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Estudos de Caso em Política Externa Brasileira

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Estudos de caso em política externa brasileira (1930–1985). / André Luiz 
Reis da Silva, José Miguel Quedi Martins (Org.). — Porto Alegre: 
ISAPE, 2015. 
 345 p.: il. — (Cadernos ISAPE). 
ISBN 978-85-65135-13-9 
 ISBN 978-85-65135-14-6 (ebook) 
1. Política externa : Brasil. 2. Desenvolvimentismo. 3. Diplomacia. 4.
Relações internacionais. I. Silva, André Luiz Reis da. II. Martins, José
Miguel Quedi. III. Título. IV. Série.
 CDU 327(81) 
Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE) 
Rua 24 de outubro, 850/310 
Bairro Moinhos de Vento 
CEP: 90510-000 
Porto Alegre, RS, Brasil 
Fone: (51) 30846175 
Capa: Tiago Oliveira Baldasso
Editoração: Bruno Gomes Guimarães
Impresso por: Gráfica da UFRGS
© 2015 Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia 
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO 
(CIP) 
Responsável: Biblioteca Gládis W. do Amaral, Faculdade de Ciências Econômicas 
da UFRGS 
É com grande satisfação que apresentamos este livro, fruto de um 
projeto de extensão, intitulado “Oficinas Temáticas de Política Externa 
Brasileira”, inserido no programa de extensão “Inserção Internacional do 
Brasil”. Nesse projeto, desenvolvido entre 2014 e 2015, os alunos foram 
convidados a discutir, publicamente, nas oficinas de política externa, a 
produção dos seus artigos acadêmicos. 
O tema central do livro é a política externa brasileira, no período do 
chamado desenvolvimentismo (1930–1985). De fato, a inserção 
internacional do Brasil nesse período foi fortemente marcada pelas 
transformações que o Brasil foi experimentando desde a Revolução de 1930 
e a ascensão de Vargas ao poder. A partir dos anos 1930 a política externa 
havia sido transformada em um instrumento para o desenvolvimento do 
Brasil. Daí em diante, o chamado modelo de política externa para o 
desenvolvimento foi transformado em paradigma. Entretanto, sob o 
paradigma da política externa para o desenvolvimento, crescentemente 
articularam-se diferentes linhas de condutas externas identificadas de acordo 
com os modelos de desenvolvimento interno e com as conjunturas e 
possibilidades externas, estando basicamente polarizadas entre nacional-
desenvolvimentismo e o desenvolvimentismo-associado. 
Conforme Amado Cervo, essas duas correntes se debateram pelo 
controle da política exterior. Esse autor ainda faz uma distinção dessas duas 
correntes nas suas características básicas: “o desenvolvimento liberal 
associado configurou-se nas propostas de políticas públicas internas e na 
outra face da política, a externa, envolvendo conceitos e ideologias afinados 
com o ocidentalismo, a amizade e as relações especiais com os Estados 
Unidos — a matriz do modelo —, a busca de proteção pela valorização da 
segurança coletiva regional, a facilidade para a penetração de capitais e 
empresas do exterior, o relaxamento cambial e da legislação que dispõe 
sobre a remessa de lucros.” Enquanto isso, o modelo do nacional 
desenvolvimentismo “apoiado em crescente pragmatismo, teve outras 
ênfases: o controle dos setores estratégicos da economia pelo Estado, 
enquanto a empresa privada nacional não se dispusesse a atuar sobre eles; o 
protecionismo alfandegário para expandir o parque industrial; o 
universalismo geográfico, ideológico e político e a nacionalização da 
segurança.”1 Pode-se acrescentar, também, que a década de 1960 foi o 
período em que estas duas correntes experimentaram suas teses estando no 
poder. 
Com o regime militar (1964–1985) a experiência associada do 
governo Castelo Branco logo cedeu espaço para uma nova opção, que 
articulava o desenvolvimentismo com um projeto pragmático inserção 
internacional, cuja contradição básica era a manutenção do conservadorismo 
e autoritarismo no Brasil. De qualquer maneira, a política externa do regime 
militar buscou ampliar a margem de autonomia do Brasil no sistema 
internacional, e deixou ao Brasil um importante acervo de iniciativas 
diplomáticas. Os resultados destas experiências, seu alcance e significado são 
objetos de análise historiográfica e iluminam o debate contemporâneo sobre 
os desafios da inserção internacional do Brasil. Por outro lado, ainda existem 
inúmeras lacunas para estudo e pesquisa, bem como um grande acervo de 
documentos a serem explorados. 
Ensinar pela pesquisa tem se revelado um método produtivo de 
ensino e aprendizagem. Ao estimular os alunos a produzir pesquisas, é 
possível acompanhar seu processo de desenvolvimento intelectual e 
amadurecimento, bem como construir a autonomia intelectual. Ao invés da 
memorização e repetição, os alunos são instigados a problematizar o tempo 
passado e presente, a partir do estudo e da articulação entre questões 
teóricas, historiográficas e a utilização de fontes primárias. Assim, um novo 
conhecimento pode ser gerado. As fontes primárias consistiram em 
documentos diversos, como tratados e discursos, relatórios do Ministério das 
Relações Exteriores, bem como jornais e revistas de época. 
Este livro é constituído por 16 artigos. Todos foram produzidos como 
trabalho final da disciplina de Política Externa Brasileira II, nos semestres de 
2013/2 e 2014/2. A disciplina aborda o período de 1930–1985 e entre os 
temas estudados estão a formação da Identidade Nacional e sua repercussão 
1 CERVO, Amado. Relações internacionais do Brasil. In: CERVO, Amado Luiz (org.) O 
Desafio Internacional: a política exterior do Brasil de 1930 aos nossos dias. Brasília. Editora 
Universidade de Brasília, 1994, p. 29. 
na Política Externa, comparação da política externa do getulismo com o 
peronismo, Relações Brasil-URSS, o debate eleitoral e a política externa, o 
apoio norte-americano à ditadura no Brasil, a América do Sul no projeto 
“Brasil Potência”, a política externa e a construção de Itaipu, o programa 
nuclear brasileiro, o desenvolvimento da indústria armamentista, o Atlântico 
Sul e a Guerra das Malvinas, o Brasil e a África do Sul e as relações do Brasil 
com o continente africano durante o regime militar. 
Gostaríamos de agradecer ao ISAPE pelos serviços de editoração; à 
Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, ao Curso de Relações 
Internacionais e a Gráfica da UFRGS pelo apoio institucional; e à Pró-
Reitoria de Extensão (PROREXT) pelo apoio material e institucional, ao 
financiar as bolsas de extensão para organização e a impressão do livro, 
permitindo que este projeto pudesse ser concretizado. Agradecemos também 
aos alunos João Gabriel da Costa, João Arthur Reis, Guilherme Simionato, 
Gabriela Zwirtes, Bruna Reisdoerfer e Thiago Baldasso, que contribuíram no 
esforço de finalização do livro. 
Desejamos a todos uma boa leitura e que este livro sirva de estímulo 
ao desenvolvimento de novas pesquisas. 
André Luiz Reis da Silva 
José Miguel Quedi Martins 
Camila Torresini 
Eduardo Kreibich 
Karina Ruíz 
Letícia Tancredi 
Analisando-se a política externa brasileira (PEB), percebe-se uma 
dualidade em seu caráter, oscilante entre a busca por uma inserção mais 
competitiva na Divisão Internacional do Trabalho via diminuição da 
dependência e a busca por uma aproximação privilegiada aos países centrais. 
Esse movimento influi nas relações regionais do país: no primeiro caso, a 
integração regional é vista como meio fundamental do desenvolvimento2; no 
segundo, é mero instrumento para uma aproximação ao Centro que, na 
prática, mantém o país dependente da dinâmica externa e, portanto, em uma 
posição submissa no sistema internacional. 
Nesse sentido, tem-se por problema de pesquisa como a dualidade da 
PEB importa para a formação da identidade do país. Afinal, conforme o 
economista Samuel Huntington (1996), a preservação de países e de 
civilizações demandaria a renovação e o fortalecimento de suas identidades. 
Para o cientista político Benedict Anderson (2006), a identidade nacional de 
uma sociedade se encontraria na imagem de comunhão constante no 
imagináriode cada ente da nação, tendo sido alterada nele conforme 
projetos políticos. 
2 A ideia de política regional autônoma se relaciona ao conceito de Werneck (apud SILVA; 
GONÇALVES, 2009) de autonomia relativa: embora o Brasil seja estruturalmente 
dependente, pode ser regional ou conjunturalmente autônomo. 
Nas Relações Internacionais, o conceito de identidade passou a ser 
abordado a partir dos anos 1990, pela da teoria construtivista, que foca na 
maneira como as interações sociais entre os Estados moldam suas 
identidades, valores e interesses (CORNETET, 2011). Mas, de acordo com o 
conceito criado por Ashizawa (2013), a “identidade de Estado” não seria o 
único fator determinante da política externa — como traz o construtivismo 
—, mas um aspecto que, combinado aos atributos estruturais internacionais, 
influenciaria o seu comportamento. O conceito consistiria no que é um país 
e no que ele representa, sendo que tanto interações interestatais, quanto 
aspectos culturais e institucionais relacionados aos ambientes interno e 
externo definiriam sua identidade. Assim como a identidade individual, a 
identidade de Estado não seria apenas uma característica descritiva do 
Estado, mas uma concepção social e relacional. 
Desta feita, a hipótese assumida é de que o caráter da identidade 
brasileira é uma consequência dessas duas tendências que coexistem na PEB. 
Por um lado, a busca por uma aproximação privilegiada aos Estados 
Unidos, que remonta ao início da República, afastando-se da Europa e 
americanizando-se (CERVO; BUENO, 2002). Por outro, o descontentamento 
com os EUA por vezes levou a um processo de afastamento do Brasil, 
evidenciado com a política externa independente e, posteriormente, com a 
reorientação da PEB para o âmbito latino-americano ao final da ditadura 
militar no Brasil. Pretende-se, assim, analisar os discursos diplomáticos da 
época para se compreender as motivações e estratégias da diplomacia 
brasileira que definiram a política externa dual do Brasil do Estado Novo à 
ditadura militar, para, finalmente, entender-se o papel da dualidade da PEB 
na formação da identidade brasileira entre as décadas de 1940 e 1980. 
Desde o advento da República, é notável o alinhamento da PEB aos 
EUA, em detrimento ao abandono da tradicional relação de dependência 
com a Grã-Bretanha. Mesmo após breve oscilação entre o apoio ao Eixo ou 
aos Aliados ao início da 2ª Guerra Mundial, com a mudança estrutural que 
levou à alteração do equilíbrio de poderes no sistema internacional, a PEB 
voltou-se à política externa estadunidense. 
As mudanças socioeconômicas da década de 1930 levaram ao 
investimento em uma nova percepção do interesse nacional no início do 
governo Vargas no Brasil: 
Isto explica as transformações havidas na PEB, como o reforço do 
pragmatismo e do seu sentido de instrumento do projeto de 
desenvolvimento nacional [...] O Brasil fez ‘jogo duplo’ em relação aos 
EUA e à Alemanha no período que antecede a 2ª Guerra, com a 
finalidade de barganhar (CERVO; BUENO, 2002, p. 234). 
A ambiguidade da PEB na véspera da eclosão do conflito mundial 
refletia a própria divisão constante entre os detentores de poder dentro do 
governo. Essa “equidistância pragmática”3 foi possível graças à conjuntura 
internacional, que antecedeu e estendeu-se até o início da II Guerra, e à 
divisão interna do governo brasileiro, que permitiu à Vargas a imposição de 
um projeto próprio ao Estado, aproveitando-se da dicotomia doméstica 
(TRONCA, 1982). 
Em termos econômicos, enquanto com a Alemanha se realizava o 
comércio compensado, que respondia às necessidades de matéria-prima e de 
mercado deste país; com os EUA se praticava o livre comércio, posto que 
este oferecia concessões ao Brasil a fim de importar minerais estratégicos e 
de evitar a penetração do Eixo. Porém, independentemente da forma de 
comércio realizada, segundo Hilton (1981), ambas as relações eram 
assimétricas. 
O pragmatismo de Vargas é claramente notado no caso da usina 
siderúrgica de Volta Redonda, que acabou dispondo de auxílios financeiro e 
tecnológico estadunidenses, que se sobrepuseram à alternativa alemã de 
apoio ao projeto, aumentando a influência dos EUA no Brasil. Ademais, 
apesar da simpatia de Vargas pelos regimes totalitários europeus e pela 
importante parceria estabelecida nos setores comercial e militar, o presidente 
preconizava a campanha nacionalista que realizava no país. A isso se 
somaram a pressão popular contrária à aproximação alemã, o bloqueio naval 
inglês à Alemanha e a falta de condições desta para atender às demandas 
3 Termo criado por Moura (1980), refere-se ao período de barganha de que Vargas se 
aproveitou para guiar a PEB — ora em direção à Alemanha, ora em direção aos EUA — 
durante o início da 2ª Guerra, enquanto o Brasil desfrutava de posição estratégica no 
sistema internacional. 
 
