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Crescer na Era das Mídias: após a morte da infância (After the Death of Childhood: growing up in the age of electronic media) David Buckingham Tradução: Gilka Girardello e Isabel Orofino Referencia: BUCKINGHAM, David. Crescer na Era das Mídias: após a morte da infância. Tradução de Gilka Girardello e Isabel Orofino. Florianópolis. 2006. Título original: After the death of childhood: growing up in the age of eletronic media. Trabalho não publicado. Buckingham - Crescer na era das mídias - inteiro.doc. 1 arquivo (760 Kb). Word 2003. 2 (CONTRACAPA) “As mídias vitimizam as crianças ou lhes dão poder? Lúcido e capaz de enxergar longe, David Buckingham nos desvia dos clichês sobre a infância pós-moderna e nos leva até as ruas, escolas, quartos e salas-de-estar onde estão as crianças de verdade, tentando lidar não só com as mudanças tecnológicas, mas também com as transformações nas instituições e nos valores.” Elihu Katz, Universidade da Pennsylvania “Crescer na Era das Mídias” é uma excelente revisão crítica da agitação que cerca a infância e as mídias neste raiar do século XXI. O livro debate as questões com grande estilo e extrema clareza, chegando a conclusões que são de importância vital, não apenas para educadores e profissionais de mídia, como para qualquer adulto interessado e informado.” Valerie Walkerdine, Universidade de Western Sydney “ Este é um livro tremendamente impressionante. David Buckingham investiga um grande número de afirmações sobre as crianças e suas relações com as mídias, e as confronta com a solidez das verdadeiras pesquisas. Você não precisa concordar com cada um dos argumentos que ele desenvolve ou com as posições a que ele chega para reconhecer que este é um trabalho de fôlego excepcional e rica inteligência.” Martin Barker, Universidade de Sussex. 3 Qual será o destino da infância no século XXI? Será que as crianças estarão vivendo cada vez mais “infâncias midiáticas”, dominadas pela tela eletrônica? Será que seu crescente acesso às mídias adultas vai ajudar a abolir as diferenças entre infância e maturidade? Ou será que o advento das novas mídias irá aumentar ainda mais o fosso entre as gerações? David Buckingham faz uma revisão lúcida e acessível das mudanças recentes, tanto na infância quando no ambiente das mídias. Ele refuta o simplismo do pânico moralista diante das influências negativas das mídias, assim como o otimismo exagerado sobre a ‘geração eletrônica’. No processo, ele aponta os desafios colocados pela proliferação das novas tecnologias, a privatização das mídias e do espaço público, e a polarização entre os que têm e os que não têm acesso às mídias. Ele argumenta que as crianças não podem mais ser excluídas ou protegidas do mundo adulto da violência, do comercialismo e da política, tendo que ser preparadas para lidar com ele; e que são necessárias novas estratégias para proteger os direitos delas enquanto consumidoras e cidadãs. Baseado em extensas pesquisas, este livro lança um novo olhar às preocupações já estabelecidas sobre os efeitos das mídias nas crianças. Ele aborda de modo desafiador e revigorante as eternas preocupações de pesquisadores, familiares, educadores, produtores de mídia e planejadores. David Buckingham é Professor do Instituto de Educação da Universidade de Londres. 4 CONTEÚDO Agradecimentos.................................................................... Introdução 1. Em Busca da Infância................................................ Parte I 2. A Morte da Infância................................................... 3. A Geração Eletrônica................................................. Parte II 4. Infâncias em Mudança................................................ 5. Mídias em Mudança................................................... 6. Paradigmas em Mudança........................................... Parte III 7. As Crianças assistindo à Violência......................... 8. As Crianças como Consumidoras................................ 9. As Crianças como Cidadãs.......................................... Conclusão 10. Os Direitos de Mídia das Crianças............................ Notas Referências Índice Remissivo 5 PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA Para aqueles de nós que estamos próximos de crianças na vida diária – pais, mães, familiares, professores ou outros profissionais – é difícil ignorar a importância cada vez maior das mídias eletrônicas. Em todas as sociedades industrializadas – e também em muitos países em desenvolvimento – as crianças hoje passam mais tempo em companhia dos meios de comunicação do que com seus familiares, professores e amigos. As crianças parecem cada vez mais viver ‘infâncias midiáticas’: suas experiências diárias são repletas das narrativas, imagens e mercadorias produzidas pelas grandes corporações globalizadas de mídia. Poderíamos mesmo dizer que hoje o próprio significado da infância nas sociedades contemporâneas está sendo criado e definido por meio das interações das crianças com as mídias eletrônicas. Crescer na Era das Mídias procura oferecer uma revisão crítica e equilibrada das pesquisas e debates nesse campo. O livro tenta caminhar sobre a linha estreita que separa o desespero sombrio tantas vezes característico das discussões sobre ‘a morte da infância’ e o otimismo embriagador que celebra a nova autonomia da ‘geração eletrônica’. A infância, como argumentamos no livro, certamente está mudando. Mas as mídias estão longe de ser a causa única dessas mudanças: elas nem são as destruidoras autônomas da infância, nem suas libertadoras. Se quisermos compreender o verdadeiro significado da mídia na vida das crianças, teremos que pensar num contexto amplo. Precisaremos levar em conta as mudanças no estatuto social das crianças e as diferentes formas como a infância foi sendo definida ao longo da história. Na busca de delinear esse amplo contexto, espero que o livro possa interessar não apenas a especialistas em comunicação, mas também a todos os que estudam as crianças e trabalham com elas Fico especialmente feliz com a publicação desta edição brasileira. Ao escrever o livro, tentei arduamente levar em conta os potenciais leitores em outros países, apesar de ser difícil fazer isso sem cair em generalizações e abstrações. Tenho a certeza de que os leitores brasileiros perceberão muitas diferenças entre suas próprias culturas e aquela de onde derivou este livro. Diferentes histórias, crenças religiosas e sistemas políticos inevitavelmente geram diferentes concepções de infância. As características da família e da escola – as duas instituições-chave que em grande parte delimitam e definem as vidas das crianças – variam bastante de uma cultura para outra. Até certo ponto, isto talvez limite a relevância e a aplicabilidade de alguns de meus argumentos. Por outro lado, fica reforçada uma de minhas idéias centrais: a de que a infância não é absoluta nem universal, e sim relativa e diversificada. A idéia de infância é uma construção social, que assume diferentes formas em diferentes contextos históricos, sociais e culturais. Ao mesmo tempo, porém, a infância também é cada vez mais um fenômeno global. O argumento de Kenichi Ohmae, citado no capítulo 3, é muito relevante nesse sentido. Ohmae sugere que – em resultado da disseminação global das mídias eletrônicas – as crianças de hoje podem ter mais em comum com crianças de outras culturas do que com seus próprios pais. Depois da publicação de Crescer na Era das Mídias Eletrônicas, estive envolvido com um projeto internacional sobre Pokémon que ilustrou amplamente esta questão. Aquele era um fenômeno de mídia bastante inacessível aos adultos – que mais parecia, aliás, planejado para excluí-los. Mas presenciei situações onde o Pokémon parecia servir como um tipo de ‘língua franca’ – uma base para acomunicação e a construção de amizade entre crianças que tinham muito pouco em comum em termos de linguagem verbal. É claro que a lógica econômica das modernas indústrias de mídia exige isso: produzir e adaptar produtos para um mercado global já não é uma conseqüência extra, e sim uma necessidade cada vez maior. 