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Estudos de caso em política externa brasileira (1930–1985). / André Luiz Reis da Silva, José Miguel Quedi Martins (Org.). — Porto Alegre: ISAPE, 2015. 345 p.: il. — (Cadernos ISAPE). ISBN 978-85-65135-13-9 ISBN 978-85-65135-14-6 (ebook) 1. Política externa : Brasil. 2. Desenvolvimentismo. 3. Diplomacia. 4. Relações internacionais. I. Silva, André Luiz Reis da. II. Martins, José Miguel Quedi. III. Título. IV. Série. CDU 327(81) Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE) Rua 24 de outubro, 850/310 Bairro Moinhos de Vento CEP: 90510-000 Porto Alegre, RS, Brasil Fone: (51) 30846175 Capa: Tiago Oliveira Baldasso Editoração: Bruno Gomes Guimarães Impresso por: Gráfica da UFRGS © 2015 Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) Responsável: Biblioteca Gládis W. do Amaral, Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS É com grande satisfação que apresentamos este livro, fruto de um projeto de extensão, intitulado “Oficinas Temáticas de Política Externa Brasileira”, inserido no programa de extensão “Inserção Internacional do Brasil”. Nesse projeto, desenvolvido entre 2014 e 2015, os alunos foram convidados a discutir, publicamente, nas oficinas de política externa, a produção dos seus artigos acadêmicos. O tema central do livro é a política externa brasileira, no período do chamado desenvolvimentismo (1930–1985). De fato, a inserção internacional do Brasil nesse período foi fortemente marcada pelas transformações que o Brasil foi experimentando desde a Revolução de 1930 e a ascensão de Vargas ao poder. A partir dos anos 1930 a política externa havia sido transformada em um instrumento para o desenvolvimento do Brasil. Daí em diante, o chamado modelo de política externa para o desenvolvimento foi transformado em paradigma. Entretanto, sob o paradigma da política externa para o desenvolvimento, crescentemente articularam-se diferentes linhas de condutas externas identificadas de acordo com os modelos de desenvolvimento interno e com as conjunturas e possibilidades externas, estando basicamente polarizadas entre nacional- desenvolvimentismo e o desenvolvimentismo-associado. Conforme Amado Cervo, essas duas correntes se debateram pelo controle da política exterior. Esse autor ainda faz uma distinção dessas duas correntes nas suas características básicas: “o desenvolvimento liberal associado configurou-se nas propostas de políticas públicas internas e na outra face da política, a externa, envolvendo conceitos e ideologias afinados com o ocidentalismo, a amizade e as relações especiais com os Estados Unidos — a matriz do modelo —, a busca de proteção pela valorização da segurança coletiva regional, a facilidade para a penetração de capitais e empresas do exterior, o relaxamento cambial e da legislação que dispõe sobre a remessa de lucros.” Enquanto isso, o modelo do nacional desenvolvimentismo “apoiado em crescente pragmatismo, teve outras ênfases: o controle dos setores estratégicos da economia pelo Estado, enquanto a empresa privada nacional não se dispusesse a atuar sobre eles; o protecionismo alfandegário para expandir o parque industrial; o universalismo geográfico, ideológico e político e a nacionalização da segurança.”1 Pode-se acrescentar, também, que a década de 1960 foi o período em que estas duas correntes experimentaram suas teses estando no poder. Com o regime militar (1964–1985) a experiência associada do governo Castelo Branco logo cedeu espaço para uma nova opção, que articulava o desenvolvimentismo com um projeto pragmático inserção internacional, cuja contradição básica era a manutenção do conservadorismo e autoritarismo no Brasil. De qualquer maneira, a política externa do regime militar buscou ampliar a margem de autonomia do Brasil no sistema internacional, e deixou ao Brasil um importante acervo de iniciativas diplomáticas. Os resultados destas experiências, seu alcance e significado são objetos de análise historiográfica e iluminam o debate contemporâneo sobre os desafios da inserção internacional do Brasil. Por outro lado, ainda existem inúmeras lacunas para estudo e pesquisa, bem como um grande acervo de documentos a serem explorados. Ensinar pela pesquisa tem se revelado um método produtivo de ensino e aprendizagem. Ao estimular os alunos a produzir pesquisas, é possível acompanhar seu processo de desenvolvimento intelectual e amadurecimento, bem como construir a autonomia intelectual. Ao invés da memorização e repetição, os alunos são instigados a problematizar o tempo passado e presente, a partir do estudo e da articulação entre questões teóricas, historiográficas e a utilização de fontes primárias. Assim, um novo conhecimento pode ser gerado. As fontes primárias consistiram em documentos diversos, como tratados e discursos, relatórios do Ministério das Relações Exteriores, bem como jornais e revistas de época. Este livro é constituído por 16 artigos. Todos foram produzidos como trabalho final da disciplina de Política Externa Brasileira II, nos semestres de 2013/2 e 2014/2. A disciplina aborda o período de 1930–1985 e entre os temas estudados estão a formação da Identidade Nacional e sua repercussão 1 CERVO, Amado. Relações internacionais do Brasil. In: CERVO, Amado Luiz (org.) O Desafio Internacional: a política exterior do Brasil de 1930 aos nossos dias. Brasília. Editora Universidade de Brasília, 1994, p. 29. na Política Externa, comparação da política externa do getulismo com o peronismo, Relações Brasil-URSS, o debate eleitoral e a política externa, o apoio norte-americano à ditadura no Brasil, a América do Sul no projeto “Brasil Potência”, a política externa e a construção de Itaipu, o programa nuclear brasileiro, o desenvolvimento da indústria armamentista, o Atlântico Sul e a Guerra das Malvinas, o Brasil e a África do Sul e as relações do Brasil com o continente africano durante o regime militar. Gostaríamos de agradecer ao ISAPE pelos serviços de editoração; à Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, ao Curso de Relações Internacionais e a Gráfica da UFRGS pelo apoio institucional; e à Pró- Reitoria de Extensão (PROREXT) pelo apoio material e institucional, ao financiar as bolsas de extensão para organização e a impressão do livro, permitindo que este projeto pudesse ser concretizado. Agradecemos também aos alunos João Gabriel da Costa, João Arthur Reis, Guilherme Simionato, Gabriela Zwirtes, Bruna Reisdoerfer e Thiago Baldasso, que contribuíram no esforço de finalização do livro. Desejamos a todos uma boa leitura e que este livro sirva de estímulo ao desenvolvimento de novas pesquisas. André Luiz Reis da Silva José Miguel Quedi Martins Camila Torresini Eduardo Kreibich Karina Ruíz Letícia Tancredi Analisando-se a política externa brasileira (PEB), percebe-se uma dualidade em seu caráter, oscilante entre a busca por uma inserção mais competitiva na Divisão Internacional do Trabalho via diminuição da dependência e a busca por uma aproximação privilegiada aos países centrais. Esse movimento influi nas relações regionais do país: no primeiro caso, a integração regional é vista como meio fundamental do desenvolvimento2; no segundo, é mero instrumento para uma aproximação ao Centro que, na prática, mantém o país dependente da dinâmica externa e, portanto, em uma posição submissa no sistema internacional. Nesse sentido, tem-se por problema de pesquisa como a dualidade da PEB importa para a formação da identidade do país. Afinal, conforme o economista Samuel Huntington (1996), a preservação de países e de civilizações demandaria a renovação e o fortalecimento de suas identidades. Para o cientista político Benedict Anderson (2006), a identidade nacional de uma sociedade se encontraria na imagem de comunhão constante no imagináriode cada ente da nação, tendo sido alterada nele conforme projetos políticos. 