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Educação Inclusiva Débora Regina de Paula Nunes Pedagogia Educação Inclusiva Natal – RN, 2013 Pedagogia Débora Regina de Paula Nunes Educação Inclusiva Colaboradoras Patrícia Braun Vera Lúcia Vieira de Souza Nunes, Débora Regina de Paula. Educação inclusiva / Débora Regina de Paula Nunes. – Natal: EDUFRN, 2013. Natal: EDUFRN, 2013. 232 p.: il. ISBN 978-85-425-0056-1 Colaboradoras: Patrícia Braun e Vera Lúcia Vieira de Souza. Disciplina oferecida pelo curso de Pedagogia a Distância da UFRN. 1. Educação inclusiva. 2. Defi ciência. 3. Superdotação. 4. Autismo. I.Título. CDU 376-054.57 N972e Catalogação da publicação na fonte. Bibliotecária Verônica Pinheiro da Silva. Governo Federal Presidenta da República Dilma Vana Rousseff Vice-Presidente da República Michel Miguel Elias Temer Lulia Ministro da Educação Aloizio Mercadante Oliva Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Reitora Ângela Maria Paiva Cruz Vice-Reitora Maria de Fátima Freire Melo Ximenes COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICOS Marcos Aurélio Felipe GESTÃO DE PRODUÇÃO DE MATERIAIS Luciana Melo de Lacerda Rosilene Alves de Paiva PROJETO GRÁFICO Ivana Lima REVISÃO DE MATERIAIS Camila Maria Gomes Cristinara Ferreira dos Santos Emanuelle Pereira de Lima Diniz Eugenio Tavares Borges Janio Gustavo Barbosa Jeremias Alves de Araújo Kaline Sampaio de Araújo Luciane Almeida Mascarenhas de Andrade Orlando Brandão Meza Ucella Priscila Xavier de Macedo Rhena Raize Peixoto de Lima Thalyta Mabel Nobre Barbosa Verônica Pinheiro da Silva FICHA TÉCNICA EDITORAÇÃO DE MATERIAIS Ana Paula Resende Alessandro de Oliveira Paula Anderson Gomes do Nascimento Carolina Aires Mayer Carolina Costa de Oliveira Davi Jose di Giacomo Koshiyama Dickson de Oliveira Tavares Elionai Augusto Silva de Melo Elizabeth da Silva Ferreira José Antonio Bezerra Junior Rafael Marques Garcia Roberto Luiz Batista de Lima Rommel Figueiredo Revisão de estrutura e linguagem Camila Maria Gomes Luciane Almeida Mascarenhas de Andrade Revisão de língua portuguesa Orlando Brandão Meza Ucella Priscila Xavier de Macedo Rhena Raize Peixoto de Lima Revisão de normas da ABNT Verônica Pinheiro da Silva Diagramação Elizabeth da Silva Ferreira Criação e edição de imagens Alessandro de Oliveira Paula Carolina Costa de Oliveira Revisão tipográfi ca Priscila Xavier de Macedo Pré-impressão Carolina Aires Mayer José Antonio Bezerra Junior IMAGENS UTILIZADAS Acervo da UFRN www.depositphotos.com www.morguefi le.com www.sxc.hu Encyclopædia Britannica, Inc. © Copyright 2005. Todos os direitos reservados a Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – EDUFRN. Nenhuma parte deste material pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização expressa do Ministério da Educação – MEC Secretaria de Educação a Distância (SEDIS) Centro de Educação (CE) Secretária de Educação a Distância Maria Carmem Freire Diógenes Rêgo Secretária Adjunta de Educação a Distância Ione Rodrigues Diniz Morais Diretora Márcia Maria Gurgel Ribeiro Vice-Diretor Marcos Antônio de Carvalho Lopes Sumário Apresentação Institucional 5 Aula 1 Estigma 7 Aula 2 Educação Especial: um pouco de história 27 Aula 3 Educação especial no Brasil: um panorama histórico 45 Aula 4 Educação inclusiva 61 Aula 5 Defi ciência física 81 Aula 6 Defi ciência visual 109 Aula 7 Defi ciência auditiva 133 Aula 8 Defi ciência Intelectual 153 Aula 9 Altas Habilidades/Superdotação 179 Aula 10 Transtornos do Espectro Autista 205 Apresentação Institucional A Secretaria de Educação a Distância – SEDIS da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, desde 2005, vem atuando como fomentadora, no âmbito local, das Políticas Nacionais de Educação a Distância em parceira com a Secretaria de Educação a Distância – SEED, o Ministério da Educação – MEC e a Universidade Aberta do Brasil – UAB/CAPES. Duas linhas de atuação têm caracterizado o esforço em EaD desta instituição: a primeira está voltada para a Formação Continuada de Professores do Ensino Básico, sendo implementados cursos de licenciatura e pós-graduação lato e stricto sensu; a segunda volta- -se para a Formação de Gestores Públicos, através da oferta de bacharelados e especializações em Administração Pública e Administração Pública Municipal. Para dar suporte à oferta dos cursos de EaD, a Sedis tem disponibilizado um conjunto de meios didáticos e pedagógicos, dentre os quais se destacam os materiais impressos que são elaborados por disciplinas, utilizando linguagem e projeto gráfi co para atender às necessidades de um aluno que aprende a distân- cia. O conteúdo é elaborado por profi ssionais qualifi cados e que têm experiên- cia relevante na área, com o apoio de uma equipe multidisciplinar. O material impresso é a referência primária para o aluno, sendo indicadas outras mídias, como videoaulas, livros, textos, fi lmes, videoconferências, materiais digitais e interativos e webconferências, que possibilitam ampliar os conteúdos e a inte- ração entre os sujeitos do processo de aprendizagem. Assim, a UFRN através da SEDIS se integra o grupo de instituições que assumiram o desafi o de contribuir com a formação desse “capital” humano e incorporou a EaD como modalidade capaz de superar as barreiras espaciais e políticas que tornaram cada vez mais seleto o acesso à graduação e à pós- graduação no Brasil. No Rio Grande do Norte, a UFRN está presente em polos presenciais de apoio localizados nas mais diferentes regiões, ofertando cursos de graduação, aperfeiçoamento, especialização e mestrado, interiorizando e tornando o Ensino Superior uma realidade que contribui para diminuir as diferenças regionais e o conhecimento uma possibilidade concreta para o desenvolvimento local. Nesse sentido, este material que você recebe é resultado de um investimento intelectual e econômico assumido por diversas instituições que se comprometeram com a Educação e com a reversão da seletividade do espaço quanto ao acesso e ao consumo do saber E REFLETE O COMPROMISSO DA SEDIS/UFRN COM A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA como modalidade estratégica para a melhoria dos indicadores educacionais no RN e no Brasil. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA SEDIS/UFRN 5 Estigma 1 Aula 1 2 3 4 5 Aula 1 Educação Inclusiva 9 Apresentação O lá, aluno!Neste nosso primeiro encontro, você aprenderá como as normas e os valores sociais infl uenciam a maneira como percebemos as pessoas ao nosso redor. Descobrirá como os estereótipos são criados e mantidos e como, a partir deles, é construído o estigma. Em seguida, você fará uma análise minuciosa do conceito de estigma ressaltando as suas dimensões e os mecanis- mos de sua perpetuação. Por fi m, afunilaremos nossa discussão, descrevendo o processo de estigmatização da pessoa com defi ciência. Objetivos Defi nir estigma. Explicar como o estigma é formado. Identifi car as dimensões do estigma. Defi nir defi ciência. Descrever os aspectos estigmatizantes da defi ciência. 1Atividade Pessoa A Pessoa B Aula 1 Educação Inclusiva 11 Você sabe quem são as pessoas apresentadas a seguir? a) Observe as duas fotografi as. Agora, responda as seguintes questões: Pessoa A Pessoa B Quem é? Qual a sua ocupação? Características gerais (calmo, agitada, inibida, extrovertida etc.) b) Se você encontrasse com essas pessoas na rua, de que forma cumprimentaria cada uma delas? c) Agora, peça para um amigo responder às mesmas questões que você. Pergunte, inclusive, como cumprimentaria cada uma delas. Não mostre ou fale para o seu amigo sobre suas impressões. d) Compare as suas respostas com as de seu amigo. O que elas têm em comum? Em que diferem? e) O que infl uenciou a sua resposta? f) Pergunte ao seu amigo o que infl uenciou na resposta dele. Fonte: http://halftheskyempoweringwomen. blogspot.com.br/2012/05/support-of-us- sisters.html Fonte: http://images2.wikia.nocookie.net/__ cb20120923194404/liberapedia/images/0/08/ Hippie.jpg Aula 1 Educação Inclusiva12Conceitos e (Pré) conceitos No exercício anterior, você e seu amigo, muito provavelmente, determinaram as ocupações e o modo de ser das pessoas representadas a partir de suas ves- timentas, expressões faciais ou do posicionamento de suas mãos. Essas infor- mações foram, também, essenciais para determinar como as cumprimentariam. Incrivelmente, vocês dois descreveram pessoas semelhantes, mesmo não as co- nhecendo. Correto? Possivelmente, adotaram posturas similares quando pensa- ram em formas de cumprimentá-las. Como foi possível compartilhar impressões e comportamentos parecidos diante de pessoas que nunca viram? Bem, podemos dizer que, para responder “quem eram” as pessoas, foi preciso processar as informações contidas nas fotos (por exemplo: tipo de vestimenta, expressão facial) tomando como base os esquemas cognitivos predefi nidos. Esses esquemas são compreendidos como mecanismos internos responsáveis por organizar as informações que registramos com os nossos sentidos (audição, tato, visão etc.). Servem, portanto, como um molde para a maneira como pro- cessamos as informações (DATTILIO, 2006). Os esquemas são predeterminados, intrinsecamente ligados às normas e valores sociais de cada cultura e, paulati- namente, construídos no decorrer de nossas histórias de vida. O fato de você e seu amigo pertencerem à mesma cultura talvez possa explicar, parcialmente, o motivo pelo qual apresentaram respostas similares aos descreverem as pessoas mostradas na atividade. O mecanismo de organização de informações, também conhecido como processo de categorização, é normal, adaptativo e importante nas nossas interações