6 Nesse sentido, alguns poderiam dizer que as mídias fornecem uma ‘cultura comum’ global às crianças, que transcende as fronteiras nacionais e as diferenças culturais estabelecidas. Para uns, isso pode ser considerado uma forma de liberação – uma oportunidade de as crianças irem além dos entraves limitadores da tradição. Para outros, no entanto, trata-se apenas de mais uma evidência do processo global de homogeneização, em que as especificidades das experiências e identidades culturais das crianças são negligenciadas e até mesmo destruídas. Será que à medida que as crianças vão crescendo todas juntas, sob os signos do capital – Pokémon, Disney, MacDonalds – irá desaparecer o caráter local e situado da infância? Ou será que na verdade as crianças interpretam e recriam as culturas globais através dos filtros mediadores de experiências e significados locais? Essas questões são centrais nos debates contemporâneos sobre a globalização da cultura, mas provavelmente se aplicam de modo especial à nossa compreensão da infância. Ao ler meu texto através do filtro de suas próprias experiências culturais, certamente você verá emergir diferenças. Nosso aprendizado sobre essas diferenças lança luz sobre aquilo que consideramos ponto pacífico em nossas próprias culturas, o que pode por sua vez gerar um diálogo global mais informado e receptivo sobre o futuro da infância. Espero que esta publicação contribua para esse diálogo. David Buckingham Londres, 2004 7 Agradecimentos Em muitos aspectos, este livro é uma compilação – ao menos provisória – de uma área de pesquisa que tem me preocupado há mais de quinze anos. Assim, ele se baseia em trabalhos anteriormente publicados, e em alguns trechos diretamente revisa e incorpora materiais de livros e artigos anteriores. Desde o início, porém, o livro foi concebido como um projeto coerente, e inclui uma considerável quantidade de materiais inéditos. Gostaria de agradecer às muitas pessoas que trabalharam comigo nos inúmeros projetos empíricos de pesquisa nos quais este livro se baseia, especialmente Mark Allerton, Sara Bragg, Hannah Davies, Valerie Hey, Sue Howard, Ken Jones, Peter Kelley, Gunther Kress, Gemma Moss e Julian Sefton-Green. Agradecimentos especiais vão para Peter Kelley por seu trabalho com os dados estatísticos apresentados no capítulo 4. Gostaria também de agradecer às muitas organizações que financiaram os projetos: o Economic and Social Research Council, o Broadcasting Standards Council, a Nuffield Foundation, a Spencer Foundation e o Arts Council of England. Tenho uma dívida especial com o Professor Elihu Katz e a Annenberg School for Communication, na Filadélfia, pela bolsa que me permitiu começar a trabalhar no livro. E ao Institute of Education por proporcionar um ambiente de trabalho solidário. Gostaria também de agradecer a outros colegas internacionais com quem debati estas questões, ou cuja pesquisa informou e apoiou a minha, em especial a Elizabeth Auclaire, Kirsten Drotner, JoEllen Fisherkeller, Horst Niesyto, Geoff Lealand e Joe Tobin. Agradeço também aos diversos grupos de alunos, acadêmicos e professores que foram os destinatários de alguns destes argumentos durante os últimos anos, e que ajudaram a reformular e a desenvolver minhas idéias; entre eles, meus alunos de mestrado no curso de Cultura das Mídias para Crianças no Institute of Education, assim como a platéias na França, Alemanha, Noruega, Dinamarca, Finlândia, em Luxemburgo, no Canadá, na Austrália, nos Estados Unidos e na Inglaterra. Finalmente, minha profunda gratidão a Célia Greenwood, Clemency Ngayah-Otto e Julian Sefton-Green por sua cuidadosa leitura do manuscrito; e para meus assistentes-mirins de pesquisa Nathan e Louis Greenwood, que sempre demonstraram uma saudável independência em relação às idéias de seu pai. Este livro é dedicado a eles. 8 INTRODUÇÃO Capítulo 1. Em Busca da Infância Uma das lamentações mais freqüentes nos últimos anos do século XX foi o desaparecimento da infância. Ela ecoou através de um amplo conjunto de campos sociais – a família, a escola, a política, e, talvez principalmente, as mídias. É claro que a figura da criança sempre foi foco dos medos, desejos e fantasias dos adultos. Nos últimos anos, porém, os debates sobre a infância assumiram cada vez mais um sentido de ansiedade e pânico. As certezas tradicionais sobre o significado e o status da infância têm sido constantemente corroídas e abaladas. Parecemos não saber mais onde encontrar a infância. O lugar da criança nesses debates, no entanto, é profundamente ambíguo. Por um lado, as crianças são vistas cada vez mais como sob ameaça e em perigo. Assim, temos assistido a uma sucessão de investigações importantes sobre o abuso infantil, tanto nas famílias como nas escolas e lares infantis. As reportagens sobre assassinatos de crianças e os escândalos sobre filhos ‘esquecidos sozinhos em casa’ são freqüentes na imprensa; e a histeria pública sobre o risco de ondas de seqüestros cometidos por pedófilos é cada vez mais intensa. Enquanto isso, nossos jornais e telas de TV mostram cenas das infâncias bem diferentes das crianças nos países em desenvolvimento: os meninos de rua da América Latina, os pequenos soldados da África e as vítimas de turismo sexual na Ásia. Por outro lado, as crianças também são cada vez mais percebidas como uma ameaça ao restante de nós – como violentas, anti-sociais e sexualmente precoces. Cresce a preocupação com o aparente colapso da disciplina escolar, o aumento da criminalidade infantil, do consumo de drogas e da gravidez na adolescência. Já na década de 1970 começara a pairar a ameaça de uma incontrolável subclasse de jovens, presa num limbo entre a escola e o trabalho – mas agora os delinqüentes são ainda mais jovens. O jardim sagrado da infância tem sido crescentemente violado; apesar disso, as próprias crianças parecem relutar cada vez mais em ficarem confinadas a ele. As mídias estão envolvidas nisso de formas contraditórias. De um lado, elas são o veículo primordial onde se travam os debates correntes sobre a natureza em mutação da infância – e, nesse processo, sem dúvida contribuem para o crescente sentimento de medo e pânico. De outro lado, no entanto, as mídias são freqüentemente acusadas de serem as causas originárias de tais problemas – de provocarem indisciplina e comportamentos agressivos, de inflamarem a sexualidade precoce e de destruírem os laços sociais saudáveis que poderiam prevenir sua ocorrência. Os jornalistas, os sabichões midiáticos, os auto-proclamados guardiães da moralidade pública – e um número cada vez maior de acadêmicos e políticos – são incessantemente chamados a se pronunciar sobre os perigos que as mídias oferecem às crianças: a influência de vídeos violentos e ‘revoltantes’, a mediocrização dos programas infantis de televisão, a sexualidade explícita das revistas para os jovens e o fácil acesso à pornografia pela internet. E as mídias são agora rotineiramente condenadas pela “comercialização” da infância – pela transformação das crianças em consumidoras vorazes, levadas pela sedução enganosa dos publicitários a desejar aquilo de que não precisam. Ao mesmo tempo, as próprias mídias exibem uma fascinação ambivalente pela própria idéia de infância. Os filmes de Hollywood começaram a se preocupar com a figura do adulto-criança (Forest Gump,Toys, Dumb and Dumberi) e a da criança-adulta (Jack, Little Man Tate, Bigii) A imagens da publicidade mostram uma ambivalência similar, desde a famosa dupla diabo negro-anjo branco da campanha das roupas Benetton às ninfetas top- models dos anúncios de Calvin Klein.Enquanto isso, o reerguimento da Corporação Disney indica o potencial global da orientação mercadológica da “cultura infantil” convencional, tanto para as crianças como para os adultos – apesar de, ironicamente, Kids, o controvertido 9 filme em estilo documentário mostrando drogas e sexo casual entre jovens adolescentes em Nova York, pertencer também a uma subsidiária da Disney. Entra aí também a figura de Michael Jackson – nas palavras de seu biógrafo, ‘o homem que nunca foi criança e a criança que nunca cresceu’.iii Desde a cruzada das crianças, representada em seu vídeo Heal the World, passando por sua obsessão pelo imaginário de Disney e Peter Pan, até os escândalos em torno do suposto abuso sexual de crianças, Jackson é a epítome da intensa incerteza e do desconforto que rodeiam a noção de infância na modernidade tardia. As respostas dos políticos e dos planejadores a esse sentimento de crise têm sido amplamente autoritárias e punitivas. É verdade que existe nos últimos anos uma ênfase renovada nos direitos da criança, impulsionada pela Conferência das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança - apesar de na prática isso ser muitas vezes interpretado como uma simples questão de as crianças terem direito a proteção por parte dos adultos. Na maioria dos outros aspectos, tem havido um entusiasmo crescente pelas políticas sociais mais disciplinadoras. Assim, vemos a introdução de ‘toques de recolher’ para os jovens e a construção de novas prisões infantis. Na Grã-Bretanha, foram suprimidos benefícios estatais antes concedidos aos jovens; e são organizadas ‘tropas de choque’ para garantir a disciplina nas escolas. Tais políticas parecem voltadas mais para proteger os adultos das crianças do que para proteger as crianças dos adultos. Em relação às mídias, a resposta oficial predominantemente tem sido de ordem disciplinar. No rastro de um crescente pânico moralista sobre a influência do sexo e da violência nos meios de comunicação, os governos de muitos países criaram leis mais rígidas de censura; e na América do Norte assistimos à introdução do V-chip, um dispositivo