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Apresentações em PowerPoint/Didática do ensino superior videoaula 1.pdf Didática no ensino superior Carga horária 68h Aula 1 Eniel do Espírito Santo Ensino e aprendizagem: fundamentos teóricos – parte I Didática: breve evolução histórica Antiguidade até século XIX: Aprendizagem passiva e receptiva; Aprender como sinônimo de “decorar”; Ideias defendida por Aristóteles; Ratio Studiorum (1589) – Companhia de Jesus Didática Magna (1649) - Comenius •Ser humano como tábua lisa ou papel em branco, em que tudo poderia ser impresso. Processo avaliativo do curso Construtivismo: Piaget Tendência de equilíbrio entre os processos de assimilação e acomodação, visa explicar não somente como conhecemos o mundo num dado momento, mas também como se modifica o conhecimento do indivíduo em relação ao mundo. Construtivismo: Piaget O processo de elaboração do conhecimento e consequente aprendizagem é ativo, pois o sistema cognitivo do indivíduo seleciona e interpreta a informação do meio para construir um novo conhecimento, reconstruindo e reinterpretando constantemente o estímulo dentro do seu referencial intelectual. Construtivismo: Vygotsky Propõe a teoria sócio-interacionista em que a construção do conhecimento é resultado direto da interação entre educando, educador e conteúdo. o aluno é elemento ativo na construção de seu conhecimento, através do contato com o conteúdo e da interação feita no grupo; o conteúdo favorece a reflexão do aluno, e o professor é o responsável pela orientação da construção de significados e sentidos em determinada direção. Vygotsky (apud Santo; Luz, 2013) Construtivismo: Vygotsky Vídeo: “Como aprendemos?” Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qpAL6_ik7UI Referências NOGUEIRA, M. O. G.; LEAL, D. Teorias da aprendizagem: um encontro entre os pensamentos filosófico, pedagógico e psicológico. Curitiba: Intersaberes, 2013. SANTO, Eniel Espírito; LUZ, Luiz Carlos Sacramento. Didática no Ensino Superior: desafios e perspectivas. Saberes - Revista Interdisciplinar de Filosofia e Educação, Natal, v. 1, n.8, ago. 2013, p. 58-72. Disponível em: https://goo.gl/eDpD1D Acesso em 20 nov. 2016. https://goo.gl/eDpD1D Fim Dr. Eniel do Espírito Santo Didática no Ensino Superior Apresentações em PowerPoint/Didática do ensino superior videoaula 2.pdf Didática no ensino superior Carga horária 68h Aula 2 Eniel do Espírito Santo Ensino e aprendizagem: fundamentos teóricos – parte II Andragogia Arte e ciência de ajudar os adultos a aprender (Knowles) Como os adultos aprendem: algumas especificidades (Kelvin Miller) 1. Adultos retêm 10% do que ouvem após 72 horas; 2. Adultos retêm 85 % do ouvem, vêm e fazem no mesmo período; 3. As informações mais lembradas são aquelas recebidas nos primeiros 15 minutos; 4. Adultos tendem a se concentrar numa explanação teórica por 7 minutos. Depois disso a atenção tende a se dispersar. Como os adultos aprendem: algumas especificidades (Consenza e Guerra ) 1. Cérebro observa o ambiente e aprende o que for relevante para a sobrevivência do indivíduo; 2. Ambiente envolvente e estimulante em que os estudantes tenham papel ativo; 3. Exposições muito longas dificilmente serão capazes de manter o foco atencional por todo o tempo. Didática Pedagogia da autonomia Saberes necessários à prática educativa (Paulo Freire) TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA - YVES CHEVALLARD Saber científico Saber a ensinar Saber ensinado CONTRATO DIDÁTICO Marco de condições e regras da relação professor/estudante: Condicionado por: (a) cultura institucional (b) as representações sociais dos participantes 1. Responsabilidades; 2. Expectativas (explícitas e implícitas); 3. Tipo de relação com o saber; 4. Regras para as devolutivas. MEDIAÇÃO DIDÁTICA Ações, recursos e estratégias que os docentes utilizam para facilitar a aprendizagem dos estudantes a. Vinculada ao desejo de ambos participantes; b. Vinculada a interações sociais(Vygotsky) - Mediações externas; c. Executável somente em relação ao sujeito aprendiz - Mediações internas. Transposição didática Estratégias de aprendizagem Discente (Novato) Docente (Experiente) Saberes (Conteúdos curriculares) Contrato Didático Aula Referências CAVALCANTI, Roberto de Albuquerque; GAYO, Maria Alice F. Silva. Andragogia na educação universitária. Conceitos, Jul. 2004/ Jul. 2005, p. 44-51. Disponível em: https://goo.gl/pmiBKj Acesso em: 21 nov. 2016. CHEVALLARD, Yves. Sobre a teoria da transposição didática: algumas considerações introdutórias. Revista de Educação, Ciências e Matemática, v.3, n. 2, maio/ago, 2013, p. 1-14. Disponível em: https://goo.gl/H9k53a Acesso em: 27 nov. 2016. CONSENZA, Ramon M.; GUERRA, Leonor B. Neurociência e educação: como o cérebro aprende. Porto Alegre: Artmed, 2011. FERRARI, Eduardo Fiore; SÁENS, Julia Leymonié. Didactica Practica: para enseñanza media y superior. Montevideo: Magro, 2007. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. PERISSÉ, Gabriel. A arte de ensinar. São Paulo: Francisco Luna, 2004. Fim Dr. Eniel do Espírito Santo Didática no Ensino Superior Slide 1 Slide 2 Slide 3 Slide 4 Slide 5 Didática Slide 7 Slide 8 Slide 9 Slide 10 Slide 11 Slide 12 Slide 13 Apresentações em PowerPoint/Didática do ensino superior videoaula 3.pdf Didática no ensino superior Aula 3 Eniel do Espírito Santo Competências para a docência no ensino superior Competências (Durand) Competência se configura como um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que possibilitam desempenhar determinada função na busca de resultados concretos. C. H. A. Competências (Durand) Saber Saber fazer Quer fazer Competências para ensinar(Perrenoud) 1.Organizar e dirigir situações de aprendizagem • Conhecer no âmbito de sua disciplina os conteúdos e sua relação com os objetivos da aprendizagem; • Trabalhar a partir dos erros e obstáculos à aprendizagem; • Construir e planejar dispositivos de sequências didáticas; • Envolver os estudantes em atividades de pesquisa, em projetos de conhecimento. Competências para ensinar(Perrenoud) 2. Administrar a progressão das aprendizagens • Conceber situações problemas ajustadas ao nível e possibilidade dos estudantes; • Adquirir uma visão longitudinal dos objetivos do ensino; • Observar e avaliar os estudantes; • Fazer balanços periódicos das competências e tomar decisões de progressão. Competências para ensinar(Perrenoud) 3. Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação • Administrar a heterogeneidade no âmbito da turma; • Fornecer apoio integrado, trabalhar com os alunos portadores de grandes dificuldades; • Desenvolver a cooperação entre os estudantes. Competências para ensinar(Perrenoud) 4. Envolver os estudantes em sua aprendizagem e seu trabalho • Suscitar o desejo de aprender, explicitar a relação com o saber; • Oferecer atividades opcionais de formação, à la carte; • Favorecer a definição de um processo pessoal do aluno. Competências para ensinar(Perrenoud) 5. Trabalhar em equipes • Elaborar projetos em equipe, com os demais professores. • Dirigir grupo de trabalhos, conduzir reuniões; • Enfrentar e analisar em conjunto situações complexas, práticas e problemas pessoais; • Administrar crises e conflitos pessoais. Competências para ensinar(Perrenoud) 6. Participar da administração da instituição • Participar do colegiado, Núcleo Docente Estruturante (NDE) etc; • Elaborar, negociar projetos com a instituição. 7. Utilizar tecnologias • Utilize criteriosamente as ferramentas multimídias que estão disponíveis; • Comunique-se com os alunos utilizando-se as facilidades proporcionadas pelas TDIC. Competências para ensinar(Perrenoud) 8. Enfrentar os deveres e dilemas éticos da profissão • Lutar contra toda forma de preconceito: étnicos, sexuais, sociais etc; • Analisar a relação pedagógica, a autoridade, a comunicação em sala de aula; • Desenvolver o senso de responsabilidade, solidariedade e sentimento de justiça. Competências para ensinar(Perrenoud) 9. Administrar sua própria formação continuada • Estabelecer seu próprio balanço de competências e seu programa pessoal de formação continuada. Referências VALENTE, Geilsa Soraia Cavalcanti; VIANA, Ligia de Oliveira. As competências para o ensino de nível superior no Brasil: um olhar reflexivo sobre esta prática. Revista Ibero-americana de Educação, n. 56/1, 15 jul. 2011, p. 1-12. Disponível em: https://goo.gl/JNfnUz Acesso em 21 nov. 2016. PERRENOUD, Philip. Dez novas competências para ensinar. Convite à viagem. Porto Alegre: Artmed, 2000. DURAND, Thomas. Forms of incompetence. In: SANCHES, Ron; HEENE, Aimé. Theory for competence-based management. Greenwich, CT: JAI Press, 2000. Disponível em: https://goo.gl/jtsYef Acesso em 25 nov. 2016 Fim Dr. Eniel do Espírito Santo Didática no Ensino Superior Slide 1 Slide 2 Slide 3 Slide 4 Slide 5 Slide 6 Slide 7 Slide 8 Slide 9 Slide 10 Slide 11 Slide 12 Slide 13 Slide 14 Apresentações em PowerPoint/Didática do ensino superior videoaula 4.pdf Didática no ensino superior Aula 4 Eniel do Espírito Santo Técnicas de ensino: estratégias facilitadoras