sociais. Ele nos ajuda a saber como nos comportar diante do outro, porque permite predizer, com certa margem de segurança, as ações do outro (GLAT, 1998). Foi essa categorização que infl uenciou a forma como você saudaria as pessoas representadas anteriormente. É esse mesmo mecanismo que determina o tom de voz que você adota diante deuma fi gura de autori- dade ou a forma com que se senta no chão para brincar com uma criança. A categorização simplifi ca a percepção social. Ela funciona como uma espécie de “fi lminho” que, rapidamente, roda em nossas cabeças oferecendo informações essenciais sobre as características mais marcantes de cada indivíduo – e como devemos agir diante dele. As informações categorizadas da “pessoa A”, por exem- plo, culminaram no estereótipo de uma freira que, para mim, se traduz em uma mulher boa, idônea, formal, carismática e serena. Quanto à “pessoa B”, pensei em um hippie, cujo estereótipo contempla ideias como informalidade, senso de humor apurado e atitude contestatória. Estereótipo Vocábulo que advém do grego stereo (sólido) e tipo (molde), signifi cando con- junto de crenças comparti- lhadas em uma cultura sobre traços e comportamentos dos membros de um grupo social. A partir dos estereóti- pos, eu simplifi co a realidade e crio expectativasem relação ao comportamento das pessoas. Em nossa cultura, é comum compartilhar crenças como “o carioca é descon- traído e o paulistano, tenso”, “o político é corrupto” ou o “adolescente é rebelde”. Estigma Identidade real Identidade virtual O que o indivíduo deveria ser O que o indivíduo é Aula 1 Educação Inclusiva 13 Com esses estereótipos em mente, você estaria inclinado a cumprimentar a freira de maneira mais cerimoniosa, como um aperto de mão. O hippie, por outro lado, dar-lhe-ia uma batidinha nas costas seguida das palavras “E aí, cara!”. Esses são exemplo, mas o importante é refl etir que, provavelmente, você saudaria o hippie e a freira de forma distinta, em consonância com o estereótipo que temos dos grupos a que pertencem. Posso afi rmar que os estereótipos armazenados em minha memória infl uen- ciam as percepções que tenho das pessoas e dos diferentes grupos sociais. O que aconteceria, então, com o estereótipo da freira se eu descobrisseque ela, uma renomada professora de história, está sendo procurada pela polícia por ter liderado uma quadrilha de assaltantes de banco no Paraná (vale salientar que se trata de um caso fi ctício, uma suposição)? Essas condutas “inesperadas”, negativamente avaliadas e incongruentes com o estereótipo que tenho do indivíduo, formam a base para o surgimento do estigma (GLAT, 1998). O estigma é um atributo depreciativo atribuído a uma pessoa ou grupo por aqueles considerados “normais”. Revela-se como uma tor- peza moral, uma falha oculta, considerada motivo de vergonha (GOFFMAN, 1988). Essa falha é criada pela lacuna existente entre o que o indivíduo é e o que, de acordo com as expectativas sociais, ele deveria ser (seu estereótipo). Agora, suponhamos que a freira, no exemplo anterior, é uma assaltante, embora que, na perspectiva da sociedade em que vivemos, ela seja considerada uma mulher correta, idônea. Nas palavras de Goffman (1988), seria como se “a identidade social real dela não correspondesse com sua identidade social virtual”. De maneira esquemática, poderíamos representar o conceito de estigma da seguinte forma: Estigma Termo usado pelos gregos para se referir a sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de extra- ordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava. Os sinais eram tipicamente feitos com cortes no corpo, indicando que o portador era um escravo, crimino- so ou traidor: uma pessoa marcada, ritualmente poluída, que deveria ser evitada, especialmenteem lugares públicos (GOFFMAN, 1988, p.11). Figura 1 – Representação gráfi ca de estigma 2Atividade Estigma: criminosa Identidade virtual: Pessoa idônea Identidade real: Assaltante de banco Aula 1 Educação Inclusiva14 O termo estigma refere-se ao aspecto depreciativo no caráter do indivíduo que diverge da norma. Ele não é, no entanto, formado pelo atributo em si, mas pela relação incongruente estabelecida entre esse atributo e o estereótipo. A freira, possivelmente, receberia o estigma de “a criminosa”, uma vez que é esse o atributo que foge do estereótipo de “pessoa religiosa”. Poderíamos representar a instauração de seu estigma da seguinte forma: Figura 2 – O caso da freira Assaltante de banco representa sua identidade real (o que ela é) e pessoa idônea, sua identidade virtual (o que deveria, na perspectiva da sociedade, ser). O grau de estigmatização depende do quanto indesejável o atributo depreciativo for considerado pelo grupo. Ou seja, quanto maior for a “lacuna” existente entre a identidade real e a virtual, maior o grau de estigmatização (GOFFMAN, 1988). É importante salientar que quando o estigma é formado, todos os outros atri- butos da pessoa parecem ser ofuscados. Ou seja, quando identifi co o indivíduo como desviante, tudo que ele faz ou é passa a ser interpretado em função dos atributos estereotipados do estigma (GLAT, 1998). Assim, mesmo sendo a freira uma extraordinária professora de história e uma pessoa carismática, essas carac- terísticas são minimizadas quando o estigma de “criminosa” lhe é impugnado. Vamos fazer uma refl exão para averiguar quão forte é um estig- ma? Suponhamos que, dez anos após cumprir a sua pena na pri- são, essa mesma freira foi lhe pedir um emprego como professo- ra de história na escola em que você é diretor. Você contrataria essa ex-presidiária? Discuta a sua resposta. Aula 1 Educação Inclusiva 15 As especifi cidades do estigma De acordo com Goffman, “um atributo que estigmatiza alguém pode confi rmar a normalidade de outrem, portanto, ele não é em si mesmo, nem honroso nem desonroso” (GOFFMAN, 1988, p.13). Assim, observe as seguintes fotografi as. Os atributos do rapaz à direita podem ser condizentes com o estilo adotado por um grupo de jovens que adotam um “visual punk”. O homem à esquerda poderia lembrar a fi gura de um jovem advogado que trabalha em um escritó- rio. Imagine, agora, esses mesmos homens inseridos nos ambientes contrários. O jovem à direita em um escritório de advocacia e o da esquerdaem um show de rock. O que você acha que aconteceria? Pois bem, o camarada de chapéu, embora fosse um excelente promotor de justiça, poderia ser rotulado de “cabeludo do chapéu” no escritório. O de gravata, mesmo sendo um exímio guitarrista de música “punk”, seria chamado no show de “o engravatado”. O interessante é pensar que esses mesmos rótulos tendem a desaparecer quando mudam as “audiências”. Em outras palavras, como sinaliza Omote (1994, p. 66), [...] a mesma característica pode ter o sentido de vantagem ou de desvan- tagem dependendo de quem é o portador ou o ator e de quem são os seus “outros”, isto é, a sua audiência, assim como de outros fatores circunstan- ciais defi nidos pelo contexto no qual ocorre o encontro. Na medida em que caracterizo alguém como desviante, asseguro a normali- dade das demais pessoas que participam de um grupo (OMOTE, 1994). É como se cada grupo desenvolvesse um conjunto de critérios ou regras determinando os atributos e condutas considerados aceitáveis a serem seguidos por seus mem- bros (GLAT, 1998). A presença do “diferente” realça e sedimenta os atributos Fonte: arquivo pessoal. Fonte:<http://totallycoolpix.com/wp-content/ uploads/2011/24032011_lolita_fashion/lolita_011.jpg>. Acesso em: 13 nov. 2012. Aula 1 Educação Inclusiva16 característicos de cada organização social. Quando rotulo o jovem promotor de “cabeludo do chapéu”, realço a ideia de que o correto, normal e desejável seria que os advogados adotassem um visual mais discreto, sem adereços. Por outro lado, no contexto do grupo de punks, seria adequado abandonar a gravata. Você deve ter percebido que o estigma funciona como um rótulo. Assim, te- mos no mundo as pessoas que rotulamos de: “o cego”, “o aleijado”, “o burro”, “o doido”, “o preguiçoso”, “o encostado”, “o bêbado”, “o certinho”, “o bonitão”, “o homossexual”, etc. Todos esses nomes carregam em si uma história. Ao narrá- -la, desvendamos a biografi a da formação do estigma. Diferentes fatores podem contribuir para o grau de estigmatização de um indivíduo. O Quadro 1, a seguir, fala de seis dimensões, propostas por Ainlay e Crosby (1986 apud GLAT, 1998), que podem afetar o processo de estigmatização. Dimensão Exemplo 1. Visibilidade Uma pessoa que não tem um braço, que seja cega ou traga uma cicatriz no rosto,é mais facilmente identifi cável do que um indivíduo que tenha um transtorno psiquiátrico. Isso porque, nos três primeiros casos, a condição é imediatamente percebida, tornando o indivíduo um desacreditado. No caso do transtorno mental, a diferença só será percebida se o indivíduo entrar em surto. Nesse sentido, ele passa a ser caracterizado como uma pessoa desacreditável. 2. Permanência Compare a pessoa que esteja temporariamente incapaz de caminhar devido a uma cirurgia no joelho com outra que tenha nascido com uma defi ciência física. O prognóstico da primeira é que ela “melhorará”, livrando-se do estigma de “aleijado”. A perspectiva do segundo é que permanecerá em uma cadeira de rodas. Assim, o segundo indivíduo tenderá a ser mais estigmatizado do que o primeiro. 3. Interferência nas relações sociais A condição limita as interações sociais da pessoa? Imagine, nesse caso, uma pessoa surda inserida em um grupo de ouvintes. O surdo, possivelmente, será estigmatizado por não oralizar ou compreender a comunicação verbal da comunidade ouvinte. Podemos, também, citar o exemplo de uma pessoa gaga em uma reunião social. A difi culdade de expressar-se de forma fl uente pode tornar-se motivo de estigma. 