processo de construção do conhecimento, sendo que nos últimos anos de sua vida centrou seus estudos no pensamento lógico-matemático. Até o início do século XX assumia-se que as crianças pensavam e raciocinavam da mesma maneira que os adultos. A crença da maior parte das sociedades era a de que qualquer diferença entre os processos cognitivos entre crianças e adultos era, sobretudo, de grau: os adultos eram superiores mentalmente, do mesmo modo que eram fisicamente maiores, mas os processos cognitivos básicos eram os mesmos ao longo da vida. Piaget, a partir da observação cuidadosa de seus próprios filhos e de muitas outras crianças, concluiu que em muitas questões cruciais as crianças não pensam como os adultos. Por ainda lhes faltarem certas habilidades, a maneira de pensar é diferente, não somente em grau, como em classe. 35 A teoria de Piaget do desenvolvimento cognitivo é uma teoria de etapas, uma teoria que pressupõe que os seres humanos passam por uma série de mudanças ordenadas e previsíveis. http://avisala1.tempsite.ws/portal/wp-content/uploads/2013/02/avisala_31_tempo5.jpg Segundo ele, a criança é concebida como um ser dinâmico, que a todo o momento interage com a realidade, operando ativamente com objetos e pessoas. Essa interação com o ambiente faz com que construa estruturas mentais e adquira maneiras de fazê-las funcionar.O eixo central, portanto, é a interação organismo meio e essa interação acontece através de dois processos simultâneos: a organização interna e a adaptação ao meio. A adaptação, definida por Piaget, como o próprio desenvolvimento da inteligência, ocorre através da assimilação e acomodação. Os esquemas de assimilação vão se modificando, configurando os estágios de desenvolvimento. Considera, ainda, que o processo de desenvolvimento é influenciado por fatores como: maturação (crescimento 36 biológico dos órgãos), exercitação (funcionamento dos esquemas e órgãos que implica na formação de hábitos), aprendizagem social (aquisição de valores, linguagem, costumes e padrões culturais e sociais) e equilibração (processo de auto regulação interna do organismo, que se constitui na busca sucessiva de reequilíbrio após cada desequilíbrio sofrido). Assim, em uma análise piagetiana sobre o Grafismo Infantil, temos: Garatujas: faz parte da fase sensório motora (0 a 2 anos) e parte da fase pré-operacional (2 a 7 anos). A criança demonstra extremo prazer nesta fase. A figura humana é inexistente ou pode aparecer de maneira imaginária. A cor tem um papel secundário, aparecendo o interesse pelo contraste, mas não há intenção consciente. Pode ser dividida em: Desordenada: movimentos amplos e desordenados. Com relação a expressão, vemos a imitação “eu imito, porém não represento”. Ainda é um exercício. Ordenada: movimentos longitudinais e circulares; coordenação viso-motora. A figura humana pode aparecer de maneira imaginária, pois aqui existe a exploração do traçado; interesse pelas formas (diagramas). Pré-Esquematismo: dentro da fase pré-operatória, aparece a descoberta da relação entre desenho, pensamento e realidade. Quanto ao espaço, os desenhos são dispersos e, inicialmente, não se relacionam entre si. Então, aparecem as primeiras relações espaciais, que surgem, devido a vínculos emocionais. A figura humana torna-se uma procura de conceitos que, depende do seu conhecimento ativo, inicia a mudança de símbolos. Quanto à utilização das cores, pode usar, mas não há relação ainda com a realidade, apenas dependentes do interesse emocional. Dentro da expressão, o jogo aparece como: “nós representamos juntos”. Esquematismo: faz parte da fase das operações concreta (7 a 10 anos). Esquemas representativos, afirmação de si mediante repetição flexível do esquema; experiências novas são expressas pelo desvio do esquema. Quanto ao espaço, o primeiro conceito definido é a linha de base. Já tem também definido o conceito de figura humana, porém aparecem desvios de 37 esquemas como exagero, negligência, omissão ou mudança de símbolos. Aqui existe a descoberta das relações quanto à cor; cor–objeto, podendo haver um desvio do esquema de cor