técnico adaptado a todos os novos aparelhos de televisão, que aparentemente irá filtrar materiais “violentos”. Enquanto isso, aumenta o interesse no potencial de softwares de bloqueio, com títulos sintomaticamente antropomórficos como Net Nanny (‘Net Babá’) e Cyber-Sitter, que prometem restringir o acesso das crianças a sites da internet proscritos. Apesar desta busca por uma solução tecnológica fácil para o problema, os governos nacionais parecem cada vez menos capazes de regular as corporações comerciais que hoje controlam a circulação global das mercadorias midiáticas – incluindo as que se destinam ao mercado infantil. Entretanto, as interpretações dessas mudanças na infância – e do papel dos meios de comunicação em refleti-las ou produzi-las – estão agudamente polarizadas. De um lado, acham-se os que argumentam que a infância tal como a conhecemos está desaparecendo ou morrendo, e que as mídias – particularmente a televisão – são as maiores culpadas. As mídias aparecem aí como responsáveis pelo apagamento das fronteiras entre infância e idade adulta, e consequentemente por um abalo na autoridade dos adultos. De outro lado, estão aqueles que argumentam que há um crescente abismo de gerações no uso das mídias – que a experiência dos jovens com as novas tecnologias (especialmente com os computadores) está cavando um fosso entre sua cultura e a da geração de seus pais. Longe de apagar as fronteiras, as mídias são vistas aí como responsáveis por um fortalecimento delas – apesar de agora serem os adultos aqueles que se acredita terem mais a perder, uma vez que a habilidade das crianças com a tecnologia lhes dá acesso a novas formas de cultura e comunicação que em grande parte escapam ao controle dos pais. Até certo ponto, esses argumentos podem ser vistos como parte de uma ansiedade mais geral com relação à mudança social que tende a acompanhar o advento de um novo milênio. A metáfora da ‘morte’ está em toda parte – inclusive nas estantes das livrarias, onde os livros sobre a morte da infância acham-se ao lado de livros sobre a morte do eu, da sociedade, da ideologia e da história. Tais debates em geral não permitem mais que uma escolha limitada entre um grandioso desespero e um otimismo apressado. 10 Na primeira parte deste livro, reviso com maiores detalhes esses argumentos contrastantes e procuro desafiar a retórica totalizante que os caracteriza. Como indicarei, ambas as posições baseiam-se em visões essencialistas da infância e dos meios de comunicação – e das relações entre eles. Mesmo com todas as suas limitações, porém, tais argumentos apontam para dois pressupostos significativos que formam a base desta minha análise. Tanto implícita quanto explicitamente, eles sugerem que a noção de infância seja em si uma construção social, histórica; e que a cultura e a representação – também sob a forma das mídias eletrônicas – sejam uma das principais arenas em que essa construção é desenvolvida e sustentada. Construindo a infância A idéia de que a infância é uma construção social é hoje um lugar-comum na história e na sociologia da infância; e está sendo cada vez mais aceita até mesmo por alguns psicólogosiv. A premissa central aqui é a de que ‘a criança’ não é uma categoria natural ou universal, determinada simplesmente pela biologia. Nem é algo que tenha um sentido fixo, em cujo nome se possa tranqüilamente fazer reivindicações. Ao contrário, a infância é variável - histórica, cultural e socialmente variável. As crianças são vistas – e vêem a si mesmas – de formas muito diversas em diferentes períodos históricos, em diferentes culturas e em diferentes grupos sociais. Mais que isso: mesmo essas definições não são fixas. O significado de ‘infância’ está sujeito a um constante processo de luta e negociação, tanto no discurso público (por exemplo, na mídia, na academia ou nas políticas públicas) como nas relações pessoais, entre colegas e familiares. Não se está querendo sugerir que os indivíduos biológicos a quem podemos coletivamente concordar em chamar de “crianças” de algum modo não existam, ou não possam ser descritos. O que se pretende é dizer que tais definições coletivas são o resultado de processos sociais e discursivos. Há nisso um certo grau de circularidade. As crianças são definidas como uma categoria particular, com características e limitações particulares, tanto por si mesmas como pelos outros – pais, professores, pesquisadores, políticos, planejadores, agências de bem-estar social e (claro) os meios de comunicação. Essas definições são codificadas em leis e políticas; e se materializam em formas particulares de práticas sociais e institucionais, que por sua vez ajudam a produzir as formas de comportamento vistas como tipicamente “infantis” – ao mesmo tempo que geram formas de resistência a elas.v A escola, por exemplo, é uma instituição social que efetivamente constrói e define o que significa ser uma criança – e uma criança de uma determinada idade. A separação das crianças pela idade biológica em vez de pela ‘habilidade’, a natureza altamente regulamentada das relações entre professor e aluno, a organização do currículo e do horário das atividades cotidianas, o processo de avaliação – todos servem de diferentes maneiras para reforçar e naturalizar pressupostos particulares sobre o que as crianças são e devem ser. Apesar disso, em geral essas definições só são explicitadas nas formas especializadas de discurso institucional e profissional das quais as próprias crianças são amplamente excluídas. É claro que nem todas essas definições e discursos são necessariamente consistentes ou coerentes. É de se esperar, ao contrário, que eles se caracterizem pela resistência e pela contradição. A escola e a família, por exemplo, parecem apresentar definições claras dos direitos e responsabilidades de adultos ecrianças. No entanto, como bem sabem os pais e os professores, as crianças rotineiramente desafiam e negociam essas definições, nem sempre de forma direta e sim às vezes através do que poderíamos chamar de táticas de guerrilha. Além disso, as expectativas dessas instituições são muitas vezes contraditórias em si mesmas. De um lado, por exemplo, os pais e os professores todos os dias conclamam as crianças a 11 ‘crescerem’, e a se comportarem da forma que consideram madura e responsável; de outro lado, eles negam privilégios às crianças, baseados em que elas ainda não têm idade para apreciá-los ou não merecem fazê-lo. ‘Infância’ é, portanto, um termo mutável e relacional, cujo sentido se define principalmente por sua oposição a uma outra expressão mutável, ‘Idade Adulta’. Mesmo, porém, onde os papéis de crianças e adultos estão respectivamente definidos por lei, existem consideráveis incerteza e inconsistência. Assim, a idade em que a infância termina legalmente é definida de forma primária (e crucial) em termos da exclusão das crianças de práticas definidas como propriamente “adultas”, sendo as mais óbvias o emprego remunerado, o sexo, o consumo de álcool e o voto. Em cada caso, as crianças são vistas como atingindo a maioridade numa idade diferente. No Reino Unido, por exemplo, elas podem pagar impostos aos 16 anos, mas não podem receber benefícios do estado até os 17, e não podem votar até os 18. Elas têm direito ao sexo heterossexual aos 16 anos; mas não podem assistir a imagens explícitas de tal atividade, no cinema, antes dos 18. Apesar disso, claro, as crianças de verdade se envolvem em muitas dessas atividades bem antes de estarem legalmente autorizadas a fazê-lo. Representando a Infância De modo geral, a definição e a manutenção da categoria ‘infância’ depende da produção de dois tipos principais de discurso. Primeiro, os discursos sobre a infância, produzidos por adultos prioritariamente para adultos – não só na forma dos discursos acadêmicos ou profissionais , mas também na forma de romances, programas de televisão e literatura popular de auto-ajuda. De fato, o discurso ‘científico’ ou ‘factual’ sobre a infância ( por exemplo, o da psicologia, o da fisiologia ou o da medicina) está muitas vezes ligado aos discursos ‘culturais’ ou ‘ficcionais’ (como a filosofia, a literatura imaginativa ou a pintura). Em segundo lugar, há discursos produzidos por adultos para crianças, na forma de literatura infantil, ou de programas infantis para televisão e outras mídias – que, apesar do rótulo, são raramente produzidos pelas próprias crianças. Assim, o período em que emergiu nossa definição de infância caracteristicamente moderna - a segunda metade do século XIX -caracterizou-se por uma explosão desses discursos. Durante esse período, as crianças foram sendo gradual e sistematicamente segregadas do mundo dos adultos, por exemplo através da elevação dos anos para a maioridade, da introdução da educação obrigatória, e das tentativas de erradicação do trabalho infantil. As crianças foram removidas aos poucos das fábricas e das ruas, e colocadas dentro das escolas; uma série de novas