4. Estética Imagine uma pessoa com o rosto queimado ou uma sem os braços. Essas diferenças físicas contrastam com a ideia de um corpo normal, perfeito, cultivado pela sociedade. Assim, quanto mais disforme e distante dos padrões de normalidade, maior o estigma. 5. Culpabilidade Há 25 anos, os homossexuais eram fortemente estigmatizados por serem considerados como população de risco de contração do HIV. Era comum ouvirmos que a AIDS seria um castigo pelo comportamento sexual “desviante”. 6. Contaminação Essa dimensão diz respeito à ideia de que a condição pode ser adquirida pelo contato. Muitos se negam a socorrer uma pessoa após uma crise epilética por temerem que a epilepsia possa ser adquirida pelo contato com a saliva! Outro exemplo seria o de pais que se recusam a matricular seus fi lhos em escolas onde existem crianças com defi ciência por “medo” dos pequenos desenvolverem condutas inadequadas. Quadro 1 – Dimensões da estigmatização Desacreditado Termo usado para caracterizar a pessoa cuja diferença é per- cebida de forma imediata. Ou seja, observa-se prontamente uma discrepância entre sua identidade real e virtual (GOFFMAN, 1988). Desacreditável Termo empregado para carac- terizar a pessoa cuja diferença não é imediatamente observa- da. Assim, a diferença entre as identidades (real e virtual) não são prontamente percebidas. 3Atividade 1 2 Estigma: A.__________ B.____________ C.____________ Identidade virtualIdentidade real Aula 1 Educação Inclusiva 17 Como o estigma foi formado? Você ou algum colega de escola/trabalho já foi “rotulado”? Em caso afi rmativo, pense na história desse rótulo e, esquematicamen- te, ilustre como seu estigma foi formado, utilizando o diagrama a seguir. Depois, fale das 6 dimensões desse estigma, considerando o Quadro 1, mostrado anteriormente. No diagrama ao lado: a) No espaço (A) inclua o “rótulo” usado para referir-se ao colega. b) Escreva sua identidade real na letra B. c) Escreva sua identidade virtual na letra C. d) Descreva, brevemente, a história de como esse rótulo foi conferido ao seu colega. e) Descreva as dimensões do estig- ma, considerando o Quadro 1. 4Atividade Aula 1 Educação Inclusiva18 O estigma do defi ciente Quando falamos de grupos estigmatizados, não podemos deixar de falar das pessoas com defi ciência. Mas, quem são esses sujeitos? Antes de prosseguirmos com nossa defi nição, gostaria que você escrevesse, na atividade a seguir, o que entende por defi ciência. O que é defi ciência? Veja se a sua concepção descrita no exercício anterior traz alguma semelhança com a defi nição de defi ciência adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU): Pessoas com defi ciência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial permanentes, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em bases iguais com as demais pessoas (BRASIL, 2008, p.9). É interessante ressaltar que o conceito adotado na defi nição supracitada as- sinala que “barreiras” podem limitar a participação das pessoas com defi ciência na sociedade. Essa ideia nos faz pensar que, em algum aspecto, a defi ciência deve ser relativizada. Nesse contexto, é importante resgatarmos os conceitos de defi ciência pri- mária e secundária discutidas por Amaral (1992). Defi ciência primária diz respeito aos problemas de origem orgânica, intrínsecos ao indivíduo. Ou seja, alterações biológicas em um órgão ou estrutura corporal que geram perdas sen- soriais, limitações físicas ou prejuízos intelectuais. Nesse cenário, estaríamos falando da surdez, da cegueira, da defi ciência intelectual, da paralisia, dentre outras condições. A defi ciência não é, entretanto, uma condição unicamente intrínseca ao in- divíduo, emergindo com o nascimento ou por meio de uma doença adquirida. Na perspectiva de Omote (1994), ela pode ser produzida e mantida pelo meio social. É nesse panorama que destacamos o conceito dedefi ciência secundária. Ela diz respeitoàs condições extrínsecas ao sujeito, as consequências psicosso- ciais da defi ciência primária. De acordo com Nuernberg (2008), as defi ciências secundárias são, portanto: [...] mediadas socialmente, remetendo ao fato de o universo cultural estar construído em função de um padrão de normalidade que, por sua vez, cria barreiras físicas, educacionais e atitudinais para a participaçãosocial e cul- tural da pessoa com defi ciência (NUERNBERG, 2008, p. 309). 5Atividade Aula 1 Educação Inclusiva 19 Para compreendermos como a defi ciência pode ser relativizada e descrita como defi ciência primária ou secundária, analise a interação de Elsa e Dona Maria. Elsa, uma menina de 12 anos com paralisia cerebral, está no quarto ano do Ensino Fundamental de uma escola regular. Devido a seu comprometimento motor, não fala, mas comunica-se por meio de uma prancha de comunicação, composta por fi guras e palavras escritas, parecida com esta: Prancha de comunicação usada por Elsa no recreio Elsa: (olha para Dona Maria, acena a cabeça e sorri). D. Maria: Oi Elsa! O que você vai querer hoje? Elsa: (aponta para os símbolos) EU QUERO e PIPOCA D. Maria: É pra já! (vai até a cozinha e pega um saco de pipoca e en- trega a Elsa). A partir da situação mostrada, que tipo(s) de “deficiência(s)” é (são) observada(s)? Justifi que sua resposta. (a) Defi ciência primária (b) Defi ciência secundária (c) Defi ciência primária e secundária Na semana passada, presenciei a seguinte interação entre Elsa e Maria, a dona da cantina da escola: 6Atividade Aula 1 Educação Inclusiva20 Estar diante do diferente, do corpo marcado pela defi ciência, ameaça a nossa frágil estabilidade social, afl orando a lembrança da imperfeição humana, de como poderíamos ser como “eles” (GLAT, 1998; Silva, 2006). Pensamentos intoleráveis do tipo “e se fosse comigo?”, “e se fosse o meu fi lho nessa cadeira de rodas?” ou “se minha mãe fi casse cega?” afl oram. Com o propósito de minimizar essas angústias interiores, acionamos os nossos mecanismos de defesa, tipicamente, adotando atitudes de negação (Amaral, 1998; Silva, 2006). De acordo com Amaral (1998), três formas de negação são comuns diante da defi ciência: a compensa- ção, a simulação e a atenuação. O Quadro2 a seguir exemplifi ca essas atitudes, resgatando frases comumente ouvidas no cotidiano. Atitude Exemplos Compensação: a condição estigmatizante é contraposta a um atributo desejável. Ele é cego, mas tão inteligente! É homossexual, mas um ótimo fi lho! Atenuação: o abrandamento do atributo estigmatizado Ele perdeu uma perna no acidente, mas poderia ter perdido a vida! Simulação: a diferença é negada, como se não existisse. Nem percebi que ela andava de cadeira de rodas! Ele é cego, mas vê tudo que acontece! Quadro 2 – Mecanismos de negação tipicamente evidenciadosperante a defi ciência A tendência à estigmatização do defi ciente pode, também, ser explicada quando analisamos as dimensões do estigma. Retome o Quadro 1 e tente identifi car como o defi ciente pode se encaixar em cada uma dessas dimensões. Dimensão Como o defi ciente se encaixa 1. Visibilidade 2. Permanência 3. Interferência nas relações sociais 4. Estética 5. Culpabilidade 6. Contaminação Mecanismos de Defesa Estruturas permanentes da psique que permitem à pessoa furtar-se ao conhecimento de tudo que pode causar-lhe ansie- dade (Cabral; Nick, 1990 p.79). Essas estruturas inconscientes ajudam o indivíduo a manter seu equilíbrio psíquico, suprimindo fontes de insegurança e ansie- dade. Dentre os mecanismos de defesa mais comuns estão a negação, a racionalização, a projeção e a regressão. Aula 1 Educação Inclusiva 21 Pronto? Na perspectiva de Glat (1998), a maioria das defi ciências tende a se encaixar nas dimensões de permanência, visibilidade, interação social e esté- tica. Você concorda? Além de ter um caráter permanente, muitas defi ciências são prontamente visíveis. Esse é o caso das paralisias físicas ou da cegueira. Adicionalmente, a condição tende a interferir nas interações sociais. Pense no caso da pessoa surda no contexto de um grupo de ouvintes ou do gago em um debate. Em termos estéticos, podemos ponderar sobre os defi cientes desacredi- tados, cuja diferença é prontamente notada. Pessoas desprovidas de membros ou que evidenciam deformidades físicas tendem a desestabilizar o conceito de normalidade, ampliando a lacuna entre a identidade real e a virtual. Defi ciência: conceitos da atualidade Agora, gostaria que você refl etisse sobre o conceito de estigma discutido nesta aula. É primordial que você compreenda a defi ciência não apenas como um fenômeno biológico, mas como um conceito produzido e mantido pelo meio social. Nesse sentido, é essencial que você compreenda os seus sentimentos diante da diferença. As diferenças, especialmente as incomuns, inesperadas, bizarras, sempre atraíram a atenção das pessoas despertando, por vezes, temor e descon- fi ança (OMOTE, 1994, p.65). Nas próximas aulas, trataremos do percurso histórico das pessoas com defi - ciência desde a antiguidade até a contemporaneidade. Nessa trajetória, enfoca- remos em cinco condições de excepcionalidade. Para você saber do que estare- mos falando, trazemos a seguir uma breve defi nição de cada condição que será trabalhada ao longo do curso. 1) Defi ciência física – alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física (BRASIL, 2007). 