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1 Geosul 2017 ADESÃO E MICROSCOPIA DO CONTATO NATA-ROCHA DE ARENITOS DA SERRA DO ESPIGÃO, SC Cleber de Freitas Floriano (1); Marco Antonio Grigoletto Conte (2); Luiz Antonio Bressani (3) RESUMO Neste trabalho foram estudados dois arenitos pertencentes às formações geológicas Botucatu (Bt) e Rio do Rasto (RR) envolvidos em processos de instabilização de encostas rochosas na Serra do Espigão, no estado de Santa Catarina. A adesão nata de cimento-rocha foi avaliada de duas formas: em laboratório através de ensaios CCBT (Composite Cylinder Bond Test); e em campo através de ensaios de arrancamento de grampos. Foram obtidos valores médios de adesão pelo método CCBT de 0,38 MPa para o Arenito Bt e 0,37 MPa para o Arenito RR. Estes resultados são compatíveis com os valores obtidos em campo de 0,39 MPa para o arenito Bt e de 0,40 MPa para o arenito RR. Assim, o ensaio CCBT pode ser uma alternativa viável para definição do parâmetro de adesão em etapas iniciais de projeto. À luz da microscopia, é discutida a influência da lavagem na superfície de corte dos corpos de prova compostos de Arenito Bt e nata de cimento. Nota-se, preliminarmente, que as condições de aderência da nata e da rocha melhoram em função da limpeza da superfície de contato. Contudo, a resistência mecânica na interface é afetada por diversos fatores, como a hidratação da nata de cimento e a friabilidade do contato nata-rocha. ABSTRACT In this work, two sandstones belonging to Botucatu (Bt) and Rio do Rasto (RR) geological formations were studied. They are related to rocky slope instability processes in Serra do Espigão, Santa Catarina state. The bond strength between grout and rock was evaluated in two ways: at laboratory through CCBT (Composite Cylinder Bond Test); at field through pullout tests. Were obtained average adhesion values by the CCBT method of 0,38 MPa for Bt Sandstone and 0,37 MPa for RR Sandstone. These results are compatible with field values of 0,39 MPa for Bt Sandstone and 0,40 MPa for RR Sandstone. Thus, the CCBT method can be a viable alternative for defining the adhesion parameter at initial stages of design. The influence of the washing on the cutting surface of the composite specimens of Bt Sandstone and grout is discussed in the light of the microscopy. It is noted, preliminarily, that the conditions of adhesion between grout and rock improve as a function of the cleaning of the contact surface. However, the bond strength at the interface is affected by several factors, such as the hydration of the cement slurry and the contact friability. PALAVRAS-CHAVE: Adesão Nata-Rocha. Ensaios CCBT. Lâminas Petrográficas. Ensaios de Arrancamento. Rocha sedimentar. (1) Professor Assistente da Faculdade de Eng. Civil da PUCRS, Engenheiro Civil, Azambuja Eng. e Geotecnia Ltda, souza.floriano@gmail.com; (2) Eng. Civil, Mestrando em Engenharia Civil/Geotecnia pela COPPE/UFRJ, marco.conte@hotmail.com; (3) Professor Associado, Departamento de Engenharia Civil, UFRGS, bressani@ufrgs.br 2 Geosul 2017 1 – INTRODUÇÃO O trecho da BR-116/SC que perpassa a Serra do Espigão é marcado por diversos problemas geotécnicos. Em uma faixa de 5 km, por exemplo, são contabilizadas mais de 10 obras de estabilização. Relatos sobre movimentos de massa ocorridos na região, particularmente queda de blocos rochosos, foram apresentados ainda na década de 1970 por Fernandes et al. (1974). Estes autores atribuem as quedas de blocos de pequena dimensão à degradação diferencial dos estratos da Formação Rio do Rasto. Já a queda de blocos de maior magnitude está associada à perda de suporte basal, em virtude da intemperização do maciço sotoposto (Formação Botucatu). Desde então, diversas soluções têm sido aventadas com vistas à estabilização e proteção de algumas das encostas do local inclusive de obras sendo executadas neste anos de 2017. As propostas que utilizam um sistema de ancoragem através da inserção de grampos ou tirantes no maciço rochoso tem sido bastante empregadas nestas situações. Para o dimensionamento destas ancoragens, normalmente são realizados