para o ensino e aprendizagem Técnicas de ensino As técnicas de ensino variam de acordo com as disciplinas, com o ritmo dos grupos, com os interesses dos estudantes, com as condições estruturais do curso, com os conhecimentos prévios dos alunos, com o valor atribuído pelo professor a cada aspecto de sua área de conhecimento. Técnicas de ensino Aula expositiva dialogada • Excelente técnica para abordar conteúdos factuais, conceituais; • Deve ser dialógica: estimular o pensamento crítico do estudante por meio do diálogo, favorecendo o intercâmbio de saberes e experiências; • O professor toma como ponto de partida a experiência do aluno com o tema a ser desenvolvida na aula; • Sempre que possível utilize o layout das cadeiras em círculo ou semicírculo, pois promovem o diálogo. Técnicas de ensino Estudo dirigido • Tarefa orientada a ser realizada pelo estudante individualmente ou em grupo; • Desenvolve no estudante habilidades e hábitos de trabalho independente e criativo, sistematizar e consolidar conhecimentos, habilidades, vencer dificuldades e desenvolver métodos próprios de aprendizagem (aprender a aprender); • Deve conter instruções claras e questões ou perguntas enunciadas com clareza e precisão, correspondendo aos conteúdos da disciplina. A orientação do estudo deve ser realizada preferencialmente de forma escrita. Técnicas de ensino Trabalho em grupo • O trabalho em grupo propicia o aprendizado de conteúdos não só conceituais e factuais como também conteúdos atitudinais (respeito às opiniões distintas, tolerância com o diferente, etc.); • A formação dos grupos seja pensada de acordo com os objetivos traçados pelo professor; • Os grupos podem formados para atividade de uma aula, para uma tarefa que pode levar mais de uma aula ou pode ser mais fixa, como por exemplo, ao longo do semestre. Técnicas de ensino Philips 66 • O objetivo é verificar o nível de conhecimento prévio da turma sobre um determinado assunto, constituindo-se numa avaliação diagnóstica; • A turma é dividida em grupos de 6 pessoas, variando com o número de estudantes em sala. O grupo deve debater um assunto em 6 minutos para apresentar suas conclusões; • serve como um disparador, um motivador para a introdução de um tema a ser estudado. Para o professor fornece uma avaliação mapeando-se o nível dos conhecimentos prévios. Técnicas de ensino Grupo de verbalização (GV) e grupo de observação (GO) • Uma parte da classe forma um círculo central (GV) para discutir um tema, enquanto os demais formam um círculo em volta, para observar (GO); • O GO deve observar, se os conceitos estão corretos, se os colegas estão sabendo relacionar conteúdos anteriores com novos, se todos estão participando, se fogem que foi pedido etc; • Depois, os alunos do (GO) relatam suas observações e dá-se um debate na turma. Pode-se extrair conclusões relativas à definições de conceitos, à posturas, à desvio da pauta ou objetivo da tarefa etc. Técnicas de ensino Roda de perguntas • Consiste na formação de uma roda no centro da sala. Um tema é dado e todos terão que formular perguntas sobre ele e respondê- las assim que perguntados; • O primeiro estudante formula uma pergunta para o colega à sua direita que deverá respondê-la e formular outra em sequência para o outro colega, sucessivamente, até chegar novamente ao primeiro que iniciou a roda, respondendo a última pergunta elaborada. • Ao final, o professor faz considerações sobre o que observou. Técnicas de ensino Roda de perguntas • Favorece a construção de habilidades como saber tanto responder imediatamente algo que foi perguntado como formular uma questão corretamente; • Possibilita ao professor verificar se os estudantes compreenderam corretamente o conteúdo. Técnicas de ensino Tribunal • Turma deve ser organizada tal qual um tribunal, em que os estudantes serão jurados, advogados de defesa, promotores, juiz; • O réu deverá ser um tema polêmico a ser acusado e defendido pelos estudantes. Fica mais interessante quando os alunos que concordam com o tema devem ataca-lo e vice-versa Técnicas de ensino Tribunal • A postura das pessoas diante do problema deve ser analisada. • Isso possibilita a construção de uma habilidade muitas vezes necessária no mundo do trabalho. Técnicas de ensino Tempestade cerebral (Brainstorming) • Serve como disparador do tema e, como no Philip 66, fornece subsídio para uma avaliação diagnóstica do nível de conhecimento prévio sobre um assunto novo: • Dado o tema, os alunos deverão dizer aquilo que lhes vêm à mente, sem preocupação de censura de ideias; • Estas são anotadas na lousa e em seguida os pontos surgidos são separados em relevantes e irrelevantes, por exemplo. Técnicas de ensino Tempestade cerebral (Brainstorming) • A medida e quem o docente explana sobre o conteúdo, os pontos surgidos no Brainstorming podem ser validados ou não pelo grupo, à luz das novas informações fornecidas. Técnicas de ensino Seminários • Estudantes devem saber realizar uma pesquisa acadêmica, pois consiste na apresentação dos seus resultados; • Os temas a serem pesquisados, formas de apresentação, recursos e tempo devem ser especificados; • Uma disciplina planejada somente com a realização de seminários não é recomendável, uma vez que seminário é uma das técnicas possíveis. Técnicas de ensino Estudo de caso • Estudo de caso propicia que os estudantes resolvam situações-problema, estabeleçam pontos de relação com a realidade, percebam o conteúdo contextualizado e possam fazer a aplicação daquilo que aprenderam; • Os estudos de caso devem ser sugeridos ao longo das aulas, como também ao final do curso; • O objetivo do professor e a qualidade do conteúdo do caso influenciarão na escolha. Referências FGV. Projeto político pedagógico para os cursos de Graduação. Rio de Janeiro: FGV, 2006. SVINICKI, Marilla; MCKEACHIE, Wilbert J. Dicas de Ensino. Estratégias, Pesquisa e Teoria para Professores Universitários. São Paulo: Cengage Learning, 2012. Fim Dr. Eniel do Espírito Santo Didática no Ensino Superior Slide 1 Slide 2 Técnicas de ensino Técnicas de ensino Aula expositiva dialogada Técnicas de ensino Estudo dirigido Técnicas de ensino Trabalho em grupo Técnicas de ensino Philips 66 Slide 8 Técnicas de ensino Roda de perguntas Técnicas de ensino Roda de perguntas Técnicas de ensino Tribunal Técnicas de ensino Tribunal Técnicas de ensino Tempestade cerebral (Brainstorming) Técnicas de ensino Tempestade cerebral (Brainstorming) Técnicas de ensino Seminários Técnicas de ensino Estudo de caso Slide 17 Slide 18 Textos de apoio para as videoaulas/Aula 1. Artigo Santo e Luz (2013). Didatica no Ensino Superior - perspectivas e desafios.pdf ISSN 1984-3879, SABERES, Natal – RN, v. 1, n.8, ago. 2013, 58-73 DIDÁTICA NO ENSINO SUPERIOR: PERSPECTIVAS E DESAFIOS Eniel do Espírito Santo, Luiz Carlos Sacramento da Luz RESUMO A expansão do ensino de nível superior tem demandado cada vez mais docentes qualificados tanto para responder às exigências conteúdistas curriculares quanto para a condução pedagógica no espaço da sala de aula, constituindo-se assim num duplo desafio. Este artigo tem por objetivo discutir os aspectos da didática aplicáveis ao processo de ensino- aprendizagem no nível superior, considerando-se a necessidade de ressignificação dos modelos de ensino visto que as abordagens didáticas tradicionais amiúde deixam de atender às especificidades da contemporaneidade. Trata-se de uma pesquisa exploratória descritiva que utiliza como fonte de dados uma ampla pesquisa bibliográfica sobre a temática. O artigo conclui com a premente necessidade de reflexão da práxis didático-pedagógica do docente universitário frente às demandas da sociedade do século XXI e propõe algumas recomendações didáticas visando alavancar o processo de ensino-aprendizagem em adultos. Palavras-chave: Didática. Ensino Superior. Ensino-aprendizagem. Docente universitário. 