2) Defi ciência visual – compreende duas condições: baixa visão e cegueira. A primeira, presente em 20% dos indivíduos que apre- sentam defi ciência visual, caracteriza-se pela perda total da visão, até a perda da capacidade de indicar a projeção da luz. A segunda, prevalente em 80% dos casos, é descrita como perda severa da visão, não corrigível através de tratamento clínico, cirúrgico, nem de óculos convencionais (SMITH, 2008). Leituras complementares Aula 1 Educação Inclusiva22 3) Defi ciência auditiva – defi nida como perda parcial ou total das possibilidades auditivas sonoras. (BRASIL, 2004). 4) Defi ciência intelectual – condição em que o indivíduo evidencia funcionamento intelectual signifi cativamente inferior à média, com manifestação antes dos 18 anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas (SMITH, 2008). 5) Altas habilidades/superdotação – condição em que o indivíduo manifestapotencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psico- motricidade e artes (Brasil, 2008). 6) Transtornos globais do desenvolvimento – conjunto de transtor- nos nos quais são evidenciadas alterações qualitativas das intera- ções sociais recíprocas, na comunicação e repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil (BRASIL, 2008). As três referências apresentadas a seguir trazem um aprofundamento da refl exão que fi zemos sobre estigma. AMARAL, Lígia. Sobre crocodilos e avestruzes: falando de diferenças físi- cas, preconceitos e sua superação. In: AQUINO, Júlio G. (Org.). Diferenças e preconceitos. São Paulo: Summus, 1998. p. 11-30. MAGALHÃES, Rita de Cássia Barbosa. Refl exões sobre a diferença: uma intro- dução à educação especial. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2002. OMOTE, S. Defi ciência e não defi ciência: recortes do mesmo tecido. Revista Brasileira de Educação Especial, v. 2, n.1, p. 65-74, 1994. Resumo Aula 1 Educação Inclusiva 23 Nesta aula, refletimos sobre como nossas percepções são influenciadas pelas normas e valores sociais de nossa cultura. Observamos como os estereótipos são criados e a maneira como se originam as diversas dimensões do estigma. Chegamos, por fi m, à discussão da defi ciência, salientando a importância de visualizá- la não apenas como uma condição intrínseca, biologicamente determinada do indivíduo, mas como uma construção social. Nesse cenário, descrevemos a forma como os defi cientes são tipicamente estigmatizados em nossa sociedade. Finalizamos nossa aula traçando um breve panorama das condições de excepcionalidade que serão abordadas no decorrer de nosso curso. Além dessas, a seguir, listo algumas indicações de fi lmes que trabalham a questão do estigmade pessoas com necessidades especiais na sociedade. Neles, você poderá observar como o estigma é construído e a forma como as pessoas que evidenciam excepcionalidades são percebidas pela sociedade. Filme Temática Meu Pé Esquerdo. Jim Sheridan. Irlanda, Inglaterra: LK-Tel, 1989. 100 Min. Drama. Defi ciência física Perfume De Mulher. Martin Brest. Estados Unidos: CIC, 1992. 157 Min. Drama. Defi ciência visual O Piano. Jane Campion. França: Paris, 1993. 120 Min. Europeu. Defi ciência auditiva Rain Man. Barry Levinson. Estadosunidos: Warner, 1988. 140 Min. Drama. Autismo Uma Lição De Amor. Jessie Nelson. Estados Unidos: Playarte, 2001. 133 Min. Drama. Defi ciência intelectual E se fosse você? Aula 1 Educação Inclusiva24 Autoavaliação Você deverá assistir a um fi lme que apresente um indivíduo com alguma excepcionalidade (de- fi ciência física, visual, auditivaetc.). Em seguida, escreva uma refl exão, colocando-se no lugar do per- sonagem, explicitando seus sentimentos, desafi os e conquistas. Posteriormente, descreva a forma como esse personagem era tratado em seu meio social, trazendo uma refl exão sobre o conceito de estigma e suas dimensões. Referências AMARAL, Lígia. Sobre crocodilos e avestruzes: falando de diferenças físi- cas, preconceitos e sua superação. In: AQUINO, Júlio G. (Org.). Diferenças e preconceitos. São Paulo: Summus, 1998. p. 11-30. BRASIL. Saberes e práticas da inclusão: Desenvolvendo competências para oatendimento às necessidades educacionais especiais de alunos surdos. Brasília; MEC; SEESP, 2004. ______. Atendimento educacional especializado: Defi ciência física. São Paulo: SEESP/ SEED/ MEC, 2007. ______. 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Você verá também como os acontecimentos religiosos, políticos, sociais e econômicos da sociedade infl uenciaram fortemente as percep- ções sobre a excepcionalidade e sobre as oportunidades educacionais ofertadas às pessoas com defi ciência. Além disso, você estudará, através de um trabalho de campo, como os mitos consolidados no passado podem persistir no presente. Boa viagem! Objetivos Defi nir as concepções de defi ciência na Anti- guidade, na Idade Média, na Idade Moderna e Contemporânea. Caracterizar as oportunidades de educação ofertadas aos indivíduos com defi ciência nos referidos períodos. Relacionar as concepções de defi ciência nos di- ferentes períodos históricos com a atualidade. Aula 2 Educação Inclusiva 31 A Antiguidade C aro aluno, nossa história começa na Grécia antiga, em um mundo regido pelo pensamento mítico-religioso, em que os deuses e os espíritos, com forças divinas e demoníacas, traçavam o destino da natureza e dos ho- mens. Na perspectiva dos gregos, as pessoas defi cientes não eram consideradas propriamente humanas, mas entidades detentoras de poderes sobrenaturais. Três tipos de distúrbios eram os mais preocupantes: a “insanidade”, a surdez e a cegueira. O primeiro, compreendido como diferentes formas de doença mental, defi ciência intelectual e epilepsia, era o mais temido pelos gregos, como tam- bém pelos romanos (WINZER, 2002). Veja no fi nal deste tópico um vocabulário com os termos em destaque. As preocupações com a defesa militar e a subsistência em uma sociedade essencialmente agrária justifi cam a importância que os gregos conferiam às ha- bilidades físicas e intelectuais do homem (CARVALHO, 2005). Nesse cenário, os defi cientes, percebidos como aqueles com corpos e mentes “disformes”, seriam incapazes de produzir para a agricultura ou servir em guerras. Assim sendo, eram vistos como seres que ameaçavam a sobrevivência e subsistência da sociedade (CARVALHO-FREITAS, 2007). Pelo que você viu até agora, deve estar pensando: “O que faziam, então, com os defi cientes?” Pois bem, antes de responder a essa questão, coloque como pano de fundo a imagem de uma sociedade militarizada e agrária, na qual tudo era explicado pela ótica religiosa dos deuses, que organizavam e desorganizavam o mundo. A manutenção de uma sociedade vigorosa dependia, nesse cenário, da força inata de seus cidadãos. Ancorados nessa ideia, gregos e romanos promulga- vam leis destinadas a eliminar precocemente “aqueles que não podiam contri- buir”. Assim, registros históricos indicam que, em Atenas, os recém-nascidos que apresentavam deformidades físicas eram sacrifi cados, ou postos em vasos de barro e deixados à beira das estradas. Em Esparta, os considerados “loucos” eram lançados nos rios e abismos ou abandonados nas fl orestas. Em Cartago, região mediterrânea, crianças cegas eram queimadas em sinal de sacrifício ao Sol (WINZER, 2002). Eram toleradas apenas pessoas defi cientes que podiam trazer benefícios eco- nômicos ou sociais à polis. A história nos revela, por exemplo, que, em Roma, meninos cegos eram treinados para se tornarem mendicantes, e meninas cegas, prostitutas. Pessoas com defi ciência intelectual e física eram, juntamente com anões, hermafroditas e gigantes, vendidos como objetos de entretenimento para famílias abastadas, em feiras livres (WINZER, 2002). E a educação? Essa era privilégio das classes dominantes e servia para o aprimoramento do corpo e do espírito (intelecto). Na perspectiva da época, não seria factível aprimorar alguém com corpo e mente disforme, correto? Aristóteles, Aula 2 Educação Inclusiva32 por exemplo, argumentava que a pessoa desprovida de linguagem oral, como o surdo, seria incapaz de raciocinar e aprender. Lamentavelmente, essa concepção de surdez permaneceu pelos subsequentes dois mil anos! (WINZER, 2002). Como você pode observar, há alguns termos próprios da área que são importantes; por isso, você deve conhecer a defi nição. Leia com cuidado o vocabulário a seguir e, na medida do possível, pesquise mais a respeito. n Pensamento mítico-religioso: pensamento que não precisa ser pro- vado, que se acredita pela fé. n Defi ciente: no presente texto, o termo “defi ciente” será usado para referir-se à pessoa incapaz de assegurar por si mesmo, total ou par- cialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal. n Surdez: perda da capacidade de percepção normal dos sons. n Cegueira: perda total da visão. n Doença mental: alterações nasfunções psíquicas, provocando dis- túrbios da percepção do pensamento e da afetividade. São exemplos de doença mental a esquizofrenia, o transtorno bipolar e as psicoses. n Defi ciência intelectual: é conhecida previamente como defi ciência ou retardo mental. Corresponde a um complexo conjunto de síndromes caracterizadas por apresentar limitações signifi cativas no funcionamen- to intelectual e no comportamento adaptativo, como as habilidades sociais, de comunicação, de cuidados pessoais, dentre outras. n Epilepsia: doença neurológica caracterizada pela presença de descargas súbitas de energia elétrica no cérebro, afetando a cons- ciência, o funcionamento motor e sensorial do indivíduo. Durante o ataque epilético, a pessoa pode apresentar alterações no com- portamento, como falar coisas sem sentido, fi car “fora do ar” ou apresentar movimentos bruscos e súbitos de uma ou mais partes do corpo. Aula 2 Educação Inclusiva 33 Idade Média Bem vindo à Idade Média! A infl uência do