2 A ideia de política regional autônoma se relaciona ao conceito de Werneck (apud SILVA; GONÇALVES, 2009) de autonomia relativa: embora o Brasil seja estruturalmente dependente, pode ser regional ou conjunturalmente autônomo. Nas Relações Internacionais, o conceito de identidade passou a ser abordado a partir dos anos 1990, pela da teoria construtivista, que foca na maneira como as interações sociais entre os Estados moldam suas identidades, valores e interesses (CORNETET, 2011). Mas, de acordo com o conceito criado por Ashizawa (2013), a “identidade de Estado” não seria o único fator determinante da política externa — como traz o construtivismo —, mas um aspecto que, combinado aos atributos estruturais internacionais, influenciaria o seu comportamento. O conceito consistiria no que é um país e no que ele representa, sendo que tanto interações interestatais, quanto aspectos culturais e institucionais relacionados aos ambientes interno e externo definiriam sua identidade. Assim como a identidade individual, a identidade de Estado não seria apenas uma característica descritiva do Estado, mas uma concepção social e relacional. Desta feita, a hipótese assumida é de que o caráter da identidade brasileira é uma consequência dessas duas tendências que coexistem na PEB. Por um lado, a busca por uma aproximação privilegiada aos Estados Unidos, que remonta ao início da República, afastando-se da Europa e americanizando-se (CERVO; BUENO, 2002). Por outro, o descontentamento com os EUA por vezes levou a um processo de afastamento do Brasil, evidenciado com a política externa independente e, posteriormente, com a reorientação da PEB para o âmbito latino-americano ao final da ditadura militar no Brasil. Pretende-se, assim, analisar os discursos diplomáticos da época para se compreender as motivações e estratégias da diplomacia brasileira que definiram a política externa dual do Brasil do Estado Novo à ditadura militar, para, finalmente, entender-se o papel da dualidade da PEB na formação da identidade brasileira entre as décadas de 1940 e 1980. Desde o advento da República, é notável o alinhamento da PEB aos EUA, em detrimento ao abandono da tradicional relação de dependência com a Grã-Bretanha. Mesmo após breve oscilação entre o apoio ao Eixo ou aos Aliados ao início da 2ª Guerra Mundial, com a mudança estrutural que levou à alteração do equilíbrio de poderes no sistema internacional, a PEB voltou-se à política externa estadunidense. As mudanças socioeconômicas da década de 1930 levaram ao investimento em uma nova percepção do interesse nacional no início do governo Vargas no Brasil: Isto explica as transformações havidas na PEB, como o reforço do pragmatismo e do seu sentido de instrumento do projeto de desenvolvimento nacional [...] O Brasil fez ‘jogo duplo’ em relação aos EUA e à Alemanha no período que antecede a 2ª Guerra, com a finalidade de barganhar (CERVO; BUENO, 2002, p. 234). A ambiguidade da PEB na véspera da eclosão do conflito mundial refletia a própria divisão constante entre os detentores de poder dentro do governo. Essa “equidistância pragmática”3 foi possível graças à conjuntura internacional, que antecedeu e estendeu-se até o início da II Guerra, e à divisão interna do governo brasileiro, que permitiu à Vargas a imposição de um projeto próprio ao Estado, aproveitando-se da dicotomia doméstica (TRONCA, 1982). Em termos econômicos, enquanto com a Alemanha se realizava o comércio compensado, que respondia às necessidades de matéria-prima e de mercado deste país; com os EUA se praticava o livre comércio, posto que este oferecia concessões ao Brasil a fim de importar minerais estratégicos e de evitar a penetração do Eixo. Porém, independentemente da forma de comércio realizada, segundo Hilton (1981), ambas as relações eram assimétricas. O pragmatismo de Vargas é claramente notado no caso da usina siderúrgica de Volta Redonda, que acabou dispondo de auxílios financeiro e tecnológico estadunidenses, que se sobrepuseram à alternativa alemã de apoio ao projeto, aumentando a influência dos EUA no Brasil. Ademais, apesar da simpatia de Vargas pelos regimes totalitários europeus e pela importante parceria estabelecida nos setores comercial e militar, o presidente preconizava a campanha nacionalista que realizava no país. A isso se somaram a pressão popular contrária à aproximação alemã, o bloqueio naval inglês à Alemanha e a falta de condições desta para atender às demandas 3 Termo criado por Moura (1980), refere-se ao período de barganha de que Vargas se aproveitou para guiar a PEB — ora em direção à Alemanha, ora em direção aos EUA — durante o início da 2ª Guerra, enquanto o Brasil desfrutava de posição estratégica no sistema internacional. comerciais e militares brasileiras no auge da guerra, culminando na crise das relações entre Brasil e Alemanha em 1938. Concomitante a esses fatos, em contrapartida, ascendia a credibilidade estadunidense junto ao Itamaraty, tanto pela estratégia deste país de constante atração cultural e política sobre o Brasil — maquiada pela política de boa vizinhança idealizada pelo presidente Roosevelt4 —, quanto pelo laço histórico da tradicional parceria com os EUA — potencializada pela missão Aranha5. Para Moura (1980), tal missão marca o início do fim da “equidistância pragmática” na PEB: mesmo antes da década de 1940 — quando o Brasil ainda se declarava oficialmente neutro na guerra —, nota-se a tendência de alinhamento aos EUA. O auge da “americanização” (BURNS, 1978) da PEB se deu com a crença em uma aliança leal com os EUA, enquanto o Brasil dispunha de poder de barganha suficiente para dispor de vantagens sobre sua opção pelo lado estadunidense. Por seu lado, este governo buscava tanto afastar a ameaça de influência fascista no continente, quanto mitigar as tendências nacionalistas latino-americanas. O sistema de poder americano possuía uma ideologia internacionalista, que suplantava o objetivo de defesa nacional estadunidense, trazendo a ideia de solidariedade entre as nações americanas para a defesa continental contra o inimigo externo: O pan-americanismo transmuta a hegemonia estadunidense em solidariedade e cooperação continentais e permite à dominação política aparecer como respeito à soberania nacional das repúblicas latino-americanas [...] [abrindo espaço à] política de cooperação econômica que tende a impedir um desenvolvimento autônomo [...] e a manter um papel dominante da economia estadunidense (MOURA, 1980, p. 169–171). 4 A política de boa vizinhança idealizada por F. Roosevelt repudiava o intervencionismo como forma de solução de disputas nas Américas e consagrava o princípio da solidariedade hemisférica (MOURA, 1980). 5 A ida de Osvaldo Aranha a Washington em 1939 visava a atrelar o Brasil, um dos países- alvo da política de boa vizinhança, ao sistema de poder estadunidense (CERVO; BUENO, 2002). A missão “se estendeu a outros países do continente [...] [a fim de] fortalecer e coordenar a defesa do hemisfério” (MOURA, 1980). A identidade brasileira, influenciada pelo pan-americanismo6, em que uma suposta colaboração hemisférica entre as nações interamericanas seria capaz de promover a equidade e a harmonia no continente, era uma das bases da estratégia daquele país para o controle sobre o hemisfério ocidental. Assim, o Brasil tornava-se importante instrumento dos EUA para o controle da América Latina, sobre a qual a proeminência brasileira era inaceitável. Para fomentar uma posição de destaque na região, Vargas passou a buscar a afirmação do país como nação ocidental, estabelecendo-se o Brasil como mediador entre países latino-americanos e patrocinador das visões estadunidenses nos congressos interamericanos7.Porém, a intenção dessa aliança não era a participação das forças latino-americanas na guerra, mas o compromisso de cada uma com a ordem interna e com a integração econômica aos EUA, ao qual importava a constituição do sistema de poder para o controle continental: O sistema interamericano não dependia de uma identidade comum dos regimes políticos no continente [- dado que muitos governos latino-americanos eram ditaduras -], mas da adesão a um centro hegemônico. [...] [Assim, os EUA] procuravam persuadir as nações latino-americanas a seguir a [sua] liderança em oposição ao Eixo (MOURA, 1980, p. 137, 139–140). Contudo, o equívoco da diplomacia brasileira na época parece ter sido a opção pelo rompimento total das relações com o Eixo na Conferência do Rio de Janeiro em 1941 - ainda que sem aprovação unânime dos Aliados e do próprio governo brasileiro -, sem antes obter garantias dos EUA. Houve contratempos do ponto de vista militar, já que a relutância estadunidense ao fornecimento de armas e a sua estratégia de presença no Nordeste8 correspondiam ao temor quanto à atitude brasileira em caso de participação dos EUA na guerra. As dificuldades nas relações se deram tanto pela não concretização do reaparelhamento militar demandado pelo Brasil, quanto 6 Ideologia que orientou a difusão de princípios como a fé nas instituições republicanas, o respeito à soberania nacional, a aversão ao uso da força e a defesa da democracia e da liberdade nas conferências interamericanas. 7 Exemplo disso foi a quase conquista da vaga de membro permanente no Conselho de Segurança da ONU em 1945. 