comerciais e militares brasileiras no auge da guerra, culminando na crise das 
relações entre Brasil e Alemanha em 1938. 
Concomitante a esses fatos, em contrapartida, ascendia a 
credibilidade estadunidense junto ao Itamaraty, tanto pela estratégia deste 
país de constante atração cultural e política sobre o Brasil — maquiada pela 
política de boa vizinhança idealizada pelo presidente Roosevelt4 —, quanto 
pelo laço histórico da tradicional parceria com os EUA — potencializada 
pela missão Aranha5. Para Moura (1980), tal missão marca o início do fim 
da “equidistância pragmática” na PEB: mesmo antes da década de 1940 — 
quando o Brasil ainda se declarava oficialmente neutro na guerra —, nota-se 
a tendência de alinhamento aos EUA. 
O auge da “americanização” (BURNS, 1978) da PEB se deu com a 
crença em uma aliança leal com os EUA, enquanto o Brasil dispunha de 
poder de barganha suficiente para dispor de vantagens sobre sua opção pelo 
lado estadunidense. Por seu lado, este governo buscava tanto afastar a 
ameaça de influência fascista no continente, quanto mitigar as tendências 
nacionalistas latino-americanas. O sistema de poder americano possuía uma 
ideologia internacionalista, que suplantava o objetivo de defesa nacional 
estadunidense, trazendo a ideia de solidariedade entre as nações americanas 
para a defesa continental contra o inimigo externo: 
 
O pan-americanismo transmuta a hegemonia estadunidense em 
solidariedade e cooperação continentais e permite à dominação 
política aparecer como respeito à soberania nacional das repúblicas 
latino-americanas [...] [abrindo espaço à] política de cooperação 
econômica que tende a impedir um desenvolvimento autônomo [...] e 
a manter um papel dominante da economia estadunidense (MOURA, 
1980, p. 169–171). 
 
 
4 A política de boa vizinhança idealizada por F. Roosevelt repudiava o intervencionismo 
como forma de solução de disputas nas Américas e consagrava o princípio da solidariedade 
hemisférica (MOURA, 1980). 
5 A ida de Osvaldo Aranha a Washington em 1939 visava a atrelar o Brasil, um dos países-
alvo da política de boa vizinhança, ao sistema de poder estadunidense (CERVO; BUENO, 
2002). A missão “se estendeu a outros países do continente [...] [a fim de] fortalecer e 
coordenar a defesa do hemisfério” (MOURA, 1980). 
 
A identidade brasileira, influenciada pelo pan-americanismo6, em que 
uma suposta colaboração hemisférica entre as nações interamericanas seria 
capaz de promover a equidade e a harmonia no continente, era uma das 
bases da estratégia daquele país para o controle sobre o hemisfério ocidental. 
Assim, o Brasil tornava-se importante instrumento dos EUA para o controle 
da América Latina, sobre a qual a proeminência brasileira era inaceitável. 
Para fomentar uma posição de destaque na região, Vargas passou a buscar a 
afirmação do país como nação ocidental, estabelecendo-se o Brasil como 
mediador entre países latino-americanos e patrocinador das visões 
estadunidenses nos congressos interamericanos7.Porém, a intenção dessa aliança não era a participação das forças 
latino-americanas na guerra, mas o compromisso de cada uma com a ordem 
interna e com a integração econômica aos EUA, ao qual importava a 
constituição do sistema de poder para o controle continental: 
 
O sistema interamericano não dependia de uma identidade comum 
dos regimes políticos no continente [- dado que muitos governos 
latino-americanos eram ditaduras -], mas da adesão a um centro 
hegemônico. [...] [Assim, os EUA] procuravam persuadir as nações 
latino-americanas a seguir a [sua] liderança em oposição ao Eixo 
(MOURA, 1980, p. 137, 139–140). 
 
Contudo, o equívoco da diplomacia brasileira na época parece ter sido 
a opção pelo rompimento total das relações com o Eixo na Conferência do 
Rio de Janeiro em 1941 - ainda que sem aprovação unânime dos Aliados e 
do próprio governo brasileiro -, sem antes obter garantias dos EUA. Houve 
contratempos do ponto de vista militar, já que a relutância estadunidense ao 
fornecimento de armas e a sua estratégia de presença no Nordeste8 
correspondiam ao temor quanto à atitude brasileira em caso de participação 
dos EUA na guerra. As dificuldades nas relações se deram tanto pela não 
concretização do reaparelhamento militar demandado pelo Brasil, quanto 
 
6 Ideologia que orientou a difusão de princípios como a fé nas instituições republicanas, o 
respeito à soberania nacional, a aversão ao uso da força e a defesa da democracia e da 
liberdade nas conferências interamericanas. 
7 Exemplo disso foi a quase conquista da vaga de membro permanente no Conselho de 
Segurança da ONU em 1945. 
8 O Nordeste do Brasil era uma região estratégica durante a 2ª Guerra Mundial de possível 
incursão do Eixo. 
 
pela posição contrária deste à presença de soldados estadunidenses no 
Nordeste. 
O crescente envolvimento dos EUA na guerra, o declínio da 
importância geoestratégica do Brasil e as resistências internas 
desfavoreceram a colaboração econômica e militar estadunidense. Daí 
começa a se notar uma dose de realismo político na diplomacia brasileira, ao 
perceber que o Brasil era secundário ao esforço de guerra estadunidense. 
Ademais, ao fim do conflito, a importância estratégica do país para os EUA 
declinava, e a realidade da assimetria se refletia na diminuição de seu poder 
de barganha. O projeto desenvolvimentista de Vargas não se tornou, 
portanto, ponto de inflexão da dualidade da PEB, visto que esta, dita tão 
inovadora na época que se seguiu ao golpe de 1930, na prática manteve a 
dependência do Centro. 
Ao fim da 2ª Guerra Mundial, subiu ao governo Eurico Gaspar 
Dutra, conservador simpático aos EUA, cuja marca da política externa foi o 
automático alinhamento a este país, abdicando do interesse nacional 
brasileiro, muitas vezes contrário à política de Washington. O cego aceite 
das diretrizes estadunidenses foi muito danoso à imagem do Brasil perante 
os vizinhos latino-americanos (VISENTINI, 2004). Porém, essa tendência 
do governo Dutra se baseava na crença de que o Brasil era um aliado 
privilegiado dos EUA, ilusão oriunda do forte apoio de Washington à 
América Latina na 2ª Guerra Mundial por considerá-la região estratégica. 
Porém, a perda dessa importância para os EUA não parece ter sido 
percebida pelo governo Dutra, que seguiu as concepções da Escola Superior 
de Guerra (ESG): o binômio segurança e desenvolvimento estabelecia para o 
país uma estratégia de desenvolvimento associado, afirmando-se como 
nação ocidental9, democrática e anticomunista. O único interesse dos EUA 
na América Latina no pós-guerra era abolir as barreiras alfandegárias e as 
restrições ao livre-comércio, em prol de novos mercados para a indústria. 
Nesse contexto, o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR) 
e a Organização dos Estados Americanos (OEA) fazem parte da estratégia 
de sistema de poder estadunidense de institucionalizar o pan-americanismo 
como via de controle sobre o continente (VISENTINI, 2004). 
 