expressa por experiência emocional. Aparece na expressão o jogo simbólico coletivo ou jogo dramático e regra. Realismo: também faz parte da fase de operações concretas, mas já no seu final. Existe uma consciência maior do sexo e autocrítica pronunciada. No espaço, é descoberto o plano e a superposição e a linha de base é abandonada. As formas geométricas aparecem com maior rigidez e formalismo. Acentuação das roupas diferenciando os sexos. Aqui acontece o abandono do esquema de cor, a acentuação será de enfoque emocional. Tanto no Esquematismo como no Realismo, o jogo simbólico e dramático é coletivo e as regras passam a existir. Pseudo Naturalismo: estamos na fase das operações abstratas (10 anos em diante). É o fim da arte como atividade espontânea. Inicia a investigação de sua própria personalidade. Aparece aqui dois tipos de tendências: visual (realismo e objetividade); hápticos (expressão e subjetividade). No espaço já apresenta a profundidade ou a preocupação com experiências emocionais (espaço subjetivo). Na figura humana as características sexuais são exageradas, presença das articulações e proporções. A consciência visual (realismo) ou acentuação da expressão, também fazem parte deste período. Há uma maior conscientização no uso da cor, podendo ser objetiva ou subjetiva. A expressão aparece como: “eu represento e você vê”. Aqui estão presentes o exercício, o símbolo e a regra. RUDOLF ARNHEIM Na Universidade de Berlim, onde foi contemporâneo de Albert Einstein, Arnheim estudou psicologia, na época considerada um ramo da filosofia. Fez também cursos de história da arte e de música. Finalmente, tornou-se discípulo dos criadores da escola da Psicologia da Forma (Gestalt), hoje considerados os precursores das modernas ciências cognitivas. De acordo com esta escola de pensamento, para entender fenômenos psicológicos como as ilusões perceptuais, não é suficiente isolar elementos para analisar, 38 porque a percepção humana pode organizar os estímulos sensoriais de várias maneiras, tornando o todo diferente da soma das partes. A escola de pensamento deu grande contribuição à psicologia do aprendizado, à compreensão da memória, ao estudo da personalidade e à psicologia social. https://encrypted-tbn2.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcTWfNJJ4AQB3-iIWfeb-wHdD26fGu06ngpqTkWBOpVuUXHbHYMW Rudolf Arnheim casou com uma norte-americana e se estabeleceu definitivamente nos Estados Unidos. A partir de 1943 atuou também como professor de Psicologia da Arte no Sarah Lawrence College de Nova York e em 1954 publicou o seu principal livro nesta área: Arte e Percepção Visual: uma Psicologia da Visão Criadora, (1974), e que seria traduzido para dezenas de línguas. Este livro foi publicado pela primeira vez no Brasil em 1980 e reimpresso pela décima quinta vez em 2004. Por duas vezes, Arnheim foi presidente da Sociedade Americana de Estética. Viveu por cinco anos em Cambridge, até se aposentar, em 1974 aos 70 anos. Então decidiu viver na cidade de Ann Arbor, no interior do estado de Michigan, terra natal de sua mulher Mary. Lá continuou uma impressionante produção de dezenas de ensaios sobre a psicologia da gestalt aplicada às artes visuais, à música e à arquitetura, ao mesmo tempo em que atuou ocasionalmente como professor visitante da Universidade de Michigan e de instituições de Nova York por mais dez anos. Em 1982 publicou o seu último grande livro, The Power of 39 the Center. Não é preciso dizer que este estudo da composição nas artes visuais também se tornou um clássico na área e foi traduzido para dezenas de línguas, inclusive o português. Após 1988, Arnheim publicou ainda outros três livros menores e mais dezenas de ensaios. Com quase 90 anos de idade viveu o período mais produtivo de sua atividade intelectual. O site criado por seu discípulo alemão Helmut Diederichs, com o nome de Fórum Arnheim, publica uma mensagem de Margaret Arnheim Nettinga, filha de Rudolf, datado de 4 de maio de 2004. Na mensagem, ela conta que o pai não pode mais falar ao telefone, pois tem problemas de audição, e também não lê mais sua correspondência, por