ensaios de arrancamento. Entretanto, viabilizar ensaios em verdadeira grandeza muitas vezes torna-se incompatível com a etapa de estudos preliminares. Isto ocorre em obras de menor porte e pontuais, como são a maioria das obras de contenção, e também podem ser citados os locais onde os acessos dependem de trabalho em altura e que acabam exigindo o uso de manipuladores ou guindastes. Neste caso é comum ocorrer interferência no tráfego viário, gerando custos ainda mais elevados. No dimensionamento de uma ancoragem é de extrema importância a determinação da aderência entre o fluido cimentante e o maciço. Este trabalho dedica-se à determinação deste parâmetro para os arenitos da Formação Botucatu e Rio do Rasto que são encontrados no local. Optou-se pelo ensaio de laboratório CCBT (Composity Cylinder Bond Test) porque é de simples execução e possui baixo custo, portanto viável nas etapas iniciais de um projeto. Também são discutidos, do ponto de vista microscópico, alguns fatores intervenientes no processo de ancoragem que ocorre na interface nata de cimento-rocha. 2 – CARACTERIZAÇÃO GEOLÓGICA O local de estudo situa-se no município de Monte Castelo, Santa Catarina. Os problemas geotécnicos estudados neste trabalho estendem-se por um trecho de aproximadamente 700 metros na BR-116/SC (km 108+000 - km 108+700). De acordo com o mapa litológico, estão presentes duas formações geológicas originárias de antigos depósitos sedimentares (PERROTTA et al., 2004). Trata-se da Formação Botucatu e da Formação Rio do Rasto. Além destas, embora não observadas a partir dos taludes da plataforma rodoviária da BR-116, à montante destaca-se a Formação Serra Geral, e à jusante a Formação Teresina, bem como depósitos aluvionares recentes provenientes do Período Quaternário. Uma imagem de satélite identifica o trecho estudado (Fig. 1), enquanto a Fig. 2 apresenta a coluna estratigráfica do local mostrando nitidamente a transição entre a Formação Rio do Rasto e a Formação Botucatu, além de suas diferenças táteis e visuais. Figura 1. Localização da área de estudo, destacando as formações geológicas presentes e a demarcação da rodovia no trecho (FLORIANO et al., 2015). 3 Geosul 2017 Figura 2. Coluna estratigráfica observada em um talude exposto junto ao km 108+200 da BR-116/SC (adaptada de FLORIANO et al., 2015). 3 – MATERIAIS E MÉTODOS As amostras cilíndricas de rocha foram coletadas através de perfuratriz com coroa denteada, de pontas diamantadas, diâmetro externo de 21/4” e diâmetro interno equivalente de 50 mm. As amostras de arenito Bt foram extraídas segundo 3 orientações distintas: uma paralela ao plano de estratificação natural, outra perpendicular a este plano e uma terceira, inclinada. Para esta última, idealizou-se o mesmo ângulo praticado na execução de obras de grampeamento ou atirantamento, que varia entre 10 a 30 graus em relação à horizontal. Na prática, contudo, manter um ângulo de extração perfeitamente constante é difícil. No arenito RR os planos de estratificação não podem ser amostrados em virtude da escala, embora existam, já que os processos de sedimentação e posterior diagênese naturalmente promovem planos desse tipo. A Fig. 3 apresenta alguns cilindros amostrados, identificando os planos de estratificação em relação à posição de corte de cada amostra. Arenito Botucatu Arenito Botucatu Arenito Rio do Rastro Arenito Botucatu Figura 3. Amostras com diâmetro médio de 50mm obtidas através de extrator. O tracejado vermelho indica a posição do plano de estratificação no arenito Botucatu. 