1 INTRODUÇÃO Desde a última década do século XX temos observado ampla expansão das instituições de nível superior que buscam suprir a demanda por profissionais cada vez mais qualificados. Somente no Brasil o número de alunos universitários quase que dobrou no período de 2001 a 2010, alcançando o notável montante de 6,5 milhões de ingressos nos cursos de graduação e 173 mil na pós-graduação, conforme demonstram os dados do Censo da Educação Superior naquele país. (MEC, 2011) Esta crescente demanda pela qualificação de nível superior tem elevado a procura por docentes universitários nas mais diferentes áreas de competência. No caso específico do Brasil podem atuar no nível de ensino superior professores que tenham concluído no mínimo um curso de pós-graduação lato sensu 1 e que possuam aderência na sua formação acadêmica e/ou profissional com as disciplinas que porventura ministrarem. Todavia, diferente dos cursos de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) que frequentemente incluem nos seus currículos disciplinas relacionadas com a formação docente, os cursos de pós- graduação lato sensu são especializações em áreas distintas do saber que raramente oferecem 1 Pela legislação brasileira os cursos de pós-graduação são subdivididos em Stricto Sensu, destinados a formação de mestres e doutores, e Lato Sensu, cursos de especialização em determinada área do saber, com carga horária mínima de 360h. 59 ISSN 1984-3879, SABERES, Natal – RN, v. 1, n.8, ago. 2013, 58-72 qualificação pedagógica, apesar de também habilitarem seus egressos para o magistério superior. Todavia, muitos países em desenvolvimento sequer requerem que o professor universitário tenha cursado a pós-graduação, admitindo-se assim graduados que desejam lecionar apesar de não terem uma formação pedagógica que lhes auxiliem no desenvolvimento das competências necessárias para o exercício da práxis docente, induzindo- os a reproduzirem em sala de aula os modelos de ensino a que foram expostos durante a sua formação nos mais diversos sistemas educativos. Acrescente-se à discussão a dinâmica da vida moderna em que os alunos do ensino superior têm amplo acesso à informação e frequentemente necessitam conciliar sua atividade de estudo com as profissionais, não admitindo aulas que lhe deixe de acrescentar valor. A queixa que observamos por parte dos alunos é que seus professores ‘conhecem bem a matéria, mas não sabem passar’, isto é, são especialistas e dominam o conteúdo de ensino, no entanto, deixam de utilizar as técnicas didáticas corretas para ajudá-los a compreender. Com estas ideias como pano de fundo, este artigo busca responder à seguinte pergunta problematizadora: de que forma o docente universitário pode e deve utilizar a didática como elemento facilitador do processo de ensino-aprendizagem? Nosso objetivo é discutir os aspectos da didática aplicáveis ao processo de ensino-aprendizagem no nível superior, considerando-se a necessidade de ressignificação dos modelos de ensino, visto que as abordagens didáticas tradicionais amiúde deixam de atender às especificidades da contemporaneidade. Para tanto optamos pela estratégia metodológica de uma pesquisa exploratória descritiva que utiliza como fonte de dados uma ampla pesquisa bibliográfica sobre a temática. 2 DIDÁTICA: CONCEITOS FUNDANTES A palavra didática origina-se do grego didaktiké e tem sido usualmente traduzida por ‘a arte de ensinar’. Pode-se definir didática como um conjunto de atividades organizadas pelo docente visando favorecer a construção do conhecimento pelo estudante, sem caráter normativo ou mesmo prescritivo, ajustando-se ao projeto educativo de uma sociedade. Já o didata é o profissional de ensino que tanto desenvolve como reflete sobre sua prática numa disciplina específica do conhecimento. (FIORE FERRARI; LEYMONIÉ SÁEN, 2007) Até o século XIX a didática aparece no campo da educação fundamentando-se nos estudos da filosofia, tendo-se difundido especialmente a partir do livro de Jan Amos 60 ISSN 1984-3879, SABERES, Natal – RN, v. 1, n.8, ago. 2013, 58-72 Comenius (1592-1670) intitulado ‘Didactica Magna’ ou ‘Tratado da arte universal de ensinar tudo a todos’, publicado em 1657. Também são relevantes as contribuições de Jean Jacques Rousseau (1712-1778), Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), Johan Friederich Herbart (1777-1841) dentro outros autores que discutiram a temática. (GIL, 2008) Todavia, a partir do início do século XX a didática passou a receber aportes significativos de outras ciências como a Biologia e Psicologia, impulsionando muitos movimentos de reforma escolar que admitiam a falência didática do modelo tradicional e buscavam uma educação que considerasse os aspectos psicológicos relacionados com o processo de ensino e aprendizagem. Com as idéias tecnicistas de meados do século XX, a didática assumiu um conceito instrumental que enfatizava tão somente a elaboração de planos de ensinos, elaboração de objetivos, seleção de conteúdos e técnicas de ensino, confundindo- se assim com a metodologia de ensino. (GIL, 2008; FIORE FERRARI; LEYMONIÉ SÁEN, 2007) Gil (2008) destaca que o conceito meramente instrumental da didática tem sido criticado por educadores da corrente denominada Didática crítico-social dos conteúdo, pois defendem a necessidade de se estabelecer um projeto de sociedade que contemple a educação como elemento transformador da realidade e então uma proposta pedagógica que forneça instrumentos para que o educando atue como cidadão agente de mudança. Nesta abordagem, são significativas as idéias de José Carlos Libâneo ao afirmar que, [...] não existe o aluno em geral, mas o aluno vivendo numa sociedade determinada, que faz parte de um grupo social e cultura determinado, sendo que estas circunstâncias interferem na sua capacidade de aprender [...] Um bom professor que aspira ter uma boa didática necessita aprender a cada dia como lidar com a subjetividade dos alunos, sua linguagem, sua percepções, sua prática de vida. Sem esta disposição, será incapaz de colocar problemas, desafios, perguntas relacionadas com o conteúdo, condição para se conseguir uma aprendizagem significativa. (LIBÂNEO, 2001, p. 3) Corroborando com esta ideias, os autores Fiore Ferrari e Leymonié Sáen, (2007) propõem que o campo da didática compreenda um estudo de três dimensões distintas, ou seja, o estudante, os saberes culturais e o docente. O estudo de cada uma destas dimensões ajuda- nos a conhecer melhor os processos de aprendizagem dos estudantes e os de ensino do docente, atentando-se para os obstáculos, propondo soluções de aprendizagem para transpô- los e promover a apropriação dos saberes culturais. Conforme demonstra a figura 1, numa situação didática o docente possui conhecimentos e habilidades que lhe dão competências para atuar com base num contrato didático. 61 ISSN 1984-3879, SABERES, Natal – RN, v. 1, n.8, ago. 2013, 58-72 Figura 1: Triângulo didático Fonte: Fiore Ferrari; Leymonié Sáen (2007, p. 4) O triângulo didático proposto por Fiore Ferrari e Leymonié Sáen (2007) na figura 1 considera elementos que se relacionam intrinsecamente. Nos vértices do triângulo temos: a) os saberes culturais que representa os conceitos teóricos daquela área do conhecimento; b) no vértice discentes verificamos as distintas estratégias de aprendizagem, a psicologia de quem aprende, suas concepções prévias, condicionadas num modelo sócio cultural; c) no polo docente, percebemos os modelos de ensino, o projeto das atividades, a psico- sociologia dos professores condicionados pela instituição e o contexto em que ensina. No nível da sala de aula e conforme evidenciado na figura 1, os autores supracitados propõem o contrato didático, isto é, um acordo geralmente implícito que regula a ação didática, compreendendo o que o docente espera de seu grupo e o que os discentes esperam do docente. Trata-se do conjunto de expectativas do processo de ensino e aprendizagem, abordando-se o que é importante para os estudantes e para o docente. Não obstante toda a evolução observada nos conceitos fundantes da didática, muitos docentes universitários não valorizam a sua importância; deveras, neste nível de ensino as práticas didáticas são reduzidas a aulas expositivas (mais ou menos dialogadas) e o professor aprende a ensinar pela tentativa e erro. O docente normalmente incentiva a memorização dos conteúdos e utiliza a prova escrita e o ‘dar notas’ como instrumento de autoridade; quanto aos Transposição didática Estratégias de aprendizagem Discente (Novato) Docente (Experiente) Saberes Culturais (Conteúdos curriculares) Contrato Didático Aula 62 ISSN 1984-3879, SABERES, Natal – RN, v. 1, n.8, ago. 2013, 58-72 discentes, só lhe restam colocar-se na posição de meros ouvintes, quais seres sem luz 2 , à espera que os professores deem suas aulas e terminem logo a agonia do período letivo. Quantos equívocos! (LOWMAN, 2004; FIORE FERRARI; LEYMONIÉ SÁEN, 2007; GIL, 2008) 3 PROCESSO DE APRENDIZAGEM: DESAFIOS PARA A PRÁXIS DIDÁTICA Compreender como ocorre o processo de aprendizagem é crucial se havemos de obter êxito nas estratégias de transposição didática. Não obstante, o conceito de aprendizagem encontra-se entre um dos mais difusos e controversos, pois no decorrer do tempo tem recebido influências de diferentes doutrinas filosóficas e psicológicas, bem como do próprio patamar em que se encontra o conhecimento científico. (REBOLLO; SCAFO, 1994). Assim, mesmo considerando-se o risco de simplificar o conceito em demasia, por estar inserido num complexo e dinâmico campo interdisciplinar, pode-se buscar os indícios para a sua fundamentação através das proposições de Mizukami (1986 apud GIL, 2008) que apresenta pelo menos cinco abordagens distintas para explicar o processo de aprendizagem e suas consequentes proposições didáticas, a saber, tradicional, comportamentalista, humanista, cognitivista e sociocultural que discutiremos adiante. Na abordagem tradicional o processo de aprendizagem é centrado no professor que transmite os conteúdos para os alunos que por sua vez devem assimilar passivamente as informações. Visto que a característica principal é o ato de transmitir ou transferir valores, Freire (2007) qualifica este método como educação bancária, ou seja, o educador deposita paulatinamente as informações na cabeça de seus alunos, como se estes fossem uma conta corrente num banco e supostamente depositários de todo o conhecimento a que é exposto. A prática da didática na abordagem tradicional resume-se em aulas expositivas ministradas pelo professor especialista e na consequente memorização dos conteúdos pelos alunos, cabendo ao docente a tarefa de verificar se os conteúdos transmitidos em sala de aula foram reproduzidos rigorosamente em seus poucos instrumentos de avaliação de aprendizagens. Embora tais conceitos tradicionais não se coadunem com as concepções da contemporaneidade, infelizmente ainda percebemos que é frequentemente assumida por professores universitários na condução de sua práxis docente, visto que tendem a reproduzir 2 A palavra portuguesa aluno tem sua origem do latin a (negação), lumnis, lumen ( luz) e reforça as ideias da pedagogia tradicional do ensino passivo e receptivo. 