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1 HANDOUT – AULA 6 1. Vícios Intelectuais 1.1. Revisão: • Devemos de algum modo discutir que tipo de controle temos sobre nossos métodos de formar crença; • Devemos de algum modo discutir que tipo de dano está envolvido; • Se estamos falando sobre como formamos nossas crenças, e não sobre a verdade e falsidade delas, devemos considerar nossos sistemas cognitivos e as ciências cognitivas; A teoria de Vícios Intelectuais busca definir a natureza dos vícios intelectuais. A partir da compreensão sobre a natureza dos vícios intelectuais, é possível realizar uma avaliação sobre a (possível) responsabilidade intelectual e moral. Definição: Vício Intelectual: Um vício intelectual é um traço de caráter culpável ou repreensível, atitude ou modo de pensar que obstrui sistematicamente a obtenção, manutenção ou compartilhamento de conhecimento. Para algo ser vício intelectual, é necessário que: • Seja um traço de caráter, uma atitude ou modo de pensar; o Cassam aceita a possibilidade de outros processos psicológicos, mas estes três abraçam bem grande parte dos casos. • Que seja de algum modo culpável ou repreensível; • Que sistematicamente obstrua a obtenção, manutenção ou compartilhamento de conhecimento; A tese de Cassam é uma tese considerada Obstrucionista. A ênfase é na Consequência dos vícios intelectuais e não nos motivos: • Nesse caso, é perfeitamente possível uma pessoa ter interesse pela verdade, ser motivado pela busca da verdade, mas ainda assim ter seus processos cognitivos classificados como vícios intelectuais. • Para ser um vício intelectual, é necessário que o mesmo sistematicamente obstrua a obtenção, transmissão e manutenção do conhecimento. Sistematicamente é a palavra-chave nesta parte da definição. • Todos os vícios são intelectualmente danosos para aquele que possui o vício; • Porém, há vícios que também causam danos a outras pessoas; 2 A definição de Cassam tem o Conhecimento como ponto de partida. O que podemos dizer, brevemente, sobre como devemos compreender aqui a noção de conhecimento? • Conhecimento é baseado em evidências; • Para ser conhecimento, a crença deve ser verdadeira; • Para alguém saber (ter conhecimento) que P, esta pessoa deve estar razoavelmente confiante que P é verdadeira; • Esse grau de confiança é menor que um grau de certeza; • Mas a pessoa deve estar preparada para confiar em P para seu raciocínio prático; Possíveis exemplos de vícios intelectuais: • Mente fechada; • Dogmatismo; • Pensamento ideológico; • Pensamento fantasioso/ilusório; • Arrogância; • Preconceito; • Preguiça; • Ingenuidade; • Medo; • Vieses cognitivos? 2. Como vícios intelectuais podem ser culpáveis ou de algum modo repreensíveis? • Se um traço de caráter, atitude ou modo de pensar não pode ser considerado culpável ou mesmo repreensível, não será considerado vício intelectual, mesmo que sistematicamente obstrua a obtenção, manutenção e transmissão de conhecimento. • Quando um vício é descrito como merecedor de culpa, não é o vício que é culpável, mas sim, a pessoa que possui o vício; • “Alguns vícios intelectuais podem ser falhas morais assim como intelectuais, e podem ser moralmente assim como intelectualmente condenáveis, porém, não é a condenação moral que os fazem vícios intelectuais” (Cassam) Para que o vício seja considerado merecedor de culpa ou de algum modo repreensível, é importante avaliar a Responsabilidade da pessoa. (Voltamos ao debate sobre controle) 2.1. Tipos de Responsabilidade: 3 • Responsabilidade por aquisição – A pessoa é responsável por um vício qualquer V se ela for responsável por ter adquirido e desenvolvido o mesmo. o Desse modo, ela é responsável e culpável pelo vício V porque ela adquiriu o mesmo voluntariamente. o Essa aquisição pode ser por treinamento, hábito, imitação, etc. o Pergunta: Adquirimos vícios (ou virtudes) voluntariamente? Ou