8 O Nordeste do Brasil era uma região estratégica durante a 2ª Guerra Mundial de possível incursão do Eixo. pela posição contrária deste à presença de soldados estadunidenses no Nordeste. O crescente envolvimento dos EUA na guerra, o declínio da importância geoestratégica do Brasil e as resistências internas desfavoreceram a colaboração econômica e militar estadunidense. Daí começa a se notar uma dose de realismo político na diplomacia brasileira, ao perceber que o Brasil era secundário ao esforço de guerra estadunidense. Ademais, ao fim do conflito, a importância estratégica do país para os EUA declinava, e a realidade da assimetria se refletia na diminuição de seu poder de barganha. O projeto desenvolvimentista de Vargas não se tornou, portanto, ponto de inflexão da dualidade da PEB, visto que esta, dita tão inovadora na época que se seguiu ao golpe de 1930, na prática manteve a dependência do Centro. Ao fim da 2ª Guerra Mundial, subiu ao governo Eurico Gaspar Dutra, conservador simpático aos EUA, cuja marca da política externa foi o automático alinhamento a este país, abdicando do interesse nacional brasileiro, muitas vezes contrário à política de Washington. O cego aceite das diretrizes estadunidenses foi muito danoso à imagem do Brasil perante os vizinhos latino-americanos (VISENTINI, 2004). Porém, essa tendência do governo Dutra se baseava na crença de que o Brasil era um aliado privilegiado dos EUA, ilusão oriunda do forte apoio de Washington à América Latina na 2ª Guerra Mundial por considerá-la região estratégica. Porém, a perda dessa importância para os EUA não parece ter sido percebida pelo governo Dutra, que seguiu as concepções da Escola Superior de Guerra (ESG): o binômio segurança e desenvolvimento estabelecia para o país uma estratégia de desenvolvimento associado, afirmando-se como nação ocidental9, democrática e anticomunista. O único interesse dos EUA na América Latina no pós-guerra era abolir as barreiras alfandegárias e as restrições ao livre-comércio, em prol de novos mercados para a indústria. Nesse contexto, o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR) e a Organização dos Estados Americanos (OEA) fazem parte da estratégia de sistema de poder estadunidense de institucionalizar o pan-americanismo como via de controle sobre o continente (VISENTINI, 2004). 9 O termo ocidental aqui remete ao alinhamento com os EUA, modelo de nação ocidental desde a 2ª Guerra Mundial. Portanto, verifica-se a manutenção do alinhamento ao Centro no período entre o Estado Novo e o governo Dutra, seja enquanto tendeu ao lado do Eixo ou ao lado dos Aliados na 2ª Guerra, seja com a consolidação dessa parceria após o conflito. Afinal, permaneceu a essência de nação dependente até mesmo quando da “equidistância pragmática” de Vargas, a exemplo dos acordos comerciais com a cláusula de nação mais favorecida e do estímulo às exportações, em lugar do fomento ao desenvolvimento industrial. Embora a hegemonia estadunidense tenha se consolidado após a 2ª Guerra Mundial via negociação — e não coação —, permitindo certo espaço de manobra à PEB, Dutra baseou-se na ilusão de que o Brasil dispunha de um poder maior do que na realidade tinha. O alinhamento político-militar aos EUA e, consequentemente, ao bloco ocidental, manteve- se e continuou a definir a identidade nacional brasileira até os anos 1950. No período pós-2ª Guerra, sob nova fase do governo Vargas, “o populismo, o nacionalismo e o antiimperialismo [sic] tornaram-se [...] cada vez mais presentes no discurso político [daquela] época” (CERVO; BUENO, 2002, p. 273) , tendo início uma mudança gradual no viés da PEB. A alegação do Itamaraty de que a miséria das massas gerava ameaça à democracia justificava a posição brasileira de defesa da necessidade do desenvolvimento. “O tom reivindicatório das nações menos desenvolvidas do continente, em face aos EUA, fez com que se desse à mobilização econômica concepção diversa daquela que vigorou na conjuntura da 2ª Guerra Mundial” (MRE, 1951, p. 11–16). Essa postura brasileira representou um ponto de inflexão na política externa, na medida em que se manteve após Vargas, com a Operação Pan-americana (OPA) de Kubitschek e a PEI de Quadros e Goulart (CERVO; BUENO, 2002). A estratégia do Brasil passaria, portanto, a ser de aproximação com os países da região, afirmando-se como uma nação latino-americana, em busca de uma progressiva diminuição da dependência em relação aos EUA. Com a volta da barganha nacionalista em 1950, as principais guias da política externa foram as noções de que as relações econômicas externas deveriam contribuir de forma decisiva para o desenvolvimento econômico brasileiro, e de que o alinhamento político e militar aos “princípios de solidariedade do mundo ocidental” deveriam ser mantidos (HIRST, 2006, p. 263). Nesse sentido, percebe-se imediatamente que os focos de tensão entre Brasil e EUA nesse período se concentraram nas questões econômicas, já que em termos político-militares Vargas procurou deixar explícito seu alinhamento ao governo estadunidense. O projeto de desenvolvimento nacional de Vargas estava condicionado a uma política econômica associada ao capital estrangeiro, mas que mantivesse o interesse próprio brasileiro, apresentando características nacionalistas que visavam garantir mais autonomia para o país. Dessa forma, os EUA tinham lugar de destaque na política externa, mas Vargas já dava passos em direção a uma agenda internacional diversificada ao valorizar os orgãos internacionais. Segundo Visentini: O discurso diplomático brasileiro evidenciou a preocupação do governo e do Itamaraty em esboçar uma multilateralização das relações exteriores, procurando assim escapar de uma dependência fortemente assimétrica, num momento em que os EUA não estavam muito dispostos a fazer concessões aos países latino-americanos (VISENTINI, 2004, p. 72). É importante ressaltar que a margem de manobra que Vargas tinha era muito pequena, em virtude do contexto internacional da época e das divisões políticas internas (VISENTINI, 2004, p. 69). Na agenda internacional, a América Latinanão tinha um lugar expressivo, e era tida como “área de influência” dos EUA. A presença dessa potência na região criava um grande obstáculo para o aprofundamento das relações do Brasil com os países latino-americanos e com o mundo subdesenvolvido (HIRST, 2006, p. 274). Além de o pan-americanismo servir como instrumento de dominação dos EUA no continente, deve-se perceber que na frente interna também haviam grandes oposições à uma aproximação brasileira à América Latina: A ausência de uma política latino-americana dissociada dos interesses estadunidenses era estimulada pela visão de mundo da elite brasileira. O desprezo da classe política pela região levava a uma negação da identidade latino-americana; percebida mais como uma opção ideológica do que um condicionante cultural e histórico. Por caminhos diversos estabelecia-se uma convergência com a percepção estadunidense de que os esforços de integração regional poderiam representar uma ameaça à estabilidade do sistema interamericano (HIRST, 2006, p. 276). Em 1953, a conjuntura internacional se modifica e impõe mais dificuldades à barganha de Vargas. A eleição de Eisenhower impunha um grande obstáculo ao projeto varguista, levando Vargas a reforçar os elementos nacionalistas e autônomos de sua política externa, ampliando a projeção externa do país junto ao Terceiro Mundo. Por diversos motivos, essa radicalização não passaria do âmbito do discurso (VISENTINI, 2004), mas já mostra a nova tônica que ia tomando a PEB, que começava a mostrar uma nova simpatia pelas lutas de libertação e que passava a contar com denúncias explícitas do imperialismo e do colonialismo. Já a política externa do período de governo de Juscelino Kubitschek pode ser dividida em duas partes. A primeira, de sua posse até 1958 com a criação da OPA, caracteriza-se por um alinhamento automático aos EUA e pela abertura da economia ao capital internacional, retomando, entretanto, o projeto de industrialização que havia sido interrompido pelo governo Café Filho. A segunda parte se inicia com a OPA, quando é retomada a barganha nacionalista em virtude da desaceleração do crescimento econômico e das mudanças no cenário internacional. É nessa segunda parte que se foca a análise. As relações dos EUA com a América Latina vinham se deteriorando, por causa do profundo descaso sentido pelos países subdesenvolvidos, resultado da marginalidade em que foi posta a América Latina em relação às políticas estadunidenses (CERVO; BUENO, 2002). Nesse sentido, e aproveitando o contexto de exacerbação do antiamericanismo e de denúncia do imperialismo, é que se insere a OPA. O governo insistia no argumento de que a miséria canalizava focos comunistas, e de que o desenvolvimento garantiria a segurança. Dessa forma, JK se posicionava ao lado dos países latino-americanos em sua denúncia contra o subdesenvolvimento e a passividade dos EUA nessa questão. Além disso, a política de multilateralização das relações brasileiras buscava abrir mercados para as exportações brasileiras. O seu objetivo não era se opor aos EUA, mas sim chamar a atenção para o continente, e conseguir estabelecer relações concretas que realmente concorressem para o desenvolvimento brasileiro. Segundo o próprio JK: A aceleração do progresso econômico das nações que, como a nossa, emergem do estágio do subdesenvolvimento, depende, em grande parte, da cooperação internacional, da intensificação dos contatos de toda ordem, do harmonioso intercâmbio comercial, da canalização de um maior fluxo de investimentos estrangeiros e do incremento da assistência técnica, do aumento do valor e do volume das exportações [...] (RBPI, Mensagem de J. Kubitschek de Oliveira, 6, p. 90–105, 1959). No entanto, a efetividade da OPA em transformar os diálogos em soluções concretas pode ser questionada. Alguns autores afirmam que o único resultado teria sido a criação do Banco Interamericano de Desenvolvimento, mas, segundo Cervo & Bueno, “a Associação Latino- Americana de Livre Comércio e a Aliança para o Progresso do presidente Kennedy foram relacionadas à proposta