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Crescer na Era das Mídias: 
após a morte da infância 
 
(After the Death of Childhood: growing up in 
the age of electronic media) 
 
 
 
David Buckingham 
 
 
 
Tradução: Gilka Girardello e Isabel Orofino 
 
 
 
 
Referencia: 
BUCKINGHAM, David. Crescer na Era das Mídias: após a morte da infância. Tradução de 
Gilka Girardello e Isabel Orofino. Florianópolis. 2006. Título original: After the death of 
childhood: growing up in the age of eletronic media. Trabalho não publicado. Buckingham - 
Crescer na era das mídias - inteiro.doc. 1 arquivo (760 Kb). Word 2003. 
 2
(CONTRACAPA) 
 
“As mídias vitimizam as crianças ou lhes dão poder? Lúcido e capaz de 
enxergar longe, David Buckingham nos desvia dos clichês sobre a infância 
pós-moderna e nos leva até as ruas, escolas, quartos e salas-de-estar onde 
estão as crianças de verdade, tentando lidar não só com as mudanças 
tecnológicas, mas também com as transformações nas instituições e nos 
valores.” 
 Elihu Katz, Universidade da Pennsylvania 
 
“Crescer na Era das Mídias” é uma excelente revisão crítica da agitação que 
cerca a infância e as mídias neste raiar do século XXI. O livro debate as 
questões com grande estilo e extrema clareza, chegando a conclusões que 
são de importância vital, não apenas para educadores e profissionais de 
mídia, como para qualquer adulto interessado e informado.” 
 Valerie Walkerdine, Universidade de Western Sydney 
 
 “ Este é um livro tremendamente impressionante. David 
Buckingham investiga um grande número de afirmações sobre as crianças e 
suas relações com as mídias, e as confronta com a solidez das verdadeiras 
pesquisas. Você não precisa concordar com cada um dos argumentos que ele 
desenvolve ou com as posições a que ele chega para reconhecer que este é 
um trabalho de fôlego excepcional e rica inteligência.” 
 Martin Barker, Universidade de Sussex. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 3
Qual será o destino da infância no século XXI? Será que as crianças 
estarão vivendo cada vez mais “infâncias midiáticas”, dominadas pela tela 
eletrônica? Será que seu crescente acesso às mídias adultas vai ajudar a abolir as 
diferenças entre infância e maturidade? Ou será que o advento das novas mídias 
irá aumentar ainda mais o fosso entre as gerações? 
 
David Buckingham faz uma revisão lúcida e acessível das mudanças 
recentes, tanto na infância quando no ambiente das mídias. Ele refuta o 
simplismo do pânico moralista diante das influências negativas das mídias, 
assim como o otimismo exagerado sobre a ‘geração eletrônica’. No 
processo, ele aponta os desafios colocados pela proliferação das novas 
tecnologias, a privatização das mídias e do espaço público, e a polarização 
entre os que têm e os que não têm acesso às mídias. Ele argumenta que as 
crianças não podem mais ser excluídas ou protegidas do mundo adulto da 
violência, do comercialismo e da política, tendo que ser preparadas para lidar 
com ele; e que são necessárias novas estratégias para proteger os direitos 
delas enquanto consumidoras e cidadãs. 
 
Baseado em extensas pesquisas, este livro lança um novo olhar às 
preocupações já estabelecidas sobre os efeitos das mídias nas crianças. Ele 
aborda de modo desafiador e revigorante as eternas preocupações de 
pesquisadores, familiares, educadores, produtores de mídia e planejadores. 
 
David Buckingham é Professor do Instituto de Educação da Universidade de 
Londres. 
 
 
 
 
 
 4
CONTEÚDO 
 
Agradecimentos.................................................................... 
 
Introdução 
1. Em Busca da Infância................................................ 
 
Parte I 
2. A Morte da Infância................................................... 
3. A Geração Eletrônica................................................. 
 
Parte II 
4. Infâncias em Mudança................................................ 
5. Mídias em Mudança................................................... 
6. Paradigmas em Mudança........................................... 
 
Parte III 
 7. As Crianças assistindo à Violência......................... 
8. As Crianças como Consumidoras................................ 
 9. As Crianças como Cidadãs.......................................... 
 
Conclusão 
 10. Os Direitos de Mídia das Crianças............................ 
 
Notas 
Referências 
Índice Remissivo 
 
 
 5
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA 
 
Para aqueles de nós que estamos próximos de crianças na vida diária – pais, mães, 
familiares, professores ou outros profissionais – é difícil ignorar a importância cada vez 
maior das mídias eletrônicas. Em todas as sociedades industrializadas – e também em muitos 
países em desenvolvimento – as crianças hoje passam mais tempo em companhia dos meios 
de comunicação do que com seus familiares, professores e amigos. As crianças parecem cada 
vez mais viver ‘infâncias midiáticas’: suas experiências diárias são repletas das narrativas, 
imagens e mercadorias produzidas pelas grandes corporações globalizadas de mídia. 
Poderíamos mesmo dizer que hoje o próprio significado da infância nas sociedades 
contemporâneas está sendo criado e definido por meio das interações das crianças com as 
mídias eletrônicas. 
Crescer na Era das Mídias procura oferecer uma revisão crítica e equilibrada das 
pesquisas e debates nesse campo. O livro tenta caminhar sobre a linha estreita que separa o 
desespero sombrio tantas vezes característico das discussões sobre ‘a morte da infância’ e o 
otimismo embriagador que celebra a nova autonomia da ‘geração eletrônica’. A infância, 
como argumentamos no livro, certamente está mudando. Mas as mídias estão longe de ser a 
causa única dessas mudanças: elas nem são as destruidoras autônomas da infância, nem suas 
libertadoras. Se quisermos compreender o verdadeiro significado da mídia na vida das 
crianças, teremos que pensar num contexto amplo. Precisaremos levar em conta as mudanças 
no estatuto social das crianças e as diferentes formas como a infância foi sendo definida ao 
longo da história. Na busca de delinear esse amplo contexto, espero que o livro possa 
interessar não apenas a especialistas em comunicação, mas também a todos os que estudam as 
crianças e trabalham com elas 
Fico especialmente feliz com a publicação desta edição brasileira. Ao escrever o 
livro, tentei arduamente levar em conta os potenciais leitores em outros países, apesar de ser 
difícil fazer isso sem cair em generalizações e abstrações. Tenho a certeza de que os leitores 
brasileiros perceberão muitas diferenças entre suas próprias culturas e aquela de onde derivou 
este livro. Diferentes histórias, crenças religiosas e sistemas políticos inevitavelmente geram 
diferentes concepções de infância. As características da família e da escola – as duas 
instituições-chave que em grande parte delimitam e definem as vidas das crianças – variam 
bastante de uma cultura para outra. Até certo ponto, isto talvez limite a relevância e a 
aplicabilidade de alguns de meus argumentos. Por outro lado, fica reforçada uma de minhas 
idéias centrais: a de que a infância não é absoluta nem universal, e sim relativa e 
diversificada. A idéia de infância é uma construção social, que assume diferentes formas em 
diferentes contextos históricos, sociais e culturais. 
Ao mesmo tempo, porém, a infância também é cada vez mais um fenômeno global. O 
argumento de Kenichi Ohmae, citado no capítulo 3, é muito relevante nesse sentido. Ohmae 
sugere que – em resultado da disseminação global das mídias eletrônicas – as crianças de hoje 
podem ter mais em comum com crianças de outras culturas do que com seus próprios pais. 
Depois da publicação de Crescer na Era das Mídias Eletrônicas, estive envolvido com um 
projeto internacional sobre Pokémon que ilustrou amplamente esta questão. Aquele era um 
fenômeno de mídia bastante inacessível aos adultos – que mais parecia, aliás, planejado para 
excluí-los. Mas presenciei situações onde o Pokémon parecia servir como um tipo de ‘língua 
franca’ – uma base para acomunicação e a construção de amizade entre crianças que tinham 
muito pouco em comum em termos de linguagem verbal. É claro que a lógica econômica das 
modernas indústrias de mídia exige isso: produzir e adaptar produtos para um mercado global 
já não é uma conseqüência extra, e sim uma necessidade cada vez maior. 
 6
Nesse sentido, alguns poderiam dizer que as mídias fornecem uma ‘cultura comum’ 
global às crianças, que transcende as fronteiras nacionais e as diferenças culturais 
estabelecidas. Para uns, isso pode ser considerado uma forma de liberação – uma 
oportunidade de as crianças irem além dos entraves limitadores da tradição. Para outros, no 
entanto, trata-se apenas de mais uma evidência do processo global de homogeneização, em 
que as especificidades das experiências e identidades culturais das crianças são 
negligenciadas e até mesmo destruídas. Será que à medida que as crianças vão crescendo 
todas juntas, sob os signos do capital – Pokémon, Disney, MacDonalds – irá desaparecer o 
caráter local e situado da infância? Ou será que na verdade as crianças interpretam e recriam 
as culturas globais através dos filtros mediadores de experiências e significados locais? Essas 
questões são centrais nos debates contemporâneos sobre a globalização da cultura, mas 
provavelmente se aplicam de modo especial à nossa compreensão da infância. 
Ao ler meu texto através do filtro de suas próprias experiências culturais, certamente 
você verá emergir diferenças. Nosso aprendizado sobre essas diferenças lança luz sobre 
aquilo que consideramos ponto pacífico em nossas próprias culturas, o que pode por sua vez 
gerar um diálogo global mais informado e receptivo sobre o futuro da infância. Espero que 
esta publicação contribua para esse diálogo. 
David Buckingham 
Londres, 2004 
 7
Agradecimentos 
Em muitos aspectos, este livro é uma compilação – ao menos provisória – de uma área de 
pesquisa que tem me preocupado há mais de quinze anos. Assim, ele se baseia em trabalhos 
anteriormente publicados, e em alguns trechos diretamente revisa e incorpora materiais de livros 
e artigos anteriores. Desde o início, porém, o livro foi concebido como um projeto coerente, e 
inclui uma considerável quantidade de materiais inéditos. 
Gostaria de agradecer às muitas pessoas que trabalharam comigo nos inúmeros projetos 
empíricos de pesquisa nos quais este livro se baseia, especialmente Mark Allerton, Sara Bragg, 
Hannah Davies, Valerie Hey, Sue Howard, Ken Jones, Peter Kelley, Gunther Kress, Gemma 
Moss e Julian Sefton-Green. Agradecimentos especiais vão para Peter Kelley por seu trabalho 
com os dados estatísticos apresentados no capítulo 4. Gostaria também de agradecer às muitas 
organizações que financiaram os projetos: o Economic and Social Research Council, o 
Broadcasting Standards Council, a Nuffield Foundation, a Spencer Foundation e o Arts Council 
of England. 
Tenho uma dívida especial com o Professor Elihu Katz e a Annenberg School for 
Communication, na Filadélfia, pela bolsa que me permitiu começar a trabalhar no livro. E ao 
Institute of Education por proporcionar um ambiente de trabalho solidário. Gostaria também de 
agradecer a outros colegas internacionais com quem debati estas questões, ou cuja pesquisa 
informou e apoiou a minha, em especial a Elizabeth Auclaire, Kirsten Drotner, JoEllen 
Fisherkeller, Horst Niesyto, Geoff Lealand e Joe Tobin. Agradeço também aos diversos grupos 
de alunos, acadêmicos e professores que foram os destinatários de alguns destes argumentos 
durante os últimos anos, e que ajudaram a reformular e a desenvolver minhas idéias; entre eles, 
meus alunos de mestrado no curso de Cultura das Mídias para Crianças no Institute of 
Education, assim como a platéias na França, Alemanha, Noruega, Dinamarca, Finlândia, em 
Luxemburgo, no Canadá, na Austrália, nos Estados Unidos e na Inglaterra. 
Finalmente, minha profunda gratidão a Célia Greenwood, Clemency Ngayah-Otto e Julian 
Sefton-Green por sua cuidadosa leitura do manuscrito; e para meus assistentes-mirins de 
pesquisa Nathan e Louis Greenwood, que sempre demonstraram uma saudável independência 
em relação às idéias de seu pai. Este livro é dedicado a eles. 
 