é a “sorte epistêmica”, como discutido na aula passada por Cheryl, que nos coloca em tais situações? o Exemplo: O jovem que cresce na Siria e pensa que todos os estadounidenses são demoníacos e merecem morrer. • Responsabilidade de Revisão – A pessoa pode não ser responsável pela aquisição de um vício, porém, ela tem a possibilidade e a habilidade de modificar seus traços de caráter, atitudes e modos de pensar que possui. o Pergunta: Essa possibilidade de revisar e modificar seus hábitos intelectuais deve ser uma possibilidade em princípio ou uma possibilidade prática? o Exemplo: O jovem sírio. Ele é capaz de identificar, reconhecer seus vícios e modificar os mesmos? o Se a resposta for não, então podemos dizer que ele não possui nem responsabilidade por aquisição nem de revisão. • Se há algum tipo de responsabilidade envolvida, então há culpabilidade. Pergunta: E se não há responsabilidade, como no caso do jovem sírio? Então seu (possível) dogmatismo e mente fechada não são vícios? • Podemos de alguma forma criticar, repreender, o jovem por seus traços de caráter, atitudes e modo de pensar que sistematicamente obstruem a obtenção, manutenção e transmissão de conhecimento. • Ele não é culpado por possuir o vício, mas ele é merecedor de crítica, de ser repreendido por eles; • Ele é merecedor de crítica e repreensão porque esses traços de caráter, atitudes ou modo de pensar refletem negativamente a personalidade dele; • Desse modo, mesmo sem responsabilidade, como é algo que é merecedor de crítica e de repreensão, então pode ser considerado um vício intelectual; 2.2. Ignorância Nas aulas passadas, vimos que é possível que a ignorância as vezes seja desculpável. Podemos imaginar o seguinte caso de ignorância: Ignorância: O sujeito F. possui o vício intelectual da covardia intelectual. Sistematicamente, ao ter contato com certo tipo de evidências que poderia fazê-lo mudar de ideia a respeito da moralidade de seus hábitos alimentares, ele evita estas evidências por medo de aprender algo novo que entra em conflito com sua forma de ver o mundo. Ele evita conversar sobre o tema, evita ler livros sobre 4 o tema e evita ver documentais e informações científicas sobre o tema. Este vício intelectual sistematicamente bloqueia o acesso de F. ao conhecimento. Porém, F. não sabe que possui tal vício. F. não sabe nem mesmo que existem vícios intelectuais, não tem ideia de como funciona o aparato cognitivo humano, e não tem ideia de que pode modificar seus hábitos intelectuais para ser intelectualmente virtuoso. F. é ignorante sobre o fato de que possui o vício intelectual. Pergunta: Seria esta ignorância desculpável, pois aparentemente a ignorância implica que F. não possui nem responsabilidade por aquisição nem responsabilidade de revisão? (Ou seja, seria este caso similar ao do jovem sírio?) 3. Tipos de Danos Podemos perceber algumas diferenças entre a teoria de vícios intelectuais e teorias morais em relação aos danos. Os danos que os vícios intelectuais causam são: • Danos ao portador do vício (a maioria dos vícios); • Danos diretos a outras pessoas; • [Seriam vícios?] Danos indiretos a outras pessoas (danos ao meio ambiente informacional); Vamos tentar fazer algumas comparações: a) Dano pontual à minha pessoa: - Se eu corto meus braços uma vez, por alguma razão específica, não estou sendo imoral. E nem possuo, aparentemente, nenhum problema psicológico. - Se eu evito evidências pontualmente, por alguma razão específica, não estou causando dano intelectual em mim. b) Dano sistemático à minha pessoa: - Se eu sistematicamente me autoflagelo, não estou sendo imoral, pois não caso danos a outras pessoas, apesar de estar causando danos físicos à minha pessoa. Tudo indica que devo procurar um psicólogo, pois tenho um sintoma de um possível distúrbio, transtorno psicológico. - Se eu sistematicamente evito evidências,estou causando danos intelectuais à minha pessoa, e sou responsável (aquisição ou revisão) por este comportamento. Logo, possuo um vício intelectual. 