instituições e agências sociais buscaram supervisionar seu bem-estar, de acordo com um ideal doméstico bastante ligado à classe média, voltado assim a garantir a “riqueza da nação”.vi Essa demarcação da infância como um estágio distinto da vida – e a remoção das crianças daquilo que Harry Hendrick chamou de ‘atividades socialmente significantes’vii - justificou- se e refletiu-se através de discursos de ambos os tipos. A obra dos poetas românticos e dos romancistas vitorianos, por exemplo, deu ênfase central à pureza inata e à bondade natural das crianças. Para escritores tão diversos como Dickens e Wordsworth, a figura da criança tornou-se um símbolo poderoso na crítica ao industrialismo e à desigualdade social. A infância passou a ser, de acordo com o historiador Hugh Cunningham, ‘um substituto para a religião’.viii Foi também nessa época que o estudo científico da infância – mais notadamente na forma da pediatria e da psicologia do desenvolvimento – começou a se estabelecer;ix e esse trabalho logo chegou à literatura popular de aconselhamento dirigida aos pais. 12 Esse período também foi muitas vezes considerado como a Era de Ouro da literatura infantil: a obra de autores como Lewis Carroll, Edward Lear e J.M.Barrie refletiu a fascinação generalizada com a infância e o anseio por ela – para não falarmos das tensões não resolvidas em torno da sexualidade das crianças – que caracterizavam a época.x Ao mesmo tempo, a origem de formas mais ‘vulgares’ ( e na verdade violentas) de literatura popular dirigida às crianças – e especialmente aos meninos das classes trabalhadoras – pode ser situada nesse período; assim como o primeiro mercado de brinquedos em larga escala e de materiais educacionais planejados para uso doméstico.xi Isto não quer dizer, é claro, que as ‘crianças’ tenham sido de algum modo trazidas à existência por esses meios, ou mesmo que tais discursos e representações não houvessem existido antes. Simplesmente observamos que as mudanças históricas mais amplas no status social das crianças são freqüentemente acompanhadas desse tipo de proliferação discursiva. Como veremos, processos semelhantes ocorreram nos séculos XVI e XVII, e continuam a ocorrer hoje em dia. Inevitavelmente, os públicos desses dois tipos de discurso tendem a se superpor. As crianças muitas vezes se mostram extremamente interessadas em certas formas de discurso sobre a infância, especialmente quando isso toca em formas mais claramente proibidas de comportamento adulto. E os adultos têm um papel significativo na mediação dos textos para crianças, por exemplo quando compram e lêem livros para elas, ou as levam ao cinema. Certos tipos de textos – os filmes contemporâneos ‘para toda a família’ de Disney e Spielberg, por exemplo – podem ser vistos precisamente como formas de unir esses dois públicos: eles contam a adultos e crianças histórias muito sedutoras sobre os significados relativos da infância e da idade adulta. Como em boa parte da literatura do século XIX, a figura da criança é ao mesmo tempo um símbolo de esperança e um meio de expor a culpa e a hipocrisia dos adultos. Tais filmes costumam definir o significado da infância projetando sua perda futura: tanto para adultos como para crianças, eles mobilizam ansiedades sobre a dor da mútua separação, ao mesmo tempo em que oferecem fantasias tranqüilizadoras sobre como essa dor pode ser superada.xii Tais representações culturais da infância são muitas vezes contraditórias, portanto. Elas muitas vezes dizem mais sobre os investimentos adultos e infantis na idéia da infância do que sobre a realidade das vidas das crianças; e elas são freqüentemente imbuídas da nostalgia de uma Era de Ouro perdida, de brincadeira e liberdade. No entanto, essas representações não podem ser desconsideradas como mera ilusão. Seu poder depende do fato de que elas também contêm uma certa verdade: elas têm de falar, de forma inteligível, tanto às experiências vividas pelas crianças como às lembranças dos adultos, o que pode trazer, a um só tempo, dor e prazer. Como argumenta Patricia Holland, essas representações da infância fazem parte de um esforço contínuo da parte dos adultos para ganhar controle sobre a infância e suas implicações – não apenas sobre as crianças reais, mas também sobre nossas próprias infâncias, pelas quais estamos sempre em luto e as quais reinventamos sem parar. Essas imagens, diz ela, Exibem o esforço social e psíquico exigido pela negociação da difícil distinção entre adulto e criança, para manter as crianças separadas de uma idade adulta que nunca pode ser plenamente atingida. Tenta-se estabelecer categorias opostas e duais e mantê-las firmes em uma dicotomia que contrasta com a continuidade real entre o crescimento e o desenvolvimento. Trava-se uma ativa batalha para mantera infância – quando não as crianças reais – como pura e não-contaminada.xiii Como enfatiza Holland, essas construções culturais da infância cumprem funções não apenas para as crianças, mas também para os adultos. A idéia da infância serve como um repositório de qualidades que os adultos vêem ao mesmo tempo como preciosas e problemáticas – qualidades que não conseguem tolerar como parte deles mesmos; e serve 13 também como um mundo de sonho dentro do qual podemos escapar das pressões e responsabilidades da maturidade.xiv Essas representações, defende Holland, refletem ‘o desejo de usar a infância para assegurar o status da idade adulta – muitas vezes às custas das próprias crianças’.xv Infância, poder e ideologia Esta visão da infância como uma construção social e cultural é, assim, e até certo ponto, uma visão relativista. Ela nos faz recordar que nossa noção contemporânea de infância – aquilo que as crianças são e devem ser – é comparativamente recente em sua origem e em geral restrita às sociedades industrializadas do Ocidente. A maior parte das crianças do mundo de hoje não vive de acordo com a ‘nossa’ concepção de infância.xvi Julgar essas construções alternativas da infância – e as crianças cujas vidas são vividas em meio a elas – como meramente ‘primitivas’ é demonstrar um etnocentrismo perigosamente estreito. Da mesma forma, essa perspectiva nos leva a questionar a noção de que foi na idade moderna que as ‘necessidades’ inatas das crianças tiveram pela primeira vez um verdadeiro reconhecimento. Ao contrário, tais definições das características e necessidades singulares da infância são em si mesmas produzidas cultural e historicamente; e implicam necessariamente formas particulares de organização social e política. Além disso, tal noção de infância nos relembra que nenhuma descrição de crianças – e conseqüentemente nenhuma invocação da idéia de infância – pode ser neutra. Ao contrário, qualquer discussão nesse campo é inevitavelmente informada por uma ideologia da infância – ou seja, por um conjunto de significados que servem para racionalizar, manter ou desafiar relações de poder existentes entre adultos e crianças, assim como entre os próprios adultos.xvii Isso fica mais evidente quando consideramos a forma como a figura da criança é usada pelos movimentos sociais, desde os claramente progressistas até os nitidamente reacionários. Em sua análise do pânico moralista que tem caracterizado a vida social britânica nas últimas duas décadas, Philip Jenkins identifica uma ‘política de substituição’, a partir de iniciativas de cunho moral tanto da esquerda quanto da direita.xviii Em um clima de crescente incerteza, a invocação de temores relacionados às crianças é um meio poderoso de atrair a atenção e o apoio públicos: campanhas contra a homossexualidade são redefinidas como campanhas contra pedófilos; campanhas contra a pornografia tornam-se campanhas contra a pornografia infantil; e campanhas contra a imoralidade e o satanismo tornam-se campanhas contra o abuso infantil ritualizado. Aqueles que têm a audácia de colocar em dúvida os clamores sobre o caráter avassalador desses fenômenos podem ser facilmente estigmatizados como hostis às crianças. Não se está querendo sugerir, entretanto, que essas preocupações sejam necessariamente falsas ou ilegítimas. Ao contrário: elas não seriam percebidas tão amplamente se não se fundassem de algum modo em ansiedades pré-existentes – as quais, como indica Jenkins, são em si uma resposta a mudanças sociais fundamentais, por exemplo quanto à natureza da família. No entanto, a invocação da figura da criança ameaçada serve a funções particulares, tanto dos grupos militantes quanto do governo. A onda de preocupação em torno do abuso infantil nos anos 80, por exemplo, fortaleceu as ambições políticas tanto de grupos evangélicos cristãos como de feministas, cuja influência veio a dominar as agências de assistência e serviço social. Permitiu ainda que o governo afastasse as atenções públicas de problemas econômicos e sociais mais difíceis de atender; como resultado, é certamente discutível até que ponto as próprias crianças obtiveram algum benefício com essas campanhas. 