Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
FACULDADE DOM ALBERTO INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS SANTA CRUZ DO SUL - RS 1 1 INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS 1.1 Conceito, Função e Natureza da Literatura Em sentido estrito, literatura é uma manifestação artística assim como a pintura, a arquitetura, a escultura, a música, o teatro, etc. E já que a arte pode se revelar de múltiplas maneiras, podemos concluir que há entre essas expressões artísticas pontos em comum e pontos específicos e particulares. Fonte: cultura.culturamix.com Dentre os pontos em comum, o principal é a própria essência da arte, ou seja, a possibilidade de o artista recriar a realidade, transformando-se, assim, em criador de mundos, de sonhos, de ilusões, de verdades. O artista tem, dessa forma, um poder mágico em suas mãos: o de moldar a realidade segundo suas convicções, seus ideais, sua vivência. Dentre os pontos específicos de cada arte, os principais são a própria maneira de se expressar e a matéria–prima que vão caracterizar cada uma dessas manifestações artísticas. Quer dizer, cada tipo de arte faz uso de certos materiais. A pintura, por exemplo, trabalha com tinta, cores e formas; a música utiliza os sons e o AULAS 01 A 10 2 ritmo; a dança, os movimentos; a arquitetura e a escultura fazem uso de formas e volumes. E a literatura, que material utiliza? De uma forma simplificada, pode-se dizer que literatura é a arte da palavra. Neste sentido, todo texto literário é resultado da manipulação das palavras por parte do autor, com objetivo de obter determinados efeitos e, ainda, expressar uma concepção pessoal da realidade. A obra literária pode expressar uma realidade interior (psicológica, subjetiva) ou uma realidade exterior ao artista (física, natural). No texto literário, a forma é tão importante quanto o conteúdo. É na literatura que a função poética da linguagem manifesta-se mais claramente. O autor joga com palavras, ritmos, sons, imagens, recriando a realidade, assim como o leitor recria o texto que lê. A Literatura é um ato de comunicação. Fonte: images.articlesbase.com Em linhas gerais Souza diz: “a origem da literatura é o ensinamento dos deuses; sua natureza consiste em ser uma narrativa dotada de especial poder de encantamento sua função é reconstituir as ações dos heróis.” de tal forma que seja possível dividir estes dois conceitos finais de natureza e função em seus desdobramentos. Assim a natureza da literatura pode ser normativa ou descritiva e as funções podem ser de estética, lúdica, cognitiva, catártica e pragmática. 3 A natureza normativa diz como ela é e como ela deve ser julgada. Para tanto são necessários conceitos e orientações sobre a produção dos poetas e prosadores e em consonância com estes pressupostos, uma obra deve ser estudada em comum acordo com propriedades ou traços específicos. Por seu lado a natureza descritiva diz o que a literatura é e como ela deva ser julgada, numa atitude que favoreça uma espécie de especulação aberta. A partir desta divisão podem ser dois os pontos sobre a natureza da literatura: literatura como ficção; literatura como construção intertextual e reflexiva. A literatura tem como natureza ser ficção, num evento linguístico que de forma ordenada, utilizando os traços de orientação em relação à personagens e narrador, a fim de promover dois pontos de articulação um que se refere ao contexto da narrativa e outro das múltiplas interpretações possíveis. A literatura tem a natureza de ser uma construção intertextual e auto reflexiva. A intertextualidade é, a presença de uma obra dentro da outra e que pode ocorrer de várias formas com a inserção de uma obra dentro da outra ou a alusão a um outro texto. A exemplo disso no poema de Manuel Bandeira, ele faz referência aos palhaços de Shakespeare. Neste mesmo poema num trecho, o poeta faz uma autorreflexão sobre a literatura e o uso da linguagem como forma de criar a literariedade. Essa reflexão sobre a arte de escrever, faz com que a literatura volte-se sobre si mesma para se auto avaliar. Das funções da literatura: A estética é aquela, que cumpre o papel de fazer o ato de escrever literário diferente dos outros. Considera-se um texto como literário se ele cumprir a função de representar de forma artística o real. Na arte em geral a estética de um quadro ou de uma pintura depende da forma com que o artista combina as cores e as formas. Função lúdica da literatura ocorre por meio de um jogo, no qual o artista executa a literatura por prazer, que pode ser como forma de trabalho ou até mesmo como um 5 passatempo, e o leitor sente o prazer de ler um texto. Essa via de mão dupla necessita de dois componentes: o emissor e o receptor para se realizar e eles não convivem simultaneamente. Contudo entre os dois ocorre um pacto. 4 Função cognitiva evidencia que a alta literatura produz um certo grau de conhecimento, que é passado ao leitor, este por sua vez o incorpora no seu fazer diário, de tal forma que com o passar do tempo, sendo essas histórias matéria ficcional, elas não deixam de ser um conhecimento a ser repassado. A função catártica ou catarse, é aquela que faz com que o leitor purifique os seus sentimentos ao se defrontar com uma obra literária. Isso ocorre por vários fatores e depende muito da vivência de leitura do leitor e da capacidade do escritor de aguçar a imaginação do leitor. Nas peças teatrais e no cinema, essa função atinge seu grau máximo pelo uso das faculdades de visão e audição, contudo nos textos literários é necessário que o escritor faça o leitor percorrer um caminho tortuoso até o conflito para tingir o máximo do grau catártico de uma obra. Alguns contos fazem isso como é o caso de Pai contra mãe de Machado de Assis, no qual para salvar o seu filho da fome, um caçador de recompensas entrega uma negra grávida e fugitiva. Ele a joga com tanta violência aos pés do dono, que ela ali na frente deles aborta a criança. A função pragmática refere-se a uma outra característica da literatura que se centra na questão da capacidade da arte literária em pregar uma ideologia. Pregar uma ideologia em Literatura Brasileira tem ocorrido com mais frequência do que os leitores e críticos possam imaginar. 