Cristianismo no período medieval traz consigo o fi m do pensamento mítico, politeísta e instaura a nova ordem do monoteísmo e dos lemas de amor ao próximo. A imagem do defi ciente passa, então, de um indi- víduo sub-humano ou sobre-humano para um indivíduo carente e merecedor de compaixão. Eram as “crianças de Deus”, aqueles para quem todos oravam com olhares piedosos. E, por que não dizer, também, olhares de medo? Afi nal, as diferenças sempre trouxeram a consciência do perigo da imperfeição, do “eu” disforme, do “ai, e se fosse comigo?” (GOFFMAN, 1988). Mas, voltemos à nossa história. A defi ciência na Idade Média é compre- endida como uma forma de escolha divina. Assim, as pessoas com prejuízos sensoriais, mentais, intelectuais ou físicos passam a ser consideradas como: “Instrumentos de Deus, para alertar os homens, para agraciar as pessoas com a possibilidade de fazerem caridade” (BIANCHETTI, 1998 apud CARVALHO- -FREITAS, 2007, p. 49). Em outras palavras, os indivíduos com defi ciência passaram a ser impor- tantes para que os “bons cristãos” pudessem exibir suas ações de caridade. Por outro lado, a defi ciência é, também, entendida como uma forma de punição e revelação do Anticristo (WINZER, 2002). Desse modo, durante a Inquisição, se a excepcionalidade do indivíduo fosse percebida como encar- nação do mal, ele podia ser torturado, queimado (CARVALHO-FREITAS, 2007) ou tornar-se alvo de cerimônias de exorcismo (MARTINS, 2011). O julgamento era feito, essencialmente, pela observação do comportamento do indivíduo. Registros históricos indicam, por exemplo, que os murmúrios de pessoas com defi ciência intelectual eram interpretados como conversas com o diabo e crises epiléticas, como possessão satânica (WINZER, 2002). Figura 1 – Tribunal da Inquisição Fonte: <http://4.bp.blogspot.com/-Sthd5XRFs1c/T_3N2z13ALI/AAAAAAAABBw/NctCC3z9gyk/ s1600/Tribunal+Eclesi%C3%A1stico+da+Inquisi%C3%A7%C3%A3o+011b+Galileu.jpg>. Acesso em: 9 out. 2012. Inquisição Tribunais que julgavam pes- soas consideradas ameaças às doutrinas apregoadas pela Igreja Católica. Aula 2 Educação Inclusiva34 Você, agora, pode estar se perguntando: “E os deficientes que não ame- açavam a ordem social e os preceitos da igreja Católica?” Pois bem, esses eram mantidos para fins de entretenimento, como fora o destino de tantos na Antiguidade. Dessa vez, no entanto, eram empregados em palácios no papel de bobos da corte ou exibidos em circos e praças públicas (WINZER, 2002; MARTINS, 2011). O que marcou a Idade Média e seus princípios cristãos foi, no entanto, a mudança de status do deficiente: de coisa para pessoa (CARVALHO- -FREITAS, 2007). Enquanto pessoa, pela ótica de Deus, o deficiente deveria ter o direito à vida. Apenas à vida! Era lhe privado, por exemplo, o direito de receber heranças, depor em tribunais ou fazer testamentos. Mas, apesar dos percalços, mudanças tinham ocorrido! A ética religiosa, a despeito da Inquisição, reprimira o extermínio das pessoas com defi ciência. Em seu lugar, instaurara a necessidade de manter e cuidar das mesmas (PES- SOTTI, 1984). Não podemos esquecer, no entanto, que os defi cientes ainda assustavam a sociedade medieval. Como, então, resolver o dilema de cuidar de pessoas a quem eu temo? Trancafi ando-as em igrejas, conventos, asilos e hospícios (PESSOTTI, 1984). Nessas instituições, poderiam ser protegidas, como argumentavam os “bons cristãos”. E, porque não dizer, que estariam, também, protegidos os “bons cristãos”, que tanto as temiam? Portanto, como bem argumenta CARVALHO-FREITAS (2007): “A relação com ela (defi ciência) é marcada pela segregação, que reedita a contradição castigo-caridade, que continua perme- ando a concepção cristã sobre defi ciência” (CARVALHO FREITAS, 2007, p. 49). Ou seja, a sociedade cristã da época, por temer o castigo divino, acolhe as pessoas com defi ciência, exibindo assim seus gestos de caridade. Assim, ao invés de mortos e abandonados, as pessoas com defi ciência, durante a Idade Média, foram primordialmente segregadas em instituições religiosas, abrigos e manicômios. Nesses recintos, mantidos pela caridade da Igreja e por bons cristãos, o defi ciente não recebia qualquer tratamento especializado. Na Idade Média, mesmo com a fundação das primeiras universidades, a educação continuava sendo um privilégio de poucos. Em uma sociedade pouco letrada e essencialmente agrária, o indivíduo defi ciente, que agora ganhara status de pessoa, se fundia com a grande maioria analfabeta e não escolarizada. 1Atividade Aula 2 Educação Inclusiva 35 Antes de prosseguirmos com nossa viagem, que tal um fi lme que retrate o “clima” da Idade Média? Esse mergulho lhe ajudará a melhor compreender as contradições caridade-castigo, no contexto das Inquisições, assim como a infl u- ência da Igreja no destino das pessoas com defi ciência. a) Assista a um dos seguintes fi lmes: “O Corcunda de Notre Dame”, “O Nome da Rosa” ou “As Bruxas de Salém”. b) Imagine uma pessoa com defi ciência no cenário retratado pelo fi lme. Com base no que estudamos até agora, discorra sobre como essa pessoa poderia ser vista ou tratada. Como será que ela se sentiria? a b Aula 2 Educação Inclusiva36 A Idade Moderna A Idade Moderna, caracterizada pela passagem do mundo Feudal ao Capi- talista, é marcada pelas expansões territoriais e científi cas. O desenvolvimento da medicina desarticula a concepção de defi ciência de possessão demoníaca ou obra divina, preponderante na Idade Média. É instaurada, em seu lugar, a ideia de excepcionalidade como manifestação de doença (PESSOTTI, 1984). É nesse novo cenário que, no século XVI, os médicos Paracelso (Figura 2a) e Cardano (Figura 2b) argumentam ser a defi ciência fruto de fatalidades heredi- tárias ou congênitas. Para eles, alterações nas estruturas do cérebro causariam as excepcionalidades. Assim, ao invés de punir ou segregar o defi ciente, é reco- nhecida a necessidade de tratá-lo (MARTINS, 2011). Figura 2 – (a) Médico Paracelso; (b) Médico Cardano Fonte: (a) <http://novocaminhonovo.blogspot.com.br/2012/08/as-assinaturas-divinas.html>; (b) <http://mettodo.blogspot.com.br/2008/07/tartaglia-e-cardano.html>. Acesso em: 9 out. 2012. Paracelso (1493 – 1541), Figura 2a, foi médico, químico, astrólogo e fi lósofo, nascido na Suíça com o nome de Theophrastus Philippus Aureolus Bombastus von Hohenheim. Ele ressaltava a importância da observação clínica no diagnóstico de doenças e a cura por meio de remédios. Foi considerado um pioneiro na área farmacêutica. Girolamo Cardano (1501-1576), apresentado na Figura 2b, foi médico, fi lósofo e matemático italiano. Trouxe importantes contribuições para a compreensão da fi siologia da surdez. Argumentava que a defi ciência auditiva não afetava a inteligência. a b c Aula 2 Educação Inclusiva 37 A ideia de educar a população com defi ciência era pouco expressiva no início da Idade Moderna. Merece destaque, no entanto, o trabalho de Poncede León (1520-1584), Figura 3a, considerado o primeiro educador especial da história (WINZER, 2002). Ponce desenvolveu, na Espanha, um método de comunicação para defi cientes auditivos. Quase dois séculos depois, Charles Michel de L’Épée (1712 – 1789), Figura 3b, criou, na França, a primeira instituição educacional para surdos. Figura 3 – (a) Pedro Ponce de León; (b) Charles Michel de L’Épée; (c) Valentin Haüy Fonte: (a) <http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_Ponce_de_Le%C3%B3n>; (b)<http://www.cis-npdc.fr/spip.php?article4>; (c)http://en.wikipedia.org/wiki/Valentin_Ha%C3%BCy. Acesso em: 9 out. 2012. Pedro Ponce de León (1520-1584), mostrado na Figura 3a, foi um monge espanhol considerado o iniciador do ensino para surdos. Edu- cava, primordialmente, fi lhos de aristocratas ricos, ensinando-lhes a escrever a língua falada. Charles-Michel de l’Épée (1712- 1789), Figura 3b, foi um educador fran- cês responsável por fundar a primeira escola para surdos na França. Valentin Haüy (1745-1822), apresentado na Figura 3c, foi um profes- sor francês, responsável por fundar a primeira escola para defi cientes visuais na França. a b c Aula 2 Educação Inclusiva38 Foi também na França que Valentin Haüy (Figura 3c), em 1784, fundou a “Instituição Nationale des Jeunes Aveugles”, considerada como a primeira escola para a educação de pessoas cegas. Inspirado em Rousseau e L’Epée, desenvolveu um programa para ensinar os cegos a lerem, empregando letras em alto-relevo (WINZER, 2002). Esse sistema seria, posteriormente, substituído pelo Braille, método de leitura e escrita, criado por Louis Braille, em 1832. Èpée e Haüy mostraram que pessoas sensorialmente privadas, como os surdos e cegos, poderiam ser educadas. E os defi cientes intelectuais? Eram capazes de aprender? As perspectivas sobre a “idiotia” e a “estupidez”, denominações dadas na época para referir-se ao defi ciente intelectual, variavam. Para Thomas Willis (1621-1675), Figura 4, médico inglês, por exemplo: A idiotia e a estupidez dependem de uma falta de julgamento e de inteligên- cia, que não corresponde ao pensamento racional real; o cérebro é a sede da enfermidade, que consiste numa ausência de imaginação localizada no corpo caloso ou substância branca; e a memória, na substância cortical. Assim, se a imbecilidade e a estupidez aparecem, a causa reside na região envolvida ou nos espíritos animais, ou ambos (PESSOTTI, 1982 apud AS- SUMPÇÃO JR; SPROVIERI, 2000, p. 6). Nesse sentido, a defi ciência intelectual era compreendida como uma falha cognitiva causada, possivelmente por uma disfunção cerebral. Figura 4 – (a) Thomas Willis; (b) John Locke; (c) Jean Marc Gaspard Itard Fonte: (a) <http://jrsm.rsmjournals.com/content/96/3/139/F1.expansion.html>; (b) <http://www.123rf.com/photo_8511500_john-locke-1632-1704-on-engraving-from-the-1800s-english-philosopher-and- physician-one-of-the-most-i.html>; (c) <http://en.wikipedia.org/wiki/File:Jean_marc_gaspard_itard_1775_hi.jpg>. Acesso em: 9 out. 2012. Thomas Willis (1621-1675), Figura 4a, médico inglês que trouxe im- portantes contribuições para as áreas de neurologia, anatomia e psi- quiatria. Defendia uma concepção organicista da defi ciência, argu- mentando que a excepcionalidade era fruto de disfunções cerebrais. Aula 2 Educação Inclusiva 39 John Locke (1632-1704), Figura 4b, foi um empirista inglês que ar- gumentava ser a mente uma “página em branco” a ser preenchida, a partir da exposição sistemática à educação. Jean Itard (1775-1850), apresentado na Figura 4c, foi um médico fran- cês, conhecido como um dos precursores na sistematização de méto- dos de ensino para pessoas com defi ciência. No século XVII, John Locke revoluciona a visão organicista da defi ciência, propondo novas perspectivas sobre o funcionamento cognitivo. Locke preconi- zava que a mente do homem, ao nascimento, era uma tábula rasa, um quadro em branco, uma lousa vazia. Segundo ele, os registros nessa lousa eram, pau- latinamente, “escritos” por meio da experiência. Ou seja, ao invés de inato, o conhecimento era adquirido pelo contato do homem com o mundo. A partir dessa perspectiva, condições como a defi ciência intelectual passam a ser compreendidas como estados de carência de ideias e operações intelectuais, semelhantes ao do recém-nascido (CARVALHO-FREITAS, 2007). Nessa perspecti- va, é aberta a possibilidade para que a experiência e o ensino supram os défi cits cognitivos observados em algumas defi ciências (PESSOTTI, 2004). Inspirado nos pressupostos de Locke, o médico Jean Itard (1775-1850), Fi- gura 4c), preconizava que a defi ciência, ao invés de biológica, poderia ter como causa a privação cultural. Ficou famoso pelo tratamento de Victor, “o menino selvagem”, que fora encontrado vagando pela fl oresta de Aveyron, sul da França. A criança, que tinha na época por volta de 12 anos, não falava e manifestava comportamentos semelhantes aos animais, como andar de quatro. Através de um método de ensino que intitulou “educação moral e mental”, Jean conseguiu que o menino aprendesse habilidades básicas, mas não a falar fl uentemente. A metodologia desenvolvida por Itard continuou a inspirar médicos e edu- cadores nos séculos subsequentes. Merecem destaque os trabalhos de Edou- ard Seguin e Maria Montessori. Edouard Seguin, discípulo de Itard, publicou, em 1866, Idiocy and Its Treatments by the Pshysiological Method, um dos primeiros tratados de educação especial da história. Nesse livro, adotado por instituições que trabalhavam com crianças defi cientes intelectuais, Seguin fala- va da importância do ambiente estruturado, da instrução direta, do ensino de habilidades de cuidados pessoais e da estimulação motora para a aprendizagem (WINZER, 2002). O trabalho de Seguin infl uenciou Maria Montessori (1870-1951), uma educa- dora italiana que acreditava na experiência direta como fonte essencial para a aprendizagem. Criadora do método montessoriano de ensino, Montessori traba- lhou com crianças que apresentavam defi ciência intelectual e, posteriormente, com alunos com desenvolvimento normal. Os recursos didáticos criados por ela, como o material dourado, são, até hoje, usados nas escolas regulares. Edouard Seguin Foi, também, um dos fundadores da Associação Americana de De- fi ciência Mental, uma das mais respeitáveis associações profi s- sionais no campo da Educação Especial da atualidade. Idiocy and Its Treatments by the Pshysiological Method Idiotia e Tratamento pelo Método Fisiológico. 2Atividade Aula 2 Educação Inclusiva40 Fonte: <http://2.bp.blogspot.com/-O3_-PkttBqE/TySPsA5L9xI/AAAAAAAAGIQ/ TDQ8f_tbAf4/s1600/O%2BGaroto%2BSelvagem.jpg>. Acesso em: 10 dez. 2012. Para fi nalizarmos nossa visita à Idade Moderna, que tal conhecer- mos a história de Victor, o menino selvagem, acompanhado por Itard? Isso será possível através da apreciação do longa-metragem intitulado L’enfant sauvage (O Garoto Selvagem. Direção: François Truffaut). Após assistir ao fi lme, responda às questões que seguem. a) Descreva de que forma o tratamento de Victor refl ete a perspectiva que os médicos tinham sobre a defi ciência na Idade Moderna. b) O que você achou da intervenção de Itard? c) Quais os efeitos dessa intervenção no comportamento de Victor? Aula 2 Educação Inclusiva 41 A Idade Contemporânea A Idade Contemporânea, compreendida pelo período que se estende do fi nal do século XIX até os dias atuais, é marcada pelo desenvolvimento e consolidação do regime capitalista. As duas Grandes Guerras Mundiais, o crescimento eco- nômico e a demanda por uma sociedade cada vez mais “produtiva” são fatores que fortemente infl uenciaram as concepções e a educação ofertada às pessoas defi cientes na atualidade. No século XX, são proliferadas por todo o mundo as instituições especializadas na educação de pessoas com defi ciência. As primeiras foram criadas para surdos e cegos. Posteriormente, foram contemplados os indivíduos com defi ciências intelectuais(WINZER, 2002). Essas instituições, mantidas essencialmente por entidades fi lantrópicas, ganham maior visibilidade após as duas grandes guerras. Isso porque muitas pessoas que antes se encaixavam nos padrões de normalidade voltaram das batalhas com mutilações e outras condições de excepcionalidade, que exigiam um atendimento especializado (Mendes, 2006). Ressalta-se o fato de serem esses indivíduos ex-combatentes, detentores de um capital social e cultural diferenciado (CARVALHO-FREITAS, 2007), que justifi cavam uma reabilitação para a (re) inserção no mercado de trabalho. A economia do século XX, marcada pelo desenvolvimento industrial e pelo crescimento urbano, demandava uma sociedade escolarizada e competitiva. Assim, surge a obrigatoriedade do ensino e, com o crescimento das cidades, a proliferação das escolas. Essas instituições passam a receber grupos cada vez maiores e mais heterogêneos de alunos. Muitos desses educandos não apresen- tavam defi ciências “visíveis”, mas difi culdades nas habilidades de aprender. Desse modo, a sociedade é instigada a pensar nas diferenças individuais, nas excepcionalidades. Em paralelo ao sistema regular de ensino, expandiam-se, também, as insti- tuições especiais que, aos poucos, passaram a receber maior apoio do Estado. Os movimentos sociais de Direitos Humanos, surgidos em meados do século XX, ratifi cavam o direito à educação da pessoa com defi ciência, assim como sua inserção no mercado de trabalho. Alertavam, ainda, para os efeitos prejudiciais de uma educação segregada (Mendes, 2006). Pesquisas indicavam que as pessoas excepcionais aprendiam melhor em escolas regulares ao invés de apartadas em instituições especializadas. Aliados a isso estavam os altos custos do Estado em manter essas instituições que, por fi m, produziriam indivíduos pouco capacitados e competitivos. Surgem, então, os movimentos de integração e inclusão escolar que ofertariam à pessoa com defi ciência o direito a ser educada em ambientes menos restritivos. Pronto! Chegamos ao fi m desta aula sobre a história da educação especial! Integração e Inclusão Escolar Integração e Inclusão serão abordados na próxima aula. Resumo 1 2 3 Aula 2 Educação Inclusiva42 Nesta aula, você estudou que a educação e a concepção da pessoa com defi ciência esteve, no decorrer dos séculos, intrinsecamente relacionada com mudanças sociais, políticas, religiosas e econômicas da sociedade. Verificou que esses indivíduos atravessaram a Antiguidade como “seres sobrenaturais” e receberam status de pessoa, “criatura de Deus” no decorrer da Idade Média; adentraram a Idade Moderna como “suplicantes”, que dependiam da caridade humana para sobreviver em instituições segregadas; e, na contemporaneidade, ganharam, paulatinamente, a notoriedade de cidadãos educáveis, quando o Estado ratifi cou a necessidade do atendimento especializado em instituições. Por fi m, viu que os movimentos sociais de Direitos Humanos, aliado aos altos custos de uma educação paralela, fi zeram com que a pessoa defi ciente se tornasse, na atualidade, “um cidadão com direito à Educação”. Autoavaliação Elabore um quadro ressaltando as oportunidades de Educação e as con- cepções acerca da pessoa com defi ciência no decorrer dos quatro períodos históricos, conforme sugerido no quadro a seguir. Período Histórico Concepção de Defi ciência Educação de pessoas com defi ciência Antiguidade Idade Média Idade Moderna Idade Contemporânea Atividade de Campo: entreviste duas pessoas de seu convívio e pergun- te o que “pensam” sobre os indivíduos com defi ciência. Atividade de Refl exão: relacione as respostas dos entrevistados com as concepções de defi ciência ressaltadas no quadro anterior. Anotações Aula 2 Educação Inclusiva 43 Referências ASSUMPÇÃO JR, F. B.; SPROVIERI, M. H. Introdução ao estudo da defi ciência mental. São Paulo: Memnon, 2000. CARVALHO, R. Educação Inclusiva: com os pingos nos “is”. 2. ed. Porto Alegre: Mediação, 2005. CARVALHO-FREITAS, M. N. A inserção de pessoas com defi ciência em empre- sas brasileiras. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, 2007. GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. ed. Rio de Janeiro: LTC Editora; 1988. MARTINS, Lúcia de A. R. Fundamentos em Educação Inclusiva. 1. ed. Natal, RN: EDUFRN, 2011. v. 1. 