9 O termo ocidental aqui remete ao alinhamento com os EUA, modelo de nação ocidental 
desde a 2ª Guerra Mundial. 
 
Portanto, verifica-se a manutenção do alinhamento ao Centro no 
período entre o Estado Novo e o governo Dutra, seja enquanto tendeu ao 
lado do Eixo ou ao lado dos Aliados na 2ª Guerra, seja com a consolidação 
dessa parceria após o conflito. Afinal, permaneceu a essência de nação 
dependente até mesmo quando da “equidistância pragmática” de Vargas, a 
exemplo dos acordos comerciais com a cláusula de nação mais favorecida e 
do estímulo às exportações, em lugar do fomento ao desenvolvimento 
industrial. Embora a hegemonia estadunidense tenha se consolidado após a 
2ª Guerra Mundial via negociação — e não coação —, permitindo certo 
espaço de manobra à PEB, Dutra baseou-se na ilusão de que o Brasil 
dispunha de um poder maior do que na realidade tinha. O alinhamento 
político-militar aos EUA e, consequentemente, ao bloco ocidental, manteve-
se e continuou a definir a identidade nacional brasileira até os anos 1950. 
 
No período pós-2ª Guerra, sob nova fase do governo Vargas, “o 
populismo, o nacionalismo e o antiimperialismo [sic] tornaram-se [...] cada 
vez mais presentes no discurso político [daquela] época” (CERVO; BUENO, 
2002, p. 273) , tendo início uma mudança gradual no viés da PEB. A 
alegação do Itamaraty de que a miséria das massas gerava ameaça à 
democracia justificava a posição brasileira de defesa da necessidade do 
desenvolvimento. “O tom reivindicatório das nações menos desenvolvidas 
do continente, em face aos EUA, fez com que se desse à mobilização 
econômica concepção diversa daquela que vigorou na conjuntura da 2ª 
Guerra Mundial” (MRE, 1951, p. 11–16). Essa postura brasileira 
representou um ponto de inflexão na política externa, na medida em que se 
manteve após Vargas, com a Operação Pan-americana (OPA) de Kubitschek 
e a PEI de Quadros e Goulart (CERVO; BUENO, 2002). A estratégia do 
Brasil passaria, portanto, a ser de aproximação com os países da região, 
afirmando-se como uma nação latino-americana, em busca de uma 
progressiva diminuição da dependência em relação aos EUA. 
Com a volta da barganha nacionalista em 1950, as principais guias da 
política externa foram as noções de que as relações econômicas externas 
deveriam contribuir de forma decisiva para o desenvolvimento econômico 
brasileiro, e de que o alinhamento político e militar aos “princípios de 
 
solidariedade do mundo ocidental” deveriam ser mantidos (HIRST, 2006, p. 
263). Nesse sentido, percebe-se imediatamente que os focos de tensão entre 
Brasil e EUA nesse período se concentraram nas questões econômicas, já 
que em termos político-militares Vargas procurou deixar explícito seu 
alinhamento ao governo estadunidense. 
O projeto de desenvolvimento nacional de Vargas estava 
condicionado a uma política econômica associada ao capital estrangeiro, 
mas que mantivesse o interesse próprio brasileiro, apresentando 
características nacionalistas que visavam garantir mais autonomia para o 
país. Dessa forma, os EUA tinham lugar de destaque na política externa, 
mas Vargas já dava passos em direção a uma agenda internacional 
diversificada ao valorizar os orgãos internacionais. Segundo Visentini: 
 
O discurso diplomático brasileiro evidenciou a preocupação do 
governo e do Itamaraty em esboçar uma multilateralização das 
relações exteriores, procurando assim escapar de uma dependência 
fortemente assimétrica, num momento em que os EUA não estavam 
muito dispostos a fazer concessões aos países latino-americanos 
(VISENTINI, 2004, p. 72). 
 
É importante ressaltar que a margem de manobra que Vargas tinha 
era muito pequena, em virtude do contexto internacional da época e das 
divisões políticas internas (VISENTINI, 2004, p. 69). Na agenda 
internacional, a América Latinanão tinha um lugar expressivo, e era tida 
como “área de influência” dos EUA. A presença dessa potência na região 
criava um grande obstáculo para o aprofundamento das relações do Brasil 
com os países latino-americanos e com o mundo subdesenvolvido (HIRST, 
2006, p. 274). Além de o pan-americanismo servir como instrumento de 
dominação dos EUA no continente, deve-se perceber que na frente interna 
também haviam grandes oposições à uma aproximação brasileira à América 
Latina: 
 
A ausência de uma política latino-americana dissociada dos interesses 
estadunidenses era estimulada pela visão de mundo da elite brasileira. 
O desprezo da classe política pela região levava a uma negação da 
identidade latino-americana; percebida mais como uma opção 
ideológica do que um condicionante cultural e histórico. Por caminhos 
diversos estabelecia-se uma convergência com a percepção 
estadunidense de que os esforços de integração regional poderiam 
 
representar uma ameaça à estabilidade do sistema interamericano 
(HIRST, 2006, p. 276). 
 
Em 1953, a conjuntura internacional se modifica e impõe mais 
dificuldades à barganha de Vargas. A eleição de Eisenhower impunha um 
grande obstáculo ao projeto varguista, levando Vargas a reforçar os 
elementos nacionalistas e autônomos de sua política externa, ampliando a 
projeção externa do país junto ao Terceiro Mundo. Por diversos motivos, 
essa radicalização não passaria do âmbito do discurso (VISENTINI, 2004), 
mas já mostra a nova tônica que ia tomando a PEB, que começava a mostrar 
uma nova simpatia pelas lutas de libertação e que passava a contar com 
denúncias explícitas do imperialismo e do colonialismo. 
Já a política externa do período de governo de Juscelino Kubitschek 
pode ser dividida em duas partes. A primeira, de sua posse até 1958 com a 
criação da OPA, caracteriza-se por um alinhamento automático aos EUA e 
pela abertura da economia ao capital internacional, retomando, entretanto, o 
projeto de industrialização que havia sido interrompido pelo governo Café 
Filho. A segunda parte se inicia com a OPA, quando é retomada a barganha 
nacionalista em virtude da desaceleração do crescimento econômico e das 
mudanças no cenário internacional. É nessa segunda parte que se foca a 
análise. 
As relações dos EUA com a América Latina vinham se deteriorando, 
por causa do profundo descaso sentido pelos países subdesenvolvidos, 
resultado da marginalidade em que foi posta a América Latina em relação às 
políticas estadunidenses (CERVO; BUENO, 2002). Nesse sentido, e 
aproveitando o contexto de exacerbação do antiamericanismo e de denúncia 
do imperialismo, é que se insere a OPA. O governo insistia no argumento de 
que a miséria canalizava focos comunistas, e de que o desenvolvimento 
garantiria a segurança. Dessa forma, JK se posicionava ao lado dos países 
latino-americanos em sua denúncia contra o subdesenvolvimento e a 
passividade dos EUA nessa questão. Além disso, a política de 
multilateralização das relações brasileiras buscava abrir mercados para as 
exportações brasileiras. O seu objetivo não era se opor aos EUA, mas sim 
chamar a atenção para o continente, e conseguir estabelecer relações 
concretas que realmente concorressem para o desenvolvimento brasileiro. 
Segundo o próprio JK: 
 
 
A aceleração do progresso econômico das nações que, como a nossa, 
emergem do estágio do subdesenvolvimento, depende, em grande 
parte, da cooperação internacional, da intensificação dos contatos de 
toda ordem, do harmonioso intercâmbio comercial, da canalização de 
um maior fluxo de investimentos estrangeiros e do incremento da 
assistência técnica, do aumento do valor e do volume das exportações 
[...] (RBPI, Mensagem de J. Kubitschek de Oliveira, 6, p. 90–105, 
1959). 
 