3.1 – Composite Cylinder Bond Test (CCBT) O composite cylinder bond test (CCBT) é um ensaio que determina a tensão de aderência entre nata e rocha através do cisalhamento de um plano forçado (MACEDO, 1993). Um corpo deprova composto de nata de cimento e rocha é produzido e, quando submetido à compressão simples uniaxial, sofre cisalhamento na interface dos dois materiais. Este ensaio simplificado foi desenvolvido na UFRGS por Macedo (1993). Os testemunhos rochosos que compõem os corpos de prova compostos são definidos por dois cortes: um perpendicular (90º) e outro a 30º ou 45º em relação ao eixo de compressão axial. A interface, portanto, tem uma forma elíptica. Foram seccionadas 88 amostras para formatação dos corpos de prova. No que tange à nata de cimento, empregou-se cimento Portland Pozolânico tipo CP IV-32. A relação a/c adotada foi coerente com aquelas normalmente definidas em projetos executivos, que ficam entre 0,4 a 0,6, com quantidades dosadas em peso. A moldagem dos corpos de prova compostos ocorre através do despejo cuidadoso da nata sobre o testemunho rochoso cortado, o qual está inserido em um molde cilíndrico. Durante esta operação deve-se evitar a formação de bolhas na nata. Os ensaios foram executados aos 28 dias Arenito Rio do Rasto (RR) c/ estratificação plano-paralela Níveis intermediários de Pelito e Arenito Arenito Botucatu (Bt) c/ estratificação marcante paralela e cruzada Coluna Estratigráfica 4 Geosul 2017 de cura, conforme a NBR 7681-4 (ABNT, 2013). Foram moldados 72 corpos de prova, sendo 24 do Arenito RR e 48 do Arenito Bt. A Fig. 4 exibe um conjunto de corpos de prova compostos sendo confeccionados. Figura 4. Conjunto com 30 moldes metálicos, sendo 24 moldes para a formatação dos corpos de prova do ensaio CCBT e outros 6 moldes para a verificação da resistência à compressão simples (RCS) da nata de cimento. A imagem mais a direita mostra o conjunto de corpos de prova prontos para o ensaio. Os corpos de prova foram levados à câmara úmida e, após três dias de cura dentro do molde, foram desformados e permaneceram na câmara até o dia da ruptura. A velocidade de carregamento de todos os corpos de prova compostos e dos corpos de prova de nata de cimento foi estabelecida como 0,45 MPa/s, conforme a NBR 7681-4 (ABNT, 2013). Todos os ensaios de resistência à compressão simples indicaram resistência superior a 25 MPa para a nata de cimento. Na Fig. 5 podem ser vistos exemplos de corpos de prova compostos após a ruptura. As duas imagens mais à direita exibem corpos de prova cuja ruptura não ocorreu na interface nata- arenito, e, portanto, devidamente são excluídos dos resutados. Figura 5. (a) Ruptura de um corpo de prova de arenito Bt em corte de 30º. (b) Metade de nata de cimento e metade de arenito RR após a ruptura de um corpo de prova composto. (c) Ruptura no arenito. (d) Ruptura no arenito e na nata de cimento. O ensaio CCBT pode ser interpretado a partir do círculo de Mohr (Fig. 6), onde a tensão principal maior corresponde à tensão de compressão uniaxial no momento da ruptura (σ1A e σ1B). O critério de ruptura adotado é o de Mohr-Coulomb (Eq. 1), com parâmetros Sw (adesão) e φ (ângulo de atrito). No ensaio CCBT as deformações cisalhantes que ocorrem são muito pequenas, sendo assumido, então, que a parcela de resistência devida ao atrito é inexistente. Portanto, a resistência ao cisalhamento corresponde apenas à parcela de adesão nata-rocha do contato. A aderência, derivada dos ensaios CCBT, é obtida quando se resolve o sistema com as Eq. 2 e 3. A média das tensões de ruptura do conjunto moldado com juntas de 30º é igual a σ1A, e a média das tensões de ruptura do conjunto moldado com juntas a 45º vale σ1B. Destaca-se que φ representa o ângulo de atrito da junta. Figura 6. Interpretação gráfica do ensaio CCBT (adaptada de Macedo, 1993). a b c d a b c d 5 Geosul 2017 (1) (2) (3) 3.2 – Ensaios de arrancamento Foram realizados três ensaios de arrancamento de campo não instrumentados, sendo um posicionado no Arenito RR e os outros dois no Arenito Bt. Tais ensaios seguiram as recomendações estabelecidas na NBR 5629 (ABNT, 2006) quanto à sequência de cargas, similar ao procedimento de ensaio de qualificação em tirantes. O grampo utilizado foi um modelo Resinex – RT 06 – 38,1mm, com carga de trabalho de 360 kN. A nata de cimento de injeção foi preparada com fator a/c de 0,5 e os ensaios foram feitos após 28 dias da injeção. As perfurações foram realizadas por roto-percussão, sendo o fluido perfurante o ar, de modo a atingir comprimento de ancoragem de 4 metros com diâmetro do furo igual a 75 mm. Todas as perfurações tiveram auxílio de um guindaste que ficou patolado em uma faixa de rolamento, junto a