 8
INTRODUÇÃO 
Capítulo 1. Em Busca da Infância 
 
Uma das lamentações mais freqüentes nos últimos anos do século XX foi o 
desaparecimento da infância. Ela ecoou através de um amplo conjunto de campos sociais – a 
família, a escola, a política, e, talvez principalmente, as mídias. É claro que a figura da 
criança sempre foi foco dos medos, desejos e fantasias dos adultos. Nos últimos anos, porém, 
os debates sobre a infância assumiram cada vez mais um sentido de ansiedade e pânico. As 
certezas tradicionais sobre o significado e o status da infância têm sido constantemente 
corroídas e abaladas. Parecemos não saber mais onde encontrar a infância. 
O lugar da criança nesses debates, no entanto, é profundamente ambíguo. Por um 
lado, as crianças são vistas cada vez mais como sob ameaça e em perigo. Assim, temos 
assistido a uma sucessão de investigações importantes sobre o abuso infantil, tanto nas 
famílias como nas escolas e lares infantis. As reportagens sobre assassinatos de crianças e os 
escândalos sobre filhos ‘esquecidos sozinhos em casa’ são freqüentes na imprensa; e a 
histeria pública sobre o risco de ondas de seqüestros cometidos por pedófilos é cada vez mais 
intensa. Enquanto isso, nossos jornais e telas de TV mostram cenas das infâncias bem 
diferentes das crianças nos países em desenvolvimento: os meninos de rua da América 
Latina, os pequenos soldados da África e as vítimas de turismo sexual na Ásia. 
Por outro lado, as crianças também são cada vez mais percebidas como uma ameaça 
ao restante de nós – como violentas, anti-sociais e sexualmente precoces. Cresce a 
preocupação com o aparente colapso da disciplina escolar, o aumento da criminalidade 
infantil, do consumo de drogas e da gravidez na adolescência. Já na década de 1970 começara 
a pairar a ameaça de uma incontrolável subclasse de jovens, presa num limbo entre a escola e 
o trabalho – mas agora os delinqüentes são ainda mais jovens. O jardim sagrado da infância 
tem sido crescentemente violado; apesar disso, as próprias crianças parecem relutar cada vez 
mais em ficarem confinadas a ele. 
As mídias estão envolvidas nisso de formas contraditórias. De um lado, elas são o 
veículo primordial onde se travam os debates correntes sobre a natureza em mutação da 
infância – e, nesse processo, sem dúvida contribuem para o crescente sentimento de medo e 
pânico. De outro lado, no entanto, as mídias são freqüentemente acusadas de serem as causas 
originárias de tais problemas – de provocarem indisciplina e comportamentos agressivos, de 
inflamarem a sexualidade precoce e de destruírem os laços sociais saudáveis que poderiam 
prevenir sua ocorrência. Os jornalistas, os sabichões midiáticos, os auto-proclamados 
guardiães da moralidade pública – e um número cada vez maior de acadêmicos e políticos – 
são incessantemente chamados a se pronunciar sobre os perigos que as mídias oferecem às 
crianças: a influência de vídeos violentos e ‘revoltantes’, a mediocrização dos programas 
infantis de televisão, a sexualidade explícita das revistas para os jovens e o fácil acesso à 
pornografia pela internet. E as mídias são agora rotineiramente condenadas pela 
“comercialização” da infância – pela transformação das crianças em consumidoras vorazes, 
levadas pela sedução enganosa dos publicitários a desejar aquilo de que não precisam. 
Ao mesmo tempo, as próprias mídias exibem uma fascinação ambivalente pela 
própria idéia de infância. Os filmes de Hollywood começaram a se preocupar com a figura do 
adulto-criança (Forest Gump,Toys, Dumb and Dumberi) e a da criança-adulta (Jack, Little 
Man Tate, Bigii) A imagens da publicidade mostram uma ambivalência similar, desde a 
famosa dupla diabo negro-anjo branco da campanha das roupas Benetton às ninfetas top-
models dos anúncios de Calvin Klein.Enquanto isso, o reerguimento da Corporação Disney 
indica o potencial global da orientação mercadológica da “cultura infantil” convencional, 
tanto para as crianças como para os adultos – apesar de, ironicamente, Kids, o controvertido 
 9
filme em estilo documentário mostrando drogas e sexo casual entre jovens adolescentes em 
Nova York, pertencer também a uma subsidiária da Disney. 
Entra aí também a figura de Michael Jackson – nas palavras de seu biógrafo, ‘o 
homem que nunca foi criança e a criança que nunca cresceu’.iii Desde a cruzada das crianças, 
representada em seu vídeo Heal the World, passando por sua obsessão pelo imaginário de 
Disney e Peter Pan, até os escândalos em torno do suposto abuso sexual de crianças, Jackson 
é a epítome da intensa incerteza e do desconforto que rodeiam a noção de infância na 
modernidade tardia. 
As respostas dos políticos e dos planejadores a esse sentimento de crise têm sido 
amplamente autoritárias e punitivas. É verdade que existe nos últimos anos uma ênfase 
renovada nos direitos da criança, impulsionada pela Conferência das Nações Unidas sobre os 
Direitos da Criança - apesar de na prática isso ser muitas vezes interpretado como uma 
simples questão de as crianças terem direito a proteção por parte dos adultos. Na maioria dos 
outros aspectos, tem havido um entusiasmo crescente pelas políticas sociais mais 
disciplinadoras. Assim, vemos a introdução de ‘toques de recolher’ para os jovens e a 
construção de novas prisões infantis. Na Grã-Bretanha, foram suprimidos benefícios estatais 
antes concedidos aos jovens; e são organizadas ‘tropas de choque’ para garantir a disciplina 
nas escolas. Tais políticas parecem voltadas mais para proteger os adultos das crianças do que 
para proteger as crianças dos adultos. 
Em relação às mídias, a resposta oficial predominantemente tem sido de ordem 
disciplinar. No rastro de um crescente pânico moralista sobre a influência do sexo e da 
violência nos meios de comunicação, os governos de muitos países criaram leis mais rígidas 
de censura; e na América do Norte assistimos à introdução do V-chip, um dispositivo técnico 
adaptado a todos os novos aparelhos de televisão, que aparentemente irá filtrar materiais 
“violentos”. Enquanto isso, aumenta o interesse no potencial de softwares de bloqueio, com 
títulos sintomaticamente antropomórficos como Net Nanny (‘Net Babá’) e Cyber-Sitter, que 
prometem restringir o acesso das crianças a sites da internet proscritos. Apesar desta busca 
por uma solução tecnológica fácil para o problema, os governos nacionais parecem cada vez 
menos capazes de regular as corporações comerciais que hoje controlam a circulação global 
das mercadorias midiáticas – incluindo as que se destinam ao mercado infantil. 
Entretanto, as interpretações dessas mudanças na infância – e do papel dos meios de 
comunicação em refleti-las ou produzi-las – estão agudamente polarizadas. De um lado, 
acham-se os que argumentam que a infância tal como a conhecemos está desaparecendo ou 
morrendo, e que as mídias – particularmente a televisão – são as maiores culpadas. As mídias 
aparecem aí como responsáveis pelo apagamento das fronteiras entre infância e idade adulta, 
e consequentemente por um abalo na autoridade dos adultos. De outro lado, estão aqueles que 
argumentam que há um crescente abismo de gerações no uso das mídias – que a experiência 
dos jovens com as novas tecnologias (especialmente com os computadores) está cavando um 
fosso entre sua cultura e a da geração de seus pais. Longe de apagar as fronteiras, as mídias 
são vistas aí como responsáveis por um fortalecimento delas – apesar de agora serem os 
adultos aqueles que se acredita terem mais a perder, uma vez que a habilidade das crianças 
com a tecnologia lhes dá acesso a novas formas de cultura e comunicação que em grande 
parte escapam ao controle dos pais. 
Até certo ponto, esses argumentos podem ser vistos como parte de uma ansiedade 
mais geral com relação à mudança social que tende a acompanhar o advento de um novo 
milênio. A metáfora da ‘morte’ está em toda parte – inclusive nas estantes das livrarias, onde 
os livros sobre a morte da infância acham-se ao lado de livros sobre a morte do eu, da 
sociedade, da ideologia e da história. Tais debates em geral não permitem mais que uma 
escolha limitada entre um grandioso desespero e um otimismo apressado. 
 10
Na primeira parte deste livro, reviso com maiores detalhes esses argumentos 
contrastantes e procuro desafiar a retórica totalizante que os caracteriza. Como indicarei, 
ambas as posições baseiam-se em visões essencialistas da infância e dos meios de 
comunicação – e das relações entre eles. Mesmo com todas as suas limitações, porém, tais 
argumentos apontam para dois pressupostos significativos que formam a base desta minha 
análise. Tanto implícita quanto explicitamente, eles sugerem que a noção de infância seja em 
si uma construção social, histórica; e que a cultura e a representação – também sob a forma 
das mídias eletrônicas – sejam uma das principais arenas em que essa construção é 
desenvolvida e sustentada. 
 