problemas de visão. Conta também que embora estivesse muito fragilizado, Arnheim estava extremamente feliz por comemorar cem anos de vida (15 de julho de 2004), e que pediu para ela fazer uma festa simples. Quanto ao grafismo infantil, ele nos deixa o seguinte pensamento: Que é possível acompanhar a produção gráfica infantil desde os primeiros momentos, embora as construções sejam consideradas mais sensório-motoras do que representativas. Segundo ele, a criança aprende as estruturas globais (gestálticas) das coisas, pois ela desenha o que vê, o que é percebido uma vez que não tem por objetivo representá-las. Mais, para ele não há uma relação fixa entre idade e o estágio do desenho das crianças e que, portanto, podem refletir variações individuais em proporção ao crescimento artístico. Arnheim, assim como outros autores, concebe a presença ou indícios de “movimentos expressivos”já nos primeiros contatos da criança com o grafismo e que mais tarde estarão presentes nas representações plásticas. Para ele, as elaborações gráficas infantis tem início nas formas simples (linhas com direções, círculos, oval, etc.) que, combinando-se, originam um vocabulário próprio com referências e signos constantes, exemplo: sol, boneco, casa, etc. Para Arnheim, a criança antes de tudo percebe a gestalt da forma. Assim, uma mão é uma forma circular com cinco raios; e como para a criança pequena mais que dois é igual a “n”, ela coloca uma porção de dedos. 40 Sem dúvida para este autor o que interessa é a forma em sua simples e harmônica construção. O todo visivelmente captado e registrado por linhas que se convertem em formas. VICTOR LOWENFELD Filho de pais judeus nasceu em 1903 e faleceu aos 57 anos. Em uma entrevista autobiográfica feita em 1958 por alunos de pós-graduação da Penn State University, onde ensinou e dirigiu o Departamento de Arte Educação por 14 anos, Victor Lowenfeld revive seu sofrimento e de sua família para sobreviver a duas Grandes Guerras. Na Primeira, ainda criança fala da ajuda da arte para conseguir algum alimento para sobreviver (desenhando e pintando), e na Segunda da ajuda de Herbert Read facilitando sua ida a Inglaterra e logo depois para os Estados Unidos. Lowenfeld começara sua vida profissional na Áustria apostando na capacidade criadora dos cegos introduzindo-os no universo da arte. Já na América também iniciara sua vida profissional pela educação inclusiva, desta vez do ponto de vista racial, pois o Hampton Institute é uma Instituição criada para a educação superior dos afro-americanos. São de sua autoria as publicações: A Natureza da Atividade Criadora (1938), Criatividade e Desenvolvimento Mental (1947). Em Lowenfeld, temos a presença da proposta da livre-expressão, como forma de manifestação da produção infantil. Propõe que a criança esteja livre da influência dos outros e do social. Considera que ao estarem em contato com outras crianças pode surgir a imitação que seria uma forma de submeter-se às ideias alheias e modelos externos. A criança teria fases do desenvolvimento de seus desenhos que deveriam ser incentivadas e consideradas com o propósito de proporcionar maior crescimento e o desenvolvimento da criatividade. Estas fases ou estágios seguiriam uma ordem natural e espontânea cujo conhecimento e apoio deve ser feito com bases, não no produto final da criança e sim, ter como preocupação os processos pelos quais passam as crianças enquanto fazem seus desenhos. 41 Em síntese as fases do desenvolvimento divulgadas por Lowenfeld são as seguintes: Estágio Sensório-motor (0 a 2 anos): não tem habilidade adquirida e percebe o meio com simplicidade e subjetividade; imitação crescente com pesquisa de movimentos e curiosidade na exploração de materiais diversos por meio do reflexo de sucção (leva tudo à boca). Os movimentos são descontrolados e proporcionam prazer à criança. Estágio das Garatujas (2 a 4 anos): Desordenada — Ausência de controle dos movimentos. Uso da cor pelo simples prazer de experimentá-las, sem intenções. A figura humana não aparece e o espaço não é totalmente utilizado. Ainda muito próxima da rabiscação, seus