63 ISSN 1984-3879, SABERES, Natal – RN, v. 1, n.8, ago. 2013, 58-72 os métodos tradicionais a que foram submetidos durante a sua própria formação acadêmica. (FREIRE, 2007; GIL, 2008) Na abordagem comportamentalista ou behaviorista a aprendizagem é fruto da experiência, como resposta aos estímulos do docente que modela ou reforça o comportamento desejado. De acordo com Sezanowith (2008) é no século XX que o comportamentalismo tem o seu ápice, especialmente entre as décadas de 20 e 50, com os estudos de Pavlov, Watson, Guthrie e Skinner. A teoria behaviorista visualiza a mente humana como uma ‘caixa preta’ em que as respostas aos estímulos são mensuradas quantitativamente, ignorando-se a possibilidade de um processo. Também propõe que os comportamentos humanos são determinados pelas condições do meio, ou seja, no tocante à aprendizagem o estudante é um ser passivo que reage aos estímulos do meio, através da associação do estímulo-resposta; assim, nesta abordagem o elemento principal da aprendizagem são os estímulos do ambiente e não o próprio sujeito, uma vez que ao se manipular as condições do meio ambiente gera-se mudanças nos educandos. (SANTO, 2008) No tocante a prática didática, a abordagem comportamentalista pressupõe que o docente seja o responsável pela instrução programada visto que parte do princípio que o ser humano, como produto do meio, pode ser manipulado ou controlado e o papel do professor é manter este controle, independente da interação do aluno. (Gil, 2008) Trata-se do modelo de professor técnico muito comum nas instituições técnicas profissionalizantes em que a formação ocorre pela aprendizagem imitativa; o instrutor é um prático experiente e estabelece o modelo, pois domina as competências técnicas. (PERRENOUD, 2000). Na tipologia de Mizukami (1986 apud GIL, 2008)) outra abordagem que busca explicar a aprendizagem é o cognitivismo, fundamentado nas teorias da reestruturação que concebem a aprendizagem como uma mudança, não automática nem tampouco mecânica, antes implica que aquele que aprende tenha consciência de seus próprios saberes, sendo capaz de refletir sobre eles dando-lhes novos significados a partir dos conceitos atuais. Ausubel (1998) na dedicatória de seu livro resume o conceito ao afirmar que se fosse possível reduzir toda a psicologia educativa num único princípio, este seria que o fator mais importante e que exerce forte influência na aprendizagem é a constatação que o aluno já sabe e a partir disso ensiná-lo adequadamente. Um dos mais destacados teóricos da abordagem construtivista foi Jean Piaget (1896- 1980), com trabalhos que abrangem diversas áreas como Ciência, Zoologia, Psicologia, Filosofia e Epistemologia. No modelo piagetiano de funcionamento cognitivo, o conceito de adaptação se apresenta sob dois aspectos simultâneos e complementares, a saber, a 64 ISSN 1984-3879, SABERES, Natal – RN, v. 1, n.8, ago. 2013, 58-72 assimilação e acomodação. A assimilação relaciona-se com o processo em que o sujeito interpreta a informação proveniente do meio em função de suas próprias estruturas mentais internas; todavia é necessário um processo complementar denominado por Piaget por acomodação, em que os conceitos e idéias se adaptam às características reais do mundo. O processo de acomodação não somente explica a tendência dos esquemas e conhecimentos humanos se adequarem à realidade, como também esclarece as mudanças de tais esquemas quando a adequação não ocorre, pois se os esquemas são insuficientes para assimilar uma situação torna-se necessário alterá-los a fim de adaptá-los às características da situação. Cabe observar que a acomodação também supõe uma prévia assimilação ou reinterpretarão dos conhecimentos anteriores em função dos novos esquemas construídos, modificando assim toda a estrutura conceitual anterior. (POZO, 2002). Diante do exposto, percebe-se que os processos de assimilação e acomodação propostos por Piaget são complementares, baseando-se numa tendência de crescente equilíbrio entre si. Quanto maior o equilíbrio entre acomodação e assimilação menor será o fracasso decorrente de uma interpretação errônea, contudo, somente a partir dos desequilíbrios surge a aprendizagem no campo cognitivo (Santo, 2008). Como bem expressa Flavell pela teoria piagetiana “la mente construye sus estructuras de conocimiento tomando datos del mundo exterior, interpretándolos, transformandólos y reorganizandólos [...]” (1996, p. 16 apud FERRARI; LEYMONIÉ SÁENZ, 2007, p. 70). Quais são os impactos na práxis didática da teoria cognitivista? Gil (2008) nos ajuda a compreender que nesta abordagem o ensino deve basear-se na instigação constante por parte do docente, impulsionando os estudantes na busca das respostas e solução dos problemas e não meramente na memorização de fórmulas e definições. A estratégia de ensino é ajudar o aluno no desenvolvimento de um pensamento crítico e autônomo, com ações mediadoras do processo de aprendizagem visando ajudá-los a estabelecer as relações entre os conteúdos e possibilitar entre a interação entre o novo conhecimento formulado e as estruturas cognitivas já existentes. Deveras um desafio para docentes que buscam o aprendizado significativo de seus alunos e não meramente que memorizem o conteúdo! Todavia, uma concepção comumente equivocada da abordagem construtivista é que os docentes nunca devem dizer nada aos seus estudantes, antes permitir que construam o conhecimento por si mesmo. Devemos lembrar que o aluno não é o único responsável pelo aprendizado, pois necessita da ajuda de alguém que detenha algum conhecimento para instigá- lo nesta direção, sem contudo abandoná-lo nesta trajetória. Bransford, Brown e Cocking (2007) admitem que “[...] os professores ainda precisam prestar atenção às interpretações dos 65 ISSN 1984-3879, SABERES, Natal – RN, v. 1, n.8, ago. 2013, 58-72 alunos e fornecer orientação quando necessário.” (p.20) Adicionalmente Pires de Almeida (2005) pontua que “[...] ser professor, na era do conhecimento, é ser um gestor: líder, motivador, pesquisador, questionador, inovador, criativo, equilibrado emocionalmente, humilde e ecologicamente consciente [...]”. (p.17) Outra abordagem interacionista que busca explicar a aprendizagem é o enfoque sociocultural que atribui ênfase especial ao sujeito como autor e criador de seu próprio conhecimento. Nesta perspectiva, o ser humano qual ser sujeito integrado ao seu contexto é capaz de refletir sobre este e evoluir rumo a uma consciência mais crítica. Desta maneira, as ações educativas devem promover o ser humano e não ajustá-lo à ordem social existente. O principal expoente desta corrente é o brasileiro Paulo Freire que defende a educação problematizadora como ferramenta para a superação da relação opressor e oprimido. (GIL, 2008; FREIRE, 2007) O enfoque sociocultural da aprendizagem preconiza uma abordagem didática de ensino fundamentado na dialogicidade como instrumento que impulsiona o crescimento tanto do educando quanto do educador. Assim, nesta abordagem a aprendizagem não ocorre pela transmissão de conteúdos programados, mas pela transformação e questionamento contínuo da realidade (GIL, 2008). O próprio Freire (2007) resume a práxis didática apropriada para este enfoque ao afirmar que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar a possibilidade para a sua própria produção ou construção” (p. 22). Ao utilizar o termo construção, Freire estabelece inequivocamente sua proposta colocando educador e educando como parceiros na implementação do dinâmico processo de ensino e aprendizagem. Ao refletirmos sobre as diversas abordagens que buscam explicar o processo de aprendizagem verificamos quantos equívocos os docentes universitários têm frequentemente cometido na sua práxis pedagógica. É evidente que boa parte destes professores aprendeu o oficio no dia-a-dia com raras oportunidades de cursos, seminários ou reuniões esclarecedoras sobre a didática; resultando assim numa visão ultrapassada sobre o processo de aprendizagem e a perpetuação de aulas expositivas maçantes e pouco instigativas. Todavia, ressaltamos que muitos professores do ensino superior estão atentos às novas concepções de aprendizagem e têm se adaptado às inovações pedagógicas, não obstante a atitude conservadora de tantos outros. (FIORE FERRARI, LEYMONIÉ SÁEN, 2007; GIL, 2008). 