brasileira”. Com isso, pode-se dizer que apesar das limitações de que sofria a OPA, ela levantou novas questões e se constituiu como um ensaio à multilateralização. Apesar de limitada, era nítida uma tendência de mudança na PEB, que só viria a se aprofundar com a PEI (VISENTINI, 2004). O desejo de desenvolvimento do Brasil se distanciava do isolamento e passava a envolver a América Latina como um todo. Além disso, a partir de JK, a PEB passava a ganhar notoriedade nos planos externo e interno, desdobrando-se na PEI, que marcaria o início da história contemporânea da diplomacia brasileira (CERVO; BUENO, 2002). Se, no período anterior, o governo brasileiro via nas Nações Unidas como uma arena de luta pelo poder (MOURA, 1991), a partir desta nova fase, passava a valorizar este foro como um instrumento de sua afirmação internacional. Em 1960, ao defender o princípio da autodeterminação dos povos e relacionar o desenvolvimento econômico à consolidação da paz na Assembleia Geral da ONU, a diplomacia brasileira refletia a reformulação de sua identidade nacional, baseada na esfera latino-americana. O curto governo de Jânio Quadros possui como grande marco a PEI, ponto de inflexão no posicionamento tradicional do Brasil em questões internacionais por ir além no sentido de aprofundamento da barganha nacionalista que já vinha sendo adotada desde o governo Vargas: apresenta conjunto de princípios articulados, extrapola o espaço regional — ponto particularmente significante para a análise aqui proposta — e dá à política externa contornos realmente mundiais (VISENTINI, 2004). Estes elementos foram facilitados pelo próprio contexto da Guerra fria, neste período marcado pela coexistência pacífica e enfrentamento de dificuldades por parte do bloco ocidental, enraizado nos EUA. Apesar de dar continuidade à barganha com os EUA, a PEI marca uma mudança na posição que o Brasil deseja ocupar no sistema internacional: neste período, a ideia de associação à potência hegemônica passa a perder força, dando espaço ao surgimento da noção de que o Brasil precisa desenvolver uma política externa autônoma que represente unicamente os seus interesses nacionais, propiciando seu desenvolvimento econômico e social. Esta nova noção de autonomia fica evidente já no discurso de posse do ministro das relações exteriores Afonso Arinos de Melo Franco: A concepção atual da soberania [...] exige uma grande autonomia nas atitudes da nossa diplomacia, inclusive no quadro das organizações internacionais, porque a nossa posição, nestes grandes palcos do mundo, deve corresponder ao que somos verdadeiramente, como povo, como cultura e como expressão econômica e social (FRANCO, 1961, p. 34). É pertinente aprofundar a explicação acerca da análise do contexto internacional da época, que facilitou a conduta da ‘nova’ PEB. Encontrando- se o bloco ocidental enfraquecido, emergiam antagonismos internos entre seus membros. Ao mesmo tempo, o bloco soviético mostrava-se cada vez mais forte, atraindo países em diversos níveis de desenvolvimento, inclusive capitalistas. Neste contexto, o Brasil encontra espaço para tentar garantir um certo grau de autonomia em relação aos interesses e posicionamentos estadunidenses, embora nunca desejando se afastar completamente do vizinho do norte. Importa apontar que o governo Quadros marca a primeira fase da PEI, caracterizada por um chamado ‘neutralismo temperado’. Inserida nessa caracterização está o fato de que o Brasil tentava autonomizar-se, mas reconhecia a essencialidade da cooperação estadunidense para a consecução de seus interesses; declarava-se neutro na Guerra Fria, mas diversas vezes e reconhecia como ocidental, possuindo portanto uma identidade comeste mundo. Esta posição está representada no seguinte discurso: Nenhum ato jurídico internacional vincula o Brasil à defesa do ‘ocidente’ como ‘Ocidente’. Não somos membros da OTAN e o Tratado do Rio de Janeiro não nos obriga senão à defesa do hemisfério em agressão que se situem em seu território ou em sua faixa de segurança. Brasil pertence ao Ocidente, mas não pertence ao ‘bloco’ ocidental. Temos compromissos com os EUA, na qualidade de país do hemisfério, e não com os EUA, na qualidade de líder da coligação ocidental (QUADROS, 1961a, p. 167, grifo nosso). O termo grifado intenta destacar a posição que o Brasil assume no contexto de Guerra Fria, abandonando o alinhamento completo aos interesses estadunidenses mas procurando sempre deixar claro que ainda mantinha algumas associações com os EUA. Muitas vezes, visando a realizar a barganha que constantemente tentava impor à potência, o Brasil usava como meio as próprias posições divergentes que possuíam e visava atrair as atenções daquela para cooperar no processo de desenvolvimento nacional e regional. Esta tentativa é visível em discurso de Quadros: A atração exercida pelo mundo comunista, pelas técnicas comunistas e pelo espírito das organizações comunistas sobre os países que acabam de se libertar do jugo capitalista,é do conhecimento de todos. De um modo geral, todas as nações subdesenvolvidas, inclusive as da América Latina, são suscetíveis a esse plano, (QUADROS, 1961b). Aproveitando a citação para introduzir a análise regional, pode-se dizer que o contexto tampouco era favorável à grande potência. A América Latina enfrentava uma crise econômica, o fortalecimento do nacionalismo populista e as reações causadas pela Revolução Cubana. Neste âmbito o Brasil encontra margem para tentar ganhar destaque dentro da região, incluindo uma tentativa de redefinição das relações hemisféricas (VISENTINI, 2004). A importância estratégica da América Latina era cada vez mais perceptível ao Brasil. Segundo Ligiéro: a América Latina tornou-se prioritária, já que, para buscar maior autonomia com relação à grande potência econômica ocidental, o Brasil buscou aprofundar as relações com os países em desenvolvimento. Entre esses últimos, seria natural voltar-se para seus vizinhos latino-americanos (LIGIÉRO, 2011, p. 51). A estratégia de Quadros e Arinos, no entanto, era cautelosa, pois partia de uma visão realista: tinham consciência de que o Brasil ainda não poderia concorrer com os EUA na região, pois não possuíam suficientes recursos de poder. A estratégia adotada seria inserir o país a nível mundial, a partir da internacionalização de sua política externa pautada na promoção do desenvolvimento, para então ter maior força para se voltar a região e renegociar os termos de dependência com os EUA. O Brasil sabia que os EUA eram cruciais para o desenvolvimento latino-americano, bem como sua defesa contra o comunismo. Porém, tentava juntamente com outros países da região limitar as ações da potência, o que pode ser ilustrado pelo seguinte exemplo: o Brasil enxergava na Aliança Pelo Progresso (ALPRO) “uma forma construtiva de americanismo, desde que a prestação de auxílio técnico e econômico vá ao encontro de planos formulados pelos próprios países e aplicados por orgãos [sic] nacionais”. (DANTAS, 1962). Ajudando no desenvolvimento latino-americano, os EUA estariam também defendendo a região da subversão comunista, na concepção brasileira. No entanto, os discursos da época mostram que o Brasil já não ‘falava tão fino’ com os EUA, posicionando-se contra interesses daquele em vários momentos e dessa forma, marcando o início da deterioração das relações entre os dois países. Cabe citar como exemplo a Conferência de Punta del Este (agosto de 1961), que trataria justamente da ALPRO e da questão cubana. Tentando-se destacar regionalmente, o Brasil articula-se com países vizinhos para frear intervencionismo dos EUA e encaminhar resolução da questão cubana em termos brasileiros, embora não obtendo sucesso (VISENTINI, 2004). Contribuindo para o afastamento em relação aos EUA, pode-se citar ainda a movimentação para reatamento de relações com países do bloco comunista, com destaque para Rússia e China, para onde o vice presidente João Goulart viajou em missão diplomática e voltou para assumir o posto de presidente (após a renúncia de Quadros), sendo pivô de uma ampla crise política que se exacerbou através de setores conservadores que eram contra sua posse — justamente por Goulart possuir supostas tendências esquerdistas. João Goulart assume o poder sob olhares atentos por parte da potência estadunidense, mas ainda assim tenta dar continuidade à PEI, marcando a segunda fase desta. Ao lançar a PEI, Quadros desapontava os EUA e os setores conservadores brasileiros, mas não suscitava grandes preocupações pois possuía como contraponto uma política interna ortodoxa - principalmente em termos econômicos — que agradava ao mundo desenvolvido. No entanto, a suspeição ideológica que Goulart carregava, acrescentada à uma política interna insatisfatória do ponto de vista das grandes nações desenvolvidas (ênfase no nacionalismo, medidas desfavoráveis ao capital estrangeiro e discurso favorável às reformas de base) despertaram fortes temores de que o Brasil estivesse passível de tender ao comunismo (LIGIÉRO, 2011). E, na visão estadunidense, perder o Brasil para o bloco comunista significaria