No entanto, a efetividade da OPA em transformar os diálogos em 
soluções concretas pode ser questionada. Alguns autores afirmam que o 
único resultado teria sido a criação do Banco Interamericano de 
Desenvolvimento, mas, segundo Cervo & Bueno, “a Associação Latino-
Americana de Livre Comércio e a Aliança para o Progresso do presidente 
Kennedy foram relacionadas à proposta brasileira”. Com isso, pode-se dizer 
que apesar das limitações de que sofria a OPA, ela levantou novas questões e 
se constituiu como um ensaio à multilateralização. Apesar de limitada, era 
nítida uma tendência de mudança na PEB, que só viria a se aprofundar com 
a PEI (VISENTINI, 2004). 
O desejo de desenvolvimento do Brasil se distanciava do isolamento 
e passava a envolver a América Latina como um todo. Além disso, a partir 
de JK, a PEB passava a ganhar notoriedade nos planos externo e interno, 
desdobrando-se na PEI, que marcaria o início da história contemporânea da 
diplomacia brasileira (CERVO; BUENO, 2002). Se, no período anterior, o 
governo brasileiro via nas Nações Unidas como uma arena de luta pelo 
poder (MOURA, 1991), a partir desta nova fase, passava a valorizar este 
foro como um instrumento de sua afirmação internacional. Em 1960, ao 
defender o princípio da autodeterminação dos povos e relacionar o 
desenvolvimento econômico à consolidação da paz na Assembleia Geral da 
ONU, a diplomacia brasileira refletia a reformulação de sua identidade 
nacional, baseada na esfera latino-americana. 
 
O curto governo de Jânio Quadros possui como grande marco a PEI, 
ponto de inflexão no posicionamento tradicional do Brasil em questões 
internacionais por ir além no sentido de aprofundamento da barganha 
 
nacionalista que já vinha sendo adotada desde o governo Vargas: apresenta 
conjunto de princípios articulados, extrapola o espaço regional — ponto 
particularmente significante para a análise aqui proposta — e dá à política 
externa contornos realmente mundiais (VISENTINI, 2004). Estes elementos 
foram facilitados pelo próprio contexto da Guerra fria, neste período 
marcado pela coexistência pacífica e enfrentamento de dificuldades por parte 
do bloco ocidental, enraizado nos EUA. 
Apesar de dar continuidade à barganha com os EUA, a PEI marca 
uma mudança na posição que o Brasil deseja ocupar no sistema 
internacional: neste período, a ideia de associação à potência hegemônica 
passa a perder força, dando espaço ao surgimento da noção de que o Brasil 
precisa desenvolver uma política externa autônoma que represente 
unicamente os seus interesses nacionais, propiciando seu desenvolvimento 
econômico e social. Esta nova noção de autonomia fica evidente já no 
discurso de posse do ministro das relações exteriores Afonso Arinos de Melo 
Franco: 
 
A concepção atual da soberania [...] exige uma grande autonomia nas 
atitudes da nossa diplomacia, inclusive no quadro das organizações 
internacionais, porque a nossa posição, nestes grandes palcos do 
mundo, deve corresponder ao que somos verdadeiramente, como 
povo, como cultura e como expressão econômica e social (FRANCO, 
1961, p. 34). 
 
É pertinente aprofundar a explicação acerca da análise do contexto 
internacional da época, que facilitou a conduta da ‘nova’ PEB. Encontrando-
se o bloco ocidental enfraquecido, emergiam antagonismos internos entre 
seus membros. Ao mesmo tempo, o bloco soviético mostrava-se cada vez 
mais forte, atraindo países em diversos níveis de desenvolvimento, inclusive 
capitalistas. Neste contexto, o Brasil encontra espaço para tentar garantir um 
certo grau de autonomia em relação aos interesses e posicionamentos 
estadunidenses, embora nunca desejando se afastar completamente do 
vizinho do norte. Importa apontar que o governo Quadros marca a primeira 
fase da PEI, caracterizada por um chamado ‘neutralismo temperado’. 
Inserida nessa caracterização está o fato de que o Brasil tentava 
autonomizar-se, mas reconhecia a essencialidade da cooperação 
estadunidense para a consecução de seus interesses; declarava-se neutro na 
 
Guerra Fria, mas diversas vezes e reconhecia como ocidental, possuindo 
portanto uma identidade comeste mundo. Esta posição está representada no 
seguinte discurso: 
 
Nenhum ato jurídico internacional vincula o Brasil à defesa do 
‘ocidente’ como ‘Ocidente’. Não somos membros da OTAN e o 
Tratado do Rio de Janeiro não nos obriga senão à defesa do 
hemisfério em agressão que se situem em seu território ou em sua 
faixa de segurança. Brasil pertence ao Ocidente, mas não pertence ao ‘bloco’ 
ocidental. Temos compromissos com os EUA, na qualidade de país do 
hemisfério, e não com os EUA, na qualidade de líder da coligação ocidental 
(QUADROS, 1961a, p. 167, grifo nosso). 
 
O termo grifado intenta destacar a posição que o Brasil assume no 
contexto de Guerra Fria, abandonando o alinhamento completo aos 
interesses estadunidenses mas procurando sempre deixar claro que ainda 
mantinha algumas associações com os EUA. Muitas vezes, visando a 
realizar a barganha que constantemente tentava impor à potência, o Brasil 
usava como meio as próprias posições divergentes que possuíam e visava 
atrair as atenções daquela para cooperar no processo de desenvolvimento 
nacional e regional. Esta tentativa é visível em discurso de Quadros: 
 
A atração exercida pelo mundo comunista, pelas técnicas comunistas 
e pelo espírito das organizações comunistas sobre os países que 
acabam de se libertar do jugo capitalista,é do conhecimento de todos. 
De um modo geral, todas as nações subdesenvolvidas, inclusive as da 
América Latina, são suscetíveis a esse plano, (QUADROS, 1961b). 
 
Aproveitando a citação para introduzir a análise regional, pode-se 
dizer que o contexto tampouco era favorável à grande potência. A América 
Latina enfrentava uma crise econômica, o fortalecimento do nacionalismo 
populista e as reações causadas pela Revolução Cubana. Neste âmbito o 
Brasil encontra margem para tentar ganhar destaque dentro da região, 
incluindo uma tentativa de redefinição das relações hemisféricas 
(VISENTINI, 2004). A importância estratégica da América Latina era cada 
vez mais perceptível ao Brasil. Segundo Ligiéro: 
 
a América Latina tornou-se prioritária, já que, para buscar maior 
autonomia com relação à grande potência econômica ocidental, o 
Brasil buscou aprofundar as relações com os países em 
 
desenvolvimento. Entre esses últimos, seria natural voltar-se para seus 
vizinhos latino-americanos (LIGIÉRO, 2011, p. 51). 
 
A estratégia de Quadros e Arinos, no entanto, era cautelosa, pois 
partia de uma visão realista: tinham consciência de que o Brasil ainda não 
poderia concorrer com os EUA na região, pois não possuíam suficientes 
recursos de poder. A estratégia adotada seria inserir o país a nível mundial, a 
partir da internacionalização de sua política externa pautada na promoção 
do desenvolvimento, para então ter maior força para se voltar a região e 
renegociar os termos de dependência com os EUA. O Brasil sabia que os 
EUA eram cruciais para o desenvolvimento latino-americano, bem como sua 
defesa contra o comunismo. Porém, tentava juntamente com outros países 
da região limitar as ações da potência, o que pode ser ilustrado pelo seguinte 
exemplo: o Brasil enxergava na Aliança Pelo Progresso (ALPRO) “uma 
forma construtiva de americanismo, desde que a prestação de auxílio técnico 
e econômico vá ao encontro de planos formulados pelos próprios países e 
aplicados por orgãos [sic] nacionais”. (DANTAS, 1962). Ajudando no 
desenvolvimento latino-americano, os EUA estariam também defendendo a 
região da subversão comunista, na concepção brasileira. No entanto, os 
discursos da época mostram que o Brasil já não ‘falava tão fino’ com os 
EUA, posicionando-se contra interesses daquele em vários momentos e 
dessa forma, marcando o início da deterioração das relações entre os dois 
países. Cabe citar como exemplo a Conferência de Punta del Este (agosto de 
1961), que trataria justamente da ALPRO e da questão cubana. Tentando-se 
destacar regionalmente, o Brasil articula-se com países vizinhos para frear 
intervencionismo dos EUA e encaminhar resolução da questão cubana em 
termos brasileiros, embora não obtendo sucesso (VISENTINI, 2004). 
Contribuindo para o afastamento em relação aos EUA, pode-se citar 
ainda a movimentação para reatamento de relações com países do bloco 
comunista, com destaque para Rússia e China, para onde o vice presidente 
João Goulart viajou em missão diplomática e voltou para assumir o posto de 
presidente (após a renúncia de Quadros), sendo pivô de uma ampla crise 
política que se exacerbou através de setores conservadores que eram contra 
sua posse — justamente por Goulart possuir supostas tendências 
esquerdistas. 
 