BR-116/SC. 3.3 – Lâminas petrográficas Lâminas petrográficas delgadas foram extraídas de seis corpos de prova compostos de Arenito Bt nos quais a ruptura não ocorreu no contato nata-rocha (Fig. 7a). Em três corpos de prova, durante a sua confecção a interface nata-arenito foi limpa através de lavagem em água corrente e com leve pressão, de modo a remover o material pulverizado do corte que fica impregnado na superfície (Fig. 7c). Nos outros três não foi realizado nenhum procedimento de lavagem na interface (Fig. 7b), ou seja, o material pulverizado do corte permaneceu impregnado na superfície seccionada (procedimento geral adotado na confecção de todos os outros corpos de prova destinados ao ensaio CCBT). Após ensaiados, os corpos de prova sofreram um corte centralizado longitudinal para a extração das lâminas junto ao contato nata-rocha. Para a produção destas lâminas, foi necessário realizar impregnação com resina em virtude da friabilidade da rocha. Desta forma, os vazios são facilmente identificáveis pelo matiz azul (Fig. 7d). Figura 7. (a) Corpos de prova selecionados para extração de lâminas petrográficas delgadas. (b) Lâminas dos corpos de prova não submetidos à lavagem. (c) Lâminas dos corpos de prova submetidos à lavagem. (d) Detalhe de uma lâmina, exibindo as porções com nata de cimento e arenito Bt. 4 – RESULTADOS 4.1 – Composite Cylinder Bond Test (CCBT) e ensaios de arrancamento Somente os resultados dos corpos de prova compostos cuja superfície de ruptura se deu na interface nata-rocha foram considerados nos cálculos. Para o Arenito RR a adesão obtida é de 0,37 MPa, e para o Arenito Bt é de 0,38 MPa. Estes valores são muito similares e estão representados graficamente através de círculos de Mohr na Fig. 8. NATA DE CIMENTO a b c d ARENITO Bt L04 L02 L13 L03 L02A L13 6 Geosul 2017 Em relação aos ensaios in-situ, as cargas de arrancamento estimadas para os chumbadores executados no Arenito Bt foram de 0,37 e 0,41 MPa. Já o chumbador ensaiado no Arenito RR suportou uma carga de arrancamento de 0,40 MPa. Comparando-se os valores de tensão última de campo (qs) com os valores do ensaio CCBT (Sw), primeiramente observa-se uma aproximação muito satisfatória em termos de valores médios. As divergências são de apenas 3,4% para o Arenito Bt e 8,9% para o Arenito RR. Em segundo lugar, os valores de Sw são sempre inferiores aos valores de qs. A Tab. 1 apresenta um comparativo destes resultados incluindo os valores obtidos por Macedo (1993). 30°0.37 1.52 3.06 Circulo de Mohr - Arenito Rio do Rastro 37° te ns ão c is al ha nt e tensão normal MPa MPa 30°0.38 1.72 5.21 Circulo de Mohr - Arenito Botucatu 41° te ns ão c is al ha nt e tensão normal MPa MPa Figura 8. (a) Círculos de Mohr para o arenito RR. (b) Círculos de Mohr para o arenito Bt. (FLORIANO, 2014) Tabela 1. Valores de adesão obtidos em campo (ensaio de arrancamento) e laboratório (CCBT) MATERIAL qs Médio (MPa) Sw Médio (MPa) qs/Sw (MPa) Dacito*(Formação Serra Geral) 1,70 1,27 1,34 Basalto* (Formação Serra Geral) 4,40 1,55 2,84 Arenito subarcosiano (Formação Botucatu) 0,39 0,38 1,03 Arenito lítico fino (Formação Rio do Rasto) 0,40 0,37 1,09 * Dados obtidos de MACEDO (1993). 4.2 – Lâminas petrográficasDurante a confecção de um corpo de prova composto, à medida em que a nata de cimento é lançada, a água proveniente da sua exsudação penetra no arenito, expulsando parcialmente o ar existente. Esta migração potencializa a formação de canalículos na nata de cimento, especialmente junto ao contato com o molde metálico. Em alguns casos surgem bolhas no entorno de grãos suspensos. A migração dos fluidos também contribui para a definição da espessura da área exsudada na zona de contato entre arenito e nata durante as reações de hidratação do cimento. Este processo tem início imediato e reduz sua intensidade quando atinge o tempo de início de pega, que para o CP-IV é de 1h, segundo a NBR 5736 (ABNT, 1991). A migração de fluidos continua ocorrendo até o tempo de final de pega, que é de 12h. Após este período, por tratar-se de cimento pozolânico, as reações perduram por muitos dias. 4.2.1 – Lâminas extraídas