perder toda a América Latina. Dessa forma, ainda segundo Ligiéro, o poder de barganha do Brasil se reduziu drasticamente, tendo Goulart a necessidade de promover o relacionamento bilateral Brasil–EUA sob bases mais conciliadoras do que o governo anterior. Como agravante, Goulart ainda contava com o acirramento da insatisfação dos setores conservadores internos, causando mais uma dificuldade para a implementação dos objetivos iniciais da PEI: enquanto esta representara para Quadros uma maneira de atrair elementos de esquerda para sua coalizão conservadora, Goulart, como representante da esquerda, tinha de apaziguar os setores conservadores (LIGIÉRO, 2011). O presidente tentou amenizar as desconfianças através de medidas econômicas e discursos que relativizavam uma possível posição neutralista do Brasil no contexto da Guerra Fria. No entanto, dificuldades no contexto nacional — a exemplo das encampações de empresas estadunidenses e limitação da remessa de lucros ao exterior — e no contexto internacional — marcado principalmente pela defesa da neutralização de Cuba por parte de San Tiago Dantas (então ministro das relações exteriores do governo Goulart) — aceleraram a reação dos setores conservadores, com apoio do próprio EUA, culminando na queda do presidente através de um golpe militar, em 1964. A partir de então, a evolução da PEB em termos de busca por independência sofre um retrocesso. A chegada de Castelo Branco ao poder marcou um forte revés na PEB, com o governo se posicionando como um forte defensor do anticomunismo e da irmandade pan-americana. Nesse sentido, Castelo Branco interrompe não somente o neutralismo e não alinhamento pregado pelos governos anteriores bem como a denúncia sobre as consequências desfavoráveis do conflito das duas grandes potências sobre as demandas do Terceiro Mundo (SILVA, 2005, p. 253). Dessa forma, Bandeira afirma que: A queda de Goulart e, posteriormente, a ascensão de Castelo Branco ao poder significaram assim ampla vitória dos EUA [...] contra as tendências nacionalistas, excitadas pelas necessidades do processo de industrialização do Brasil e pelo recrudescimento das lutas sociais, dentro de uma conjuntura nacional de extrema escassez de recursos e marcada internacionalmente pelo impacto da revolução cubana (BANDEIRA, 1989, p. 142). A PEB castelista era guiada por duas premissas básicas. A primeira delasera a de que o mundo estava dividido irreconciliavelmente entre dois blocos: de um lado os capitalistas democráticos; do outro os comunistas totalitários. A segunda era a ideia de defesa coletiva e integral, que implicava uma revisão do conceito de soberania nacional para um de soberania limitada, que permitisse a intervenção nos assuntos uns dos outros quando houvesse uma ameaça comunista. O resultado disso era a ideia de que o caminho para o desenvolvimento seria o de garantir a segurança coletiva, além de se associar aos EUA sob a égide da Aliança para o Progresso e da OEA. Essas premissas limitavam o escopo de ação internacional do Brasil bem como predeterminavam as opções brasileiras em diversas questões. O maior exemplo é o rompimento imediato de relações com Cuba. Um segundo exemplo é a reação brasileira de oposição perante à proposta do presidente do Chile de criação de um mercado comum latino-americano. Segundo Juracy Magalhães: só temos a perder se cultivarmos cisões na unidade pan-americana, se permitirmos qualquer quebra dessa unidade, seja em decorrência de divergências políticas, seja sob o pretexto de desigualdade ou disparidade econômica (MAGALHÃES, Saudação ao ministro de RE do Chile, 10 de out 1966). Assim, percebe-se claramente a direção oposta em que ia a PEB em relação à unidade latino-americana, e o afastamento causado pelo sentimento de desconfiança dos países da região em relação às aspirações brasileiras. Sobre essa questão de limitação, o ex-chanceler Afonso Arinos afirma que: Castelo Branco, por si e por influência dos círculos militares e civis que o assessoravam, levou as premissas até às suas conclusões mais radicais, privando o Brasil de qualquer ação própria internacional, destruindo o prestígio que conquistáramos, e tudo para que? Para nada, a não ser desfigurar nossa fisionomia nacional (BANDEIRA, 1989, p. 148). A política externa do governo Costa e Silva tratou de consertar a defasagem introduzida no período anterior, reconhecendo a preeminência do conflito entre Norte e Sul, ou seja, entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. O pacto subimperialista e a estratégia de defesa coletiva aplicadas só lograram relegar ao país uma política externa dependente, que não valorizava realmente o interesse nacional. Dessa forma, o presidente Costa e Silva apresenta a sua “diplomacia da prosperidade”: Estamos convencidos de que a solução do desenvolvimento condiciona em última análise a segurança interna e a própria paz internacional. A história nos ensina que um povo não poderá viver em um clima de segurança enquanto sufocado pelo subdesenvolvimento e inquieto pelo futuro. Não há tampouco lugar para segurança coletiva em um mundo em que cada vez mais se acentua o contraste entre a riqueza de poucos e a pobreza de muitos (COSTA e SILVA, 1967). As duas grandes prioridades do governo seriam a busca pelo desenvolvimento e a afirmação da soberania, realizando uma forte guinada em relação ao governo anterior e retomando de certa forma algumas das diretrizes da PEI de João Goulart (MARTINS, 1977, p. 385). Para realizar esta tarefa, seria lançada mão de uma diplomacia que valorizasse a integração, a multilateralização, e a aproximação com os países do Terceiro Mundo. Segundo as palavras de Costa e Silva: Daremos, assim, prioridade aos problemas do desenvolvimento. A ação diplomática de meu Governo visará, em todos os planos bilaterais, ou multilaterais, à ampliação dos mercados externos, à obtenção de preços justos e estáveis para nossos produtos, à atração de capitais e de ajuda técnica, e – de particular importância à cooperação necessária à rápida nuclearização pacífica do país [...]. Ante o esmaecimento da controvérsia Leste-Oeste, não faz sentido falar em neutralismo nem em coincidências e oposições automáticas. Só nos poderá guiar o interesse nacional, fundamento permanente de uma política externa soberana (COSTA e SILVA, 1967)10. Para se exemplificar a busca pelo interesse nacional autonomamente ditado, que era uma das principais diretrizes da política externa do momento, pode-se utilizar a questão da nuclearização pacífica. O governo se recusou a assinar o Tratado de Não-Proliferação em virtude de acreditar que isso cristalizava o poder das potências já nuclearizadas e impedia que os países menos desenvolvidos buscassem o que era um direito deles (GONÇALVES; MYAMOTO, 1993, p. 13). Além disso, o governo pregava que a integração regional deveria ser feita de baixo para cima, com a finalidade de preservação dos interesses nacionais dos países latino- americanos. O governo denunciava, então, os esquemas supranacionais que a política externa anterior apoiava. Adotando essa posição, o Brasil se colocava ao lado dos países subdesenvolvidos em sua luta contra os privilégios das potências, que estabeleciam verdadeiras barreiras ao desenvolvimento dos mais pobres. Foi normal que, ao adotar uma política que condenava as ações dos países desenvolvidos, as relações com os EUA se esfriassem (GONÇALVES; MYAMOTO, 1993, p. 13). Por sua vez, Médici (1969–1973) busca manter uma política convergente a estadunidense, mas sem alinhamentos automáticos. Esta mudança derivava de uma nova percepção sobre o Brasil, baseada na obtenção da coesão interna do regime e em uma conjuntura econômica favorável: uma grande disponibilidade de capitais que, somada ao aumento do controle estatal sobre setores estratégicos e a uma contenção de possíveis aumentos no custo de produção, permitiu o boom da economia brasileira de então (BANDEIRA,1989). O Brasil, portanto, seria a potência futura, e devia se diferenciar dos demais países. Assim, a diplomacia mantinha o combate ao congelamento do poder mundial, mas também rejeitava uma aliança entre os 10 Discurso pronunciado pelo marechal Artur da Costa e Silva no Palácio do Itamarati, em Brasília, em 5 de abril de 1967. subdesenvolvidos, por ver que esta “ideia de que todos podem-se salvar juntos não passava de um mero arroubo emocional [...] já que a condição de sua possibilidade seria a própria destruição da ordem capitalista” (MARTINS, 1977, p. 407). Em substituição, temos a Diplomacia do Interesse Nacional. Nesta, o conflito Leste–Oeste volta a ser central. Em discurso feito em um almoço com o vice-presidente estadunidense em 1971, Médici, inicialmente, pontua a questão da distribuição de poder e, logo depois, reforça a necessidade de aproximação entre Brasil e EUA, além de enfatizar o aspecto da segurança: O Brasil não acredita que os problemas mundiais possam ser examinados e resolvidos mediante um congelamento da estrutura do poder mundial, nem pelo estabelecimento de esferas de influência. [...] Nas relações entre nossos dois países, temos de separar o transitório do permanente, o contingente do essencial e impedir que pequenos pontos conflitantes possam comprometes as bases de uma cooperação de longo alcance, cooperação que considero vital e indispensável, não apenas para ambos os países, mas para a preservação da paz e da segurança no Hemisfério (MÉDICI. Discurso..., 8 de dezembro de 1971). Assim, apesar da diversificação da cooperação diplomática, as fronteiras ideológicas seguiam. Nossa política externa para a África exemplifica, já que, apesar de seu incremento, mantém o apoio e a aproximação a África do Sul e Portugal por ver os movimentos de libertação nacional e antiapartheid como peões do expansionismo soviético (GONÇALVES; MYIAMOTO, 1993, p. 18). O conflito Norte–Sul, por sua vez, chega a ser apontado como mito (MARTINS, 1977, p. 402). Médici tratará dessa descrença no Terceiro Mundo em sua Mensagem ao Congresso de 1973, ao dizer que “A diplomacia brasileira [...] reagiu contra todas as tentativas de uma divisão do mundo entre paísesque fazem a história e países que sofrem a História” (Médici. Mensagem... 