João Goulart assume o poder sob olhares atentos por parte da 
potência estadunidense, mas ainda assim tenta dar continuidade à PEI, 
marcando a segunda fase desta. Ao lançar a PEI, Quadros desapontava os 
EUA e os setores conservadores brasileiros, mas não suscitava grandes 
preocupações pois possuía como contraponto uma política interna ortodoxa 
- principalmente em termos econômicos — que agradava ao mundo 
desenvolvido. No entanto, a suspeição ideológica que Goulart carregava, 
acrescentada à uma política interna insatisfatória do ponto de vista das 
grandes nações desenvolvidas (ênfase no nacionalismo, medidas 
desfavoráveis ao capital estrangeiro e discurso favorável às reformas de base) 
despertaram fortes temores de que o Brasil estivesse passível de tender ao 
comunismo (LIGIÉRO, 2011). E, na visão estadunidense, perder o Brasil 
para o bloco comunista significaria perder toda a América Latina. 
Dessa forma, ainda segundo Ligiéro, o poder de barganha do Brasil se 
reduziu drasticamente, tendo Goulart a necessidade de promover o 
relacionamento bilateral Brasil–EUA sob bases mais conciliadoras do que o 
governo anterior. Como agravante, Goulart ainda contava com o 
acirramento da insatisfação dos setores conservadores internos, causando 
mais uma dificuldade para a implementação dos objetivos iniciais da PEI: 
enquanto esta representara para Quadros uma maneira de atrair elementos 
de esquerda para sua coalizão conservadora, Goulart, como representante da 
esquerda, tinha de apaziguar os setores conservadores (LIGIÉRO, 2011). 
O presidente tentou amenizar as desconfianças através de medidas 
econômicas e discursos que relativizavam uma possível posição neutralista 
do Brasil no contexto da Guerra Fria. No entanto, dificuldades no contexto 
nacional — a exemplo das encampações de empresas estadunidenses e 
limitação da remessa de lucros ao exterior — e no contexto internacional — 
marcado principalmente pela defesa da neutralização de Cuba por parte de 
San Tiago Dantas (então ministro das relações exteriores do governo 
Goulart) — aceleraram a reação dos setores conservadores, com apoio do 
próprio EUA, culminando na queda do presidente através de um golpe 
militar, em 1964. A partir de então, a evolução da PEB em termos de busca 
por independência sofre um retrocesso. 
 
 
A chegada de Castelo Branco ao poder marcou um forte revés na 
PEB, com o governo se posicionando como um forte defensor do 
anticomunismo e da irmandade pan-americana. Nesse sentido, Castelo 
Branco interrompe não somente o neutralismo e não alinhamento pregado 
pelos governos anteriores bem como a denúncia sobre as consequências 
desfavoráveis do conflito das duas grandes potências sobre as demandas do 
Terceiro Mundo (SILVA, 2005, p. 253). Dessa forma, Bandeira afirma que: 
 
A queda de Goulart e, posteriormente, a ascensão de Castelo Branco 
ao poder significaram assim ampla vitória dos EUA [...] contra as 
tendências nacionalistas, excitadas pelas necessidades do processo de 
industrialização do Brasil e pelo recrudescimento das lutas sociais, 
dentro de uma conjuntura nacional de extrema escassez de recursos e 
marcada internacionalmente pelo impacto da revolução cubana 
(BANDEIRA, 1989, p. 142). 
 
A PEB castelista era guiada por duas premissas básicas. A primeira 
delasera a de que o mundo estava dividido irreconciliavelmente entre dois 
blocos: de um lado os capitalistas democráticos; do outro os comunistas 
totalitários. A segunda era a ideia de defesa coletiva e integral, que implicava 
uma revisão do conceito de soberania nacional para um de soberania 
limitada, que permitisse a intervenção nos assuntos uns dos outros quando 
houvesse uma ameaça comunista. O resultado disso era a ideia de que o 
caminho para o desenvolvimento seria o de garantir a segurança coletiva, 
além de se associar aos EUA sob a égide da Aliança para o Progresso e da 
OEA. 
Essas premissas limitavam o escopo de ação internacional do Brasil 
bem como predeterminavam as opções brasileiras em diversas questões. O 
maior exemplo é o rompimento imediato de relações com Cuba. Um 
segundo exemplo é a reação brasileira de oposição perante à proposta do 
presidente do Chile de criação de um mercado comum latino-americano. 
Segundo Juracy Magalhães: 
 
só temos a perder se cultivarmos cisões na unidade pan-americana, se 
permitirmos qualquer quebra dessa unidade, seja em decorrência de 
divergências políticas, seja sob o pretexto de desigualdade ou 
disparidade econômica (MAGALHÃES, Saudação ao ministro de RE 
do Chile, 10 de out 1966). 
 
 
Assim, percebe-se claramente a direção oposta em que ia a PEB em 
relação à unidade latino-americana, e o afastamento causado pelo 
sentimento de desconfiança dos países da região em relação às aspirações 
brasileiras. Sobre essa questão de limitação, o ex-chanceler Afonso Arinos 
afirma que: 
 
Castelo Branco, por si e por influência dos círculos militares e civis 
que o assessoravam, levou as premissas até às suas conclusões mais 
radicais, privando o Brasil de qualquer ação própria internacional, 
destruindo o prestígio que conquistáramos, e tudo para que? Para 
nada, a não ser desfigurar nossa fisionomia nacional (BANDEIRA, 
1989, p. 148). 
 
A política externa do governo Costa e Silva tratou de consertar a 
defasagem introduzida no período anterior, reconhecendo a preeminência do 
conflito entre Norte e Sul, ou seja, entre países desenvolvidos e 
subdesenvolvidos. O pacto subimperialista e a estratégia de defesa coletiva 
aplicadas só lograram relegar ao país uma política externa dependente, que 
não valorizava realmente o interesse nacional. Dessa forma, o presidente 
Costa e Silva apresenta a sua “diplomacia da prosperidade”: 
 
Estamos convencidos de que a solução do desenvolvimento 
condiciona em última análise a segurança interna e a própria paz 
internacional. A história nos ensina que um povo não poderá viver em 
um clima de segurança enquanto sufocado pelo subdesenvolvimento e 
inquieto pelo futuro. Não há tampouco lugar para segurança coletiva 
em um mundo em que cada vez mais se acentua o contraste entre a 
riqueza de poucos e a pobreza de muitos (COSTA e SILVA, 1967). 
 
As duas grandes prioridades do governo seriam a busca pelo 
desenvolvimento e a afirmação da soberania, realizando uma forte guinada 
em relação ao governo anterior e retomando de certa forma algumas das 
diretrizes da PEI de João Goulart (MARTINS, 1977, p. 385). Para realizar 
esta tarefa, seria lançada mão de uma diplomacia que valorizasse a 
integração, a multilateralização, e a aproximação com os países do Terceiro 
Mundo. Segundo as palavras de Costa e Silva: 
 
Daremos, assim, prioridade aos problemas do desenvolvimento. A 
ação diplomática de meu Governo visará, em todos os planos 
bilaterais, ou multilaterais, à ampliação dos mercados externos, à 
 
obtenção de preços justos e estáveis para nossos produtos, à atração de 
capitais e de ajuda técnica, e – de particular importância à cooperação 
necessária à rápida nuclearização pacífica do país [...]. Ante o 
esmaecimento da controvérsia Leste-Oeste, não faz sentido falar em 
neutralismo nem em coincidências e oposições automáticas. Só nos 
poderá guiar o interesse nacional, fundamento permanente de uma 
política externa soberana (COSTA e SILVA, 1967)10. 
 
Para se exemplificar a busca pelo interesse nacional autonomamente 
ditado, que era uma das principais diretrizes da política externa do 
momento, pode-se utilizar a questão da nuclearização pacífica. O governo se 
recusou a assinar o Tratado de Não-Proliferação em virtude de acreditar que 
isso cristalizava o poder das potências já nuclearizadas e impedia que os 
países menos desenvolvidos buscassem o que era um direito deles 
(GONÇALVES; MYAMOTO, 1993, p. 13). Além disso, o governo pregava 
que a integração regional deveria ser feita de baixo para cima, com a 
finalidade de preservação dos interesses nacionais dos países latino-
americanos. O governo denunciava, então, os esquemas supranacionais que 
a política externa anterior apoiava. Adotando essa posição, o Brasil se 
colocava ao lado dos países subdesenvolvidos em sua luta contra os 
privilégios das potências, que estabeleciam verdadeiras barreiras ao 
desenvolvimento dos mais pobres. Foi normal que, ao adotar uma política 
que condenava as ações dos países desenvolvidos, as relações com os EUA 
se esfriassem (GONÇALVES; MYAMOTO, 1993, p. 13). 
Por sua vez, Médici (1969–1973) busca manter uma política 
convergente a estadunidense, mas sem alinhamentos automáticos. Esta 
mudança derivava de uma nova percepção sobre o Brasil, baseada na 
obtenção da coesão interna do regime e em uma conjuntura econômica 
favorável: uma grande disponibilidade de capitais que, somada ao aumento 
do controle estatal sobre setores estratégicos e a uma contenção de possíveis 
aumentos no custo de produção, permitiu o boom da economia brasileira de 
então (BANDEIRA,1989). 
O Brasil, portanto, seria a potência futura, e devia se diferenciar dos 
demais países. Assim, a diplomacia mantinha o combate ao congelamento 
do poder mundial, mas também rejeitava uma aliança entre os 
 
10 Discurso pronunciado pelo marechal Artur da Costa e Silva no Palácio do Itamarati, em 
Brasília, em 5 de abril de 1967. 
 
subdesenvolvidos, por ver que esta “ideia de que todos podem-se salvar 
juntos não passava de um mero arroubo emocional [...] já que a condição de 
sua possibilidade seria a própria destruição da ordem capitalista” 
(MARTINS, 1977, p. 407). Em substituição, temos a Diplomacia do 
Interesse Nacional. 
 Nesta, o conflito Leste–Oeste volta a ser central. Em discurso feito 
em um almoço com o vice-presidente estadunidense em 1971, Médici, 
inicialmente, pontua a questão da distribuição de poder e, logo depois, 
reforça a necessidade de aproximação entre Brasil e EUA, além de enfatizar 
o aspecto da segurança: 
 
O Brasil não acredita que os problemas mundiais possam ser 
examinados e resolvidos mediante um congelamento da estrutura do 
poder mundial, nem pelo estabelecimento de esferas de influência. [...] 
Nas relações entre nossos dois países, temos de separar o transitório 
do permanente, o contingente do essencial e impedir que pequenos 
pontos conflitantes possam comprometes as bases de uma cooperação 
de longo alcance, cooperação que considero vital e indispensável, não 
apenas para ambos os países, mas para a preservação da paz e da 
segurança no Hemisfério (MÉDICI. Discurso..., 8 de dezembro de 
1971). 
 