4 PRÁXIS EDUCATIVA NA PERSPECTIVA DA DIDÁTICA 66 ISSN 1984-3879, SABERES, Natal – RN, v. 1, n.8, ago. 2013, 58-72 Certamente, a prática didática como já foi mencionada anteriormente, necessita ser vivenciada pelos educadores e não somente descrita como importante instrumento pedagógico que norteia a educação nos projetos políticos pedagógicos das instituições de ensino, desta forma, compreendemos que a utilização da didática assim como suas adequações na sociedade do conhecimento é uma condição sine qua non para a garantia de uma educação de excelência. Vivenciamos hoje ampla discussão acadêmica em relação ao surgimento da Andragogia que vem se apresentando como a área do conhecimento responsável pelo processo de ensino e aprendizagem dos adultos em adição à pedagogia que discute estas mesmas questões, porém relacionado-as ao universo da criança. Gil (2008) aponta que com a popularização das idéias de Malcom Knowles em seu livro The Modern Practice of Adult education, publicado em 1970, a terminologia Andragogia tem sido utilizada para referir-se a arte de orientar adultos a aprender, ainda que não tenhamos um consenso na literatura, pois alguns preferem chamá-la de pedagogia de adultos ou, no caso do ensino superior, pedagogia universitária. Numa perspectiva Andragógica ou da pedagogia de adultos, a prática docente deve fundamentar-se em cinco princípios básicos, a saber: a) conceito de aprendente: o adulto é responsável pela sua aprendizagem com plena capacidade de auto desenvolvimento; b) necessidade de conhecer: os adultos sabem de sua necessidade de conhecimento e como colocá-lo em prática é o fator decisivo para seu comprometimento; c) motivação para aprender: as motivações externas como incremento salarial, promoções, boas notas são importantes, todavia, as motivações internas tais como vontade pessoais de crescimento, autoestima, autoconfiança são mais relevantes e decisivas para o aprendizado do adulto; d) o papel da experiência: as experiências prévias são decisivas para a disposição para o aprendizado do adulto. Os recursos didáticos pedagógicos não são garantia para que se consiga despertar o interesse do aprendiz, antes devem ser considerados como fontes opcionais colocadas à livre disposição do aluno adulto; e) prontidão para aprender: o estudante adulto é pragmático, pois está pronto para aprender aquilo que decide, razão pela qual se nega a aprender o que lhe é imposto. Ademais, sua atenção diminui quando não percebe aplicação imediata do 67 ISSN 1984-3879, SABERES, Natal – RN, v. 1, n.8, ago. 2013, 58-72 conhecimento e está pronto para aprender o que decide aprender. (LIMA, 2006; GIL, 2008) Outro fator da aprendizagem de adultos que influencia diretamente na prática da didática é a sua reduzida capacidade de retenção e concentração. A nossa experiência docente tem revelado que os estudantes adultos são capazes de lembrar por mais tempo aquilo que e ouvem, vêm e fazem neste mesmo período. Neste sentido, é necessário estabelecer metodologias didáticas de ensino que contemplem diversas técnicas instigativas de ensino, em contraposição à clássica aula expositiva como única técnica. “O professor precisa produzir o mel que alimenta e dá prazer, que atrai que mantém os alunos atentos”. ( PERISSÉ, 2004, p. 30) Oportunas são as reflexões adicionais de Perissé (2004) ao afirmar que, Para fazer com que alguém preste atenção em mim preciso ser um estímulo suficientemente interessante. Para que alguém concentre sua atividade psíquica sobre mim, professor, e, ouvindo-me consiga fixar-se nas minhas palavras, nos meus gestos, consiga definir e selecionar percepções, absorver conceitos [...] para que tal concentração aconteça, preciso desdobrar-me. Só assim conquistarei a atenção de meus alunos, seja essa atenção espontânea ou voluntária, despertando neles o processo intelectivo, afetivo e volitivo. (PERISSÉ, 2004, p. 45, grifo nosso). Não obstante, a maioria dos docentes universitários ainda planejam suas aulas para serem realizadas na tradicional estrutura do modelo de sala de aula, negando a possibilidade da interação e associação das novas tecnologias da educação para uma prática educativa eficiente e positiva no contexto da realidade acadêmica. Morin (2006) afirma contundentemente que os alunos já não mais aceitam essa postura e cobram um processo de aprendizagem mais dinâmico, rápido e eficiente, condizente com os princípios andragógicos supracitados. Desta forma, o nosso desafio quais docentes é pensar em uma aula que atenda essas necessidades muitas vezes imediatistas e conteudistas dos alunos sem perder de vista os objetivos de aprendizagem propostos no contrato didático. Diante do exposto, é oportuno relembrar as idéias de Freire (2007) ao apontar a relação de mão dupla, onde o professor, que além de ensinante, também aprende no processo de ensino e aprendizagem. Assim, torna-se mister a necessidade constante da reflexão docente no que diz respeito a sua arte de ensino a fim de propor movimentos emancipatório e pedagógicos para a formação de um aprendizado que respeite as especificidades dos adultos. 68 ISSN 1984-3879, SABERES, Natal – RN, v. 1, n.8, ago. 2013, 58-72 Para a ratificação dessa relação apontada por Freire (2007) se constitui com elementos primordiais a compreensão da utilização da didática como instrumento da prática docente, a seriedade na construção dos planos de aula, compromisso na interação com os discentes, a necessidade da formação contínua e a quebra a superioridade da pesquisa em detrimento do ensino e da extensão, práticas comuns na educação brasileira. Desta forma, percebemos que um dos grandes desafios e, sobretudo, oportunidades para uma aprendizagem significativa é transformar a aula em um espaço coletivo e privilegiado que permita não mais a mera transmissão de informações, mas sim a construção de saberes e debates acerca de questões inerentes aos seus estudos e as suas vivencias. A compreensão dessa temática pode ser relacionada ao Relatório Internacional sobre a Educação para o Século XXI, exposto por Jaques Delors em 1999 ao apresentar os quatros pilares para a educação, a saber: o aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser, sustentáculos das novas propostas educativas nos mais diversos níveis de ensino ao redor do mundo, pois tais pilares convidam os educadores a uma mudança significativa e conceitual no que se refere à construção de habilidades e competências. (DELORS, 2006). Todavia, não podemos deixar de abordar algumas questões de extrema relevância no que se refere à necessidade da didática no processo da construção do conhecimento. Como avaliar no processo ensino e aprendizagem dos adultos? Como mensurar o processo de ensino e de aprendizagem em nossas instituições de ensino superior se o tradicionalismo ainda é uma constante neste universo? Tais questões são um calcanhar de Aquiles para os educadores e coordenadores de departamentos das universidades que têm dificuldades para implementar práticas que respondam os desafios da contemporaneidade. Contudo, é notória a insatisfação dos alunos ao se depararem com instrumentos de avaliação desatualizados e excessivamente conteudistas que os impede de socializar suas construções acerca da disciplina estudada, assim como responder com seriedade questões da sua futura prática profissional. Com base nestas discussões, apresentamos abaixo algumas recomendações didáticas que podem ser implementadas com êxito, visando alavancar o processo de ensino e aprendizagem em adultos, a saber: a. elaborar um diagnóstico das necessidades e expectativas dos estudantes. Esta avaliação diagnóstica prévia visa adequar todo o planejamento de ensino aos anseios dos alunos, considerando-se que seus desejos e experiências são decisivas para o desencadeamento do processo cognitivo da aprendizagem; b. definir claramente com os alunos os objetivos e planejamento das atividades e seus respectivos contratos didáticos para que a aprendizagem seja orientada pela tarefa ou na resolução de problemas. Devemos lembrar que os adultos são pragmáticos no tocante à sua aprendizagem e desejam saber para onde estão sendo conduzidos; 69 ISSN 1984-3879, SABERES, Natal – RN, v. 1, n.8, ago. 2013, 58-72 c. selecionar conteúdos significativos para os estudantes. A Avaliação diagnóstica poderá nos fornecer valiosas pistas sobre os interesses dos alunos, assim podemos utilizar tais feedbacks na busca de conteúdos adicionais que tenham relação direta ou indireta com as discussões conteudísticas e sejam de interesse e relevante para o grupo; d. estabelecer um clima amigável cooperativo e informal que propicie a aprendizagem significativa. A utilização de técnicas de oratória são muito úteis para nos ajudar a captar e manter a atenção do aluno adulto que rapidamente se dispersa; e. promover projetos de investigação científica conjunto com os