1973). As relações continentais, assim, também eram conduzidas através do bilateralismo, estratégia diplomática que, por permitir a diferenciação, era a preferencial do Brasil potência. Através delas, houve um avanço na ALALC e a negociação de grandes projetos de cooperação bilaterais11, mas também havia apreensão em relação ao país. A declaração de Nixon, em 1971, de que “para onde o Brasil for, o restante do continente latino-americano irá” (VISENTINI, 1998, p. 149) irá se somar à desconfiança acerca da participação brasileira nos golpes do da Bolívia (1971), do Chile (1973) e do Uruguai (1973) e ao feitio bilateral do Tratado de Itaipu, reforçava a desconfiança e a percepção, sobretudo argentina, de um subimperialismo brasileiro. Conforme dito acima, a diplomacia visava atenuar conflitos com os EUA, buscando um tratamento especial — em partes atendido pela Doutrina Nixon. Ainda que o projeto brasileiro contivesse uma pretensa igualdade com os EUA, abarcando, assim, a existência de divergências políticas — expressas, sobretudo, na questão nuclear e na expansão dos limites do Mar Territorial —, seria justamente o desenvolvimento do país que iria, posteriormente, ampliar as divergências. A conjuntura do governo Geisel (1974–1978) não era favorável. Externamente, frente ao deterioro das relações EUA–URSS, o conflito Norte–Sul retomava a centralidade e o Terceiro Mundo configurava-se como polo. Internamente, cresciam as contradições do regime, o milagre econômico esgotava-se e a crise explicitava a distância entre o Brasil e os países ricos. Em resposta, a PEB abandona o discurso ufanista, reaproxima- se ao Terceiro Mundo e a suas pautas: inicia o Pragmatismo Responsável e Ecumênico (VISENTINI, 1998). Com Carter e sua política dos direitos humanos, o ambiente internacional favorecia a oposição ao regime, justificando a abertura lenta, gradual e segura, que, por sua vez, desfazia a coesão do regime. Isto, conjugado com as necessidades exportadoras de nossa economia, explica porque é com Geisel que completa-se a mudança de ênfase da segurança ao desenvolvimento (PINHEIRO apud VISENTINI, 1998, p. 206). Além do maior peso da Europa e do Japão em nosso comércio, a diversificação de parcerias iniciada nos governos anteriores será aprofundada com um considerável abandono das fronteiras ideológicas, marcado pelo 11 A saber: o Tratado de Itaipu, com o Paraguai; a Ata de Cooperação com a Bolívia acerca da compra de gás natural; com a Colômbia, estudos para uma binacional de carvão; e com o Uruguai, projetos de desenvolvimento da Lagoa Mirim e do Rio Jaguarão. estabelecimento das relações diplomáticas com a China comunista e pelo reconhecimento do governo angolano do MPLA. Se a entrada de nossos manufaturados no mercado estadunidense fazia com que a tranquila complementaridade desse, cada vez mais, lugar ao contencioso (GONÇALVES; MYIAMOTO, 1993, p. 25), tal reconhecimento significou uma inflexão nas relações BR - EUA. Era a primeira vez que nossa política para a região se chocava à estadunidense, e logo o faria também no Oriente Médio, com o apoio à Palestina e a condena ao sionismo. Além disso, o avanço na questão nuclear levou ao acordo de cooperação com a Alemanha e a denúncia de acordos militares entre o Brasil e os EUA faziam com que não somente nos afastássemos: estávamos colidindo com os interesses estadunidenses. Apesar de o pragmatismo apontar a América Latina, assim como a África, como áreas prioritárias, Visentini (1998) aponta que, na prática, isso não ocorria. A política americana seguia, aparentemente, em um plano inferior e via relações bilaterais. O Tratado de Cooperação Multilateral na Amazônia (1978) é um marco do período, apontando para o que se dará no período posterior: a prioridade deixará de ser retórica. O universalismo, diplomacia do governo Figueiredo, será um aprofundamento do que vinha ocorrendo. Enfrentará uma piora da crise política e econômica — sobretudo após o II Choque do Petróleo e do elevação, por parte dos EUA, das taxas de juros12 — que aumentará as divergências brasileiras com os países desenvolvidos e, consequentemente, reforçará a expansão à África, ao Oriente Médio, à China e à América Latina. Assim, em discurso ao ser recebido por Reagan em 1982, Figueiredo apontará que: O progresso do Brasil depende da diversificação e ampliação de nossa presença internacional. [...] Do ponto-de-vista [sic] diplomático, adotamos uma posição universalista. Nossa política externa é diversificada. O Brasil é tanto um país ocidental quanto um país do Terceiro Mundo. É um país latino-americano com uma forte herança africana, entre outras. A política exterior do Brasil tenta refletir essa riqueza [...] (FIGUEIREDO. Discurso..., 12 de maio de 1982, grifo nosso). 12 Moniz Bandeira (1989) aponta que se as taxas de juros no início da década de 70 eram em torno de 3% a.a., no início dos anos 80 elas chegavam a 23% a.a.. Nas relações com os EUA surgem novas áreas de atrito, e as tradicionais — direitos humanos, comércio e questões ligadas à transferência de tecnologia, especialmente no que tange a questão nuclear e informática — intensificam-se. Para além da negativa à participação em um sistema de defesa coletivo do Atlântico Sul com a África do Sul com a manutenção do apoio à África negra, inclusive por interesses securitários próprios (BANDEIRA, 1989), destaca-se o posicionamento brasileiro frente a crise centro-americana. O país não apoia o intervencionismo no que seria mais um conflito Norte–Sul, conforme apontava Figueiredo em sua Mensagem ao Congresso em 1984, ao definir a região como “atormentada por situações de conflito, que tem como pano de fundo a crise estrutural do subdesenvolvimento e sua sequela de desequilíbrios e privações. (FIGUEIREDO. Mensagem..., 1984). A participação do Brasil no Grupo de Contadora exemplifica, também, outra modificação: as relações interamericanas deixavam de ser essencialmente bilaterais — o país passa a se posicionar como e com as outras nações latinas. Tais mudanças facilitam o avanço das negociações sobre Itaipu e, em 1979, assina-se o Acordo Tripartite. As consequências deste se somam àquelas da Guerra das Malvinas: ambos levam ao aumento da cooperação, e se a Guerra explicita a falência do Tratado de Defesa Interamericano, o Acordo modifica a percepção das Forças Armadas brasileiras, que passam a “considerar os EUA como o principal obstáculo à independência econômica e tecnológica do Brasil e à sua ascensão ao status de grande potência” (BANDEIRA, 1989, p. 256). Assim, apesar de, conforme aponta Visentini, a necessidade de negociar a dívida contribuir para o enfraquecimento de algumas das linhas da PEB, os acontecimentos do período pareciam confirmar a visão do governo Figueiredo: o desalinhamento entre Brasil e EUA apontava ser uma tendência histórica brasileira (VISENTINI, 1998, p. 279). Da análise realizada no presente artigo, percebe-se uma oscilação característica na PEB do período observado, ora se alinhando aos interesses das potências centrais (principalmente dos EUA), ora buscando maior autonomia em termos de inserção externa, busca esta catalisada pela tentativa de exercer maior influência na região em que o país se insere conforme seus interesses nacionais, ao invés de influenciar seus vizinhos para consolidar os interesses estadunidenses. Apesar de não se verificar a relação de causalidade entre a PEB e a identidade nacional, mas sim, de mutualidade, na medida em que ambas se influenciam reciprocamente, confirma-se que a dualidade constatada na PEB possui um papel importante na formação da identidade do país, que seposiciona como potência intermediária (ou média). Aqui cabe perfeitamente citar o trabalho de Maria R. Soares de Lima (1990), que sugere a maneira errática como dependência e autonomia são tratadas como dois fatores excludentes, visto que ambos são inerentes às relações internacionais dos países semiperiféricos. Os países incluídos nessa classificação estão fortemente integrados na divisão internacional