Assim, apesar da diversificação da cooperação diplomática, as 
fronteiras ideológicas seguiam. Nossa política externa para a África 
exemplifica, já que, apesar de seu incremento, mantém o apoio e a 
aproximação a África do Sul e Portugal por ver os movimentos de libertação 
nacional e antiapartheid como peões do expansionismo soviético 
(GONÇALVES; MYIAMOTO, 1993, p. 18). O conflito Norte–Sul, por sua 
vez, chega a ser apontado como mito (MARTINS, 1977, p. 402). Médici 
tratará dessa descrença no Terceiro Mundo em sua Mensagem ao Congresso 
de 1973, ao dizer que “A diplomacia brasileira [...] reagiu contra todas as 
tentativas de uma divisão do mundo entre paísesque fazem a história e 
países que sofrem a História” (Médici. Mensagem... 1973). 
As relações continentais, assim, também eram conduzidas através do 
bilateralismo, estratégia diplomática que, por permitir a diferenciação, era a 
preferencial do Brasil potência. Através delas, houve um avanço na ALALC e 
 
a negociação de grandes projetos de cooperação bilaterais11, mas também 
havia apreensão em relação ao país. A declaração de Nixon, em 1971, de 
que “para onde o Brasil for, o restante do continente latino-americano irá” 
(VISENTINI, 1998, p. 149) irá se somar à desconfiança acerca da 
participação brasileira nos golpes do da Bolívia (1971), do Chile (1973) e do 
Uruguai (1973) e ao feitio bilateral do Tratado de Itaipu, reforçava a 
desconfiança e a percepção, sobretudo argentina, de um subimperialismo 
brasileiro. 
Conforme dito acima, a diplomacia visava atenuar conflitos com os 
EUA, buscando um tratamento especial — em partes atendido pela Doutrina 
Nixon. Ainda que o projeto brasileiro contivesse uma pretensa igualdade 
com os EUA, abarcando, assim, a existência de divergências políticas — 
expressas, sobretudo, na questão nuclear e na expansão dos limites do Mar 
Territorial —, seria justamente o desenvolvimento do país que iria, 
posteriormente, ampliar as divergências. 
A conjuntura do governo Geisel (1974–1978) não era favorável. 
Externamente, frente ao deterioro das relações EUA–URSS, o conflito 
Norte–Sul retomava a centralidade e o Terceiro Mundo configurava-se como 
polo. Internamente, cresciam as contradições do regime, o milagre 
econômico esgotava-se e a crise explicitava a distância entre o Brasil e os 
países ricos. Em resposta, a PEB abandona o discurso ufanista, reaproxima-
se ao Terceiro Mundo e a suas pautas: inicia o Pragmatismo Responsável e 
Ecumênico (VISENTINI, 1998). 
Com Carter e sua política dos direitos humanos, o ambiente 
internacional favorecia a oposição ao regime, justificando a abertura lenta, 
gradual e segura, que, por sua vez, desfazia a coesão do regime. Isto, 
conjugado com as necessidades exportadoras de nossa economia, explica 
porque é com Geisel que completa-se a mudança de ênfase da segurança ao 
desenvolvimento (PINHEIRO apud VISENTINI, 1998, p. 206). Além do 
maior peso da Europa e do Japão em nosso comércio, a diversificação de 
parcerias iniciada nos governos anteriores será aprofundada com um 
considerável abandono das fronteiras ideológicas, marcado pelo 
 
11 A saber: o Tratado de Itaipu, com o Paraguai; a Ata de Cooperação com a Bolívia acerca da 
compra de gás natural; com a Colômbia, estudos para uma binacional de carvão; e com o 
Uruguai, projetos de desenvolvimento da Lagoa Mirim e do Rio Jaguarão. 
 
estabelecimento das relações diplomáticas com a China comunista e pelo 
reconhecimento do governo angolano do MPLA. 
Se a entrada de nossos manufaturados no mercado estadunidense 
fazia com que a tranquila complementaridade desse, cada vez mais, lugar ao 
contencioso (GONÇALVES; MYIAMOTO, 1993, p. 25), tal reconhecimento 
significou uma inflexão nas relações BR - EUA. Era a primeira vez que 
nossa política para a região se chocava à estadunidense, e logo o faria 
também no Oriente Médio, com o apoio à Palestina e a condena ao 
sionismo. Além disso, o avanço na questão nuclear levou ao acordo de 
cooperação com a Alemanha e a denúncia de acordos militares entre o Brasil 
e os EUA faziam com que não somente nos afastássemos: estávamos 
colidindo com os interesses estadunidenses. 
Apesar de o pragmatismo apontar a América Latina, assim como a 
África, como áreas prioritárias, Visentini (1998) aponta que, na prática, isso 
não ocorria. A política americana seguia, aparentemente, em um plano 
inferior e via relações bilaterais. O Tratado de Cooperação Multilateral na 
Amazônia (1978) é um marco do período, apontando para o que se dará no 
período posterior: a prioridade deixará de ser retórica. 
O universalismo, diplomacia do governo Figueiredo, será um 
aprofundamento do que vinha ocorrendo. Enfrentará uma piora da crise 
política e econômica — sobretudo após o II Choque do Petróleo e do 
elevação, por parte dos EUA, das taxas de juros12 — que aumentará as 
divergências brasileiras com os países desenvolvidos e, consequentemente, 
reforçará a expansão à África, ao Oriente Médio, à China e à América 
Latina. Assim, em discurso ao ser recebido por Reagan em 1982, Figueiredo 
apontará que: 
 
O progresso do Brasil depende da diversificação e ampliação de nossa 
presença internacional. [...] Do ponto-de-vista [sic] diplomático, 
adotamos uma posição universalista. Nossa política externa é 
diversificada. O Brasil é tanto um país ocidental quanto um país do 
Terceiro Mundo. É um país latino-americano com uma forte herança africana, 
entre outras. A política exterior do Brasil tenta refletir essa riqueza [...] 
(FIGUEIREDO. Discurso..., 12 de maio de 1982, grifo nosso). 
 
 
12 Moniz Bandeira (1989) aponta que se as taxas de juros no início da década de 70 eram em 
torno de 3% a.a., no início dos anos 80 elas chegavam a 23% a.a.. 
 
Nas relações com os EUA surgem novas áreas de atrito, e as 
tradicionais — direitos humanos, comércio e questões ligadas à transferência 
de tecnologia, especialmente no que tange a questão nuclear e informática — 
intensificam-se. Para além da negativa à participação em um sistema de 
defesa coletivo do Atlântico Sul com a África do Sul com a manutenção do 
apoio à África negra, inclusive por interesses securitários próprios 
(BANDEIRA, 1989), destaca-se o posicionamento brasileiro frente a crise 
centro-americana. O país não apoia o intervencionismo no que seria mais 
um conflito Norte–Sul, conforme apontava Figueiredo em sua Mensagem ao 
Congresso em 1984, ao definir a região como “atormentada por situações de 
conflito, que tem como pano de fundo a crise estrutural do 
subdesenvolvimento e sua sequela de desequilíbrios e privações. 
(FIGUEIREDO. Mensagem..., 1984). A participação do Brasil no Grupo de 
Contadora exemplifica, também, outra modificação: as relações 
interamericanas deixavam de ser essencialmente bilaterais — o país passa a 
se posicionar como e com as outras nações latinas. 
Tais mudanças facilitam o avanço das negociações sobre Itaipu e, em 
1979, assina-se o Acordo Tripartite. As consequências deste se somam 
àquelas da Guerra das Malvinas: ambos levam ao aumento da cooperação, e 
se a Guerra explicita a falência do Tratado de Defesa Interamericano, o 
Acordo modifica a percepção das Forças Armadas brasileiras, que passam a 
“considerar os EUA como o principal obstáculo à independência econômica 
e tecnológica do Brasil e à sua ascensão ao status de grande potência” 
(BANDEIRA, 1989, p. 256). Assim, apesar de, conforme aponta Visentini, a 
necessidade de negociar a dívida contribuir para o enfraquecimento de 
algumas das linhas da PEB, os acontecimentos do período pareciam 
confirmar a visão do governo Figueiredo: o desalinhamento entre Brasil e 
EUA apontava ser uma tendência histórica brasileira (VISENTINI, 1998, p. 
279). 
 