Construindo a infância 
 
 A idéia de que a infância é uma construção social é hoje um lugar-comum na história 
e na sociologia da infância; e está sendo cada vez mais aceita até mesmo por alguns 
psicólogosiv. A premissa central aqui é a de que ‘a criança’ não é uma categoria natural ou 
universal, determinada simplesmente pela biologia. Nem é algo que tenha um sentido fixo, 
em cujo nome se possa tranqüilamente fazer reivindicações. Ao contrário, a infância é 
variável - histórica, cultural e socialmente variável. As crianças são vistas – e vêem a si 
mesmas – de formas muito diversas em diferentes períodos históricos, em diferentes culturas 
e em diferentes grupos sociais. Mais que isso: mesmo essas definições não são fixas. O 
significado de ‘infância’ está sujeito a um constante processo de luta e negociação, tanto no 
discurso público (por exemplo, na mídia, na academia ou nas políticas públicas) como nas 
relações pessoais, entre colegas e familiares. 
 Não se está querendo sugerir que os indivíduos biológicos a quem podemos 
coletivamente concordar em chamar de “crianças” de algum modo não existam, ou não 
possam ser descritos. O que se pretende é dizer que tais definições coletivas são o resultado 
de processos sociais e discursivos. Há nisso um certo grau de circularidade. As crianças são 
definidas como uma categoria particular, com características e limitações particulares, tanto 
por si mesmas como pelos outros – pais, professores, pesquisadores, políticos, planejadores, 
agências de bem-estar social e (claro) os meios de comunicação. Essas definições são 
codificadas em leis e políticas; e se materializam em formas particulares de práticas sociais e 
institucionais, que por sua vez ajudam a produzir as formas de comportamento vistas como 
tipicamente “infantis” – ao mesmo tempo que geram formas de resistência a elas.v 
 A escola, por exemplo, é uma instituição social que efetivamente constrói e define o 
que significa ser uma criança – e uma criança de uma determinada idade. A separação das 
crianças pela idade biológica em vez de pela ‘habilidade’, a natureza altamente 
regulamentada das relações entre professor e aluno, a organização do currículo e do horário 
das atividades cotidianas, o processo de avaliação – todos servem de diferentes maneiras para 
reforçar e naturalizar pressupostos particulares sobre o que as crianças são e devem ser. 
Apesar disso, em geral essas definições só são explicitadas nas formas especializadas de 
discurso institucional e profissional das quais as próprias crianças são amplamente excluídas. 
É claro que nem todas essas definições e discursos são necessariamente consistentes 
ou coerentes. É de se esperar, ao contrário, que eles se caracterizem pela resistência e pela 
contradição. A escola e a família, por exemplo, parecem apresentar definições claras dos 
direitos e responsabilidades de adultos ecrianças. No entanto, como bem sabem os pais e os 
professores, as crianças rotineiramente desafiam e negociam essas definições, nem sempre de 
forma direta e sim às vezes através do que poderíamos chamar de táticas de guerrilha. Além 
disso, as expectativas dessas instituições são muitas vezes contraditórias em si mesmas. De 
um lado, por exemplo, os pais e os professores todos os dias conclamam as crianças a 
 11
‘crescerem’, e a se comportarem da forma que consideram madura e responsável; de outro 
lado, eles negam privilégios às crianças, baseados em que elas ainda não têm idade para 
apreciá-los ou não merecem fazê-lo. 
 ‘Infância’ é, portanto, um termo mutável e relacional, cujo sentido se define 
principalmente por sua oposição a uma outra expressão mutável, ‘Idade Adulta’. 
Mesmo, porém, onde os papéis de crianças e adultos estão respectivamente definidos 
por lei, existem consideráveis incerteza e inconsistência. Assim, a idade em que a 
infância termina legalmente é definida de forma primária (e crucial) em termos da 
exclusão das crianças de práticas definidas como propriamente “adultas”, sendo as 
mais óbvias o emprego remunerado, o sexo, o consumo de álcool e o voto. Em cada 
caso, as crianças são vistas como atingindo a maioridade numa idade diferente. No 
Reino Unido, por exemplo, elas podem pagar impostos aos 16 anos, mas não podem 
receber benefícios do estado até os 17, e não podem votar até os 18. Elas têm direito 
ao sexo heterossexual aos 16 anos; mas não podem assistir a imagens explícitas de tal 
atividade, no cinema, antes dos 18. Apesar disso, claro, as crianças de verdade se 
envolvem em muitas dessas atividades bem antes de estarem legalmente autorizadas a 
fazê-lo. 
 
Representando a Infância 
De modo geral, a definição e a manutenção da categoria ‘infância’ depende da produção de 
dois tipos principais de discurso. Primeiro, os discursos sobre a infância, produzidos por 
adultos prioritariamente para adultos – não só na forma dos discursos acadêmicos ou 
profissionais , mas também na forma de romances, programas de televisão e literatura 
popular de auto-ajuda. De fato, o discurso ‘científico’ ou ‘factual’ sobre a infância ( por 
exemplo, o da psicologia, o da fisiologia ou o da medicina) está muitas vezes ligado aos 
discursos ‘culturais’ ou ‘ficcionais’ (como a filosofia, a literatura imaginativa ou a pintura). 
Em segundo lugar, há discursos produzidos por adultos para crianças, na forma de literatura 
infantil, ou de programas infantis para televisão e outras mídias – que, apesar do rótulo, são 
raramente produzidos pelas próprias crianças. 
Assim, o período em que emergiu nossa definição de infância caracteristicamente moderna - 
a segunda metade do século XIX -caracterizou-se por uma explosão desses discursos. 
Durante esse período, as crianças foram sendo gradual e sistematicamente segregadas do 
mundo dos adultos, por exemplo através da elevação dos anos para a maioridade, da 
introdução da educação obrigatória, e das tentativas de erradicação do trabalho infantil. As 
crianças foram removidas aos poucos das fábricas e das ruas, e colocadas dentro das escolas; 
uma série de novas instituições e agências sociais buscaram supervisionar seu bem-estar, de 
acordo com um ideal doméstico bastante ligado à classe média, voltado assim a garantir a 
“riqueza da nação”.vi 
Essa demarcação da infância como um estágio distinto da vida – e a remoção das crianças 
daquilo que Harry Hendrick chamou de ‘atividades socialmente significantes’vii - justificou-
se e refletiu-se através de discursos de ambos os tipos. A obra dos poetas românticos e dos 
romancistas vitorianos, por exemplo, deu ênfase central à pureza inata e à bondade natural 
das crianças. Para escritores tão diversos como Dickens e Wordsworth, a figura da criança 
tornou-se um símbolo poderoso na crítica ao industrialismo e à desigualdade social. A 
infância passou a ser, de acordo com o historiador Hugh Cunningham, ‘um substituto para a 
religião’.viii Foi também nessa época que o estudo científico da infância – mais notadamente 
na forma da pediatria e da psicologia do desenvolvimento – começou a se estabelecer;ix e esse 
trabalho logo chegou à literatura popular de aconselhamento dirigida aos pais. 
 12
 Esse período também foi muitas vezes considerado como a Era de Ouro da literatura 
infantil: a obra de autores como Lewis Carroll, Edward Lear e J.M.Barrie refletiu a 
fascinação generalizada com a infância e o anseio por ela – para não falarmos das tensões não 
resolvidas em torno da sexualidade das crianças – que caracterizavam a época.x Ao mesmo 
tempo, a origem de formas mais ‘vulgares’ ( e na verdade violentas) de literatura popular 
dirigida às crianças – e especialmente aos meninos das classes trabalhadoras – pode ser 
situada nesse período; assim como o primeiro mercado de brinquedos em larga escala e de 
materiais educacionais planejados para uso doméstico.xi 
 Isto não quer dizer, é claro, que as ‘crianças’ tenham sido de algum modo trazidas à 
existência por esses meios, ou mesmo que tais discursos e representações não houvessem 
existido antes. Simplesmente observamos que as mudanças históricas mais amplas no status 
social das crianças são freqüentemente acompanhadas desse tipo de proliferação discursiva. 
Como veremos, processos semelhantes ocorreram nos séculos XVI e XVII, e continuam a 
ocorrer hoje em dia. 
 Inevitavelmente, os públicos desses dois tipos de discurso tendem a se superpor. As 
crianças muitas vezes se mostram extremamente interessadas em certas formas de discurso 
sobre a infância, especialmente quando isso toca em formas mais claramente proibidas de 
comportamento adulto. E os adultos têm um papel significativo na mediação dos textos para 
crianças, por exemplo quando compram e lêem livros para elas, ou as levam ao cinema. 
Certos tipos de textos – os filmes contemporâneos ‘para toda a família’ de Disney e 
Spielberg, por exemplo – podem ser vistos precisamente como formas de unir esses dois 
públicos: eles contam a adultos e crianças histórias muito sedutoras sobre os significados 
relativos da infância e da idade adulta. Como em boa parte da literatura do século XIX, a 
figura da criança é ao mesmo tempo um símbolo de esperança e um meio de expor a culpa e a 
hipocrisia dos adultos. Tais filmes costumam definir o significado da infância projetando sua 
perda futura: tanto para adultos como para crianças, eles mobilizam ansiedades sobre a dor da 
mútua separação, ao mesmo tempo em que oferecem fantasias tranqüilizadoras sobre como 
essa dor pode ser superada.xii 
 Tais representações culturais da infância são muitas vezes contraditórias, portanto. 
Elas muitas vezes dizem mais sobre os investimentos adultos e infantis na idéia da infância 
do que sobre a realidade das vidas das crianças; e elas são freqüentemente imbuídas da 
nostalgia de uma Era de Ouro perdida, de brincadeira e liberdade. No entanto, essas 
representações não podem ser desconsideradas como mera ilusão. Seu poder depende do fato 
de que elas também contêm uma certa verdade: elas têm de falar, de forma inteligível, tanto 
às experiências vividas pelas crianças como às lembranças dos adultos, o que pode trazer, a 
um só tempo, dor e prazer. 
 Como argumenta Patricia Holland, essas representações da infância fazem parte de 
um esforço contínuo da parte dos adultos para ganhar controle sobre a infância e suas 
implicações – não apenas sobre as crianças reais, mas também sobre nossas próprias 
infâncias, pelas quais estamos sempre em luto e as quais reinventamos sem parar. Essas 
imagens, diz ela, 
Exibem o esforço social e psíquico exigido pela negociação da difícil distinção entre adulto e 
criança, para manter as crianças separadas de uma idade adulta que nunca pode ser plenamente 
atingida. Tenta-se estabelecer categorias opostas e duais e mantê-las firmes em uma dicotomia que 
contrasta com a continuidade real entre o crescimento e o desenvolvimento. Trava-se uma ativa 
batalha para mantera infância – quando não as crianças reais – como pura e não-contaminada.xiii 
Como enfatiza Holland, essas construções culturais da infância cumprem funções 
não apenas para as crianças, mas também para os adultos. A idéia da infância serve como um 
repositório de qualidades que os adultos vêem ao mesmo tempo como preciosas e 
problemáticas – qualidades que não conseguem tolerar como parte deles mesmos; e serve 
 13
também como um mundo de sonho dentro do qual podemos escapar das pressões e 
responsabilidades da maturidade.xiv Essas representações, defende Holland, refletem ‘o desejo 
de usar a infância para assegurar o status da idade adulta – muitas vezes às custas das próprias 
crianças’.xv 
 