do trabalho, a níveis acima de outros países do Terceiro Mundo; no entanto, ainda sofrem constrangimentos externos oriundos desta mesma divisão internacional. Lidando com ambos os contextos, portanto, esses países possuem uma ampla multiplicidade de objetivos e interações, explicando a caracterização à primeira vista contraditória de suas políticas externas e, especificamente, a dualidade analisada das relações internacionais do Brasil. Segundo a autora: Em oposição às perspectivas que excluem a variabilidade de padrões de comportamento e aquelas que a consideravam uma conduta incoerente,de caráter transitório, o enfoque desenvolvido parte da premissa de que a multiplicidade de estratégias internacionais é inerente às relações internacionais da semiperiferia em virtude das pressões cruzadas oriundas da diversidade de objetivos e interesses em jogo do sistema internacional e do desequilíbrio de seus recursos de poder (LIMA, 1990, p. 11). Em consonância com estas contradições estruturais citadas pela autora, portanto, o presente trabalho analisou um período histórico selecionado representativo desse paralelismo entre dependência e busca por autonomia enraizado na inserção externa brasileira. Tendo-se como marco inicial a ampla dependência do Brasil em relação às potências centrais no período marcado pela 2ª Guerra Mundial, quando o país alternou a dependência entre Alemanha e EUA, verifica-se o papel do nacionalismo e a decorrente busca por autonomia a partir do segundo governo Vargas, tendo continuidade nos governos posteriores, a exemplo da PEI, e adquirindo força ao final do regime ditatorial. Finalmente, cabe lembrar que tanto a dependência quanto a autonomia estão permanente e simultaneamente presentes na PEB; o que se deve ter em mente, entretanto, é que ora se sobressai o alinhamento, ora a busca por autonomia ganha destaque, e que, historicamente, a busca por autonomia brasileira teve como principal eixo a política regional, onde o país tem maiores capacidades de exercer influência e de se contrapor aos interesses das grandes potências, notadamente dos EUA. Desse modo, partindo-se do pressuposto de que a política externa brasileira permanece até hoje pendular, a presente análise concebe a identidade nacional como um fator que acompanha esse movimento entre as duas tendências, daí se percebendo a relação de mútua influência entre ambas. ANDERSON, Benedict. Imagined Communities: reflections on the origin and spread of nationalism. Fairfield: Verso, 2006. ASHIZAWA, Kuniko. Japan, the US, and regional institution-building in the new Asia: when identity matters. 1ª ed. New York: Palgrave Macmillan, 2013. (Series Asia Today). BANDEIRA, Moniz. Brasil – EUA: a rivalidade emergente (1950–1988). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira S.A., 1989. BURNS, E. Bradford. As relações internacionais do Brasil durante a Primeira República. In: FAUSTO, B. (dir.). História geral da civilização brasileira: o Brasil Republicano – sociedade e instituições (1889-1930). 2ª ed. São Paulo: DIFEL, 1978. v. 9. p. 375-400. CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. 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O meio adotado por Vargas e seus liderados para assumir o governo, por não se enquadrar nos marcos institucionais vigentes à época, foi tido como revolucionário. De fato, a insatisfação produzida em grupos oposicionistas a partir da derrota nas fraudadas eleições presidenciais de 1930 provocou a conjunção de setores civis e militares que, então, derrubaram a força o então presidente Washington Luís. Existe extenso debate na historiografia brasileira acerca da correlação de forças e das disputas políticas internas à coligação que promoveu o que ficou conhecido como Revolução de 1930. Nossa pretensão não é, entretanto, contribuir nesse sentido, mas tão somente analisar os determinantes político- econômicos internos da destacada e inovadora política externa implementada durante os primeiros quinze anos de Vargas na presidência do Brasil. A hipótese central deste trabalho dá conta de que a atuação brasileira no Sistema Internacional a partir de seus agentes político-diplomáticos, no período estudado, respondeu diretamente à intenção de dar um primeiro impulso à execução daquilo que chamamos de Revolução Nacional e, em especial, ao desenvolvimento industrial do país. Evidentemente, nosso primeiro esforço diz respeito ao significado daquele conceito, central para a compreensão do restante. A seguir, tratamos de delinear uma síntese dos objetivos e meios utilizados por Vargas no sentido do incremento da industrialização nacional, antes de analisarmos ações concretas da política externa brasileira que, em última instância, foram determinadas pelas razões internas supracitadas. Por fim, realizamos reflexões gerais a título de conclusão. A concepção de Revolução Nacional é trabalhada de forma diversa por diferentes autores nos campos da Sociologia, da Ciência Política e da Economia. Importantes intelectuais brasileiros, do calibre de Luiz Carlos Bresser-Pereira, Caio Prado Júnior e Florestan Fernandes utilizam, senão o conceito puro, aproximações que, na prática, referem-se a processos que guardam semelhanças entre si. Os estudos de Celso Furtado, por seu turno, permitem importantes instrumentalizações conceituais capazes de fornecer o que há de mais elementar para a devida compreensão do que se entende por Revolução Nacional neste trabalho. Luiz Carlos Bresser-Pereira faz uso do termo “revolução capitalista” em seus escritos de teoria social. Para o autor: a revolução capitalista é a mudança econômica, social, política e cultural que começa com o surgimento de uma classe burguesa e da revolução comercial e se completa pela formação de cada Estado- nação moderno e sua respectiva revolução industrial (BRESSER- PEREIRA, 2011, p. 232). Caio Prado Júnior, por sua vez, parte da concepção marxista de que a “revolução democrático-burguesa representa a transição da sociedade feudal para a ordem burguesa” (PRADO JR., 2007, p. 133) para negar a existência de um Brasil feudal e, por consequência, a própria necessidade de processo revolucionário nesses moldes. Para Florestan Fernandes (2005), a Revolução Nacional diz respeito à constituição de um espaço nacional e à reprodução do capital neste espaço. Muito mais adequadas nos parecem, no entanto, as contribuições da Sociologia Política latino-americana que se referem ao percurso histórico de formação do Estado Nacional na região. Resumidamente, distinguem-se três fases desse processo: o estágio inicial corresponde ao (i) Período Caudilhista, quando grupos paramilitares organizados verticalmente e centrados nas figuras de líderes carismáticos são recrutados por estes, especialmente no meio rural, para disputar o poder com outros bandos armados (OLIVIERI, 1998); a seguir, vem à tona o (ii) Estado Oligárquico, cuja gramática essencial é o patrimonialismo, aqui definido pelo controle da mão de obra e do território por proprietários privados — grandes comerciantes e latifundiários — que fazem do monopólio do poder político um meio de enriquecimento da classe social à qual pertencem. Configura-se, então, enorme confusão entre público e privado, o que se traduz em sobreposição do patrimônio aos objetivos de segurança ou de desenvolvimento econômico. A tensão entre tais valores somente é resolvida com o advento da imagem final, o (iii) Estado Nacional, caracterizado, em geral, por viés urbano e industrial. Sumariamente, há relativa autonomia estatal frente às antigas oligarquias, de forma que o Estado, agora centralizado politicamente, torna-se suficientemente capacitado para dirigir a economia e organizar a sociedade doméstica. A primeira etapa da Revolução Nacional diz respeito à passagem do Estado Oligárquico ao Estado Nacional. Trata-se, portanto, do momento em que ocorrem a centralização político-administrativa e a concentração dos recursos econômicos nacionais pela União. Nesse sentido, a contribuição do conceito de centro de decisão econômica, originalmente formulado por Celso Furtado, é fundamental. Nas palavras do autor: é peculiar de uma economia colonial que as decisões básicas de sua vida econômica sejam tomadas sem consulta direta aos interesses mais gerais da comunidade. São decisões condicionadas pela estratégia dos centros controladores do comércio e das finanças internacionais (FURTADO, 1962: p. 110). Assim, no caso de uma “economia colonial”, para utilizar a terminologia de Furtado, o centro de decisão econômica é exógeno, determinado por forças que fogem ao controle estatal; ou seja, as direções da atividade econômica não são dadas pela Federação. A ampliação do grau de autonomia do Estado passa pela entronização do centro de decisão, de forma que se possibilite o domínio estatal sobre os meios de pagamento e, consequentemente, a formulação e a implementação de uma política de desenvolvimento nacional. É importante ressaltar que a Revolução Nacional não se constitui enquanto momento único e acabado. É, pelo contrário, processo ininterrupto. De acordo com Bresser-Pereira, que, como