Da análise realizada no presente artigo, percebe-se uma oscilação 
característica na PEB do período observado, ora se alinhando aos interesses 
das potências centrais (principalmente dos EUA), ora buscando maior 
autonomia em termos de inserção externa, busca esta catalisada pela 
 
tentativa de exercer maior influência na região em que o país se insere 
conforme seus interesses nacionais, ao invés de influenciar seus vizinhos 
para consolidar os interesses estadunidenses. 
Apesar de não se verificar a relação de causalidade entre a PEB e a 
identidade nacional, mas sim, de mutualidade, na medida em que ambas se 
influenciam reciprocamente, confirma-se que a dualidade constatada na PEB 
possui um papel importante na formação da identidade do país, que seposiciona como potência intermediária (ou média). Aqui cabe perfeitamente 
citar o trabalho de Maria R. Soares de Lima (1990), que sugere a maneira 
errática como dependência e autonomia são tratadas como dois fatores 
excludentes, visto que ambos são inerentes às relações internacionais dos 
países semiperiféricos. Os países incluídos nessa classificação estão 
fortemente integrados na divisão internacional do trabalho, a níveis acima de 
outros países do Terceiro Mundo; no entanto, ainda sofrem 
constrangimentos externos oriundos desta mesma divisão internacional. 
Lidando com ambos os contextos, portanto, esses países possuem uma 
ampla multiplicidade de objetivos e interações, explicando a caracterização à 
primeira vista contraditória de suas políticas externas e, especificamente, a 
dualidade analisada das relações internacionais do Brasil. Segundo a autora: 
 
Em oposição às perspectivas que excluem a variabilidade de padrões 
de comportamento e aquelas que a consideravam uma conduta 
incoerente,de caráter transitório, o enfoque desenvolvido parte da 
premissa de que a multiplicidade de estratégias internacionais é 
inerente às relações internacionais da semiperiferia em virtude das 
pressões cruzadas oriundas da diversidade de objetivos e interesses em 
jogo do sistema internacional e do desequilíbrio de seus recursos de 
poder (LIMA, 1990, p. 11). 
 
Em consonância com estas contradições estruturais citadas pela 
autora, portanto, o presente trabalho analisou um período histórico 
selecionado representativo desse paralelismo entre dependência e busca por 
autonomia enraizado na inserção externa brasileira. Tendo-se como marco 
inicial a ampla dependência do Brasil em relação às potências centrais no 
período marcado pela 2ª Guerra Mundial, quando o país alternou a 
dependência entre Alemanha e EUA, verifica-se o papel do nacionalismo e a 
decorrente busca por autonomia a partir do segundo governo Vargas, tendo 
 
continuidade nos governos posteriores, a exemplo da PEI, e adquirindo força 
ao final do regime ditatorial. 
Finalmente, cabe lembrar que tanto a dependência quanto a 
autonomia estão permanente e simultaneamente presentes na PEB; o que se 
deve ter em mente, entretanto, é que ora se sobressai o alinhamento, ora a 
busca por autonomia ganha destaque, e que, historicamente, a busca por 
autonomia brasileira teve como principal eixo a política regional, onde o país 
tem maiores capacidades de exercer influência e de se contrapor aos 
interesses das grandes potências, notadamente dos EUA. Desse modo, 
partindo-se do pressuposto de que a política externa brasileira permanece até 
hoje pendular, a presente análise concebe a identidade nacional como um 
fator que acompanha esse movimento entre as duas tendências, daí se 
percebendo a relação de mútua influência entre ambas. 
 
 
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Ana Paula de Mattos Calich 
Guilherme Henrique Simionato dos Santos 
Henrique Gomes Acosta 
Mirko Levis Pose 
 
 
O período compreendido entre os anosde 1930 e 1945 foi marcado 
por profundas transformações políticas, econômicas e sociais no Brasil. A 
ascensão ao poder de setores políticos heterogêneos compreendidos em torno 
da Aliança Liberal e sob a liderança de Getúlio Vargas correspondeu ao fim 
da Primeira República brasileira (1889–1930), caracterizada por intensa 
descentralização político-administrativa, conflitos entre oligarquias rurais e 
fraudes eleitorais. Deu início, por outro lado, a processo que resultou em 
industrialização, criação de ampla legislação trabalhista e participação mais 
ativa do país na cena internacional. 
O meio adotado por Vargas e seus liderados para assumir o governo, 
por não se enquadrar nos marcos institucionais vigentes à época, foi tido 
como revolucionário. De fato, a insatisfação produzida em grupos 
oposicionistas a partir da derrota nas fraudadas eleições presidenciais de 
1930 provocou a conjunção de setores civis e militares que, então, 
derrubaram a força o então presidente Washington Luís. Existe extenso 
debate na historiografia brasileira acerca da correlação de forças e das 
disputas políticas internas à coligação que promoveu o que ficou conhecido 
como Revolução de 1930. Nossa pretensão não é, entretanto, contribuir 
nesse sentido, mas tão somente analisar os determinantes político-
econômicos internos da destacada e inovadora política externa 
 
implementada durante os primeiros quinze anos de Vargas na presidência do 
Brasil. 
A hipótese central deste trabalho dá conta de que a atuação brasileira 
no Sistema Internacional a partir de seus agentes político-diplomáticos, no 
período estudado, respondeu diretamente à intenção de dar um primeiro 
impulso à execução daquilo que chamamos de Revolução Nacional e, em 
especial, ao desenvolvimento industrial do país. Evidentemente, nosso 
primeiro esforço diz respeito ao significado daquele conceito, central para a 
compreensão do restante. A seguir, tratamos de delinear uma síntese dos 
objetivos e meios utilizados por Vargas no sentido do incremento da 
industrialização nacional, antes de analisarmos ações concretas da política 
externa brasileira que, em última instância, foram determinadas pelas razões 
internas supracitadas. Por fim, realizamos reflexões gerais a título de 
conclusão. 
 
A concepção de Revolução Nacional é trabalhada de forma diversa 
por diferentes autores nos campos da Sociologia, da Ciência Política e da 
Economia. Importantes intelectuais brasileiros, do calibre de Luiz Carlos 
Bresser-Pereira, Caio Prado Júnior e Florestan Fernandes utilizam, senão o 
conceito puro, aproximações que, na prática, referem-se a processos que 
guardam semelhanças entre si. Os estudos de Celso Furtado, por seu turno, 
permitem importantes instrumentalizações conceituais capazes de fornecer o 
que há de mais elementar para a devida compreensão do que se entende por 
Revolução Nacional neste trabalho. 
Luiz Carlos Bresser-Pereira faz uso do termo “revolução capitalista” 
em seus escritos de teoria social. Para o autor: 
 
a revolução capitalista é a mudança econômica, social, política e 
cultural que começa com o surgimento de uma classe burguesa e da 
revolução comercial e se completa pela formação de cada Estado-
nação moderno e sua respectiva revolução industrial (BRESSER-
PEREIRA, 2011, p. 232). 
 
Caio Prado Júnior, por sua vez, parte da concepção marxista de que a 
“revolução democrático-burguesa representa a transição da sociedade feudal 
para a ordem burguesa” (PRADO JR., 2007, p. 133) para negar a existência 
 
de um Brasil feudal e, por consequência, a própria necessidade de processo 
revolucionário nesses moldes. Para Florestan Fernandes (2005), a Revolução 
Nacional diz respeito à constituição de um espaço nacional e à reprodução 
do capital neste espaço. 
Muito mais adequadas nos parecem, no entanto, as contribuições da 
Sociologia Política latino-americana que se referem ao percurso histórico de 
formação do Estado Nacional na região. Resumidamente, distinguem-se três 
fases desse processo: o estágio inicial corresponde ao (i) Período Caudilhista, 
quando grupos paramilitares organizados verticalmente e centrados nas 
figuras de líderes carismáticos são recrutados por estes, especialmente no 
meio rural, para disputar o poder com outros bandos armados (OLIVIERI, 
1998); a seguir, vem à tona o (ii) Estado Oligárquico, cuja gramática 
essencial é o patrimonialismo, aqui definido pelo controle da mão de obra e 
do território por proprietários privados — grandes comerciantes e 
latifundiários — que fazem do monopólio do poder político um meio de 
enriquecimento da classe social à qual pertencem. Configura-se, então, 
enorme confusão entre público e privado, o que se traduz em sobreposição 
do patrimônio aos objetivos de segurança ou de desenvolvimento 
econômico. A tensão entre tais valores somente é resolvida com o advento 
da imagem final, o (iii) Estado Nacional, caracterizado, em geral, por viés 
urbano e industrial. Sumariamente, há relativa autonomia estatal frente às 
antigas oligarquias, de forma que o Estado, agora centralizado 
politicamente, torna-se suficientemente capacitado para dirigir a economia e 
organizar a sociedade doméstica. 
A primeira etapa da Revolução Nacional diz respeito à passagem do 
Estado Oligárquico ao Estado Nacional. Trata-se, portanto, do momento em 
que ocorrem a centralização político-administrativa e a concentração dos 
recursos econômicos nacionais pela União. Nesse sentido, a contribuição do 
conceito de centro de decisão econômica, originalmente formulado por Celso 
Furtado, é fundamental. Nas palavras do autor: 
 
é peculiar de uma economia colonial que as decisões básicas de sua 
vida econômica sejam tomadas sem consulta direta aos interesses mais 
gerais da comunidade. São decisões condicionadas pela estratégia dos 
centros controladores do comércio e das finanças internacionais 
(FURTADO, 1962: p. 110). 
 
 
Assim, no caso de uma “economia colonial”, para utilizar a 
terminologia de Furtado, o centro de decisão econômica é exógeno, determinado 
por forças que fogem ao controle estatal; ou seja, as direções da atividade 
econômica não são dadas pela Federação. A ampliação do grau de 
autonomia do Estado passa pela entronização do centro de decisão, de forma 
que se possibilite o domínio estatal sobre os meios de pagamento e, 
consequentemente, a formulação e a implementação de uma política de 
desenvolvimento nacional. 
É importante ressaltar que a Revolução Nacional não se constitui 
enquanto momento único e acabado. É, pelo contrário, processo 
ininterrupto. De acordo com Bresser-Pereira, que, como mencionado acima, 
adota conceito diverso para referir-se a processo similar: 
 
a revolução capitalista se ‘completa’ em cada Estado-nação quando 
este realiza sua revolução industrial, de forma a se configurar o 
processo histórico do desenvolvimento econômico (BRESSER-
PEREIRA, 2010, p. 3). 
 