51 p. MENDES, Enicéia Gonçalves. A radicalização do debate sobre inclusão escolar no Brasil. Rev. Bras. Educ., v.11, n. 33, p. 387-405, dez. 2006. PESSOTTI, Isaias. Defi ciência Mental: da Superstição à Ciência. São Paulo: Queiroz; EDUSP, 1984. WINZER, M. A. The history of special education: From isolation to integration. Washington, DC: Gaulladet University Press, 2002. Anotações Aula 2 Educação Inclusiva44 Educação especial no Brasil: um panorama histórico 3 Aula 1 2 3 Aula 3 Educação Inclusiva 47 Apresentação D epois dessa longa viagem em que delineamos um panorama geral da his- tória da defi ciência no mundo, você deve estar curioso para saber como andava a Educação Especial, especifi camente, no Brasil, se perguntando: como surgiu? Quando surgiu? Quem foram os primeiros educandos a serem con- templados por serviços especializados? Como foi a caminhada desses indivíduos rumo às escolas regulares? Essas perguntas serão respondidas durante esta nova jornada, em que traçaremos um breve histórico da educação especial do Brasil colonial até a década de 1990. Objetivos Identifi car os tipos de atendimentos ofertados aos indivíduos com defi ciência no Brasil, do pe- ríodo Imperial até a década de 1990. Identifi car os marcos históricos que infl uencia- ram o processo de atendimento a pessoas com defi ciência no Brasil, do período Imperial até a década de 1990. Defi nir os paradigmas da Educação Especial, in- cluindo o Modelo da segregação e da Integração. a b Aula 3 Educação Inclusiva 49 As primeiras instituições: século XVII – XIX C aro aluno, a Educação no contexto do Brasil colonial era um privilégio de um limitado segmento da nobreza. Nesse cenário, essencialmente agrário e escravocrata, o defi ciente parecia mesclar-se com a grande maioria da população não escolarizada. Assim como na Europa, os excepcionais que falha- vam em se adequar às normas sociais tinham como destino os hospitais, cadeias ou asilos. Poucas instituições especiais parecem ter surgido no período colonial para atender às defi ciências mais “visíveis”. Merece destaque uma instituição religiosa destinada ao tratamento de defi cientes físicos, alocada em São Paulo, em 1600 (JANUZZI, 2004). O atendimento educacional às populações especiais passa a ser expressivo no fi nal do século XVIII e início do XIX. Inspirado nas iniciativas europeias, o imperador D. Pedro II funda dois importantes institutos para o atendimen- to de defi cientes sensoriais. O primeiro, como você pode ver na Figura 1(a), alcunhado Imperial Instituto para Meninos Cegos, hoje denominado Instituto Benjamin Constant (IBC), foi inaugurado em 1854, no Rio de Janeiro. Três anos depois, nessa mesma cidade, sob infl uência de Ernest Huet, é fundado o Insti- tuto dos Surdos-Mudos, Figura 1(b), hoje conhecido como Instituto Nacional dos Surdos (INES). Figura 1 – (a) Instituto Benjamin Constant (IBC) e (b) Instituto Nacional dos Surdos (INES) Fonte: (a) <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Instituto_benjamin_constant_1.jpg>; (b) <http://inclusaodossurdos.blogspot.com.br/>. Acesso em: 10 dez. 2012. Em regime de internato, os alunos do Instituto de Cegos tinham uma formação primária e cursos do secundário. Adicionalmente, recebiam educação moral e religiosa, além de ensino de música, ofícios fabris e trabalhos manuais (JANUZZI, 2004). Os educandos cegos com “difi culdades para aprender” e com “problemas de comportamento” eram excluídos do programa. O Instituto de Surdos sofreu fortes infl uências de Charles Michel de L’Épée. Lembra-se dele? Falamosdesse grande educador em nosso segundo encontro. 1Atividade 1 2 Aula 3 Educação Inclusiva50 Pois bem, além de fundar a primeira instituição educacional para surdos na Fran- ça, L’Épée criou um método conhecido por gestualismo, que foi disseminado em várias partes do mundo. Esse método, caracterizado pelo uso de sinais manuais, foi adotado pelo Instituto de Surdos no Brasil. Paralelamente à escolaridade, a referida instituição oferecia um ensino profi ssionalizante, como ofi cinas de sa- pateiro, encadernação, além de corte e costura (JANUZZI, 2004). Visite o site do IBC <http://www.ibc.gov.br/> e do INES <http://www.ines.gov.br/>. Descreva os tipos de atendimento ofertados a alunos com defi ciências sensoriais. Descreva de que forma os serviços ofertados hoje pelo IBC e INES diferenciam das propostas assinaladas no século XIX, quando essas instituições foram criadas. De acordo com Januzzi (1985; 2004), até o fi nal do Império, apenas duas instituições para o atendimento de defi cientes intelectuais aparecem nos registros históricos do Brasil. A primeira, especializada no atendimento a essa popula- ção, estava alocada na Bahia. A segunda, de ensino regular, atendia também defi cientes físicos e visuais no Rio de Janeiro. Vale ressaltar, ainda, que essas instituições, mantidas pelo estado, parecem ter surgido para atender defi ciências intelectuais mais graves. Os senhores da aristocracia rural, principais responsáveis pelo comando po- lítico do Brasil na época, demandavam uma mão de obra, compulsoriamente, escrava (JANUZZI, 1985). Em uma economia essencialmente agrária, portanto, parecia inexistir vontade política para a escolarização da sociedade. De fato, apesar de a Constituição Federal de 1824 proferir uma educação primária e gratuita para todos, registros de 1870 denunciam que apenas 2% da população tinha acesso ao Ensino Fundamental (JANUZZI, 2004). Eram isentos da escola, em algumas regiões do país, os alunos “normais” que viviam há mais de 2 ou 3 quilômetros de distância das instituições de ensino, os portadores de doenças contagiosas e os desprovidos de recursos. Sabe-se, também, que as crianças que apresentassem atestados médicos de incapacidade “mental” ou física não precisavam ir à escola (Januzzi, 2004). Nesse contexto, é plausível supor que as pessoas com defi ciência fundiam-se com a grande maioria iletrada, no fi nal do século XIX. Aula 3 Educação Inclusiva 51 O Paradigma da segregação Os médicos, principais responsáveis pela identifi cação e “tratamento” desses indivíduos, começaram a perceber a importância da pedagogia no início do século XX. Essa perspectiva é revelada pela criação de instituições escolares ligadas a hospitais psiquiátricos. Como exemplo, temos a oferta de serviços pedagógicos para crianças com defi ciência intelectual, no Hospício da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, em 1905 e, no Hospício de Juqueri, em São Paulo, por volta de 1920. Esses serviços eram coordenados por médicos, tendo como auxiliares, os pedagogos. Eram, também, os médicos que supervisionavam, através do Serviço Médi- co-Escolar, o funcionamento de escolas, na década de 1920. Esses inspetores eram responsáveis por vistoriar as escolas regulares e separar os alunos normais dos que apresentavam “anormalidades”. De acordo com documentos correntes, os “anormais” incluíam, além dos defi cientes, os tímidos, os insofridos ou in- disciplinados, os preguiçosos ou desatentos e retardados por diferentes causas (OLIVEIRA, 1917 apud JANUZZI, 1985, p. 38). A legislação vigente na época proferia que esses educandos, por não apren- derem e impedirem a aprendizagem dos colegas “normais”, fossem encaminha- dos a classes especiais. Registros históricos, no entanto, falham em descrever se essas classes foram, de fato, criadas nesse período (JANUZZI, 2004). Su- põe-se que o destino de muitos tenha sido os hospitais psiquiátricos e outras instituições segregadoras. Para o interesse dos cofres públicos era pertinente prover escolas para o defi - ciente, uma vez que, em manicômios ou prisões, custariam mais caro ao Estado. Como educar, então, esses alunos? É nesse contexto que o trabalho de Helena Antipoff (1892-1974), Figura 2, uma educadora russa, residente no Brasil, ganha destaque. Figura 2 – Helena Antipoff Fonte: <http://ripehp.fi les.wordpress.com/2012/09/helena-antipoff.jpg?w=584>. Acesso em: 10 dez. 2012. Aula 3 Educação Inclusiva52 Antipoff, inspirada nos métodos educativos delineados pela Psicologia, propôs a divisão “homogênea” de classes no sistema regular de ensino, assim como a criação de classes especiais. Ou seja, considerando os estudos de Binet, Antipoff sugeriu que os alunos fossem agrupados de acordo com seus níveis intelectuais, medidos a partir dos testes de inteligência. Criou, então, em Belo Horizonte, na década de 1930, um “sistema” de classes homogêneas, composta por grupos com QI elevado, médio e inferior. No entanto, [...] os procedimentos que havia sugerido para a organização das classes homogêneas e o tratamento das crianças com difi culdades de aprendizagem estavam se voltando contra as próprias crianças que se pretendia ajudar. As classifi cações por nível intelectual, realizadas no início do ano escolar, transformavam-se, nas mãos da tecnocracia educacional, em verdadeiras “profecias autocumpridas”, selando o destino de muitas crianças com base em prognósticos baseados em resultados de testes de QI (CAMPOS, 2003, p. 220). A carência de investimento no ensino e a escassez de serviços especializados para o atendimento de alunos excluídos das classes regulares era notório nesse período. O censo escolar de 1950 revelou, por exemplo, que dos 100 mil cegos e 50 mil surdos no país, apenas 0,3% e 1,5%, respectivamente, recebiam “edu- cação ofi cial sistemática” (JANUZZI, 2004). É nesse panorama de descaso do poder público que se intensifi cam, a partir de 1930, a implantação de instituições fi lantrópicas de apoio e escolas especiais privadas para alunos defi cientes. Merece destaque a Sociedade Pestalozzi, entidade fundada por Helena Anti- poff, em 1932, para fornecer orientações médico-pedagógicas a pais e professores de alunos com excepcionalidades, incluindo os com defi ciências, problemas de conduta, surdos, dentre outros. Destaca-se, também, o Conselho Brasileiro para o Bem-estar do Cego e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), fundados em 1954. Alfred Binet Especialista no estudo da inteligência e dos proces- sos cognitivos. Construiu uma escala métrica da inte- ligência, visando avaliar as capacidades cognitivas das crianças. A APAE é, ainda hoje, considerada uma das maiores organizações de apoio às pessoas com defi ciência. São mais de 2000 APAES espalhadas por todo o território brasileiro, atendendo mais de 250 mil pessoas. Para conhecer mais, visite o site <http://www.apaebrasil.org.br/>. 