mencionado acima, adota conceito diverso para referir-se a processo similar: a revolução capitalista se ‘completa’ em cada Estado-nação quando este realiza sua revolução industrial, de forma a se configurar o processo histórico do desenvolvimento econômico (BRESSER- PEREIRA, 2010, p. 3). Quanto a esse aspecto, em específico, concordamos com o autor: a Revolução Nacional renova-se na medida em que busca responder aos problemas colocados pelo desafio da industrialização. Assim, uma vez superada a primeira etapa, já referida, de centralização política e concentração dos recursos econômicos acompanhada de endogeneização do centro de decisão, cabe à elite dirigente a função de posicionar o Estado em condições satisfatórias com relação à corrida industrial. Hoje, vivemos sob o paradigma da Terceira Revolução Industrial; à época de Vargas, a grande missão dizia respeito ao enquadramento do Brasil nos moldes da Segunda Revolução Industrial. A Revolução de 1930 representou golpe decisivo no Estado Oligárquico brasileiro. A Primeira República havia sido dominada, no que se refere à administração estatal e à participação política, por práticas coronelistas e pelo domínio das oligarquias rurais. As unidades da Federação obtiveram significativo grau deautonomia e, através dos grupos políticos dominantes em seus territórios, disputaram o controle sobre o Executivo nacional umas com as outras. Com a chegada de Getúlio Vargas ao poder: caíram as barreiras aduaneiras entre estados e tomaram-se muitas outras medidas visando a unificar o mercado nacional e a institucionalizar distintos grupos econômicos, que assim poderiam ser utilizados como pontos de apoio do poder central (FURTADO, 1972, p. 22). Foram criadas, assim, as condições políticas para que se verificasse a segunda característica correspondente à primeira etapa da Revolução Nacional: a concentração dos meios de pagamento e do centro de decisão econômica pelo Estado. “A influência dos grupos internacionais, particularmente na administração financeira do país, foi consideravelmente reduzida” (FURTADO, 1972, p. 22) O país passou pelo primeiro grande impulso na construção do capitalismo nacional, bem como pela constituição e consolidação de sua burguesia. Entretanto, foi um processo altamente complexo, o qual envolveu todos os setores da sociedade (economia, política, sindicatos, tecnologia, campo e educação). O principal resultado econômico da ascensão de Vargas ao poder e do impulso inicial da Revolução Nacional brasileira foi, sem dúvida, a industrialização. Passou-se, a partir desse momento, de uma economia agrário exportadora não capitalista para uma economia industrial e capitalista. O poder político, antes nas mãos dos empresários do café, foi, ao menos parcialmente, transferido para a nascente burguesia industrial. Esse processo foi tutelado pelo Estado, na figura de Vargas, mesmo este sendo um representante oligárquico. Não se negam aspectos conservadores da Revolução de 1930, mas o resultado foi, na prática, uma ruptura significativa e, portanto, revolucionária, da hegemonia política. A burguesia industrial foi antes resultado do processo do que impulsionador do mesmo. Nesse sentido, a ascensão de um Estado interventor e centralizador é central para a análise. Só assim o pacto social necessário para que o processo pudesse acontecer gradativamente se tornou possível: enquanto agregava ao poder a burguesia industrial, não ignorava os interesses agroexportadores e, ao mesmo tempo, compensava a transição capitalista criando sindicatos e direitos trabalhistas. Assim, gerou-se o ambiente propício para o desenvolvimento do capitalismo no Brasil, com traços específicos e centralizado no Estado, diferentemente do modelo “clássico” de construção do sistema capitalista (OLIVEIRA, 1981, p. 63–65). Abandonou-se boa parte das ideias ortodoxas dominantes nos governos anteriores e foram adotadas algumas práticas heterodoxas. Isso foi, naturalmente, uma resposta à Crise de 1929, essencialmente através da expansão do crédito (ao invés da política clássica de austeridade). Injetando dinheiro na economia, a queda nos investimentos foi contrabalanceada, e a demanda se manteve elevada, amenizando a crise no setor cafeeiro (FONSECA, 1999; FURTADO, 2006). Além disso, Furtado (2006, p. 270) demonstra que, a partir da desvalorização cambial e aproveitando o contexto de retração do mercado mundial, foram instituídas políticas de substituição de importações, as quais proporcionaram um aumento da demanda pelos produtos industrializados nacionais, alavancando a própria produção industrial. A partir disso, ocorreu um deslocamento do “centro dinâmico” para a indústria voltada para o mercado interno, alterando a própria estrutura do sistema econômico brasileiro, antes latifundiário e agroexportador (FONSECA, 1999, p. 174; FURTADO, 2006, p. 274). Segundo Fonseca: as atividades exportadoras [...] continuaram a desempenhar relevante papel no sistema econômico, mas foram deixando de ser a variável essencial da manutenção da renda interna para cumprir o papel de gerador de divisas, estas essenciais para garantir as importações necessárias para o próprio crescimento industrial (FONSECA, 1999, p. 184). Elementar, nesse ínterim, é a análise do contexto internacional e da política externa brasileira, a qual estava fortemente vinculada ao projeto de desenvolvimento do Brasil. Esse ponto será tratado mais detalhadamente a seguir, mas cabe lembrar que o período foi marcado pela transferência da hegemonia capitalista mundial da Inglaterra, a qual tradicionalmente importava boa parte de suas matérias-primas e seus bens de consumo de origem agrícola, para os Estados Unidos, o qual possuía um setor primário mais fortalecido e diversificado. Ainda, tanto a Europa quanto os EUA estavam transitando para uma indústria com alto valor agregado (e alta tecnologia envolvida), abrindo espaço para os países recém-industrializados venderem os bens de consumo de massa: foi o que Fonseca (1999, p. 186) chamou de situação histórica favorável à industrialização. Com o Estado Novo, inaugurado em 1937, o projeto de desenvolvimento de Vargas, em linhas gerais, se manteve. Entretanto, a conjuntura internacional determinada pela II Guerra Mundial (1939-1945) gerou novos desafios e oportunidades. Nessa época, foi desenvolvida a Companhia Siderúrgica Nacional, o grande marco da industrialização do Brasil, o que será tratado na sequência. Ao cabo do primeiro período Vargas na presidência do país, estavam ditadas as bases d capitalismo brasileiro: industrialização, diversificação agrícola e leis trabalhistas. Com base no conceito de Revolução Nacional aqui adotado e na análise do processo de desenvolvimento calcado na industrialização promovido durante o primeiro período varguista, pretende-se demonstrar iniciativas da política externa brasileira que nos permitem afirmar que esta esteve coerente com os princípios e objetivos político-econômicos do governo. Em suma, busca-se caracterizar iniciativas diplomáticas brasileiras que manifestaram, ainda que implicitamente, o desejo de dar impulso à Revolução Nacional. Nesse sentido destacam-se o projeto siderúrgico e o reaparelhamento militar. Para entender a conjuntura em que o Brasil se encontrava na época, além dos elementos já ressaltados, deve-se considerar o que Gerson Moura (1980) chamou de equidistância pragmática. Essa prática baseava-se em um jogo duplo por parte do Brasil, em uma tentativa de tirar proveito do relacionamento com os dois blocos de poder da época, notadamente os Estados Unidos da América e a Alemanha, usando o seu poder de barganha para obter vantagens comerciais. Durante esse período, foi estabelecido o comércio compensado com a Alemanha e o livre comércio com os EUA. É importante destacar que, a esta data, os norte-americanos pregavam o pan-americanismo, que era basicamente uma política para coordenar a defesa hemisférica, da qual o Brasil era parte essencial (MOURA, 1980), especialmente devido a sua posição estratégica de projeção no Atlântico Sul e, consequentemente, no norte da África. Por isso, a crescente influência alemã na América do Sul era vista com grande preocupação. Usando, então, dessa disputa de poder entre as duas potências, Vargas tentou adquirir vantagens para o país, dentro da estratégia de desenvolvimento e de industrialização nacional. Neste aspecto, o comércio compensado com a Alemanha era visto com bons olhos, uma vez que poderia servir para a obtenção de materiais bélicos, além de haver empresas alemãs capazes de montar uma indústria siderúrgica em solo brasileiro. Por isso, Brasília manteve a neutralidade frente à guerra quando do início do conflito em 1939, ainda que o comércio com a Alemanha estivesse diminuindo (MOURA, 1980). Esse quadro só viria a sofrer alterações após o ataque a Pearl Harbor e a entrada dos EUA na guerra. Com esse novo cenário, de envolvimento direto do centro hegemônico e maior ator continental no conflito, o Brasil viu-se compelido a declarar guerra ao Eixo, mas não sem antes utilizar
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