dos corpos de prova submetidos à lavagem Observa-se que a penetração do cimento na superfície rochosa é bastante limitada (Fig. 9a). Nas três lâminas extraídas dos corpos de prova submetidos à lavagem, a migração não atingiu mais do que três grãos de espessura, ou cerca de 0,5mm. Aparentemente a nata de cimento, no momento do despejo na superfície de contato com o arenito, tem fluxo impedido por efeito de tensão superficial, pois a composição cimento e água apresenta viscosidade superior à da água livre. Assim, a nata de cimento é incapaz de ultrapassar a abertura intergranular do arenito. A irregularidade (proveniente do corte) na zona de contato é outra feição típica destas lâminas. a b 7 Geosul 2017 Nota-se que parte da água de hidratação do cimento sofre exsudação na interface rocha-nata. Este fenômeno é observável em virtude da tonalidade mais escura desta região em relação à matriz da nata, mais clara (Fig. 9b). A espessura da zona de exsudação junto ao contato varia entre 0,2 mm e 1,5 mm nas três lâminas. Observa-se também fissuras de retração na nata de cimento. Sua ocorrência deflagrou-se mesmo com as amostras sendo curadas em câmera úmida, embora no momento do lançamento da nata de cimento sobre a superfície, o arenito não se encontra saturado, mas sim, na condição de umidade natural. No caso da superfície lavada, as fissuras de retração da nata surgem perpendicularmente ao plano de contato (Fig. 9c). Não se pode afirmar se a origem delas está associada à consolidação da nata ou se ocorrem em função das tensões absorvidas pelo corpo de prova no momento do ensaio. Porém é evidente que no instante em que atuarem tensões cisalhantes devido ao carregamento axial, estas fissuras irão gerar planos de fraqueza. As fissuras de retração também demarcam uma zona mais escura correspondente à área de exsudação, pois durante o tempo de cura da nata ocorre passagem livre de fluido por elas, deixando a nata de cimento super-hidratada. Esse processo é semelhante ao que ocorre ao longo da superfície de contato com o arenito. Figura 9. (a) Lâmina 03, luz natural: migração limitada da nata de cimento sobre a superfície rochosa. (b) Lâmina 06, luz natural: diferença de tonalidade indica a zona de exsudação da nata. (c) Lâmina 03, luz natural: fissura de retração perpendicular ao contato nata-rocha. 4.2.2 – Lâminas extraídas dos corpos de prova não submetidos à lavagem Neste caso, o processo de consolidação da nata de cimento é exatamente o mesmo que na condição anterior, assim como a sua penetração na rocha continua sendo bastante limitada. No entanto, algumas diferenças importantes junto ao plano de contato entre nata e arenito puderam ser observadas. Figura 10. (a) Lâmina 13, luz natural: zona de exsudação com menor espessura e fissura paralela ao contato nata-rocha. (b) Lâmina 04, luz natural: ocorrência de fissuras de retração paralelas junto ao contato nata-rocha em profusão. Nota-se que a espessura de exsudação é menor na condição não lavada, estando compreendida no intervalo entre 0,1 mm e 0,6 mm de espessura nas três lâminas (Fig. 10a). Essa diferença ocorre porque o material pulverizado impregnado na superfície dificulta a migração da água de exsudação. Além disso, as reações de hidratação que ocorrem nesta faixa também envolvem este material pulverizado e friável oriundo do corte da superfície rochosa. No que tange às fissuras de retração, na condição não lavada incidem também em planos posicionados paralelamente junto à interface entre nata e rocha, aparentemente demarcando a posição do 0,5 mm ARCABOUÇO ARENÍTICO ZONA EXSUDADA ZONA NÃO-EXSUDADA ZONA EXSUDADA FISSURA PERPENDICULAR FISSURA PARALELA ZONA EXSUDADA FISSURA PERPENDICULAR FISSURAS PARALELAS a b c a b 8 Geosul 2017 material impregnado (Fig. 10a). Ademais, ocorrem em profusão ao longo da superfície de contato nata-rocha (Fig. 10b). Essas fissuras paralelas demarcam tempos de reação de hidratação divergentes, em função da presença de partículas finas pulverizadas e impregnadas que colmatam os primeiros poros. A película de material pulverizado restringe as reações de hidratação, formando uma barreira que retém a migração das partículas de cimento até os primeiros poros (inter e intragranulares) do arenito. Embora ocorra numa zona exsudada, o contato entre a nata de cimento e os primeiros grãos areníticos é o que efetiva a ligação nata-rocha. 