2 LINGUAGEM LITERÁRIA Se a literatura é a arte da palavra e esta é a unidade básica da língua, podemos dizer que a literatura, assim como a língua que utiliza, é um instrumento de comunicação e, por isso, cumpre o papel social de transmitir os conhecimentos e a cultura de uma comunidade. Mas como a palavra e a língua fazem parte da comunicação diária, que não tem finalidade artística, qual a diferença entre a palavra empregada na comunicação comum e a utilizada num texto literário? A literatura tem, pois, uma linguagem específica. Uma linguagem que lhe é própria e que não pode ser mudada sem perder seu encanto. Ela se diferencia das 5 várias linguagens humanas por um complicado número de fatores, entre os quais o mais importante é a vontade de beleza formal que quase todos os escritores possuem. Fonte: portaldoprofessor.mec.gov.br Esse desejo de perfeição formal (os aspectos específicos que a obra apresenta), esse sonho de transformar palavras banais em palavras sublimes, esse valor (o trabalho artístico das palavras) que é a tentativa de expressão mais eficaz e sedutora por parte de um poeta ou de um romancista sedimentam o ponto nuclear da literatura. Sem tal esforço, sua existência se torna problemática. Observe os textos abaixo: “A clorofila é o principal pigmento das plantas, com capacidade de reter a energia da luz. Essa energia luminosa é transformada em energia química, com a qual se tornam viáveis as reações que levam ao consumo, pela planta de CO2 e água, e à produção de glicose(matéria orgânica) e à liberação de O2 para a atmosfera. Distin- guimos, pois, na fotossíntese, dois fenômenos importantes para os seres vivos: a constante purificação do ar atmosférico, dele retirando dióxido de carbono (CO2) e a ele devolvendo oxigênio livre (O2) para a respiração dos seres vivos; a produção da matéria-prima orgânica pra a nutrição dos seres.” (José Luís Soares) 6 LUZ DO SOL (Caetano Veloso) Luz do sol Que a folha traga e traduz Em ver de novo Em folha, em graça Em vida, em força, em luz... Céu azul Que venha até onde os pés tocam a terra E a terra inspira e exala seus azuis... Reza, reza o rio Córrego pro rio Rio pro mar Reza correnteza Roça a beira A doura areia... Marcha um homem sobre o chão Leva no coração uma ferida acesa Dono do sim e do não Diante da visão da infinita beleza... Finda por ferir com a mão essa delicadeza A coisa mais querida A glória, da vida... Veja que, apesar da semelhança do conteúdo, os textos têm finalidades distintas e, portanto, fazem uso de linguagens específicas. Enquanto o primeiro faz uso da Linguagem Referencial, isto é, direta, clara, objetiva e imparcial visando esclarecer o processo de fotossíntese e sua importância para o ser humano, o segundo, utiliza a Linguagem Literária. Nesse caso, importa gerar efeito estético. Para isso, o autor faz uso de significados não literais (sentido conotativo das palavras), explora os sons e os ritmos gerando um texto plurissignificativo e impregnado de sentimentos e emoções. 7 2.1 Denotação X Conotação Na linguagem humana uma mesma palavra pode ter seu significado ampliado, remetendo-nos a novos conceitos por meio de associações, dependendo de sua colocação numa determinada frase. Observe os exemplos: Ele está com a cara manchada. “Deus me fez um cara fraco, desdentado de feio.” (Chico Buarque) João quebrou a cara. Fonte: revistaescola.abril.com.br No primeiro exemplo, a palavra cara significa “rosto”, a parte anterior da cabeça, conforme consta nos dicionários. Já no segundo, a mesma palavra teve seu significado ampliado e, por uma série de associações, entendemos que significa “indivíduo”, “sujeito”, “pessoa”. Quanto ao terceiro exemplo, às vezes, uma mesma frase pode apresentar duas (ou mais) possibilidades de interpretação. No sentido literal, frio, impessoal, a frase significa que João, por um acidente qualquer, fraturou o rosto. Entretanto, podemos entendê-la num sentido figurado, como “João se saiu mal”, isto é, foi mal sucedido em algo que tentou fazer. 8 Pelos exemplos acima, podemos perceber que uma mesma palavra pode apresentar variações em seu significado, ocorrendo, basicamente, duas possibilidades: • Denotação: sentido original, impessoal, independente do contexto, tal como aparece no dicionário. • Conotação: sentido alterado, figurado, passível de interpretações diferentes, dependendo do contexto em que é empregada. A linguagem literária explora o sentido conotativo das palavras, num contínuo trabalho de criar ou alterar o significado, já cristalizado, dessas mesmas palavras. Dessa forma, ao interpretar o sentido conotativo das palavras, o leitor transforma-se em leitor-ativo, em tradutor, em coautor do texto. Para tanto, é preciso estar atento ao contexto, que nos fornecerá indicações concretas para decifrar o jogo denotação/conotação. Fonte: 3.bp.blogspot.com
Compartilhar