14 Claro, esse tipo de pânico moralista não é a única arena em que a noção de infância é usada assim. O discurso ambientalista, por exemplo, muitas vezes se endereça implicitamente às crianças, baseando-se na idéia de que elas representam ‘o futuro’ e estão de algum modo mais ‘próximas da natureza’. A figura da criança no interior do feminismo, ou na história do movimento trabalhistaxix também é altamente carregada de significações. A criança é vista muitas vezes como a vítima mais indefesa de políticas sociais dirigidas primeiramente contra as mulheres, ou contra as classes trabalhadoras; também aqui, o apelo à proteção das crianças age como um poderoso meio de mobilizar apoio.xx Para pessoas com as mais variadas motivações, a política adulta é freqüentemente levada a efeito em nome da infância. Do mesmo modo, a produção de textos para crianças – tanto nas modernas mídias eletrônicas quanto em formas mais tradicionais, como a literatura infantil – também pode ser vista como apoio para ideologias da infância particulares. Essa atividade se caracteriza tradicionalmente por um equilíbrio complexo entre motivações ‘positivas’ e ‘negativas’. Por um lado, os produtores têm sido fortemente informados pela necessidade de proteger as crianças de aspectos ‘indesejáveis’ do mundo adulto. De fato, em alguns aspectos, os textos para crianças podem ser caracterizados basicamente em termos daquilo que eles não são – ou seja, em termos da ausência de representações vistas como influência moral negativa, mais obviamente ligadas a sexo e violência.xxi Por outro lado, há também fortes motivações pedagógicas: esses textos se caracterizam muitas vezes pela tentativa de educar, de dar lições de moral ou ‘imagens positivas’, e assim fornecer modelos de comportamento vistos como socialmente desejáveis. Os produtores culturais, os planejadores e os legisladores nesse campo estão preocupados, assim, não apenas em proteger as crianças de danos, mas também em lhes ‘fazer bem’. Em ambos os campos, as definições adultas da infância são simultaneamente repressivas e produtivas. Elas são desenhadas para proteger e ao mesmo tempo controlar as crianças – ou seja, para confiná-las a arenas e comportamentos sociais que não se mostrem como ameaça aos adultos, ou nos quais os adultos serão (imagina-se) incapazes de ameaçá- las. Essas definições buscam não apenas prevenir certos tipos de comportamento, mas também ensinar e estimular outros. Elas produzem ativamente certas formas de subjetividade nas crianças, enquanto tentam reprimir outras. E, como sugeri, servem a funções semelhantes com relação aos próprios adultos. Entretanto, talvez de modo inevitável, os adultos sempre monopolizaram o poder de definir a infância. Eles estabeleceram os critérios pelos quais as crianças devem ser comparadas e julgadas. Eles definiram os tipos de comportamento apropriados ou aceitáveis para as crianças de diferentes idades. Mesmo quando assumiram a posição de simplesmente descrever as crianças, ou falar em nome delas, os adultos inevitavelmente acabaram estabelecendo definições normativas do que se entende por infantil. As crianças certamente podem ‘falar por si mesmas’ e falam, apesar de raramente terem a oportunidade de fazê-lo no âmbito público, nem mesmo sobre assuntos que têm a ver diretamente com elas. Os contextos nos quais elas podem falar, e as respostas que podem dar, são ainda amplamente controlados pelos adultos; e sua habilidade de articular construções públicas alternativas de ‘infância’ seguem sendo rigidamente limitadas. Mesmo os argumentos em favor dos ‘direitos das crianças’ são desenvolvidos predominantemente pelos adultos, e em termos adultos. É claro que as crianças podem resistir, ou recusar-se a reconhecerem-senas definições adultas – e nesse sentido o poder adulto está longe de ser absoluto ou incontestável. No entanto, seu espaço de resistência é principalmente o das relações interpessoais, na ‘micropolítica’ da família ou da sala de aula. Além disso, as crianças podem ser cúmplices ativas na manutenção das definições do que é ‘adulto’ ou ‘infantil’, ainda que por omissão: as diferenças de idade, e os significados a elas ligados, são um dos principais campos onde as relações de poder são encenadas, não apenas entre adultos e crianças, mas 15 também entre as próprias crianças. As crianças rotineiramente mostram a outras crianças ‘qual é o seu lugar’, rindo delas ou acusando-as de terem gostos ou comportamentos ‘de bebê; e é comum que se esforcem para distanciarem-se dessas acusações. As distinções entre ‘adulto’ e ‘criança são mutuamente fiscalizadas, dos dois lados. Como veremos, isso tem significativas implicações para a pesquisa sobre as relações das crianças com as mídias – um espaço que elas às vezes percebem como sendo particularmente seu. A Infância como exclusão Esta análise aponta para uma visão menos benigna da construção da infância do que aquela em geral usada nos debates sobre ‘a morte da infância’. Certamente as definições de infância são variadas e muitas vezes contraditórias. Em qualquer momento histórico, em qualquer grupo social ou cultural, poderemos encontrar muitas definições conflitantes – algumas das quais poderão ser resíduos de concepções anteriores, enquanto outras talvez tenham surgido há pouco. Entretanto, na história recente dos países industrializados, a infância tem sido essencialmente definida como uma questão de exclusão. Mesmo com toda a ênfase pós-romântica na sabedoria e na compreensão inatas das crianças, elas são definidas principalmente em termos do que não são e do que não conseguem fazer. As crianças não são adultos; portanto, não podem ter acesso às coisas que os adultos definem como ‘suas’, e que os adultos acreditam ser os únicos capazes de compreender e controlar. De modo geral, é negado às crianças o direito de auto-determinação: elas precisam contar com os adultos para representar seus interesses e argumentar em seu nome. A ‘infância’, da forma como é predominantemente concebida, atua nesse sentido como supressora de poderesxxii das crianças. Isso decorre em grande parte de as crianças serem definidas de um modo não-social – ou, mais precisamente, pré-social. Assim, a disciplina acadêmica que até recentemente se atribuía exclusividade no estudo das crianças é a psicologia. É uma disciplina que (pelo menos em suas formas mais influentes e predominantes) interpreta o estudo da interação humana em termos da psique ou da personalidade individual; e define o modo como as crianças vão mudando ao correr do tempo como um processo teleológico de desenvolvimento em direção a um objetivo pré-determinado. As crianças são aí construídas como indivíduos isolados, cujo desenvolvimento cognitivo percorre uma seqüência lógica de ‘idades e estágios’ em direção à maturidade e à racionalidade adultas. Se a infância é definida, desse modo, como um processo de ‘tornar-se’, a idade adulta é vista como um estado acabado, no qual o desenvolvimento efetivamente cessou. Aqueles que não atingem esse estado são avaliados em termos de patologias individuais, e identificados como casos merecedores de tratamento.xxiii Se essa abordagem vem sendo cada vez mais questionada ( inclusive dentro da própria psicologia) a construção da infância dominante nesse campo claramente sustenta uma visão das crianças como essencialmente em falta, incompletas. O comportamento das crianças é avaliado em termos do quanto é ou não ‘apropriado’ a sua idade biológica. O índice de ‘maturidade ou ‘imaturidade torna-se o padrão pelo qual elas são medidas e com o qual medem a si próprias. Essas diferenças são definidas em termos do que passa a ser visto como qualidades especificamente adultas: racionalidade, moralidade, autocontrole e ‘boas maneiras’. Isso não implica, é claro, que a condição adulta seja sempre e necessariamente privilegiada em relação à infância nesses discursos – ao menos abertamente. As crianças podem ser definidas em termos de sua falta de racionalidade, entendimento social ou autocontrole; mas, de modo semelhante, elas podem também ser louvadas (ainda que de 16 modo paternalista) por sua ausência de artificialidade, autoconsciência e inibição. Evidentemente existe toda uma indústria de auto-ajuda baseada na idéia de que os adultos devem entrar em contato com sua ‘criança interior – idéias que reforçam implicitamente as noções românticas da infância como um lugar de verdade e pureza.xxiv O que continua sendo perturbador para muitos adultos, entretanto, são as conseqüências de as crianças ‘cruzarem a fronteira’. As manifestações de comportamento ‘precoce ameaçam a separação entre adultos e crianças, representando assim um desafio ao poder adulto. É nesse ponto que os discursos liberais sobre o desenvolvimento da criança, com sua ênfase no atendimento afetivo e no crescimento natural, começam a fraquejar. A saúde psicológica das crianças parece decididamente exigir de nós