5 – CONCLUSÕES Os valores de adesão nata-rocha obtidos através dos ensaios CCBT (Sw) e de arrancamento in-situ (qs) são muito similares. Estes resultados demonstram que a utilização do CCBT como ensaio de referência para a determinação da adesão nata-rocha é uma alternativa viável, particularmente para os arenitos estudados neste trabalho. Todavia, mais ensaios em diferentes tipos de rocha devem ser executados para que seja possível obter parâmetros ainda mais seguros e também estabelecer relações mais concretas. Destaca-se, contudo, aquilo já frisado por Macedo (1993): a resistência obtida pelos ensaios CCBT é um limite inferior, pois o método desconsidera a parcela de atrito e os efeitos de dilatância. Diferenças significativas de penetração da nata de cimento não foram observadas entre as lâminas delgadas lavadas e as não lavadas. Mesmo numa superfície com poros abertos (lavada) a viscosidade da nata é suficiente para gerar tensões capilares que impedem o avanço do fluido para os poros da rocha, limitando a migração em até três grãos. Nas superfícies lavadas a adesão passa a ser governada pela friabilidade da superfície de contato com a rocha e também pela irregularidade desta. Portanto, a diferença de comportamento mecânico através dos ensaios CCBT observada nos corpos de prova lavados e não-lavados, deve estar associada à presença de uma película de partículas pulverizadas e impregnada na superfície durante o corte dos arenitos para formatação dos corpos de prova compostos. Quando esta película impregnada é removida pela lavagem há um ganho de aderência no contato nata-rocha. A microscopia indica melhores condições de aderência em função da limpeza da superfície de contato, porém, a resistência mecânica deste contato sofre interferência de diversos fatores, o que deve ser melhor investigado. Outros estudos já estão sendo conduzidos neste sentido, especialmente para compreender se esta melhoria de aderência, proveniente da lavagem da superfície impregnada pelo material pulverizado, seria relevante para um elemento de ancoragem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5736: Cimento Portland pozolânico. Rio de Janeiro, 1991. _____. NBR 5629: Tirantes ancorados no terreno, 2006. _____. NBR 7681-4: Calda de cimento para injeção - Determinação da resistência a compressão, 2013. FERNANDES, C. E. M.; TEIXEIRA, H. A. S.; CADMAN, J. D.; BARROSO, J. A. Estudo geotécnico relativo à estabilidade dos taludes marginais à rodovia BR-1 16 – PR/SC – Trecho: Curitiba – Sta. Cecília – Serra do Espigão –Santa Catarina . 1974. n.f. 96. Relatório final: Instituto de geociências da UFRJ, Departamento de Geologia de Engenharia, convênio UFRJ – IGEOC/DNER. FLORIANO, C. F. Ancoragem em rocha: estudo da adesão nata-rocha de dois arenitos da Serra do Espigão, SC . 2014. Dissertação (Mestrado em Engenharia – Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil): Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2014. FLORIANO, C. F.; BRESSANI, L. A.; SAVARIS, A. Estudo da adesão nata-rocha na ancoragem em dois arenitos da Serra do Espigão. In: SEMINÁRIO DE ENGENHARIA DE FUNDAÇÕES ESPECIAIS E GEOTECNIA, 8., 2015, São Paulo. Anais... São Paulo: ABMS/ABEF, 2015. CD-ROM. MACEDO, M. C. Contribuição ao estudo da capacidade de carga de an coragens em rochas vulcânicas . 1993. Dissertação (Mestrado em Engenharia – Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil): Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 1993. PERROTTA, M. M. et al. Folha Curitiba SG-22. In: SCHOBBENHAUS, C.; GONÇALVES, J. H.; SANTOS, J. O. S.; ABRAM, M. B.; LEÃO NETO, R.; MATOS, G. M. M.; VIDOTTI, R. M.; RAMOS, M. A. B.; JESUS, J. D. A. de. (Ed). Carta Geológica do Brasil ao Milionésimo . Brasília: CPRM, 2004. Sistema de Informações Geográficas. Programa Geologia do Brasil.
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