alunos. Além de promover o aprendizado no âmbito da sala de aula, tais projetos ajudam a despertar o interesse pela pesquisa e, ao incentivar a apresentação dos resultados conseguidos em eventos científicos da área, propiciamos nos estudantes o desenvolvimento das competências essenciais do saber aprender; f. valorizar a discussão e solução dos problemas em grupo. Muitas técnicas de ensino foram elaboradas para serem utilizadas pelos docentes como ferramentas otimizadoras da dinâmica resultante dos grupos e vale a pena utilizá-las no dia-a-dia das aulas. Adicionalmente as discussões em grupo possibilitam o desenvolvimento e aprimoramento das competências relacionadas com o aprender a conviver, indispensáveis para todos os aspectos da vida em sociedade; g. fazer da avaliação uma prática constante visando obter o feedback quanto a eficácia do processo de ensino e aprendizagem. A avaliação como componente do ato pedagógico deve ser realizada rotineiramente e não tão somente nos períodos estabelecidos nos calendários acadêmicos; assim sugerimos utilização de diversos instrumentos para a avaliação das aprendizagens dos alunos. (LOWMAN, 2004; PIRES DE ALMEIDA, 2005; GIL, 2008; LUCKESI, 2011) Certamente a didática aplicada no ensino superior apresenta muitos desafios, especialmente quando consideramos a pouca qualificação do docente universitário nas questões pedagógicas e a incipiente contribuição que as faculdades de pedagogia oferecem nesta área. Ademais, as especificidades de aprendizagem relacionadas com o estudante adulto nos induzem a constantemente refletir sobre a nossa própria eficácia didática enquanto arte de ensino. Não obstante as dificuldades que se apresentam, o docente universitário tem à sua frente excelentes oportunidades para buscar qualificar-se qual professor reflexivo que na concepção de Perrenoud (2001) é a chave da profissionalização do ofício. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao analisarmos os conceitos que balizam a compreensão da didática, percebemos a necessidade de constante reflexão desta temática para a inserção de uma práxis que seja coerente com o projeto educativo proposto pela sociedade em que estamos inseridos. Infelizmente ainda temos instituições que seguem, ainda que não declaradamente, os preceitos da pedagogia tradicional, centrados na figura do professor e que pouco incentiva a interação entre aluno, professor e conhecimento. Cabe ao docente reflexivo compreender o estágio de 70 ISSN 1984-3879, SABERES, Natal – RN, v. 1, n.8, ago. 2013, 58-72 desenvolvimento da instituição de ensino em que está inserido e realizar ações didáticas condizentes, buscando paulatinamente impulsionar uma melhoria nos processos de ensino e aprendizagem. Esta análise também evidenciou que a compreensão dos processos de aprendizagem do estudante são cruciais para que os docentes desenvolvam estratégias didáticas apropriadas. A compreensão da abordagem interacionista e seus processos na construção do conhecimento induz o docente a atuar qual mediador que deve ser capaz estabelecer o contrato didático e fazer a transposição entre os saberes sociais, estabelecidos nos conteúdos de ensino, e os alunos no exato espaço da aula. Todavia, não podemos ignorar que esta tríade formada pelo aluno, professor e conhecimento é complementada pela retroalimentação fornecida pelos processos avaliativos visto que estes fornecem valiosos inputs para a práxis didática. Nesta perspectiva é fundamental que o professor busque uma metodologia de ensino que contemple os aspectos relacionados com a educação de adultos, considerando-se suas peculiaridades relacionadas com as maneiras como aprende. Assim, são relevantes para a prática didática os princípios resultantes da moderna Andragogia ou Pedagogia de adultos/universitária, pois fornecem direcionamentos para a condução de um processo de aprendizagem significativo para o adulto. Respondendo à pergunta que norteou este artigo, podemos afirmar que o docente universitário pode e deve utilizar a didática como elemento facilitador do processo de ensino- aprendizagem desde que adote uma postura dialógica subsidiada por técnicas de ensino instigadoras e facilitadoras para a construção do conhecimento, em contraposição ao ensino incentivador da memorização e recheado de autoritarismo. Deveras, os docentes universitários têm a sua frente excelentes oportunidades para desenvolvimento de competências que lhes auxiliem neste desafio. Certamente que não tivemos a pretensão de encerrar esta discussão, pois a didática no ensino superior necessita ser constantemente revisitada visando à reinvenção das nossas práticas docentes. Sugerimos como tópicos de continuidade desta investigação a análise de técnicas de ensino que sejam condizentes com os processos interacionistas de aprendizagem dos adultos, bem como a realização de pesquisas de campo que busquem verificar in loco a sua aplicabilidade. REFERÊNCIAS AUSUBEL, D. Psicología educativa: um ponto de vista cognoscitivo. México: Trillas, 1998. 71 ISSN 1984-3879, SABERES, Natal – RN, v. 1, n.8, ago. 2013, 58-72 BRANSFORD, John D.; BROWN, Ann L. e Cocking, Rodney R. Como as pessoas aprendem: cérebro, mente, experiência e escola. Comitê de Desenvolvimento da Ciência da Aprendizagem. São Paulo: Senac, 2007. DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre educação para o Século XXI. 10ª Ed. São Paulo, Editora Cortez. 2006. FIORE FERRARI, Eduardo; LEYMONIÉ SÁEN, Julia. Didáctica Práctica para enseñanza media y superior. Montevidéu: Magro, 2007. FREIRE, Paulo. 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Grande parte do aprendi- zado consiste na transferência passiva para o estudante da ex- periência e conhecimento de outrem (...) nós aprendemos aqui- lo que nós fazemos. A experiência é o livro-texto vivo do adulto aprendiz. (LINDERMAN, 1926., apud CAVALCANTI, 1999, p.01) Esta afirmação de Linderman, pes- quisador da American Associati- on for Adult Education, expressa sua percepção, no início do século passa- do, de que o ensino formal utilizado na época, para a maioria das atividades educacionais, fôra concebido sobre princípios inadequados. Linderman não estava sozinho em suas críticas. Assim expressava-se Carl Rogers, em artigo publicado em 1964: Num mundo em rápida mudança, os professores e seus conselhos diretivos – sejam os conselhos escolares locais, sejam as admi- nistrações universitárias – ten- dem a se agarrar tenazmente ao passado, promovendo apenas mudanças simbólicas. É prová- vel que nossas escolas sejam mais prejudiciais que benéficas ao desenvolvimento da persona- lidade e exerçam uma influência negativa sobre o pensamento criador (ROGERS apud GOULART, 2001, p.82). No século XXI, é preciso vencer essas resistências e abrir perspectivas, novos paradigmas para a educação. En- tre 1993 e 1996, a Comissão Interna- cional sobre Educação para o Século XXI, da Organização das Nações Uni- das para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), desenvolveu um estudo que culminou na produção do “Relatório Ja- cques Delors”, publicado no Brasil com o título “Educação – um tesouro a desco- brir” em 1998, síntese do pensamento das maiores autoridades mundiais sobre edu- cação no final do século XX, sendo inves- tido, portanto, de importância inquestio- nável para o planejamento de atividades educacionais atuais e futuras. O documento centra suas conclusões na premissa de que a aprendizagem, neste século, deverá se estender por toda a existência da pessoa, correspondendo à perspectiva da “educa- ção permanente”, “educação continuada” ou “Andragogia”. O termo “Andragogia” já fora sugerido em documento da UNES- CO no início da década de 1970, com o mesmo significado. C O N C E I T O S Julho de 2004 I Julho de 2005 45 Origem da Andragogia O vocábulo “Andragogia” foi inici-almente utilizado por Alexander Kapp (1833), professor alemão, para descrever elementos da Teoria de Edu- cação de Platão. Voltou a ser utilizado por Rosenstock (1921), para significar o conjunto de filosofias, métodos e pro- fessores especiais necessários à educa- ção de adultos. Na década de 1970, o termo era comumente empregado na França (Pierre Furter), Iugoslávia (Su- san Savecevic) e Holanda para designar a ciência da educação de adultos. O nome de Malcolm Knowles surgiu nos Estados Unidos da América, a partir de 1973, como um dos mais dedicados autores a estudar o assunto. Pierre Furter (1973, p.23) defi- niu Andragogia como a filosofia, ciência e a técnica da educação de adultos. Propomos que, sob o nome de “andragogia”, a universidade reco- nheça uma ciência da educação dos homens; coisa que outras universidades estrangeiras já fize- ram primeiro na Iugoslávia, e, mais recentemente, nos Países-Baixos. Essa ciência deve se chamar an- dragogia e não mais pedagogia, pois seu objetivo não é mais so- mente a formação da criança e do adolescente, mas do homem du- rante toda a sua vida. Essa ciência compreenderá tan- to o estudo das formas de autodi- datismo quanto daquelas em que a intervenção de outrem (individu- al ou