Infância, poder e ideologia 
Esta visão da infância como uma construção social e cultural é, assim, e até certo ponto, uma 
visão relativista. Ela nos faz recordar que nossa noção contemporânea de infância – aquilo 
que as crianças são e devem ser – é comparativamente recente em sua origem e em geral 
restrita às sociedades industrializadas do Ocidente. A maior parte das crianças do mundo de 
hoje não vive de acordo com a ‘nossa’ concepção de infância.xvi Julgar essas construções 
alternativas da infância – e as crianças cujas vidas são vividas em meio a elas – como 
meramente ‘primitivas’ é demonstrar um etnocentrismo perigosamente estreito. Da mesma 
forma, essa perspectiva nos leva a questionar a noção de que foi na idade moderna que as 
‘necessidades’ inatas das crianças tiveram pela primeira vez um verdadeiro reconhecimento. 
Ao contrário, tais definições das características e necessidades singulares da infância são em 
si mesmas produzidas cultural e historicamente; e implicam necessariamente formas 
particulares de organização social e política. 
Além disso, tal noção de infância nos relembra que nenhuma descrição de crianças – 
e conseqüentemente nenhuma invocação da idéia de infância – pode ser neutra. Ao contrário, 
qualquer discussão nesse campo é inevitavelmente informada por uma ideologia da infância – 
ou seja, por um conjunto de significados que servem para racionalizar, manter ou desafiar 
relações de poder existentes entre adultos e crianças, assim como entre os próprios adultos.xvii 
Isso fica mais evidente quando consideramos a forma como a figura da criança é 
usada pelos movimentos sociais, desde os claramente progressistas até os nitidamente 
reacionários. Em sua análise do pânico moralista que tem caracterizado a vida social britânica 
nas últimas duas décadas, Philip Jenkins identifica uma ‘política de substituição’, a partir de 
iniciativas de cunho moral tanto da esquerda quanto da direita.xviii Em um clima de crescente 
incerteza, a invocação de temores relacionados às crianças é um meio poderoso de atrair a 
atenção e o apoio públicos: campanhas contra a homossexualidade são redefinidas como 
campanhas contra pedófilos; campanhas contra a pornografia tornam-se campanhas contra a 
pornografia infantil; e campanhas contra a imoralidade e o satanismo tornam-se campanhas 
contra o abuso infantil ritualizado. Aqueles que têm a audácia de colocar em dúvida os 
clamores sobre o caráter avassalador desses fenômenos podem ser facilmente estigmatizados 
como hostis às crianças. 
Não se está querendo sugerir, entretanto, que essas preocupações sejam 
necessariamente falsas ou ilegítimas. Ao contrário: elas não seriam percebidas tão 
amplamente se não se fundassem de algum modo em ansiedades pré-existentes – as quais, 
como indica Jenkins, são em si uma resposta a mudanças sociais fundamentais, por exemplo 
quanto à natureza da família. No entanto, a invocação da figura da criança ameaçada serve a 
funções particulares, tanto dos grupos militantes quanto do governo. A onda de preocupação 
em torno do abuso infantil nos anos 80, por exemplo, fortaleceu as ambições políticas tanto 
de grupos evangélicos cristãos como de feministas, cuja influência veio a dominar as 
agências de assistência e serviço social. Permitiu ainda que o governo afastasse as atenções 
públicas de problemas econômicos e sociais mais difíceis de atender; como resultado, é 
certamente discutível até que ponto as próprias crianças obtiveram algum benefício com essas 
campanhas. 
 14
Claro, esse tipo de pânico moralista não é a única arena em que a noção de infância é 
usada assim. O discurso ambientalista, por exemplo, muitas vezes se endereça implicitamente 
às crianças, baseando-se na idéia de que elas representam ‘o futuro’ e estão de algum modo 
mais ‘próximas da natureza’. A figura da criança no interior do feminismo, ou na história do 
movimento trabalhistaxix também é altamente carregada de significações. A criança é vista 
muitas vezes como a vítima mais indefesa de políticas sociais dirigidas primeiramente contra 
as mulheres, ou contra as classes trabalhadoras; também aqui, o apelo à proteção das crianças 
age como um poderoso meio de mobilizar apoio.xx Para pessoas com as mais variadas 
motivações, a política adulta é freqüentemente levada a efeito em nome da infância. 
Do mesmo modo, a produção de textos para crianças – tanto nas modernas mídias 
eletrônicas quanto em formas mais tradicionais, como a literatura infantil – também pode ser 
vista como apoio para ideologias da infância particulares. Essa atividade se caracteriza 
tradicionalmente por um equilíbrio complexo entre motivações ‘positivas’ e ‘negativas’. Por 
um lado, os produtores têm sido fortemente informados pela necessidade de proteger as 
crianças de aspectos ‘indesejáveis’ do mundo adulto. De fato, em alguns aspectos, os textos 
para crianças podem ser caracterizados basicamente em termos daquilo que eles não são – ou 
seja, em termos da ausência de representações vistas como influência moral negativa, mais 
obviamente ligadas a sexo e violência.xxi Por outro lado, há também fortes motivações 
pedagógicas: esses textos se caracterizam muitas vezes pela tentativa de educar, de dar lições 
de moral ou ‘imagens positivas’, e assim fornecer modelos de comportamento vistos como 
socialmente desejáveis. Os produtores culturais, os planejadores e os legisladores nesse 
campo estão preocupados, assim, não apenas em proteger as crianças de danos, mas também 
em lhes ‘fazer bem’. 
Em ambos os campos, as definições adultas da infância são simultaneamente 
repressivas e produtivas. Elas são desenhadas para proteger e ao mesmo tempo controlar as 
crianças – ou seja, para confiná-las a arenas e comportamentos sociais que não se mostrem 
como ameaça aos adultos, ou nos quais os adultos serão (imagina-se) incapazes de ameaçá-
las. Essas definições buscam não apenas prevenir certos tipos de comportamento, mas 
também ensinar e estimular outros. Elas produzem ativamente certas formas de subjetividade 
nas crianças, enquanto tentam reprimir outras. E, como sugeri, servem a funções semelhantes 
com relação aos próprios adultos. 
Entretanto, talvez de modo inevitável, os adultos sempre monopolizaram o poder de 
definir a infância. Eles estabeleceram os critérios pelos quais as crianças devem ser 
comparadas e julgadas. Eles definiram os tipos de comportamento apropriados ou aceitáveis 
para as crianças de diferentes idades. Mesmo quando assumiram a posição de simplesmente 
descrever as crianças, ou falar em nome delas, os adultos inevitavelmente acabaram 
estabelecendo definições normativas do que se entende por infantil. As crianças certamente 
podem ‘falar por si mesmas’ e falam, apesar de raramente terem a oportunidade de fazê-lo no 
âmbito público, nem mesmo sobre assuntos que têm a ver diretamente com elas. Os contextos 
nos quais elas podem falar, e as respostas que podem dar, são ainda amplamente controlados 
pelos adultos; e sua habilidade de articular construções públicas alternativas de ‘infância’ 
seguem sendo rigidamente limitadas. Mesmo os argumentos em favor dos ‘direitos das 
crianças’ são desenvolvidos predominantemente pelos adultos, e em termos adultos. 
É claro que as crianças podem resistir, ou recusar-se a reconhecerem-senas 
definições adultas – e nesse sentido o poder adulto está longe de ser absoluto ou 
incontestável. No entanto, seu espaço de resistência é principalmente o das relações 
interpessoais, na ‘micropolítica’ da família ou da sala de aula. Além disso, as crianças podem 
ser cúmplices ativas na manutenção das definições do que é ‘adulto’ ou ‘infantil’, ainda que 
por omissão: as diferenças de idade, e os significados a elas ligados, são um dos principais 
campos onde as relações de poder são encenadas, não apenas entre adultos e crianças, mas 
 15
também entre as próprias crianças. As crianças rotineiramente mostram a outras crianças 
‘qual é o seu lugar’, rindo delas ou acusando-as de terem gostos ou comportamentos ‘de 
bebê; e é comum que se esforcem para distanciarem-se dessas acusações. As distinções entre 
‘adulto’ e ‘criança são mutuamente fiscalizadas, dos dois lados. Como veremos, isso tem 
significativas implicações para a pesquisa sobre as relações das crianças com as mídias – um 
espaço que elas às vezes percebem como sendo particularmente seu. 
 
