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A crítica à moral em Nietzsche

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A crítica à moral em Nietzsche 
Jaqueline Stefani 
Verónica G. Zevallos 
 
 
 
Nós, homens do conhecimento, não nos conhecemos. 
Nietzsche 
 
 
 
Nietzsche (1844–1900) foi um crítico da tradição filosófica, religiosa e científica. O 
autor dedica dois livros especialmente à temática da moral: em Além do bem e do mal (1886) 
como em A genealogia da moral (1887). A partir destes textos pode-se perceber que 
Nietzsche propõe que os estudos históricos da moral adquirem importância decisiva através 
da criação de novos valores. A crítica à moral vai contra as normas criadas na modernidade. 
Nietzsche coloca em dúvida a crença em qualquer moral: 
Necessitamos de uma crítica dos valores morais, o próprio valor desses valores 
deverá ser colocado em questão: para isso é necessário um conhecimento das 
condições e circunstâncias nas quais nasceram, sob as quais se desenvolveram e se 
modificaram (moral como consequência, como sintoma, máscara, tartufice, doença, 
mal-entendido; mas também moral como causa, medicamento, estimulante, inibição, 
veneno), um conhecimento tal como até hoje nunca existiu nem foi desejado. 
(NIETZSCHE, 1998, p. 6). 
Na Genealogia da moral Nietzsche afirma que o problema fundamental do filósofo 
está na “determinação da hierarquia dos valores”. Para tanto, Nietzsche desenvolve uma 
‘história natural da moral’ distante da fundamentação racional, uma vez que esta seria 
somente uma forma erudita da crença na moral dominante que impede que a moral seja 
concebida como problema. Nietzsche afirmou que a parte racional da moral é uma ilusão. Em 
outras palavras, a reflexão acerca da relação entre a moral e as ações praticadas é algo 
simplesmente imaginário, ou uma crença, como a fé, que existe por que alguns a pregam. 
A genealogia é um método utilizado por Nietzsche em suas investigações. Tal 
método busca a origem do conceito e suas conseqüências sociais ao longo da história. 
Através desse método, Nietzsche pretende desmascarar as ilusões, os enganos de tudo aquilo 
que é oferecido como verdade. Este método, quando aplicado à moral por Nietzsche, 
relativiza o caráter absoluto dos valores, questionando-os desde sua origem: não existem 
valores em si. 
Para Bombassaro (1998), Nietzsche destaca dois grandes períodos históricos da 
moralidade: o primeiro (pré-socrático), período pré-moral, tem como ponto central as 
consequências das ações; o segundo (pós-socrático), período moral, desloca o ponto central 
das consequências das ações para a intenção daquele que age. Ora, diz Nietzsche, para se ter 
acesso à intenção, seria necessário conhecer totalmente a consciência e a inconsciência, ter 
um completo autoconhecimento, o que não é possível. 
O significado original do termo “bom”, segundo Nietzsche, é totalmente oposto 
àquilo que o termo “bondade” significa para o cristianismo. O significado original do termo 
“bom” surgiu quando os nobres, os poderosos, nomearam seus atos e seus valores como atos e 
valores “bons” em oposição ao povo simples de pensamento utilitário, “eles [os nobres] 
tomaram para si o direito de criar valores, cunhar nomes para os valores” (NIETZSCHE, 
1998, p. 19). Dessa sensação de diferença por parte da nobreza em relação à plebe entre uma 
estirpe superior, nobre, aristocrática e outra inferior, comum, baixa, mentirosa é que surge, 
inicialmente, a oposição entre “bom” e “ruim”: 
Os juízos de valor cavalheiresco-aristocráticos têm como pressuposto uma 
constituição física poderosa, uma saúde florescente, rica, até mesmo transbordante, 
juntamente com aquilo que serve à sua conservação: guerra, aventura, caça, dança, 
torneios e tudo o que envolve uma atividade robusta, livre, contente. (NIETZSCHE, 
1998, p. 25). 
A atribuição de valores é criação humana, diz Nietzsche e, sendo assim, o dever “em 
si” não existe. E é exatamente pelo fato de os homens não serem iguais que Nietzsche recusa 
uma moral igualitária, “nada é mais ruinoso do que o dever impessoal”. (BOMBASSARO, 
1998, p. 64). Há na sociedade, afirma Nietzsche, dois instintos predominantes: o “instinto de 
rebanho”, através do qual o homem chega, pelos costumes, à convicção de que é preciso 
obedecer, e o “instinto do espírito livre” no qual reinam o prazer, a autodeterminação e a 
liberdade de vontade. Ao primeiro corresponde a “moral do escravo” (que crê na existência de 
valores morais “em si”), ao segundo, a “moral do senhor”. 
A moral do escravo entende que “bom” é o benevolente, sociável, doce, piedoso. O 
“mau”, por sua vez, seria o diferente, a exceção, aquilo que provoca medo. A moral do 
senhor, por outro lado, entende como “bom” o nobre e como “mau” o desprezível, o covarde, 
o medroso, o mesquinho, o mentiroso e, nesse sentido, os valores são criações humanas. O 
nobre nomeia seus valores e atribui para si seus deveres e direitos, “o homem livre é imoral 
porque quer depender absolutamente de si mesmo e não de uma tradição”. (BOMBASSARO, 
1998, p. 79). 
A Vontade de poder é a base do pensamento de Nietzsche. Essa vontade é a 
afirmação do princípio da vida. A Vontade de poder é imprevisível e é um impulso em 
direção à saúde, à vida, ao desejo a partir das quais o ser humano se constrói. Os valores 
precisam ser criados, reavaliados, afirmados, pois eles não existem independentes do ser 
humano que os cria, “em si mesmos” ou “por si mesmos” como afirmava Kant. 
A questão do poder, pensada por Nietzsche no final do século XIX, terá profundas 
influências no pensamento de Michel Foucault, especialmente nas décadas de 1960 e 1970. A 
presença das ideias de Nietzsche se faz sentir tanto na análise que Foucault faz dos 
mecanismos repressivos (em que os procedimentos de exclusão e de controle são colocados 
em prática), quanto no método genealógico (de análise das relações de forças capazes de 
inventar conhecimentos motivados pelo interesse). 
 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
BOMBASSARO, Décio Osmar. A ética aristocrática de Nietzsche. In: BOMBASSARO, 
Décio Osmar (Org.) Da habilidade humana em perscrutar o ente. Caxias do Sul: UCS 
Editora, 1998. 
GIACOIA, Oswaldo. Nietzsche como psicólogo. São Leopoldo: Unisinos, 2001. 
MARCONDES, Danilo. Textos básicos de ética: de Platão a Foucault. Rio de Janeiro: Jorge 
Zahar, 2007. 
NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência. São Paulo: Abril Cultural, 1974. 
______. Genealogia da moral. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

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