Quanto a esse aspecto, em específico, concordamos com o autor: a 
Revolução Nacional renova-se na medida em que busca responder aos 
problemas colocados pelo desafio da industrialização. Assim, uma vez 
superada a primeira etapa, já referida, de centralização política e 
concentração dos recursos econômicos acompanhada de endogeneização do 
centro de decisão, cabe à elite dirigente a função de posicionar o Estado em 
condições satisfatórias com relação à corrida industrial. Hoje, vivemos sob o 
paradigma da Terceira Revolução Industrial; à época de Vargas, a grande 
missão dizia respeito ao enquadramento do Brasil nos moldes da Segunda 
Revolução Industrial. 
 
A Revolução de 1930 representou golpe decisivo no Estado 
Oligárquico brasileiro. A Primeira República havia sido dominada, no que se 
refere à administração estatal e à participação política, por práticas 
coronelistas e pelo domínio das oligarquias rurais. As unidades da Federação 
obtiveram significativo grau deautonomia e, através dos grupos políticos 
 
dominantes em seus territórios, disputaram o controle sobre o Executivo 
nacional umas com as outras. Com a chegada de Getúlio Vargas ao poder: 
 
caíram as barreiras aduaneiras entre estados e tomaram-se muitas 
outras medidas visando a unificar o mercado nacional e a 
institucionalizar distintos grupos econômicos, que assim poderiam ser 
utilizados como pontos de apoio do poder central (FURTADO, 1972, 
p. 22). 
 
Foram criadas, assim, as condições políticas para que se verificasse a 
segunda característica correspondente à primeira etapa da Revolução 
Nacional: a concentração dos meios de pagamento e do centro de decisão 
econômica pelo Estado. “A influência dos grupos internacionais, 
particularmente na administração financeira do país, foi consideravelmente 
reduzida” (FURTADO, 1972, p. 22) O país passou pelo primeiro grande 
impulso na construção do capitalismo nacional, bem como pela constituição 
e consolidação de sua burguesia. Entretanto, foi um processo altamente 
complexo, o qual envolveu todos os setores da sociedade (economia, 
política, sindicatos, tecnologia, campo e educação). 
O principal resultado econômico da ascensão de Vargas ao poder e do 
impulso inicial da Revolução Nacional brasileira foi, sem dúvida, a 
industrialização. Passou-se, a partir desse momento, de uma economia 
agrário exportadora não capitalista para uma economia industrial e 
capitalista. O poder político, antes nas mãos dos empresários do café, foi, ao 
menos parcialmente, transferido para a nascente burguesia industrial. Esse 
processo foi tutelado pelo Estado, na figura de Vargas, mesmo este sendo um 
representante oligárquico. Não se negam aspectos conservadores da 
Revolução de 1930, mas o resultado foi, na prática, uma ruptura significativa 
e, portanto, revolucionária, da hegemonia política. A burguesia industrial foi 
antes resultado do processo do que impulsionador do mesmo. Nesse sentido, 
a ascensão de um Estado interventor e centralizador é central para a análise. 
Só assim o pacto social necessário para que o processo pudesse acontecer 
gradativamente se tornou possível: enquanto agregava ao poder a burguesia 
industrial, não ignorava os interesses agroexportadores e, ao mesmo tempo, 
compensava a transição capitalista criando sindicatos e direitos trabalhistas. 
Assim, gerou-se o ambiente propício para o desenvolvimento do capitalismo 
no Brasil, com traços específicos e centralizado no Estado, diferentemente do 
 
modelo “clássico” de construção do sistema capitalista (OLIVEIRA, 1981, 
p. 63–65). 
Abandonou-se boa parte das ideias ortodoxas dominantes nos 
governos anteriores e foram adotadas algumas práticas heterodoxas. Isso foi, 
naturalmente, uma resposta à Crise de 1929, essencialmente através da 
expansão do crédito (ao invés da política clássica de austeridade). Injetando 
dinheiro na economia, a queda nos investimentos foi contrabalanceada, e a 
demanda se manteve elevada, amenizando a crise no setor cafeeiro 
(FONSECA, 1999; FURTADO, 2006). 
Além disso, Furtado (2006, p. 270) demonstra que, a partir da 
desvalorização cambial e aproveitando o contexto de retração do mercado 
mundial, foram instituídas políticas de substituição de importações, as quais 
proporcionaram um aumento da demanda pelos produtos industrializados 
nacionais, alavancando a própria produção industrial. A partir disso, ocorreu 
um deslocamento do “centro dinâmico” para a indústria voltada para o 
mercado interno, alterando a própria estrutura do sistema econômico 
brasileiro, antes latifundiário e agroexportador (FONSECA, 1999, p. 174; 
FURTADO, 2006, p. 274). Segundo Fonseca: 
 
as atividades exportadoras [...] continuaram a desempenhar relevante 
papel no sistema econômico, mas foram deixando de ser a variável 
essencial da manutenção da renda interna para cumprir o papel de 
gerador de divisas, estas essenciais para garantir as importações 
necessárias para o próprio crescimento industrial (FONSECA, 1999, 
p. 184). 
 
Elementar, nesse ínterim, é a análise do contexto internacional e da 
política externa brasileira, a qual estava fortemente vinculada ao projeto de 
desenvolvimento do Brasil. Esse ponto será tratado mais detalhadamente a 
seguir, mas cabe lembrar que o período foi marcado pela transferência da 
hegemonia capitalista mundial da Inglaterra, a qual tradicionalmente 
importava boa parte de suas matérias-primas e seus bens de consumo de 
origem agrícola, para os Estados Unidos, o qual possuía um setor primário 
mais fortalecido e diversificado. Ainda, tanto a Europa quanto os EUA 
estavam transitando para uma indústria com alto valor agregado (e alta 
tecnologia envolvida), abrindo espaço para os países recém-industrializados 
 
venderem os bens de consumo de massa: foi o que Fonseca (1999, p. 186) 
chamou de situação histórica favorável à industrialização. 
Com o Estado Novo, inaugurado em 1937, o projeto de 
desenvolvimento de Vargas, em linhas gerais, se manteve. Entretanto, a 
conjuntura internacional determinada pela II Guerra Mundial (1939-1945) 
gerou novos desafios e oportunidades. Nessa época, foi desenvolvida a 
Companhia Siderúrgica Nacional, o grande marco da industrialização do 
Brasil, o que será tratado na sequência. Ao cabo do primeiro período Vargas 
na presidência do país, estavam ditadas as bases d capitalismo brasileiro: 
industrialização, diversificação agrícola e leis trabalhistas. 
 
Com base no conceito de Revolução Nacional aqui adotado e na 
análise do processo de desenvolvimento calcado na industrialização 
promovido durante o primeiro período varguista, pretende-se demonstrar 
iniciativas da política externa brasileira que nos permitem afirmar que esta 
esteve coerente com os princípios e objetivos político-econômicos do 
governo. Em suma, busca-se caracterizar iniciativas diplomáticas brasileiras 
que manifestaram, ainda que implicitamente, o desejo de dar impulso à 
Revolução Nacional. Nesse sentido destacam-se o projeto siderúrgico e o 
reaparelhamento militar. 
Para entender a conjuntura em que o Brasil se encontrava na época, 
além dos elementos já ressaltados, deve-se considerar o que Gerson Moura 
(1980) chamou de equidistância pragmática. Essa prática baseava-se em um 
jogo duplo por parte do Brasil, em uma tentativa de tirar proveito do 
relacionamento com os dois blocos de poder da época, notadamente os 
Estados Unidos da América e a Alemanha, usando o seu poder de barganha 
para obter vantagens comerciais. Durante esse período, foi estabelecido o 
comércio compensado com a Alemanha e o livre comércio com os EUA. 
É importante destacar que, a esta data, os norte-americanos pregavam 
o pan-americanismo, que era basicamente uma política para coordenar a 
defesa hemisférica, da qual o Brasil era parte essencial (MOURA, 1980), 
especialmente devido a sua posição estratégica de projeção no Atlântico Sul 
e, consequentemente, no norte da África. Por isso, a crescente influência 
alemã na América do Sul era vista com grande preocupação. 
 
Usando, então, dessa disputa de poder entre as duas potências, Vargas 
tentou adquirir vantagens para o país, dentro da estratégia de 
desenvolvimento e de industrialização nacional. Neste aspecto, o comércio 
compensado com a Alemanha era visto com bons olhos, uma vez que 
poderia servir para a obtenção de materiais bélicos, além de haver empresas 
alemãs capazes de montar uma indústria siderúrgica em solo brasileiro. Por 
isso, Brasília manteve a neutralidade frente à guerra quando do início do 
conflito em 1939, ainda que o comércio com a Alemanha estivesse 
diminuindo (MOURA, 1980). Esse quadro só viria a sofrer alterações após o 
ataque a Pearl Harbor e a entrada dos EUA na guerra. 
Com esse novo cenário, de envolvimento direto do centro 
hegemônico e maior ator continental no conflito, o Brasil viu-se compelido a 
declarar guerra ao Eixo, mas não sem antes utilizar

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