A Infância como exclusão 
Esta análise aponta para uma visão menos benigna da construção da infância do que 
aquela em geral usada nos debates sobre ‘a morte da infância’. Certamente as definições de 
infância são variadas e muitas vezes contraditórias. Em qualquer momento histórico, em 
qualquer grupo social ou cultural, poderemos encontrar muitas definições conflitantes – 
algumas das quais poderão ser resíduos de concepções anteriores, enquanto outras talvez 
tenham surgido há pouco. Entretanto, na história recente dos países industrializados, a 
infância tem sido essencialmente definida como uma questão de exclusão. Mesmo com toda a 
ênfase pós-romântica na sabedoria e na compreensão inatas das crianças, elas são definidas 
principalmente em termos do que não são e do que não conseguem fazer. As crianças não são 
adultos; portanto, não podem ter acesso às coisas que os adultos definem como ‘suas’, e que 
os adultos acreditam ser os únicos capazes de compreender e controlar. De modo geral, é 
negado às crianças o direito de auto-determinação: elas precisam contar com os adultos para 
representar seus interesses e argumentar em seu nome. A ‘infância’, da forma como é 
predominantemente concebida, atua nesse sentido como supressora de poderesxxii das 
crianças. 
Isso decorre em grande parte de as crianças serem definidas de um modo não-social – 
ou, mais precisamente, pré-social. Assim, a disciplina acadêmica que até recentemente se 
atribuía exclusividade no estudo das crianças é a psicologia. É uma disciplina que (pelo 
menos em suas formas mais influentes e predominantes) interpreta o estudo da interação 
humana em termos da psique ou da personalidade individual; e define o modo como as 
crianças vão mudando ao correr do tempo como um processo teleológico de desenvolvimento 
em direção a um objetivo pré-determinado. As crianças são aí construídas como indivíduos 
isolados, cujo desenvolvimento cognitivo percorre uma seqüência lógica de ‘idades e 
estágios’ em direção à maturidade e à racionalidade adultas. Se a infância é definida, desse 
modo, como um processo de ‘tornar-se’, a idade adulta é vista como um estado acabado, no 
qual o desenvolvimento efetivamente cessou. Aqueles que não atingem esse estado são 
avaliados em termos de patologias individuais, e identificados como casos merecedores de 
tratamento.xxiii 
Se essa abordagem vem sendo cada vez mais questionada ( inclusive dentro da 
própria psicologia) a construção da infância dominante nesse campo claramente sustenta uma 
visão das crianças como essencialmente em falta, incompletas. O comportamento das 
crianças é avaliado em termos do quanto é ou não ‘apropriado’ a sua idade biológica. O 
índice de ‘maturidade ou ‘imaturidade torna-se o padrão pelo qual elas são medidas e com o 
qual medem a si próprias. Essas diferenças são definidas em termos do que passa a ser visto 
como qualidades especificamente adultas: racionalidade, moralidade, autocontrole e ‘boas 
maneiras’. 
Isso não implica, é claro, que a condição adulta seja sempre e necessariamente 
privilegiada em relação à infância nesses discursos – ao menos abertamente. As crianças 
podem ser definidas em termos de sua falta de racionalidade, entendimento social ou 
autocontrole; mas, de modo semelhante, elas podem também ser louvadas (ainda que de 
 16
modo paternalista) por sua ausência de artificialidade, autoconsciência e inibição. 
Evidentemente existe toda uma indústria de auto-ajuda baseada na idéia de que os adultos 
devem entrar em contato com sua ‘criança interior – idéias que reforçam implicitamente as 
noções românticas da infância como um lugar de verdade e pureza.xxiv 
O que continua sendo perturbador para muitos adultos, entretanto, são as 
conseqüências de as crianças ‘cruzarem a fronteira’. As manifestações de comportamento 
‘precoce ameaçam a separação entre adultos e crianças, representando assim um desafio ao 
poder adulto. É nesse ponto que os discursos liberais sobre o desenvolvimento da criança, 
com sua ênfase no atendimento afetivo e no crescimento natural, começam a fraquejar. A 
saúde psicológica das crianças parece decididamente exigir de nós que patrulhemos a linha 
divisória entre adultos e crianças, no lar, na escola, e na ampla arena da cultura pública. Esse 
processo não é portanto apenas uma questão de separação entre crianças e adultos; ele 
envolve também uma ativa exclusão das crianças daquilo que é considerado o mundo adulto. 
Tal tentativa de excluir as crianças aplica-se mais obviamente aos campos da 
violência e da sexualidade, da economia e da política. E o significado dos meios de 
comunicação eletrônicos nesse contexto relaciona-se, claramente, com o fato de eles serem 
uma das fontes primárias de conhecimento sobre tais assuntos. Tanto em relação às mídias 
como a esses outros campos sociais, os dilemas fundamentais têm a ver com acesso e 
controle. Como explicarei adiante, esses dilemas estão se tornando cada vez mais agudos em 
conseqüência das novas tecnologias e da proliferação global das mídias eletrônicas. Os 
clamores por mais controle emergem renovados, precisamente porque a possibilidade de 
controle marcha a passos firmes para o desaparecimento. 
Minha posição não é liberacionista, porém. Em princípio, não nego a dependência 
biológica prolongada das crianças em relação aos adultos; nem contesto a idéia de que os 
indivíduos de fato se desenvolvam e mudem com a idade. ‘Maturidade’ é certamente uma 
palavra relativa, mas que não está inteiramente desligada da idade biológica. Além do mais, a 
exclusão que identifiquei não se relaciona apenas com a imposição de alguma forma 
monolítica de ‘poder adulto’. Ao contrário, ela é alcançada por meio da ativa cumplicidade 
das próprias crianças; e também exclui os adultos daquilo que é visto como domínio 
apropriado às crianças. Mais que isso: quando dou ênfase ao caráter mutável das construções 
sociais da infância, não quero propor que tais construções sejam uma falsificação da essência 
da infância, ou um tipo de imposição artifical sobre a criança ‘natural’. Nem tampouco estou 
sugerindo que essa essência natural pudesse ser libertada caso num passe de mágica 
conseguíssemos remover as fontes de poder. Nesse sentido, o chamado à ‘liberação das 
crianças’ parece se caracterizar por um tipo de romantismo muito parecido com os 
argumentos protecionistas aos quais ele tenta se opor. 
Eu proporia, mesmo assim, que a construção dominante das crianças como indivíduos 
pré-sociais impede de fato qualquer consideração que as tome como seres sociais, ou mesmo 
como cidadãos. Ao definirmos as crianças em termos de sua exclusão da sociedade adulta, e 
em termos de sua falta de habilidade ou de interesse em demonstrar o que definimos como 
características ‘adultas’, estamos ativamente produzindo o tipo de consciência e de 
comportamento que certos adultos julgam tão problemático. As diferenças que se percebe 
comoexistentes entre adultos e crianças justificam a segregação das crianças: mas essa 
segregação dá origem, então, ao comportamento que justifica a própria percepção das 
diferenças. 
Como já deixei implícito, a cultura e a representação são aspectos cruciais de todo o 
processo, tanto para as crianças como para os adultos. Por diversas razões, as mídias 
eletrônicas têm um papel cada vez mais significativo na definição das experiências culturais 
da infância contemporânea. Não há mais como excluir as crianças dessas mídias e das coisas 
que elas representam; nem como confiná-las a materiais que os adultos julguem bons para 
 17
elas. A tentativa de proteger as crianças restringindo o acesso às mídias está destinada ao 
fracasso. Ao contrário, precisamos agora prestar muito mais atenção em como preparar as 
crianças para lidar com essas experiências; e, ao fazê-lo, temos de parar de defini-las 
simplesmente em termos do que lhes falta. 
 