desenhos variam muito, ora fracos e concentrados, ora fortes e dispersos no papel. Longitudinal — Movimento repetido em várias direções, principalmente na vertical e horizontal. Estabelecimento da coordenação entre a atividade visual e motora com controle dos movimentos. A cor ainda é usada inconscientemente. O espaço é utilizado somente de base sinestésica, e que muitas vezes não saem de um mesmo lugar, e outras, riscam uma folha inteira, misturando tudo que já experimentaram. Circular — Autoafirmação do controle através de desvios do tipo de movimento. Com o treino aparecem ensaios repetidos de pequenas células ou círculos ainda sem intenção, significado ou expressão. É a exploração do movimento circular feito com todo o braço, que varia o tamanho: de um pequeno ponto até o círculo que ocupa a folha toda. A cor ainda é utilizada com base emocional. Controlada — Já apresenta um pensamento imaginativo. Mistura movimentos com frequentes interrupções. A figura humana se apresenta de modo imaginativo através do ato de comentar, onde os pequenos círculos se transformam em pessoas e animais, dando-lhes cabelos, olhos e membros (em geral braços). Espaço puramente imaginativo. Cor usada para distinguir diferentes significados de garatujas. O desenho deixa de ser simples 42 expressão motora e passa a representar coisas de sua realidade, em geral figuras humanas. Intencional — Aparece nos desenhos outros elementos além da figura humana, quase compondo uma cena, ainda que rudimentar. Enquanto desenha, a criança fala e conta histórias, explicando seus rabiscos de diversas maneiras. A figura humana é mais completa com cabeça, tronco e membros definidos com pés e mãos. No final desta fase a criança começará a misturar aos seus desenhos uma escrita fictícia, traçada, em forma de serras ou pequenos elementos parecidos com nossos signos. Estágio Pré-esquemático (4 a 6 anos): descoberta da relação entre desenho, pensamento e realidade. A criança começa a representar coisas de sua realidade e a exprimir sua fantasia, desenhando vários objetos ou o que imagina deles. A ação é voltada para resultados concretos com maior poder de concentração e uma intensa formação de conceitos. Mudança dos símbolos e da forma em virtude da constante procura dos mesmos. Estágio Esquemático (6 a 9 anos): descoberta de um conceito definitivo de homem e meio, dependendo do conhecimento ativo e da personalidade através da repetição, “esquema”. Conceitos bem definidos de linha de base e linha do horizonte. Linha de base: exprime base ou terreno onde os objetos são desenhados perpendiculares a esta linha. Linha do horizonte: exprime o céu. Há um afastamento do esquema da cor (mesma cor para o mesmo objeto). Mostra experiência emocional no seu trabalho. Neste estágio o desenho melhora em acabamento e detalhes, mas não evolui. A grande evolução agora é na escrita onde, é comum aparecer balões representando conversas entre personagens de seus desenhos, como também pequenos textos que parecem explicar melhor a situação ou ação deles. Mais do que nunca o educador deve estimular a auto expressão, desencorajando a cópia e o desenho estereotipado. Estágio do Realismo (9 a 11 anos): há um afastamento do esquema, onde as linhas de base e do horizonte se encontram cobrindo o espaço em branco que existia na fase anterior. Tendência para linhas realísticas. Maior rigidez resultante da atitude egocêntrica e da ênfase sobre os detalhes como roupas, cabelos, etc. Maior consciência do eu em relação ao sexo (diferença 43 acentuada entre meninos e meninas). É a idade dos “bolinhos”, “bandos”, meninos junto de meninos e meninas junto de meninas. A cor é usada em relação a experiências subjetivas. Estágio Pseudo-realístico do Raciocínio (11 a 13 anos): aproximação realística inconsciente. Tendência a disposição visual e não visual. Amor a ação e a dramatização. Introdução das articulações na figura humana. Atenção visual às mudanças de movimento introduzidas através do movimento ou da atmosfera. Espaço tridimensional expresso pelas proporções diminuídas dos objetos distantes. Regressão do não disposto