coletiva) aparece como indis- pensável (grifo nosso). A palavra Andragogia deriva das palavras gregas andros (homem) + agein (conduzir) + logos (tratado, ci- ência), referindo-se à ciência da educa- ção de adultos, em oposição à Peda- gogia, também derivada dos vocábu- los gregos paidós (criança) + agein (conduzir) + logos (tratado ou ciên- cia), obviamente referindo-se à ciência da educação de crianças. A Andrago- gia deve ser entendida como a filosofia, a ciência e a técnica da educação de adultos. C O N C E I T O S Julho de 2004 I Julho de 200546 O adulto na ótica existencial-humanista Crianças e adultos são criaturas sig-nificativamente diferentes. Jean Ja- cques Rousseau foi o primeiro a perce- ber que crianças não são miniaturas de adultos. O desenvolvimento psicológi- co que ocorre no ser humano ao longo de sua vida produz modificações pro- fundas, progressivas, mais intensas na adolescência, mas nem por isso limita- das a essa idade, que transformam pro- gressivamente a criança no adulto. Considerados pela perspectiva da Psicologia Existencial-Humanista, os prin- cípios compreensíveis das condutas huma- nas adultas se concretizam na razão, liber- dade e responsabilidade. Através da razão o homem é capaz de conhecer o mundo e a si mesmo e de conhecer que conhece (reflexão), ter consciência. Através da cons- ciência, ele “se identifica e se afirma como pessoa, como indivíduo distinto e diferen- te dos demais, como portador de direitos e deveres, e como criador de si próprio.” (Bach, 1985, p.77). Através da consciência, o adulto sepercebe como “ser livre, autôno- mo” e, como tal, capaz de tomar deci- sões, fazer escolhas, direcionar suas ações para perseguir seus objetivos. Sua consciência e liberdade o tornam sujei- to de responsabilidade, tanto no senti- do de saber como agir e reagir perante os desafios e problemas existenciais, como no de arcar com as conseqüênci- as de seus atos e decisões.A experiên- cia pessoal é outra dimensão psicológi- ca do adulto. Durante sua vida, vivencia fatos, aprendizados, acertos, erros, al- guns gratificantes outros desagradáveis, vivências essas exclusivamente suas, subjetivas, que são incorporadas à sua identidade, sua personalidade e sua ma- turidade psicológica. Marcados assim pelas vivências, construindo-se e crian- do-se a si próprios, os adultos reagem de forma pessoal diferente perante situ- ações idênticas, o que precisa ser con- siderado na aprendizagem. Finalmente, o adulto tem uma tendência a atualização, no sentido de estar sempre buscando a concretização de suas potencialidades, o enriqueci- mento amplo de sua vida, no campo do saber, do poder, do fazer, do ter, do sen- tir-se gratificado por suas conquistas. Nessa busca, o adulto orienta seus es- forços para atingir objetivos específi- cos, plenos de significado para si. No dizer de Rollo May (1973, p.76), “o homem não cresce como uma árvore, mas realiza suas potencialidades so- mente quando planeja e escolhe cons- cientemente”. Sujeito dessas características, que vão interagir e interferir em todas suas atividades, inclusive no aprendizado, o adulto aprendiz requer uma filosofia edu- cacional específica, realizada através de técnicas que utilizem estas peculiarida- des para potencializar seu aprendizado. A Andragogia é a resposta para esta necessidade educacional. C O N C E I T O S Julho de 2004 I Julho de 2005 47 ANDRAGOGIA versus PEDAGOGIA Concebido no objetivo de educar cri-anças, o modelo pedagógico clás- sico tem como pilar mestre a total res- ponsabilidade do professor sobre o pro- cesso educacional. Ele decide o que en- sinar (prepara um programa), como faze- lo (dispõe sobre o método) e como ava- liar o progresso do aluno (...o aluno, ao termino da disciplina, será capaz de...). Ao aprendiz, cabe apenas o papel de submissão e obediência. Durante as ati- vidades didáticas, o professor age, toma a iniciativa, fala e os alunos, cumprindo o papel passivo que lhes cabe nesse pla- nejamento, acompanham. Diante das características psico- lógicas dos adultos, a Andragogia, dife- rentemente, tem o aluno como sujeito do processo de ensino/aprendizagem, con- siderado como agente capaz, autônomo, responsável, dotado de inteligência, consciência, experiência de vida e moti- vação interna. O quadro a seguir com- para as características das duas ciênci- as segundo seis diferentes critérios: Quadro 1- Comparação entre Pedagogia e Andragogia C O N C E I T O S Julho de 2004 I Julho de 200548 Educandos que chegam à Universi-dade, em sua maioria, são adoles- centes e adultos jovens, em ávida busca por suas identidades e pela realização de suas potencialidades. Ainda insegu- ros, esperando da Universidade o ensi- no “superior” prometido pelo ordena- mento educacional vigente, se deparam com o mero continuísmo da educação fundamental e média: programas pré-or- ganizados em períodos e disciplinas, conteúdos selecionados e estabelecidos unilateralmente pelos professores ou pela instituição; são forçados a se ajustarem a essa estrutura rígida, a ocupar o espa- ço de uma carteira que lhe é destinada como objetos da ação educacional da ins- tituição. Devem fazer silêncio, prestar atenção à “performance” dos professo- res e memorizar os conteúdos com o objetivo de responder perguntas nos tes- tes de avaliação. Se tiverem dúvidas (e coragem), poderão dirigir perguntas ao alto do púlpito docente, é claro, com o máximo de propriedade para não serem ridicularizados por professores ou cole- gas de classe. A atividade escolar consiste em “aulas”, que os alunos “ouvem”, e algumas vezes tomando notas, e em exames em que se verificam o que sabem, por meio de provas escritas e orais. Marcam-se al- guns “trabalhos” para casa e, em casa, se supõe que o aluno “es- Pedagogia clássica na Universidade tuda” o que corresponde em fixar de memória o quanto lhe tem sido, oralmente, ensinado nas aulas. Esta pedagogia podia funcionar perfeitamente numa escola da Ida- de Média. ( ANÍSIO TEIXEIRA. 1956, p.230) Nesse ambiente hostil, castrador, onde o professor ocupa o palco e os alunos, a platéia, onde suas liberdades e autonomias não podem ser exercidas, suas inteligências são relegadas a se- gundo plano frente às exigências de me- mória, suas experiências e criatividade são solenemente ignoradas e desesti- muladas, os estudantes irão viver por quatro, cinco ou seis anos, o exato pe- ríodo onde deverá ocorrer a consolida- ção de seus desenvolvimentos psicoló- gicos. Será um tempo decisivo, que marcará de modo indelével a postura dos educandos frente aos desafios da vida cotidiana. A reação dos alunos a essa situa- ção frustrante será variável, de acordo com a índole e o grau de amadurecimento de cada um deles. Alguns, mais imatu- ros e dependentes, aceitarão passiva- mente essa realidade, considerando que a “instituição deve estar certa e as coi- sas são assim mesmo”. Esses estudan- tes, uma vez inseridos no processo, te- rão “sucesso” na vida escolar, boas no- tas, aprovações, prêmios acadêmicos. Receberão seus diplomas e só então per- ceberão a dura realidade de que não es- tão preparados para o mundo real. Ou- tros, mais seguros de si e no propósito de defender seus ideais e objetivos, en- trarão em conflito com a instituição e com professores. Rotulados de indisciplina- dos, serão punidos com faltas, suspen- sões, reprovações. Dentre esses, uns poucos saberão superar as dificuldades, mesmo sem ajuda, e extrair da Univer- sidade, por iniciativa e persistência, aqui- lo que necessitam para realizar seus ob- jetivos. Alguns outros seguirão a estru- tura curricular de forma desinteressada e irresponsável, desestimulados, chegan- do ao término de seus cursos em letár- gica mediocridade. Finalmente, muitos estudantes promissores sucumbirão ao ambiente inóspito, sentindo-se incapazes por não conseguir a aprendizagem que esperam e de que precisam, e sem aceitar abrir mão de um mínimo de amor próprio para se enquadrar às regras vigentes. O con- flito psicológico resultante pode ser se- vero, levando em numerosos casos à de- pressão, abandono do curso e, inclusi- ve, ao suicídio. No dizer de Hoirisch (1993, p.26), “... o problema vai-se ar- rastando com grande ansiedade para o aluno, e eclode alguns períodos adiante através de episódios de depressão ou até idéias e tentativas de suicídio diante das pressões que enfrenta.” Métodos andragógicos O processo de ensino/ aprendizagem, do ponto de vista andragógico, procura tirar o máximo proveito das características peculiares dos adultos, discutidas acima, que já se mostram incipientes nos adolescentes. Os resultados de todo o processo são potencializados, atingindo uma aprendi- zagem mais fácil, profunda, criativa. Os professores na Andragogia desempenham um papel diferente daque- les do ensino clássico. Mais do que ser um bom orador e conhecer o assunto a ser ensinado, ele precisa ter habilidade para lidar com pessoas, orientar, criar empatia, incentivar, conduzir grupos de estudos de modo discreto, na direção de- sejada. O ambiente de atividades andra- gógicas é diferente daquele da pedago- gia