que patrulhemos a linha divisória entre adultos e crianças, no lar, na escola, e na ampla arena da cultura pública. Esse processo não é portanto apenas uma questão de separação entre crianças e adultos; ele envolve também uma ativa exclusão das crianças daquilo que é considerado o mundo adulto. Tal tentativa de excluir as crianças aplica-se mais obviamente aos campos da violência e da sexualidade, da economia e da política. E o significado dos meios de comunicação eletrônicos nesse contexto relaciona-se, claramente, com o fato de eles serem uma das fontes primárias de conhecimento sobre tais assuntos. Tanto em relação às mídias como a esses outros campos sociais, os dilemas fundamentais têm a ver com acesso e controle. Como explicarei adiante, esses dilemas estão se tornando cada vez mais agudos em conseqüência das novas tecnologias e da proliferação global das mídias eletrônicas. Os clamores por mais controle emergem renovados, precisamente porque a possibilidade de controle marcha a passos firmes para o desaparecimento. Minha posição não é liberacionista, porém. Em princípio, não nego a dependência biológica prolongada das crianças em relação aos adultos; nem contesto a idéia de que os indivíduos de fato se desenvolvam e mudem com a idade. ‘Maturidade’ é certamente uma palavra relativa, mas que não está inteiramente desligada da idade biológica. Além do mais, a exclusão que identifiquei não se relaciona apenas com a imposição de alguma forma monolítica de ‘poder adulto’. Ao contrário, ela é alcançada por meio da ativa cumplicidade das próprias crianças; e também exclui os adultos daquilo que é visto como domínio apropriado às crianças. Mais que isso: quando dou ênfase ao caráter mutável das construções sociais da infância, não quero propor que tais construções sejam uma falsificação da essência da infância, ou um tipo de imposição artifical sobre a criança ‘natural’. Nem tampouco estou sugerindo que essa essência natural pudesse ser libertada caso num passe de mágica conseguíssemos remover as fontes de poder. Nesse sentido, o chamado à ‘liberação das crianças’ parece se caracterizar por um tipo de romantismo muito parecido com os argumentos protecionistas aos quais ele tenta se opor. Eu proporia, mesmo assim, que a construção dominante das crianças como indivíduos pré-sociais impede de fato qualquer consideração que as tome como seres sociais, ou mesmo como cidadãos. Ao definirmos as crianças em termos de sua exclusão da sociedade adulta, e em termos de sua falta de habilidade ou de interesse em demonstrar o que definimos como características ‘adultas’, estamos ativamente produzindo o tipo de consciência e de comportamento que certos adultos julgam tão problemático. As diferenças que se percebe comoexistentes entre adultos e crianças justificam a segregação das crianças: mas essa segregação dá origem, então, ao comportamento que justifica a própria percepção das diferenças. Como já deixei implícito, a cultura e a representação são aspectos cruciais de todo o processo, tanto para as crianças como para os adultos. Por diversas razões, as mídias eletrônicas têm um papel cada vez mais significativo na definição das experiências culturais da infância contemporânea. Não há mais como excluir as crianças dessas mídias e das coisas que elas representam; nem como confiná-las a materiais que os adultos julguem bons para 17 elas. A tentativa de proteger as crianças restringindo o acesso às mídias está destinada ao fracasso. Ao contrário, precisamos agora prestar muito mais atenção em como preparar as crianças para lidar com essas experiências; e, ao fazê-lo, temos de parar de defini-las simplesmente em termos do que lhes falta. Um esquema do livro Nos dois próximos capítulos, discuto duas análises contrastantes sobre a natureza mutante da infância e sobre o papel das mídias nas vidas das crianças. De um lado está a tese da ‘morte da infância’, comumente associada ao trabalho de Neil Postman – a visão de que a televisão e outros meios eletrônicos no mínimo diluíram as fronteiras entre a infância e a idade adulta, se é que não as apagaram completamente. Do outro lado está um argumento cada vez mais popular entre os entusiastas das chamada ‘revolução das comunicações’ – a idéia de que as novas mídias eletrônicas estão dando mais liberdade e poder às crianças e aos jovens. Como tentarei mostrar, há fortes semelhanças - assim como fragilidades em comum – nesses argumentos aparentemente tão diversos. Minha crítica a essas posições levanta uma série de questões fundamentais, que serão tratadas mais diretamente na segunda parte do livro. Elas têm relação mais óbvia com a natureza mutante da infância – tanto em termos das nossas idéias sobre a infância como em termos das vidas reais das crianças. Elas têm a ver também com a natureza mutante das mídias – não somente ao nível da tecnologia, mas também quanto à forma e ao conteúdo dos textos midiáticos e da interação entre os produtores de comunicação e seus públicos. Essas questões ligam-se também, por fim, com a forma como entendemos as relações das crianças com as mídias, quer pensemos em termos de ‘usos’ ou ‘efeitos’, como ‘ativas’ e ‘passivas’, ou como um fenômeno essencialmente psicológico ou social. Minha própria posição diante desses temas é apresentada nos capítulos 4, 5 e 6. Atravessando todas essas questões há diversas preocupações mais específicas, relacionadas ao lugar das mídias eletrônicas na sociedade contemporânea. Tais questões assumem uma forma particular, e em alguns casos uma intensidade particular, em relação às crianças; elas têm um significado mais amplo também. Trata-se de áreas que, de diferentes maneiras, são predominantemente definidas em termos de exclusão – ou seja, como áreas da vida ‘adulta às quais, defende-se, as crianças não deveriam ter acesso. Incluem-se nesse campo em primeiro lugar as questões ligadas à moralidade, tipicamente centradas em representações de sexo e violência. Em segundo lugar, estão as questões ligadas ao lugar do comércio e às relações entre o mercado e a esfera pública. Isso nos leva à terceira área-chave, a da cidadania – ou seja, a das relações entre as crianças e a atividade e o debate ‘políticos’ num sentido amplo. Esses três temas são tratados na terceira parte do livro, respectivamente nos capítulos 7, 8 e 9. Ao enfatizar as complexidades e as dificuldades dessas questões, minha intenção também é apontar as conseqüências de meus argumentos para a formulação de políticas futuras, não só em relação às mídias em si, mas também em termos das experiências e dos direitos das crianças como público. Tais projeções mais específicas começam a emergir ao final de cada um dos capítulos da parte III e são reunidas e melhor desenvolvidas em meu capítulo de conclusão. Esses argumentos, e alguns dos exemplos específicos que aparecem ao longo do livro, são forçosamente ligados em parte à situação na Grã-Bretanha; há dificuldades óbvias em fazer generalizações a partir de características sociais e culturais de um contexto nacional para outro. Mesmo assim, acredito que muitos dos argumentos gerais aqui expostos possam ter uma ressonância internacional. Apesar de seu título provocativo, então, este livro não é mais uma lamentação pela morte da infância; nem é simplesmente uma celebração do que poderá sucedê-la. Ao 18 contrário, ele busca fornecer a base de uma compreensão mais realista e abrangente da experiência das crianças que crescem na era dos meios eletrônicos. Precisamos dessa compreensão se quisermos ajudá-las a lidar com os desafios do presente, sem falar nos do futuro. PARTE I Capítulo 2: A Morte da Infância A noção de que as crianças estão crescendo privadas da infância tornou-se corriqueira na psicologia popular. Ao longo das últimas três ou quatro décadas, argumenta-se, houve uma mudança radical no modo como a sociedade trata as crianças e no comportamento delas próprias. Os críticos apontam as evidências de aumento nos índices de violência e atividade sexual entre os jovens, e a crescente desintegração da vida familiar, concluindo que a segurança e a inocência que caracterizavam a experiência da infância nas gerações anteriores perderam-se para sempre. Dois livros, ambos publicados nos EUA no início da década de 1980, estiveram entre os primeiros a levantar essas preocupações: The Hurried Child (A Criança Apressada), de David Elkind (1981)xxv, e Children without Childhood (Crianças sem Infância), de Marie Winn (1984). Nas capas desses livros, slogans semelhantes sintetizavam seus argumentos: ‘Crescendo Rápido Demais Cedo Demais’ (Elkind) e ‘Crescendo Rápido Demais no Mundo do Sexo e das Drogas’ (Winn). Esses autores parecem descrever fenômenos similares, mas suas análises das causas desses fenômenos são bem diferentes. Como psicólogo da infância, Elkind parte do estresse que, segundo ele, caracteriza a vida das crianças de hoje. Ele aponta para o aumento dos índices de distúrbios psicológicos