visualmente, como a linha de base ou a expressão do meio, por não considerá-las significativas. A cor está relacionada a um estado particular de humor. Estágio da Decisão: crise da adolescência (13 a 17 anos): consciência crítica ao meio e ao resultado representacional. Identificação mais clara do tipo visual, do “haptico” ou do misto. Tipo visual: impressões do meio no qual ocriador se sente espectador; ênfase na proporção exterior; na interpretação da luz e da sombra; perspectiva espacial; mudança das qualidades da cor em relação ao ambiente. Tipo haptico: experiências subjetivas; expressões emocionais nas quais o criador sente-se envolvido, onde os sentimentos íntimos são acentuados em contrastes com a aparência exterior; exibição de caráter e expressão muitas vezes de qualidades simbólicas; regressão à expressões com linhas de base; relação de valor dos objetos uns com os outros. Significação expressiva da cor, com uma certa conotação psicológica e emocional. Ao trabalharmos utilizando apenas a noção de fases do desenvolvimento do desenho da criança como propõe Victor Lowenfeld, pode-se gerar uma concepção etapista e, muitas vezes, recheada de preconceitos em relação à produção infantil. Lowenfeld tem como ponto positivo o fato de preocupar-se com o percurso criador da criança e assim proporcionar aos professores um maior contato com o mesmo. Em várias produções infantis podemos perceber que a preocupação dos adultos com o produto final gera inseguranças e a não valorização do que foi feito. 44 HERBERT READ Poeta e crítico de arte anarquista nasceu em 1893 em Yorkshire, Inglaterra, de uma família de agricultores. Foi conservador do Victoria and Albert Museum de Londres e professor de Arte na Universidade de Edimburgo, Cambridge, Liverpool, Londres e Harvard. Aproximou-se do anarquismo a partir de leituras de Kropotkin, Bakunine, Tolstoi e Ibsen. Seus livros Poesia e Anarquismo (1938), Educação pela Arte (1943), Arte e Alienação (1967), Filosofia do Anarquismo (1940), O Meu Anarquismo (1966), explicitam a filosofia de um intelectual culto e irrecuperavelmente anarquista. Herbert Read gostava de afirmar: "Uma civilização que, de maneira sistemática, recusa o valor da imaginação e a destrói, está condenada a soçobrar numa barbárie cada vez mais profunda". Morreu em 1968. https://encrypted-tbn1.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcTTOMq-VvlnFqPMB5niAfLgkRaccUCGbmEi3IWs2Org8SGjo9HOKA Segundo Read, nos primeiros anos a criança não consegue fazer uma distinção clara entre suas percepções do mundo externo e suas imagens acessórias, e que a imagem-memória separa-se apenas gradualmente dessas vívidas imagens eidéticas. Segundo ele, estas imagens eidéticas foram estudadas e definidas pelo professor Jaensch como sendo fenômenos perceptivos óticos, intermediários entre as sensações e as 45 imagens. O resultado disso é que os pequenos acreditam em suas produções fantasiosas, que chegam até a confundilas. Posteriormente a criança vai construindo novas relações e adquirindo maior domínio sobre o mundo imaginário até chegar o momento em que passa a valorizar a racionalidade abandonando a fantasia e a espontaneidade. H. Read influenciou muito o ensino da arte nos anos 60 ao defender a livre expressão. Considerava que a função da arte na escola é a de possibilitar a atividade criadora, mas entendida de forma ampla. Em seu livro, A Educação Pela Arte, Read defende que a arte, enquanto processo criador, é o elo que faz o ser humano ligar-se à vida; e que a criança vai fazer suas produções artísticas e descobrir a alegria da criação quando o ambiente ou as pessoas souberem motivá-la. O seu pensamento em relação ao que chama de livre expressão: “a criança começa a expressar-se desde o nascimento. Seus primeiros gritos e gestos são imagens primitivas por meio do qual tenta comunicar-se. Já nas primeiras semanas de vida podemos distinguir estas expressões, se dirigida — assegurar sua satisfação instintiva (ex: fome) que é expresso num sorriso quando atendido e em gritos quando não, ou não dirigida — exteriorizar sentimentos (ansiedade ou raiva) ou