2Atividade 1 2 3 Educação regular • Escolas regulares Educação especial • Escolas especiais • Instituições especiais Aula 3 Educação Inclusiva 53 Vimos que os movimentos fi lantrópicos destinados a atender pes- soas com defi ciência surgiram por volta de 1930. Será que eles ainda existem? Para obter essa informação, siga os passos que seguem. Faça um levantamento em sua cidade sobre as instituições fi lantrópicas que atendem pessoas com defi ciência. Descreva essas instituições, salientando as características da população atendida e os tipos de serviços ofertados. Qual a relação que essas instituições mantêm com as escolas regulares? A questão da defi ciência ganhava notoriedade na medida em que as escolas começam a receber um contingente maior e mais heterogêneo de educandos, a partir da década de 1950. Para você ter uma ideia, 2.413.592 alunos estavam matriculados no ensino fundamental em 1935. Vinte anos depois, em 1955, esse número chegara a 4.545.630 (RIBEIRO, 2000 apud JANUZZI, 2004). Com a heterogeneidade dos estudantes que adentravamas instituições de ensino, aumentava-se, também, o fracasso escolar de muitos, incluindo os defi cientes. Aliado a esse fenômeno, surgiram, em todo o mundo, os movimentos sociais pelos direitos humanos, desencadeados no pós-guerra e intensifi cados na década de 1960. Esses movimentos alertavam a sociedade sobre os efeitos prejudiciais da segregação e marginalização das minorias (Mendes, 2006). Nesses grupos minoritários, estavam os defi cientes que, até a década de 1960, eram precaria- mente educados em sistemas segregados de ensino. Para ser mais preciso, em escolas especiais e instituições fi lantrópicas que funcionavam, em paralelo, às escolas regulares. Essa forma de agrupamento é o que se designa de “modelo de duas caixas”, caracterizando o paradigma da segregação na Educação Especial, como observado na Figura 3: Figura 3 – Paradigma da Segregação em Educação Especial Alunos Em cada mil habitantes, apenas 54 iam à escola, em 1932 (RIBEI- RO, 2000 apud JANUZZI, 2004). Classe comum Classe comum com serviço complementar Classe especial em tempo parcial Classe especial em tempo integral Escola especial Ambientes hospitalares Instituições residenciais Mais rápido Mais lento Aula 3 Educação Inclusiva54 A migração de educandos com defi ciência de escolas especiais para escolas regulares não era viabilizado, considerando o próprio modelo paralelo de ensino. O paradigma da Integração No fi nal dos anos 60 e no decorrer das duas décadas de 1970/80, surge, impulsionado pelos movimentos sociais de direitos humanos, o paradigma da integração. Esse modelo, representado por uma pirâmide invertida ou por uma cascata (DENO, 1970 apud MAZZOTTA, 1982), revela o continuum de serviços educacionais ofertados em ambientes mais e menos segregados, conforme evi- dencia a Figura 4, mostrada a seguir: Figura 4 – Paradigma da Integração Conforme observado no esquema da Figura 4, no topo da pirâmide teríamos a classe regular, almejada por todos. Na camada anterior, a classe regular com serviços complementares; em seguida, as classes especiais, em tempo parcial ou integral, alocadas dentro da escola regular. Por fi m, saímos da escola regular e encontramos as escolas especiais, seguidas dos contextos hospitalares e insti- tuições residenciais. A permanência em espaços menos segregados, ilustrados pelos retângulos maiores, localizados no topo da cascata, deve ser a meta de todos os educandos. Os espaços inferiores, situados fora da escola regular, como as escolas especiais Aula 3 Educação Inclusiva 55 e as instituições residenciais, devem ser menores e servir o menor número de alunos possível. As setas posicionadas à direita e à esquerda do modelo indicam, respectiva- mente, que os educandos devem “subir” a pirâmide o mais rapidamente possível e descer de forma lenta. Em outras palavras, o sistema de ensino deve criar me- canismo para manter os alunos em ambientes menos segregados, difi cultando a migração dos estudantes para espaços mais restritivos. As modalidades de atendimento educacional na perspectiva da integração passaram a ser secionadas, conforme observado na Figura 4. O educando podia ser atendido em classe comum, classe especial ou qualquer outra modalidade de ensino, que não incluía, necessariamente, a classe regular. No Brasil, o paradigma da integração é, inicialmente, refl etido nas Leis de Diretrizes e Bases da década de 1960 e, posteriormente, na Constituição Federal de 1988. No art. 88 da LDB 1961 (4.024/19 61), por exemplo, consta que “a edu- cação de excepcionais, deve, no que for possível, enquadrar-se no sistema geral de educação, a fi m de integrá-los na comunidade”. A Constituição Federal de 1988 consagrou a educação como um direito de todos e garantiu o atendimento educacional especializado aos “portadores de defi ciência”. Conforme expresso no artigo 208, esses educandos deveriam es- tudar “preferencialmente” na rede regular de ensino. Vale destacar o termo “preferencialmente” empregado no documento que, claramente, não signifi ca exclusivamente ou obrigatoriamente. Gostou do modelo? Será que deu certo? As difi culdades em avaliar e conceder a progressão do aluno de um nível mais limitativo para outro menos restritivo foi um dos principais obstáculos desse novo paradigma. As políticas de integração, embora realçassem que os educandos de- veriam, “preferencialmente”, estar alocados em classes regulares, fi ndaram por aplicar, quase que permanentemente, a exclusão. Nesse cenário, mais crianças passaram a ser excluídas do que integradas (MENDES, 2006). Esse resultado faz sentido quando analisamos “as entrelinhas” do modelo proposto. Para que a integração ocorra, é preciso que o aluno desenvolva habi- lidades específi cas, para poder coabitar com seus pares em cada segmento da cascata. Em última instância, o educando deve adaptar-se à escola, que perma- nece inalterada. Essa perspectiva é refl etida na Política Nacional de Educação Especial, pu- blicada em 1994, na qual é salientado que devem ter acesso às classes comuns do ensino regular os educandos que “[...] possuem condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos normais” (BRASIL, 1994, p. 19). Portadores de defi ciência Esse era o termo usado na época para referir-se aos educandos com defi ciências sensoriais (auditiva e visual), defi ciências múltiplas, condutas típicas (transtornos de comportamento; autismo) e altas habilidades. 3Atividade Leituras complementares Aula 3 Educação Inclusiva56 Um novo paradigma de educação, em que os alunos com defi ciência não apenas adentrem, mas permaneçam no sistema escolar tornou-se imperativo na década de 1990. Esse novo modelo deveria enfocar em transformações da escola, em detrimento das modifi cações de seus educandos. De forma específi - ca, na construção de um ambiente educacional que atendesse às demandas de uma população heterogênea. Desse modo, a escola se adaptaria ao aluno e não o aluno à escola. Estavam, então, criados os fundamentos para o modelo da Educação Inclu- siva, que será descrito em nosso próximo encontro. Elabore um quadro comparativo, ressaltando as principais caracte- rísticas de cada modelo visto nesta aula. Paradigma Segregação Integração Período Características principais Críticas Para saber mais sobre o assunto que estudamos nesta aula, conheça as pu- blicações da Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação. Você encontrará documentários, artigos e fascículos que narram um pouco da história de Educação Especial no país. Para isso, acesse o portal: <http://portal.mec.gov. br/index.php?option=com_content&view=article&id=17009&Itemid=860>. Além disso, você pode consultar o artigo de Enicéia Gonçalves Mendes, que fornece, em uma perspectiva crítica, um panorama histórico da educação especial no Brasil. MENDES, Enicéia Gonçalves. A radicalização do debate sobre inclusão escolar no Brasil. Rev. Bras. Educ., v. 11, n. 33, p. 387-405, dez. 2006. Acesso: http:// www.scielo.br/pdf/rbedu/v11n33/a02v1133.pdf Resumo 1 2 Aula 3 Educação Inclusiva 57 Nesta aula, você conheceu um pouco da história da Educação Especial no Brasil, da época colonial à década de 1990. Você aprendeu que o tratamento das pessoas defi cientes tornou-se expressivo no fi nal do século XIX. Seguindo tendência europeia, os primeiros serviços foram criados para os defi cientes sensoriais, como os cegos e surdos. Posteriormente, foram contemplados os deficientes físicos e os intelectuais que, durante muito tempo, foram mantidos em manicômios e asilos. De uma forma geral, a educação da pessoa com defi ciência no Brasil ganhou notoriedade na medida em que as escolas regulares se expandiram na segunda metade do século XX. Nesse momento, você pôde observar que se multiplicaram as instituições de caráter fi lantrópico e escolas especiais que bem caracterizaram um sistema segregador e paralelo
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