Um esquema do livro 
Nos dois próximos capítulos, discuto duas análises contrastantes sobre a natureza mutante 
da infância e sobre o papel das mídias nas vidas das crianças. De um lado está a tese da 
‘morte da infância’, comumente associada ao trabalho de Neil Postman – a visão de que a 
televisão e outros meios eletrônicos no mínimo diluíram as fronteiras entre a infância e a 
idade adulta, se é que não as apagaram completamente. Do outro lado está um argumento 
cada vez mais popular entre os entusiastas das chamada ‘revolução das comunicações’ – a 
idéia de que as novas mídias eletrônicas estão dando mais liberdade e poder às crianças e 
aos jovens. Como tentarei mostrar, há fortes semelhanças - assim como fragilidades em 
comum – nesses argumentos aparentemente tão diversos. 
Minha crítica a essas posições levanta uma série de questões fundamentais, que serão 
tratadas mais diretamente na segunda parte do livro. Elas têm relação mais óbvia com a 
natureza mutante da infância – tanto em termos das nossas idéias sobre a infância como em 
termos das vidas reais das crianças. Elas têm a ver também com a natureza mutante das 
mídias – não somente ao nível da tecnologia, mas também quanto à forma e ao conteúdo dos 
textos midiáticos e da interação entre os produtores de comunicação e seus públicos. Essas 
questões ligam-se também, por fim, com a forma como entendemos as relações das crianças 
com as mídias, quer pensemos em termos de ‘usos’ ou ‘efeitos’, como ‘ativas’ e ‘passivas’, 
ou como um fenômeno essencialmente psicológico ou social. Minha própria posição diante 
desses temas é apresentada nos capítulos 4, 5 e 6. 
Atravessando todas essas questões há diversas preocupações mais específicas, 
relacionadas ao lugar das mídias eletrônicas na sociedade contemporânea. Tais questões 
assumem uma forma particular, e em alguns casos uma intensidade particular, em relação às 
crianças; elas têm um significado mais amplo também. Trata-se de áreas que, de diferentes 
maneiras, são predominantemente definidas em termos de exclusão – ou seja, como áreas da 
vida ‘adulta às quais, defende-se, as crianças não deveriam ter acesso. Incluem-se nesse 
campo em primeiro lugar as questões ligadas à moralidade, tipicamente centradas em 
representações de sexo e violência. Em segundo lugar, estão as questões ligadas ao lugar do 
comércio e às relações entre o mercado e a esfera pública. Isso nos leva à terceira área-chave, 
a da cidadania – ou seja, a das relações entre as crianças e a atividade e o debate ‘políticos’ 
num sentido amplo. Esses três temas são tratados na terceira parte do livro, respectivamente 
nos capítulos 7, 8 e 9. 
Ao enfatizar as complexidades e as dificuldades dessas questões, minha intenção 
também é apontar as conseqüências de meus argumentos para a formulação de políticas 
futuras, não só em relação às mídias em si, mas também em termos das experiências e dos 
direitos das crianças como público. Tais projeções mais específicas começam a emergir ao 
final de cada um dos capítulos da parte III e são reunidas e melhor desenvolvidas em meu 
capítulo de conclusão. Esses argumentos, e alguns dos exemplos específicos que aparecem ao 
longo do livro, são forçosamente ligados em parte à situação na Grã-Bretanha; há 
dificuldades óbvias em fazer generalizações a partir de características sociais e culturais de 
um contexto nacional para outro. Mesmo assim, acredito que muitos dos argumentos gerais 
aqui expostos possam ter uma ressonância internacional. 
Apesar de seu título provocativo, então, este livro não é mais uma lamentação pela 
morte da infância; nem é simplesmente uma celebração do que poderá sucedê-la. Ao 
 18
contrário, ele busca fornecer a base de uma compreensão mais realista e abrangente da 
experiência das crianças que crescem na era dos meios eletrônicos. Precisamos dessa 
compreensão se quisermos ajudá-las a lidar com os desafios do presente, sem falar nos do 
futuro. 
 
PARTE I 
Capítulo 2: A Morte da Infância 
A noção de que as crianças estão crescendo privadas da infância tornou-se corriqueira na 
psicologia popular. Ao longo das últimas três ou quatro décadas, argumenta-se, houve uma mudança 
radical no modo como a sociedade trata as crianças e no comportamento delas próprias. Os críticos 
apontam as evidências de aumento nos índices de violência e atividade sexual entre os jovens, e a 
crescente desintegração da vida familiar, concluindo que a segurança e a inocência que caracterizavam 
a experiência da infância nas gerações anteriores perderam-se para sempre. 
Dois livros, ambos publicados nos EUA no início da década de 1980, estiveram entre os 
primeiros a levantar essas preocupações: The Hurried Child (A Criança Apressada), de David Elkind 
(1981)xxv, e Children without Childhood (Crianças sem Infância), de Marie Winn (1984). Nas capas 
desses livros, slogans semelhantes sintetizavam seus argumentos: ‘Crescendo Rápido Demais Cedo 
Demais’ (Elkind) e ‘Crescendo Rápido Demais no Mundo do Sexo e das Drogas’ (Winn). Esses 
autores parecem descrever fenômenos similares, mas suas análises das causas desses fenômenos são 
bem diferentes. 
Como psicólogo da infância, Elkind parte do estresse que, segundo ele, caracteriza a vida das 
crianças de hoje. Ele aponta para o aumento dos índices de distúrbios psicológicos causados pelo 
divórcio; o aumento dos casos de gravidez e doenças venéreas na adolescência; e o número crescente 
de jovens tentando a fuga através das drogas, do crime, do suicídio e do ingresso em seitas religiosas. 
As crianças, diz ele, estão sendo ‘aceleradas’ infância afora por seus pais, pelas escolas e também 
pelos meios de comunicação. Os pais, estressados e frustrados por suas próprias vidas profissionais, 
tendem a jogar suas ansiedades sobre as crianças, pressionando-as cada vez mais cedo a ter sucesso 
acadêmico e esportivo e paralisando-as com o medo do fracasso. As escolas tornaram-se produtivistas, 
obcecadas por avaliação e pelo treinamento impositivo de ‘habilidades básicas’. Os pais estão sendo 
convocados a transformar o lar em extensão da escola, proporcionando às crianças uma instrução 
formal e programada, ao invés do aprendizado mais informal do passado. 
Os meios de comunicação refletem e ao mesmo tempo produzem esta ‘aceleração’ das 
crianças. Segundo Elkind, faltam à televisão as ‘barreiras intelectuais’ das mídias mais antigas, porque 
ela não exige que as crianças aprendam a interpretá-la. Ao simplificar o acesso das crianças à 
informação, a TV abre-lhes as portas a experiências antes reservadas aos adultos: ‘cenas de violência 
ou de intimidade sexual que uma criança pequena não seria capaz de imaginar a partir de uma 
descrição verbal, são agora apresentadas direta e graficamente na tela da televisão.’xxvi Num certo 
nível, isso significa que a experiência humana torna-se ‘homogeneizada’; mesmo que as próprias 
crianças não necessariamente entendam aquilo que assistem, a televisão cria um tipo de ‘pseudo-
sofisticação’, que leva os adultos a tratarem as crianças como maisadultas do que realmente são. 
Elkind desenvolve um argumento semelhante em relação aos livros infantis contemporâneos, onde o 
foco nos pobres, nos deficientes, nos doentes e naqueles com problemas emocionais parece representar 
uma pressão a mais sobre as crianças, no sentido de fazê-las crescer antes do tempo. Ao mesmo 
tempo, ele condena o rock como emocionalmente regressivo, como um estímulo à masturbação e ao 
uso de drogas ilícitas. 
O problema-chave, de acordo com Elkind, é que as crianças são expostas a essas experiências 
antes de estarem ‘emocionalmente prontas’ para lidar com elas: 
As crianças apressadas são forçadas a assumir a parafernália física, psicológica e social da 
idade adulta antes de estarem prontas para lidar com ela. Vestimos nossas crianças com fantasias de 
 19
adultos em miniatura (muitas vezes de marcas famosas), as expomos ao sexo e à violência gratuitos, e 
esperamos que elas sejam capazes de lidar com um ambiente social cada vez mais perturbador – o 
divórcio, a ausência de um dos pais, a homossexualidade.xxvii 
Em contraste, Elkind propõe que o amadurecimento deva ser lento, seguindo um ritmo 
próprio. Apoiado no modelo do desenvolvimento infantil de Piaget, ele argumenta que as crianças só 
aprendem verdadeiramente quando estão prontas para fazê-lo. Forçá-las a passar por cima de estágios 
em seu desenvolvimento tornará muito mais difícil para elas estabelecerem um sentido seguro de sua 
identidade pessoal, deixando-as despreparadas para as dificuldades da adolescência. 
Marie Winn, em seu livro ‘Crianças sem Infância’, faz eco a muitas das preocupações de 
Elkind. Ela também indica uma crescente epidemia de problemas sociais que afetam as crianças; e, 
apesar de tomar cuidado para não exagerá-los, argumenta que tem havido uma ‘perda de controle’ 
generalizada por parte dos pais e um amplo ‘declínio na supervisão das crianças’. Se é verdade que 
problemas como o abuso de drogas e a gravidez na adolescência sempre existiram entre as classes 
sociais mais baixas, eles estão agora se espalhando entre as crianças de classe média. Como Elkind, 
Winn se espanta com o apagamento das fronteiras entre adultos e crianças, e com o fato de que ‘as 
crianças têm uma aparência, uma fala e um comportamento muito pouco infantis’xxviii Usando grande 
quantidade de exemplos anedóticos, ela afirma que a maioria dos pais mostra despreocupação, 
ignorância ou fatalismo diante de sua própria impotência em alterar a situação. 
Como Elkind, Winn acusa as mídias por ‘doutrinarem as crianças sobre os segredos da vida 
adulta’ – que para ela se referem principalmente a sexo e violência. Se é verdade que a autora 
compartilha as preocupações dele com o ‘novo realismo’ nos livros infantis, e o foco em ‘gangues de 
estupradores, homossexualismo e violência sádica’ no cinema, sua maior ansiedade é a televisão. 
Os pais têm poucas chances de controlar a exposição de seus filhos a todas as variedades da 
sexualidade adulta, a cada permuta e combinação de brutalidade e violência humanas, a cada aspecto 
de doença, moléstia e sofrimento, a cada assustadora possibilidade de desastres com causas naturais 
ou humanas que possa ser impingido sobre uma infância inocente e livre de preocupações. O aparelho 
de TV está sempre ali, pronto para destruir todos os seus planos cuidadosos.xxix 
Mesmo assim, a preocupação de Winn com a TV – que é extensamente desenvolvida em seu 
livro anterior - The Plug-in Drugxxx (‘A Droga de ligar na Tomada’) - não tem relação apenas com os 
conteúdos. Independente do que elas assistam, ela argumenta, a televisão priva as crianças da 
brincadeira e de outras formas de interação saudável. O aparelho é usado como ‘babá eletrônica’ por 
um número muito grande de pais . 
Apesar de suas semelhanças, os diagnósticos feitos por esses dois autores, e portanto suas 
receitas de mudança, são bem diferentes. A posição de Winn é essencialmente um conservadorismo 
moralista. Ela se mostra horrorizada com o declínio da família nuclear tradicional, a independência 
financeira cada vez maior das mulheres, o ‘enfraquecimento dos padrões sexuais’ e o papel cada vez 
menor da religião organizada. Ela lamenta o movimento em direção ao ensino misto, à desaprovação 
aos castigos físicos e à visibilidade pública cada vez maior da homossexualidade. Nesse sentido, seu 
livro vincula-se claramente ao refluxo moralista contra a ‘permissividade’ dos anos 60 que 
caracterizou a década de 1980 de Ronald Reagan e Margaret Thatcher. 
Para Elkind, em contraste, o problema não parece ser tanto a permissividade, mas a falta dela. 
Ele compartilha algumas das preocupações moralistas gerais de Winn, mas lamenta a tendência ao 
abandono das práticas educativas baseadas na noção de ‘auto-expressão’. Se essa abordagem pode ter 
produzido ‘crianças mimadas’, que permanecem muito tempo na infância, o pêndulo agora foi longe 
demais na direção oposta: as ‘crianças apressadas’ estão sujeitas a excessiva pressão e disciplina por 
parte dos adultos. 
Winn e Elkind estão unidos, porém, em seu desejo de voltar a uma era anterior – a qual Winn 
chama, aparentemente sem ironia, de ‘a Idade de Ouro da Inocência’, uma idade na qual (diz ela) ‘a 
inocência era verdadeiramente uma bênção, era uma vez, muito tempo atrásxxxi’. Os dois autores 
parecem situar esse período no início do século XX, ou mesmo um pouco antes. Ambos, no entanto, 
 20
têm consciência de que esta Idade de Ouro era em si um estágio particular na longa história da 
infância. Winn, por exemplo, compara a abordagem ‘não-civilizada’ da educação das crianças na 
Idade Média com a ênfase na proteção e no cuidado afetivo que emergiu durante o século XIX. As 
crianças, ela observa, eram gradualmente separadas do mundo adulto, para que pudessem ser 
preparadas a exercer seus papéis futuros em uma sociedade industrial cada vez mais complexa. ‘Lenta 
e dolorosamente, as crianças eram ajudadas a adquirir as habilidades de cooperação, consideração e 
sensibilidade social, de que iriam precisar algum dia nos novos tipos de trabalho disponíveis aos 
adultos nas vilas e cidades.’xxxii Naquela época, diz Winn, as crianças mostravam ‘uma aceitação 
relativamente dócil de seu papel como seres dependentes e desprovidos de muita escolha sobre a vida 
e mesmo sobre seu comportamento cotidiano’xxxiii – e, como resultado, seu modo de agir passou a ser 
visto como caracteristicamente infantil. 
Hoje, ao contrário, as crianças mostram muito menos reverência diante dos que estão em 
situação de autoridade. Seus ‘poderes críticos’, de acordo com Winn, foram ‘despertados cedo 
demais’.xxxiv Elas sabem que os adultos nem sempre merecem confiança ou respeito simplesmente por 
serem adultos. As crianças, ao que parece, chegam a reivindicar o direito de escolher que roupas 
vestir! 
É significativo que os dois autores reconheçam que os processos que descrevem devam ser 
vistos no contexto mais amplo dos movimentos por igualdade social que se seguiram às lutas por 
Direitos Civis e ao renascimento do feminismo. Mas é no caso das crianças que ambos procuram 
definir um limite a essas tendências. Em vez de estender a igualdade às crianças, Elkind defende que 
precisamos dar um tempo a elas para que cresçam e aprendam longe dos adultos. Não é 
discriminatório, ele sugere, enfatizarmos as ‘necessidades especiais’ das crianças; ao contrário, ‘é a 
única forma de atingirmos uma verdadeira igualdade’.xxxv 
Para Winn, há aí uma clara implicação: os pais devem reforçar ativamente as fronteiras entre 
adultos e crianças. Eles deveriam estar menos preocupados com a preparação e mais com a proteção. 
Os pais devem reafirmar sua autoridade, e, assim devolver às crianças seu direito de ‘serem crianças’. 
A análise de Elkind talvez seja menos abertamente coercitiva, mas é igualmente normativa. Em vez de 
enfatizar a responsabilidade dos pais na manutenção da inocência de suas crianças, Elkind indica que 
isso acontecerá naturalmente, se as crianças não forem forçadas a crescerantes de estarem ‘prontas’. 
Nesse relato, portanto, as normas psicológicas tomam o lugar das normas sociais, e inevitavelmente as 
apóiam. Se é fato que os dois autores reconhecem a existência da mudança histórica, ambos acabam 
caindo novamente na noção da infância como um fenômeno ‘natural, visto implicitamente como 
atemporal. 
 