humores, que não são expressões relativamente indiretas e, aparentemente, não se destinam a assegurar a satisfações de necessidades imediatas”. Read chamou a isto de “livre expressão” que não implica necessariamente expressão artística, e que por essa razão não devemos ensinar diretamente a criança a desenhar e sim a prepará-la indiretamente, deixando-a livre para o misterioso e divino trabalho de produzir coisas de acordo com seus próprios sentimentos. Desenhar, desta maneira é satisfazer uma necessidade de expressão que quando estimulada (mecanicamente) pode traduzir pensamentos em realidade. Quanto ao desenvolvimento do desenho da criança, Read critica certos pontos que considera fundamentais em suas analises: o conceito do esquema, a teoria genética em geral e a suposta e inevitável fase de repressão. Segundo Read, a palavra “esquema” foi usada pela primeira vez, casualmente, por Sully ao descrever as primeiras tentativas das crianças, de várias nacionalidades e adultos não ensinados, para representar mãos e dedos (forma de garfo) que mais tarde foi 46 aproveitada por Kerschensteiner, que lhe atribuiu um significado importante: “esquema como sinais gráficos que se identificam com certas imagens que tem ou não relação reconhecível com o objeto”; e que Luquet chamou de “duplicidade de estilo” — a criança usa simultaneamente, para o mesmo sujeito dois estilos diferentes de representação: uma para sua satisfação pessoal, e outro como atitude social, para a satisfação de outras pessoas e, neste caso, utiliza-se da imitação, não só do que o adulto desenha, como também de suas ações para chegar ao realismo ou a modelos abstratos. Read sobre este assunto conclui: “a atividade gráfica na criança deve ser preservada, não só de qualquer intenção representacional, mas também de qualquer instinto imitativo. Seja o que for que a criança posa desenhar sob a influência ou instrução, desenha também para seus próprios fins, e é a natureza desta atividade independente que deve ser estabelecida em primeiro lugar”. (Read p.155) Quanto à imaginação cinestésica o autor assim se posiciona: “atividades espontâneas de expressão corporal inata que se torna gradualmente controlada, repetitiva e conscientemente rítmica. A linha torna-se ziguezague, o ziguezague uma linha ondulada, a linha ondulada volta-se sobre si mesma e torna-se uma curva, e a partir da curva desenvolve-se a espiral e o círculo que equivale ao rosto humano, que mais tarde ganha nome”. Read já traçou considerações sobre a natureza da imagem e as suas funções no processo do pensamento, encontrando razões para crer que nas crianças a imagem é vivacidade e em muitos casos pode ser eidéticas (como já mencionamos), mas que no decorrer do seu desenvolvimento, a imagem perde gradualmente a sua intensidade e individualização, e é substituída por conceitos, cuja função é facilitar o processo do pensamento e do raciocínio. Neste caso devemos nos apropriar de um meio de comunicação para representar nossas imagens; traduzir nossos pensamentos seja por meio oral, gestual ou visual. Segundo Read, a criança desenha aquilo que quer, o que pensa, o que sabe e não o que vê. Quer criar algo relativamente fixo e pessoal. Um escape da realidade, algo que é seu, e não uma imagem sem dono. Por isso cria um símbolo visual que expressará os seus sentimentos e comunicará as suas qualidades aos outros. 47 Na verdade, a criança tem sua própria ordem de valores que é abstrata ou simbólica e está ligada à intensidade de experiências que não podem ser controladas por fatos exteriores, e que por isso, devemos compreender que a atividade gráfica da criança é um meio especializado de comunicação com características e leis próprias. Desde o início, os desenhos são totalmente espontâneos. Apenas mudam porque uma atividade naturalista se impõe gradualmente: primeiro pela necessidade de copiar o mundo exterior; e em segundo lugar, pelo impulso de imitar modos naturalistas de representação praticados por pais e educadores (esquemas). Esta duplicidade, que é tão clara nas crianças,
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