causados pelo divórcio; o aumento dos casos de gravidez e doenças venéreas na adolescência; e o número crescente de jovens tentando a fuga através das drogas, do crime, do suicídio e do ingresso em seitas religiosas. As crianças, diz ele, estão sendo ‘aceleradas’ infância afora por seus pais, pelas escolas e também pelos meios de comunicação. Os pais, estressados e frustrados por suas próprias vidas profissionais, tendem a jogar suas ansiedades sobre as crianças, pressionando-as cada vez mais cedo a ter sucesso acadêmico e esportivo e paralisando-as com o medo do fracasso. As escolas tornaram-se produtivistas, obcecadas por avaliação e pelo treinamento impositivo de ‘habilidades básicas’. Os pais estão sendo convocados a transformar o lar em extensão da escola, proporcionando às crianças uma instrução formal e programada, ao invés do aprendizado mais informal do passado. Os meios de comunicação refletem e ao mesmo tempo produzem esta ‘aceleração’ das crianças. Segundo Elkind, faltam à televisão as ‘barreiras intelectuais’ das mídias mais antigas, porque ela não exige que as crianças aprendam a interpretá-la. Ao simplificar o acesso das crianças à informação, a TV abre-lhes as portas a experiências antes reservadas aos adultos: ‘cenas de violência ou de intimidade sexual que uma criança pequena não seria capaz de imaginar a partir de uma descrição verbal, são agora apresentadas direta e graficamente na tela da televisão.’xxvi Num certo nível, isso significa que a experiência humana torna-se ‘homogeneizada’; mesmo que as próprias crianças não necessariamente entendam aquilo que assistem, a televisão cria um tipo de ‘pseudo- sofisticação’, que leva os adultos a tratarem as crianças como maisadultas do que realmente são. Elkind desenvolve um argumento semelhante em relação aos livros infantis contemporâneos, onde o foco nos pobres, nos deficientes, nos doentes e naqueles com problemas emocionais parece representar uma pressão a mais sobre as crianças, no sentido de fazê-las crescer antes do tempo. Ao mesmo tempo, ele condena o rock como emocionalmente regressivo, como um estímulo à masturbação e ao uso de drogas ilícitas. O problema-chave, de acordo com Elkind, é que as crianças são expostas a essas experiências antes de estarem ‘emocionalmente prontas’ para lidar com elas: As crianças apressadas são forçadas a assumir a parafernália física, psicológica e social da idade adulta antes de estarem prontas para lidar com ela. Vestimos nossas crianças com fantasias de 19 adultos em miniatura (muitas vezes de marcas famosas), as expomos ao sexo e à violência gratuitos, e esperamos que elas sejam capazes de lidar com um ambiente social cada vez mais perturbador – o divórcio, a ausência de um dos pais, a homossexualidade.xxvii Em contraste, Elkind propõe que o amadurecimento deva ser lento, seguindo um ritmo próprio. Apoiado no modelo do desenvolvimento infantil de Piaget, ele argumenta que as crianças só aprendem verdadeiramente quando estão prontas para fazê-lo. Forçá-las a passar por cima de estágios em seu desenvolvimento tornará muito mais difícil para elas estabelecerem um sentido seguro de sua identidade pessoal, deixando-as despreparadas para as dificuldades da adolescência. Marie Winn, em seu livro ‘Crianças sem Infância’, faz eco a muitas das preocupações de Elkind. Ela também indica uma crescente epidemia de problemas sociais que afetam as crianças; e, apesar de tomar cuidado para não exagerá-los, argumenta que tem havido uma ‘perda de controle’ generalizada por parte dos pais e um amplo ‘declínio na supervisão das crianças’. Se é verdade que problemas como o abuso de drogas e a gravidez na adolescência sempre existiram entre as classes sociais mais baixas, eles estão agora se espalhando entre as crianças de classe média. Como Elkind, Winn se espanta com o apagamento das fronteiras entre adultos e crianças, e com o fato de que ‘as crianças têm uma aparência, uma fala e um comportamento muito pouco infantis’xxviii Usando grande quantidade de exemplos anedóticos, ela afirma que a maioria dos pais mostra despreocupação, ignorância ou fatalismo diante de sua própria impotência em alterar a situação. Como Elkind, Winn acusa as mídias por ‘doutrinarem as crianças sobre os segredos da vida adulta’ – que para ela se referem principalmente a sexo e violência. Se é verdade que a autora compartilha as preocupações dele com o ‘novo realismo’ nos livros infantis, e o foco em ‘gangues de estupradores, homossexualismo e violência sádica’ no cinema, sua maior ansiedade é a televisão. Os pais têm poucas chances de controlar a exposição de seus filhos a todas as variedades da sexualidade adulta, a cada permuta e combinação de brutalidade e violência humanas, a cada aspecto de doença, moléstia e sofrimento, a cada assustadora possibilidade de desastres com causas naturais ou humanas que possa ser impingido sobre uma infância inocente e livre de preocupações. O aparelho de TV está sempre ali, pronto para destruir todos os seus planos cuidadosos.xxix Mesmo assim, a preocupação de Winn com a TV – que é extensamente desenvolvida em seu livro anterior - The Plug-in Drugxxx (‘A Droga de ligar na Tomada’) - não tem relação apenas com os conteúdos. Independente do que elas assistam, ela argumenta, a televisão priva as crianças da brincadeira e de outras formas de interação saudável. O aparelho é usado como ‘babá eletrônica’ por um número muito grande de pais . Apesar de suas semelhanças, os diagnósticos feitos por esses dois autores, e portanto suas receitas de mudança, são bem diferentes. A posição de Winn é essencialmente um conservadorismo moralista. Ela se mostra horrorizada com o declínio da família nuclear tradicional, a independência financeira cada vez maior das mulheres, o ‘enfraquecimento dos padrões sexuais’ e o papel cada vez menor da religião organizada. Ela lamenta o movimento em direção ao ensino misto, à desaprovação aos castigos físicos e à visibilidade pública cada vez maior da homossexualidade. Nesse sentido, seu livro vincula-se claramente ao refluxo moralista contra a ‘permissividade’ dos anos 60 que caracterizou a década de 1980 de Ronald Reagan e Margaret Thatcher. Para Elkind, em contraste, o problema não parece ser tanto a permissividade, mas a falta dela. Ele compartilha algumas das preocupações moralistas gerais de Winn, mas lamenta a tendência ao abandono das práticas educativas baseadas na noção de ‘auto-expressão’. Se essa abordagem pode ter produzido ‘crianças mimadas’, que permanecem muito tempo na infância, o pêndulo agora foi longe demais na direção oposta: as ‘crianças apressadas’ estão sujeitas a excessiva pressão e disciplina por parte dos adultos. Winn e Elkind estão unidos, porém, em seu desejo de voltar a uma era anterior – a qual Winn chama, aparentemente sem ironia, de ‘a Idade de Ouro da Inocência’, uma idade na qual (diz ela) ‘a inocência era verdadeiramente uma bênção, era uma vez, muito tempo atrásxxxi’. Os dois autores parecem situar esse período no início do século XX, ou mesmo um pouco antes. Ambos, no entanto, 20 têm consciência de que esta Idade de Ouro era em si um estágio particular na longa história da infância. Winn, por exemplo, compara a abordagem ‘não-civilizada’ da educação das crianças na Idade Média com a ênfase na proteção e no cuidado afetivo que emergiu durante o século XIX. As crianças, ela observa, eram gradualmente separadas do mundo adulto, para que pudessem ser preparadas a exercer seus papéis futuros em uma sociedade industrial cada vez mais complexa. ‘Lenta e dolorosamente, as crianças eram ajudadas a adquirir as habilidades de cooperação, consideração e sensibilidade social, de que iriam precisar algum dia nos novos tipos de trabalho disponíveis aos adultos nas vilas e cidades.’xxxii Naquela época, diz Winn, as crianças mostravam ‘uma aceitação relativamente dócil de seu papel como seres dependentes e desprovidos de muita escolha sobre a vida e mesmo sobre seu comportamento cotidiano’xxxiii – e, como resultado, seu modo de agir passou a ser visto como caracteristicamente infantil. Hoje, ao contrário, as crianças mostram muito menos reverência diante dos que estão em situação de autoridade. Seus ‘poderes críticos’, de acordo com Winn, foram ‘despertados cedo demais’.xxxiv Elas sabem que os adultos nem sempre merecem confiança ou respeito simplesmente por serem adultos. As crianças, ao que parece, chegam a reivindicar o direito de escolher que roupas vestir! É significativo que os dois autores reconheçam que os processos que descrevem devam ser vistos no contexto mais amplo dos movimentos por igualdade social que se seguiram às lutas por Direitos Civis e ao renascimento do feminismo. Mas é no caso das crianças que ambos procuram definir um limite a essas tendências. Em vez de estender a igualdade às crianças, Elkind defende que precisamos dar um tempo a elas para que cresçam e aprendam longe dos adultos. Não é discriminatório, ele