Os mitos da alfabetização 
 Apesar das diferenças entre eles, os argumentos desenvolvidos nesses livros são uma 
referência poderosa no pensamento popular contemporâneo sobre a infância, parecendo unir pessoas 
que têm convicções políticas e morais contrastantes. Eles dão corpo a uma crescente ansiedade sobre 
as mudanças sociais, e especialmente sobre a mudança nas relações de poder entre adultos e crianças, 
típica de tantos comentários na imprensa sobre a educação de crianças. Mas, como veremos no 
decorrer deste livro, muitos dos temas que eles discutem têm sido tratados também - é verdade que 
com mais cautela - pelos estudos acadêmicos sobre a infância, e especialmente sobre as relações das 
crianças com as mídias. 
 Para investigar essas idéias, volto-me agora a quatro trabalhos escritos por acadêmicos: The 
Disappearance of Childhood, (‘O Desaparecimento da Infância’) de Neil Postmanxxxvi, e No Sense of 
Place (‘Sem Noção de Lugar’), de Joshua Meyrowitz, publicados no começo da década de 1980; A is 
for Ox (‘A de Boi’), de Barry Sanders, e a coletânea Kinderculture (‘Cultura Infantil’xxxvii) de Shirley 
Steinberg e Joe Kincheloe, ambos publicados em meados dos anos noventa. Também aqui, os 
subtítulos ou slogans de capa são sintomáticos: ‘Como a TV está mudando a vida das crianças’ 
 21
(Postman); ‘O Impacto das Mídias Eletrônicas no Comportamento Social’ (Meyrowitz); ‘O Colapso 
da Leitura e o Aumento da Violência na Era Eletrônica’ (Sanders); e ‘A Construção Corporativa da 
Infância’ (Steinberg e Kincheloe). Como esses títulos sugerem, todos os quatro livros oferecem uma 
análise bastante unidimensional das causas desses processos. Enquanto Elkind e Winn tentavam 
explicar as mudanças contemporâneas na infância por meio de argumentos gerais sobre as formas de 
educar as crianças, estes últimos autores identificam no drama um único vilão: as mídias eletrônicas. 
 O livro de Postman foi o primeiro dos quatro a ser escrito, e também o que tem a linguagem 
mais popular. Como Elkind e Winn, ele oferece uma gama variada de evidências para provar que a 
infância – ou pelo menos a distinção entre adultos e crianças – está desaparecendo. Ele aponta a 
eliminação das brincadeiras tradicionais e dos estilos de vestuário tipicamente infantis; a crescente 
homogeneização nos interesses de lazer, linguagem, hábitos alimentares e preferências de 
entretenimento de crianças e adultos; e o aumento na criminalidade infantil, no consumo de drogas, na 
atividade sexual e na gravidez na adolescência. Fica especialmente chocado com o uso erótico de 
crianças em filmes e comerciais, o predomínio de temas ‘adultos’ nos livros infantis e aquilo que 
considera uma ênfase mal-conduzida nos ‘direitos das crianças’ . 
 No entanto, como os outros autores discutidos aqui, Postman não tem ilusões de que a infância 
seja um fenômeno atemporal. A partir da obra do historiador francês Philippe Arièsxxxviii, ele descreve 
a ‘invenção’ e a evolução da infância desde a Idade Média. Em suas próprias palavras, essa é a história 
de ‘como a imprensa inventou a infância e de como os meios eletrônicos estão acabando com ela.’xxxix 
Como a frase sugere, Postman atribui um papel determinante às tecnologias e aos atributos humanos 
que elas (como que automaticamente) requerem ou cultivam. A imprensa, ele afirma, criou de fato a 
nossa moderna noção de individualidade; e foi esse ‘senso de eu intensificado’ que levou ao 
‘florescimento da infância’. A imprensa exigia o aprendizado da alfabetização, e conseqüuentemente a 
invenção de escolas, de modo a colocar em cheque a ‘exuberância’ das crianças e a cultivar ‘a 
quietude, a imobilidade, a contemplação e a regulação das funções corporais’.xl Mas a imprensa e a 
escola não apenas criaram a criança: no processo, criaram também ‘o conceito moderno de adulto.’ A 
maturidade tornou-se, nas palavras de Postman, um feito simbólico e não apenas biológico. 
 Como Winn, Postman vê como a vantagem da imprensa sua habilidade em preservar os 
‘segredos’ adultos daqueles que ainda não foram alfabetizados. A televisão, ao contrário, é um ‘meio 
de exposição total’, que torna a informação ‘incontrolável’. Os ‘mistérios sombrios e fugidios’ da vida 
adulta (e particularmente do sexo) não estão mais escondidos das crianças, ele sugere. A televisão de 
fato acaba com a vergonha, qualidade que Postman vê como pré-requisito para a existência da 
infância. 
 Entretando, a visão que Postman tem das diferenças entre essas mídias não está centralmente 
preocupada com seu conteúdo, e sim com suas implicações para a cognição. Seguindo Harold Innis e 
Marshall McLuhanxli, ele argumenta que a imprensa é essencialmente simbólica e linear, e por isso 
cultiva a abstração e o pensamento lógico: 
 Quase todas as características que associamos com a maturidade são (ou eram) aquelas 
geradas ou amplificadas pelos requisitos de uma cultura plenamente letrada: a capacidade de 
autocontrole, a tolerância pelo adiamento da gratificação, a habilidade sofisticada para o pensamento 
conceitual e seqüencial, a preocupação com a continuidade histórica e com o futuro, a grande 
valorização da razão e da hierarquia.xlii 
 