5 c) Dano pontual e intencional à outra pessoa: - Se eu intencionalmente e pontualmente causo dano a outra pessoa, sem necessidade, pode-se dizer que minha ação é imoral e sou culpável por ela. - Se eu intencionalmente e pontualmente causo dano intelectual a outra pessoa (ignoro o que outra pessoa diz, ou não dou a ela o crédito que ela merece), e este ato não é parte nem de meu caráter intelectual, modo de pensar nem atitude, e nem reflete negativamente a minha personalidade, então não tenho um vício intelectual; [Seria um caso de silenciamento epistêmico? De injustiça epistêmica?] d) Dano sistemático à outra pessoa: - Se eu intencionalmente e sistematicamente causo danos a outras pessoas, sem necessidade, então pode-se dizer que minhas ações de causar dano recebem uma avaliação moral negativa e possivelmente isso indica meu caráter moral (vício moral); - Se eu sistematicamente (intencionalmente ou não) causo dano intelectual a outras pessoas (ignoro o que a outra pessoa diz, ou não dou a ela o crédito que ela merece), e sou responsável (aquisição ou revisão) por este comportamento, ou mesmo não sendo responsável ele reflete negativamente em minha pessoa, então tenho um vício intelectual; [Seria também um caso de silenciamento epistêmico? De injustiça epistêmica?] Estas comparações parecem nos mostrar que há talvez uma assimetria entre o intelectual e moral: • Vícios intelectuais são como “defeitos” cognitivos. Quando não há defeito, pode-se dizer que há virtude intelectual. Não parece existir um meio termo entre vícios e virtudes. Portanto, o normal cognitivo é a virtude intelectual. • Na teoria moral, a avaliação parece ser diferente. Há vícios morais, há virtudes morais, e há o meio, a mediocridade moral. E segundo sugerem algumas pesquisas, o normal é a mediocridade moral. o Cometemos constantemente atos que recebem avaliação moral negativa, mas também constantemente atos que merecem avaliação moral positiva, não sendo possível nos posicionar nem no lado dos vícios nem no das virtudes. Perguntas: • O que estas comparações nos dizem sobre a relação entre as avaliações intelectuais e morais? • O que estas comparações nos dizem sobre a relação entre vícios intelectuais e injustiças intelectuais? 4. Reflexão: a) Como podemos avaliar, de acordo com a teoria dos vícios intelectuais... 6 a. Os vieses cognitivos? (Sugiro que realizem o Teste de Associação Implicita de Harvard para ver se possuímos vieses racistas, dentre outros vieses possíveis: https://implicit.harvard.edu/implicit/brazil/takeatest.html) b. O caso do armador do navio, de Clifford? c. O caso do racista racional, de Rima Basu? d. O caso das pessoas que consomem produto animal, de Cheryl? e. O caso de autoridades que não percebem sequer o racismo dos agressores de João Alberto, descrito por Wilson Gomes? (https://oglobo.globo.com/sociedade/pode-ser- que-as-autoridades-nem-sequer-percebam-racismo-dos-agressores-de-joao-alberto-diz- filosofo-24762411) f. O caso das pessoas que “cancelaram” Lilia Schwarcz? b) Quais vícios intelectuais você é capaz de reconhecer em você mesmo(a)? c) Seria silenciamento intelectual o ato de proibir discurso de ódio e a livre expressão do pensamento? https://implicit.harvard.edu/implicit/brazil/takeatest.html https://oglobo.globo.com/sociedade/pode-ser-que-as-autoridades-nem-sequer-percebam-racismo-dos-agressores-de-joao-alberto-diz-filosofo-24762411 https://oglobo.globo.com/sociedade/pode-ser-que-as-autoridades-nem-sequer-percebam-racismo-dos-agressores-de-joao-alberto-diz-filosofo-24762411 https://oglobo.globo.com/sociedade/pode-ser-que-as-autoridades-nem-sequer-percebam-racismo-dos-agressores-de-joao-alberto-diz-filosofo-24762411
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