clássica. Na disposição física, não há lugar especial para o professor, que se posta junto com os alunos, geralmente dispostos em círculo numa sala ou em volta de uma mesa de trabalho (circu- lar). O processo é centrado no aluno, não no professor. O programa, esboçado pelo pro- fessor em linhas genéricas, será discuti- do, aprofundado, reformulado e final- mente aprovado por todo o grupo de tra- balho. Daí em diante, o professor deve- rá apenas tornar o ambiente propício, moderar as discussões, evitar desvios C O N C E I T O S Julho de 2004 I Julho de 2005 49 exagerados, mantendo presentes os ob- jetivos traçados. O tutor andragógico raramente responde a perguntas, ao con- trário, utiliza seus conhecimentos para produzir outras perguntas que, de modo indutivo, levem os estudantes a desco- brirem, eles próprios, as respostas. Tem o cuidado, também, de jamais dizer que o aluno está errado, ferindo sua auto- estima. Procura, em vez disso, encon- trar algo de certo na resposta do aluno e reformular suas perguntas de modo a induzir aproximações sucessivas à res- posta correta. Nunca pode ser negligen- ciado o papel da segurança do aluno no processo de aprendizagem. A pessoa sadia interage, espon- taneamente, com o ambiente, através de pensamentos e interes- ses e se expressa independente- mente do nível de conhecimento que possui. Isto acontece se ela não for mutilada pelo medo e na medida em que se sente segura o suficiente para a interação. (MASLOW 1972, p.50-51). Como bem frisado acima, é es- sencial tirar o máximo proveito da expe- riência de vida dos alunos. Essa fonte de aprendizagem deverá ser explorada exaustivamente através das quatro vias utilizadas pela consciência humana para processar as informações experienciais – sensação, pensamento, emoção e in- tuição (Carl Jung). Métodos envolvendo discussões de grupo, exercícios de si- mulação, aprendizagem baseada em pro- blemas, discussões de casos são comu- mente utilizadas para atingir esse obje- tivo. O professor/tutor deverá ter sensi- bilidade e argúcia suficientes para per- ceber o clima de cada grupo, quebrar as inibições, propor discussões e pergun- tas pontuais que produzam conflitos in- telectuais a serem debatidos com mais vigor e paixão. O construtivismo encontra num 1 É como solicitar de vários arquitetos a construção de casas para famílias de classe média, com dois filhos de sexos diferentes, com garagem e piscina. Não precisamos dizer que cada arquiteto tomará o material disponível e construirá uma casa diferente das demais, mas que todas atenderão às necessidades que foram propostas. ! grupo andragógico um terreno fértil. O método consiste na proposição de tare- fas a serem resolvidas ou executadas, bem como no fornecimento dos meios para se chegar aos objetivos. Os alunos deverão trabalhar, segundo suas visões dos problemas e suas experiências an- teriores, na construção de soluções ade- quadas. Essas soluções nunca serão ho- mogêneas, visto que cada estudante ou cada grupo toma um caminho diferente, mas todas serão corretas. Numa discus- são final, todo o grupo reunido terá uma multiplicidade de caminhos para a solu- ção, alargando seus horizontes e seus paradigmas.1 A aprendizagem baseada em pro- blemas (Problem-Based Learning – PBL) é um método muito utilizado em andragogia e que se aplica particular- mente bem aos cursos de graduação profissionalizantes, onde podemos sem dúvida incluir a Psicologia. Consiste na narração ou construção de um proble- ma que será posto para o grupo de es- tudos solucionar. Para essa solução, se- rão necessários os conhecimentos ob- jetivados pelo momento particular da aprendizagem em que o problema é in- serido. O grupo recebe um prazo para pesquisar, os meios de pesquisa neces- sários (biblioteca, acesso à Internet, um consultor especialista para tirar as dú- vidas, responder perguntas). Decorri- do o prazo, nova reunião terá lugar para discussão profunda do problema, em todos os aspectos envolvidos. Um pro- blema psicológico, por exemplo, será estudado do ponto de vista fisiológico, psicanalítico, existencial, humanístico, behaviorista. O conteúdo a ser discuti- do não terá fronteira de disciplinas, de estruturação pedagógica, de séries ou de períodos. A avaliação é outro momento es- pecial da andragogia. Fugindo do lugar comum de premiar ou punir o aluno, re- prová-lo ou aprová-lo, através de alguns testes, meras verificações do condicio- namento produzido pelo processo peda- gógico (...o aluno será capaz de...), a avaliação andragógica é contínua, cons- tante, diagnóstica. Visa, a cada momen- to, detectar falhas (não compreensão de conceitos, aprofundamento insuficiente do raciocínio dedutivo ou indutivo na discussão de problemas, falhas no inte- resse e participação, etc) de modo que sejam prontamente corrigidas – utilizan- do-se desde reforço imediato dos con- C O N C E I T O S Julho de 2004 I Julho de 200550 teúdos insatisfatórios, ajustes na progra- mação e na trajetória para os objetivos, chegando até à assistência psicológica individual daqueles que não estejam lidan- do adequadamente com o desenrolar do processo. As falhas não devem ser pes- quisadas apenas no final de períodos, quando se encontram acumuladas. Então já não haverá tempo hábil para corrigir as distorções, que passarão a compor o patrimônio de experiências do aluno, ou vão fazê-lo perder todo um período atra- vés da reprovação e da repetência. Os próprios alunos serão envol- vidos na avaliação. Serão solicitados a atribuir honestamente notas uns aos outros, estimulando a auto-avaliação, capacidade importantíssima para o aprendiz, no futuro, já fora da Universi- dade, que lhe permitirá perceber de ime- diato o momento em que seu desempe- nho se torne insatisfatório, levando-o a buscar atualização de seus conhecimen- tos através da educação continuada. Considerando as informações, opini-ões, conceitos e análises levantadas dos documentos e fontes pesquisadas, bem como experiências pessoais como alunos recém-inseridos no contexto do ensino superior, infere-se que a organi- zação e a estrutura pedagógicas clássi- cas, ainda hoje utilizadas em algumas Uni- versidades, são inadequadas para a reali- dade do conhecimento humano atual. O mundo da cultura – aquele pro- duzido a partir da ação humana –, cresce rapidamente; o conhecimento existente duplica a cada 5 anos e tende a crescer em velocidades progressivamente maio- res. As ciências naturais e aplicadas evo- luem exponencialmente, tornando impos- sível a inclusão de todo o conhecimento existente em programas educacionais. Um programa construído hoje se encontra incompleto e defasado no próximo semes- tre. Os cursos não podem ser cada vez mais estendidos em duração para com- portar os conhecimentos novos. A solução para a Educação Uni- versitária neste início de século XXI é a educação permanente, a educação conti- Conclusão nuada, a andragogia. Os alunos precisam aprender do modo mais rápido e eficien- te, precisam dominar os conhecimentos básicos ou clássicos a partir dos quais estão se desenvolvendo as pesquisas e a construção de novas informações e, so- bretudo, precisam aprender a aprender, para que possam, durante toda vida, in- dependentes da Universidade, continuar construindo o seu saber, e se manterem atualizados e capazes de desenvolver a contento o seu papel na sociedade. O maior inconveniente da pedago- gia clássica é limitar os alunos ao tama- nho da Instituição ou de seus professo- res. Imagine-se o que seria do mundo cultural se nenhum aluno tivesse crescido além de Sócrates, Platão ou Aristóteles. A pedagogia clássica ofusca a inteligên- cia em favor da memória, condiciona os alunos a repetir o conhecimento existen- te, desestimula a criatividade por absolu- ta falta de espaço e de incentivo. A ANDRAGOGIA propõe uma educação baseada na liberdade, nos mol- des concebidos por Carl Rogers, na edu- cação por toda a vida como preconizado por Furter, no aproveitamento das expe- riências vivenciais dos adultos, tão valori- zadas por Knowles. Por ser direcionada ao aproveitamento das faculdades psico- lógicas específicas dos adolescentes e adultos, possibilita uma convivência mais harmônica entre estudantes e professo- res, e estudantes entre si, reduzindo as tensões emocionais e evitando os dese- quilíbrios que levam a estados psicológi- cos preocupantes, tão freqüentes que in- duziram a Unesco a sugerir a criação de unidades de apoio psicopedagógico em todas as Instituições de Ensino Superior. Embora não tenha se firmado ain- da como ciência diversa da Pedagogia, o termo ANDRAGOGIA continua sen- do o mais apropriado e expressivo para denominar as novas filosofias e técnicas voltadas para a educação de adultos. Sua utilização será importante para uma maior assimilação e disseminação de seus princípios e do “estado da arte” dessa ciência entre estudantes e profis- sionais envolvidos na Educação Univer- sitária e em outras formas de educação de adultos. C O N C E I T O S Julho de 2004 I Julho de 2005 51 BACH, Marcos. 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