Em contraste, a televisão é um meio visual, afirma Postman. Ela não requer habilidades especiais para 
sua interpretação, nem as cultiva. Ela não oferece proposições, e não precisa conformar-se às regras da 
evidência ou da lógica: é essencialmente irracional. 
 As implicações de tais mudanças tecnológicas para as relações entre adultos e crianças foram 
diretas, portanto. Por meio da imprensa e da escolarização, diz Postman, ‘os adultos viram-se com um 
controle sem precedentes sobre o ambiente simbólico dos jovens, e desse modo foram capazes de 
 22
estabelecer as condições pelas quais uma criança se tornaria adulta, e mesmo obrigados a estabelecê-
las’.xliii Na era da televisão, esse poder e esse controle tornaram-se impossíveis. 
Nas entrelinhas do texto de Postman há uma forma de conservadorismo moral que tem muito 
em comum com a que vimos em Marie Winn. O que lhe parece especialmente perturbador na ‘era da 
TV’ é a derrocada das ‘boas maneiras’. Se por um lado Postman se afasta do que vê como a 
‘arrogância’ da chamada Maioria Moral, ele explicitamente compartilha com ela o desejo de ‘fazer o 
relógio andar para trás’. Ele apóia ‘suas tentativas de restaurar um sentido de inibição e reverência 
diante da sexualidade’ e de estabelecer escolas que insistam nos ‘padrões rigorosos de civilité’; e 
convoca os pais a imprimir nas crianças o valor do ‘autocontrole nas atitudes, na linguagem e no 
estilo’ e a necessidade ‘da reverência e da responsabilidade pelos mais velhos’.xliv Mesmo assim, 
Postman não é muito otimista quanto às chances dessa sobrevivência: ele reconhece como um papel 
‘monástico’ o dos pais que limitarem a exposição de seus filhos às mídias, que lhes ensinarem boas 
maneiras e que assim ‘resistirem ao espírito da época’. 
O tom de No Sense of Place, de Joshua Meyrowitz, é bem menos polêmico e bem mais 
acadêmico do que o de The Disappearance of Childhood. Apesar de ter aparecido dois anos depois, o 
livro de Meyrowitz deixa implícito que Postman e outros estavam popularizando idéias que haviam 
sido desenvolvidas originalmente por ele.xlv Como os outros autores que estou comentando, 
Meyrowitz propõe que a infância e a idade adulta estejam se fundindo, em conseqüência das mudanças 
nos meios de comunicação. O argumento de Meyrowitz, porém, é muito mais amplo que o de 
Postman. A diferença essencial entre a televisão e as mídias mais antigas é, segundo ele, o fato de que 
a televisão torna os comportamentos ‘de bastidores’ visíveis atodos. Ela revela fatos que contradizem 
os mitos e ideais dominantes. De fato, ela não permite que os grupos poderosos mantenham 
‘segredos’, minando assim os alicerces de sua autoridade. Desse modo, a televisão não apenas 
confundiu as fronteiras entre as crianças e os adultos, mas também entre os homens e as mulheres, e 
entre os cidadãos individuais e seus representantes políticos. 
Ao mesmo tempo, Meyrowitz é muito mais agnóstico do que Postman. Suas descrições das 
mudanças contemporâneas na infância, se bem que coincidentes em muitos sentidos com as que 
consideramos até agora, são muito mais equilibradas. Assim, ao observar o aumento da criminalidade 
infantil, ele destaca também o enfraquecimento das abordagens paternalistas na educação das crianças 
e a nova ênfase no bem-estar infantil e nos direitos das crianças. Da mesma forma, ele descreve os 
livros infantis como ‘um gueto informacional’, argumentando que os novos meios de comunicação 
permitem às crianças comunicarem-se diretamente umas com as outras de formas antes impossíveis. O 
objetivo final de Meyrowitz não é julgar se tais mudanças são boas ou más, ou se elas representam um 
desvio não-natural dos papéis ‘apropriados’ para adultos e crianças. De fato, ele refuta com energia as 
descrições universalistas do desenvolvimento infantil, dos tipos a que aderem Elkind e outros, em 
última análise; ele argumenta que ‘a criança’ e a ‘psicologia da criança’ são construções sociais, que 
refletem determinados valores culturais muito específicos (e cada vez mais questionáveis). A noção da 
‘inocência’ infantil, ele sugere, não reflete um estado essencial ou natural: ao contrário, ela foi 
produzida deliberadamente para justificar a separação social entre adultos e crianças.xlvi 
 Nesse sentido, Meyrowitz tem pouca simpatia por argumentos sobre as implicações cognitivas 
das diferentes mídias. Ele faz uma clara distinção entre a imprensa e a televisão, mas a define em 
termos dos seus usos sociais. A imprensa, para ele, tende a segregar crianças e adultos, pois requer um 
aprendizado prolongado da alfabetização; a televisão, por sua vez, tende a reintegrá-los, porque suas 
formas simbólicas básicas – figuras e sons – são imediatamente acessíveis. Independentemente das 
mensagens específicas que transmite, a televisão modifica o padrão do fluxo de informação que entra 
nas casas, desafiando o controle dos adultos e permitindo que a criança pequena esteja vicariamente 
‘presente’ às interações adultas: ‘A Televisão remove as barreiras que uma vez colocavam as pessoas 
de diferentes idades e diferentes habilidades de leitura em situações sociais diferentes. O uso 
generalizado da televisão equivale a uma ampla decisão social de permitir que as crianças pequenas 
estejam presentes a guerras e funerais, namoros e seduções, tramas criminosas e coquetéis.’xlvii 
 23
Como Winn e Postman, portanto, Meyrowitz afirma que a televisão mina as tentativas adultas 
de manter ‘sigilo’, apesar de ele não demonstrar a mesma preocupação moralista diante dessa situação. 
Controlar o acesso das crianças às mídias – a resposta preferida de Postman – tende a ser difícil, ele 
sugere. Com a televisão, a prática do controle familiar precisa tornar-se aberta e visível, de um modo 
que não era necessário com a imprensa. Além do mais, a televisão alerta as crianças para a existência 
de comportamentos ‘de bastidor’, mesmo que nem sempre os revele explicitamente; e freqüentemente 
exibe às crianças as formas como os adultos procuram manter tais comportamentos longe das vistas 
delas. 
Assim, a televisão não apenas revela ‘segredos’: ela também revela ‘o segredo da secretude’, 
tornando os adultos vulneráveis à acusação de hipocrisia.xlviii 
Se, portanto, Meyrowitz rejeita implicitamente o determinismo tecnológico de Postman, ele 
coloca em seu lugar o que poderíamos chamar (ainda que não soe bem) de um ‘determinismo do 
sistema de informação’. A diferença crucial entre a televisão e a imprensa, ele sugere, está nas 
possibilidades que a leitura oferece de ‘separação entre os sistemas de informação adultos e infantis’. 
Em outras palavras, o que faz a diferença não são os processos cognitivos, ou mesmo o conteúdo: é o 
fato de que a imprensa permite que as crianças sejam separadas dos adultos, e a televisão, não. À 
medida que as distinções entre os sistemas de informação para crianças e adultos se diluem, argumenta 
Meyrowitz, tendem inevitavemente a ocorrer mudanças nos comportamentos sociais. 
O livro de Barry Sanders A is for Ox (‘A de Boi’) é um desenvolvimento mais recente destes 
temas, e de certa forma o mais apocalíptico deles. Como Neil Postman, Sanders expõe sua tese central 
em termos ousados: ‘Os seres humanos tais como os conhecemos’, escreve, ‘são produtos da 
alfabetização’.xlix E, como os jovens têm menos interesse na ‘cultura do livro’, e os índices de 
alfabetização seguem caindo, a idéia de um ‘ser humano crítico e autônomo’ está desaparecendo 
rapidamente. Os analfabetos, argumenta Sanders, são incapazes de pensar de forma abstrata e crítica, 
ou de se distanciarem de sua experiência imediata. Eles não conseguem desenvolver um sentido de 
consciência individual, apenas um tipo tribal de ‘consciência de grupo’. Seu mundo é cheio de 
violência auto-destrutiva, é ‘um mundo marcado por dor e morte, um mundo cheio de desespero e 
marginalidade, suicídios adolescentes, gangues assassinas, lares desfeitos e homicídios’.l 
A causa primordial dessa epidemia de violência jovem, como se pode imaginar, é a televisão 
(e, num grau menor, os computadores domésticos). Mas, assim como os outros autores discutidos 
aqui, o problema não está tanto em que determinados tipos de conteúdo televisivo produzam 
comportamentos imitativos – apesar de Sanders claramente acreditar que isso ocorra. O problema são 
os tipos de consciência cuja produção é atribuída à televisão. Em uma original manobra 
argumentativa, Sanders diz que principal vítima da televisão não é tanto a leitura, mas sim a oralidade 
– e particularmente a prática doméstica da narração oral de histórias. Ver televisão em vez de 
conversar destrói a habilidade de as crianças desenvolverem sua própria voz e seus poderes 
imaginativos. Claro, a televisão contém linguagem oral, mas trata-se de uma falsa oralidade, ‘uma 
mentira auditiva e visual’. Ao destruir a ‘verdadeira oralidade’, a televisão também destrói as bases da 
alfabetização, já que seu desenvolvimento depende da existência prévia da oralidade. 
A visão que Sanders tem da relação entre a leitura do texto impresso e a televisão é semelhante 
à luta maniqueísta entre o bem e o mal. A leitura é de fato equiparada à noção de autonomia do euli, e 
desse modo com a vida em si. Assim, sugere Sanders, os membros analfabetos de gangues não 
possuem a autonomia do eu, e por isso não dão valor à vida humana. ‘As culturas orais’, ele 
argumenta, ‘ não operam com o mesmo conceito de ‘assassinato’ que as culturas letradas. Nelas não se 
pode ‘tirar’ a vida de alguém, porque uma vida demarcada, plenamente articulada e internalizada só 
existe em uma cultura letrada.’lii A violência torna-se assim uma forma de compensação por aquilo 
que perdem aqueles que não sabem ler; ao passo que o letramento ‘civiliza’ os indivíduos, 
transformando-os em ‘membros consentidos do corpo político’. Por outro lado, os efeitos negativos da 
televisão são devastadores: 
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[A televisão] debilita os jovens (....) provoca um curto-circuito no desenvolvimento natural, emocional, 
de que eles precisam para tornar-se seres humanos saudáveis (...) estrangula o desenvolvimento de suas 
próprias vozes e nega a eles seus poderes imaginativos (...) apaga as próprias imagens das crianças (...) 
enfraquece a vontade (...) [e] desfere um dos golpes psicológicos mais debilitantes ao negar ao jovem a 
oportunidade de voltar-se para dentro de si mesmo e conversar em silêncio com aquele construto social que 
brota, o eu.liii 
À luz dessa análise apocalíptica, talvez não surpreenda

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