sugere, enfatizarmos as ‘necessidades especiais’ das crianças; ao contrário, ‘é a única forma de atingirmos uma verdadeira igualdade’.xxxv Para Winn, há aí uma clara implicação: os pais devem reforçar ativamente as fronteiras entre adultos e crianças. Eles deveriam estar menos preocupados com a preparação e mais com a proteção. Os pais devem reafirmar sua autoridade, e, assim devolver às crianças seu direito de ‘serem crianças’. A análise de Elkind talvez seja menos abertamente coercitiva, mas é igualmente normativa. Em vez de enfatizar a responsabilidade dos pais na manutenção da inocência de suas crianças, Elkind indica que isso acontecerá naturalmente, se as crianças não forem forçadas a crescerantes de estarem ‘prontas’. Nesse relato, portanto, as normas psicológicas tomam o lugar das normas sociais, e inevitavelmente as apóiam. Se é fato que os dois autores reconhecem a existência da mudança histórica, ambos acabam caindo novamente na noção da infância como um fenômeno ‘natural, visto implicitamente como atemporal. Os mitos da alfabetização Apesar das diferenças entre eles, os argumentos desenvolvidos nesses livros são uma referência poderosa no pensamento popular contemporâneo sobre a infância, parecendo unir pessoas que têm convicções políticas e morais contrastantes. Eles dão corpo a uma crescente ansiedade sobre as mudanças sociais, e especialmente sobre a mudança nas relações de poder entre adultos e crianças, típica de tantos comentários na imprensa sobre a educação de crianças. Mas, como veremos no decorrer deste livro, muitos dos temas que eles discutem têm sido tratados também - é verdade que com mais cautela - pelos estudos acadêmicos sobre a infância, e especialmente sobre as relações das crianças com as mídias. Para investigar essas idéias, volto-me agora a quatro trabalhos escritos por acadêmicos: The Disappearance of Childhood, (‘O Desaparecimento da Infância’) de Neil Postmanxxxvi, e No Sense of Place (‘Sem Noção de Lugar’), de Joshua Meyrowitz, publicados no começo da década de 1980; A is for Ox (‘A de Boi’), de Barry Sanders, e a coletânea Kinderculture (‘Cultura Infantil’xxxvii) de Shirley Steinberg e Joe Kincheloe, ambos publicados em meados dos anos noventa. Também aqui, os subtítulos ou slogans de capa são sintomáticos: ‘Como a TV está mudando a vida das crianças’ 21 (Postman); ‘O Impacto das Mídias Eletrônicas no Comportamento Social’ (Meyrowitz); ‘O Colapso da Leitura e o Aumento da Violência na Era Eletrônica’ (Sanders); e ‘A Construção Corporativa da Infância’ (Steinberg e Kincheloe). Como esses títulos sugerem, todos os quatro livros oferecem uma análise bastante unidimensional das causas desses processos. Enquanto Elkind e Winn tentavam explicar as mudanças contemporâneas na infância por meio de argumentos gerais sobre as formas de educar as crianças, estes últimos autores identificam no drama um único vilão: as mídias eletrônicas. O livro de Postman foi o primeiro dos quatro a ser escrito, e também o que tem a linguagem mais popular. Como Elkind e Winn, ele oferece uma gama variada de evidências para provar que a infância – ou pelo menos a distinção entre adultos e crianças – está desaparecendo. Ele aponta a eliminação das brincadeiras tradicionais e dos estilos de vestuário tipicamente infantis; a crescente homogeneização nos interesses de lazer, linguagem, hábitos alimentares e preferências de entretenimento de crianças e adultos; e o aumento na criminalidade infantil, no consumo de drogas, na atividade sexual e na gravidez na adolescência. Fica especialmente chocado com o uso erótico de crianças em filmes e comerciais, o predomínio de temas ‘adultos’ nos livros infantis e aquilo que considera uma ênfase mal-conduzida nos ‘direitos das crianças’ . No entanto, como os outros autores discutidos aqui, Postman não tem ilusões de que a infância seja um fenômeno atemporal. A partir da obra do historiador francês Philippe Arièsxxxviii, ele descreve a ‘invenção’ e a evolução da infância desde a Idade Média. Em suas próprias palavras, essa é a história de ‘como a imprensa inventou a infância e de como os meios eletrônicos estão acabando com ela.’xxxix Como a frase sugere, Postman atribui um papel determinante às tecnologias e aos atributos humanos que elas (como que automaticamente) requerem ou cultivam. A imprensa, ele afirma, criou de fato a nossa moderna noção de individualidade; e foi esse ‘senso de eu intensificado’ que levou ao ‘florescimento da infância’. A imprensa exigia o aprendizado da alfabetização, e conseqüuentemente a invenção de escolas, de modo a colocar em cheque a ‘exuberância’ das crianças e a cultivar ‘a quietude, a imobilidade, a contemplação e a regulação das funções corporais’.xl Mas a imprensa e a escola não apenas criaram a criança: no processo, criaram também ‘o conceito moderno de adulto.’ A maturidade tornou-se, nas palavras de Postman, um feito simbólico e não apenas biológico. Como Winn, Postman vê como a vantagem da imprensa sua habilidade em preservar os ‘segredos’ adultos daqueles que ainda não foram alfabetizados. A televisão, ao contrário, é um ‘meio de exposição total’, que torna a informação ‘incontrolável’. Os ‘mistérios sombrios e fugidios’ da vida adulta (e particularmente do sexo) não estão mais escondidos das crianças, ele sugere. A televisão de fato acaba com a vergonha, qualidade que Postman vê como pré-requisito para a existência da infância. Entretando, a visão que Postman tem das diferenças entre essas mídias não está centralmente preocupada com seu conteúdo, e sim com suas implicações para a cognição. Seguindo Harold Innis e Marshall McLuhanxli, ele argumenta que a imprensa é essencialmente simbólica e linear, e por isso cultiva a abstração e o pensamento lógico: Quase todas as características que associamos com a maturidade são (ou eram) aquelas geradas ou amplificadas pelos requisitos de uma cultura plenamente letrada: a capacidade de autocontrole, a tolerância pelo adiamento da gratificação, a habilidade sofisticada para o pensamento conceitual e seqüencial, a preocupação com a continuidade histórica e com o futuro, a grande valorização da razão e da hierarquia.xlii Em contraste, a televisão é um meio visual, afirma Postman. Ela não requer habilidades especiais para sua interpretação, nem as cultiva. Ela não oferece proposições, e não precisa conformar-se às regras da evidência ou da lógica: é essencialmente irracional. As implicações de tais mudanças tecnológicas para as relações entre adultos e crianças foram diretas, portanto. Por meio da imprensa e da escolarização, diz Postman, ‘os adultos viram-se com um controle sem precedentes sobre o ambiente simbólico dos jovens, e desse modo foram capazes de 22 estabelecer as condições pelas quais uma criança se tornaria adulta, e mesmo obrigados a estabelecê- las’.xliii Na era da televisão, esse poder e esse controle tornaram-se impossíveis. Nas entrelinhas do texto de Postman há uma forma de conservadorismo moral que tem muito em comum com a que vimos em Marie Winn. O que lhe parece especialmente perturbador na ‘era da TV’ é a derrocada das ‘boas maneiras’. Se por um lado Postman se afasta do que vê como a ‘arrogância’ da chamada Maioria Moral, ele explicitamente compartilha com ela o desejo de ‘fazer o relógio andar para trás’. Ele apóia ‘suas tentativas de restaurar um sentido de inibição e reverência diante da sexualidade’ e de estabelecer escolas que insistam nos ‘padrões rigorosos de civilité’; e convoca os pais a imprimir nas crianças o valor do ‘autocontrole nas atitudes, na linguagem e no estilo’ e a necessidade ‘da reverência e da responsabilidade pelos mais velhos’.xliv Mesmo assim, Postman não é muito otimista quanto às chances dessa sobrevivência: ele reconhece como um papel ‘monástico’ o dos pais que limitarem a exposição de seus filhos às mídias, que lhes ensinarem boas maneiras e que assim ‘resistirem ao espírito da época’. O tom de No Sense of Place, de Joshua Meyrowitz, é bem menos polêmico e bem mais acadêmico do que o de The Disappearance of Childhood. Apesar de ter aparecido dois anos depois, o livro de Meyrowitz deixa implícito que Postman e outros estavam popularizando idéias que haviam sido desenvolvidas originalmente por ele.xlv Como os outros autores que estou comentando, Meyrowitz propõe que a infância e a idade adulta estejam se fundindo, em conseqüência das mudanças nos meios de comunicação. O argumento de Meyrowitz, porém, é muito mais amplo que o de Postman. A diferença essencial entre a televisão e as mídias mais antigas é, segundo ele, o fato de que a televisão torna os comportamentos ‘de bastidores’ visíveis atodos. Ela revela fatos que contradizem os mitos e ideais dominantes. De fato, ela não permite que os grupos poderosos mantenham ‘segredos’, minando assim os alicerces de sua autoridade. Desse modo, a televisão não apenas confundiu as fronteiras entre as crianças e os adultos, mas também entre os homens e as mulheres, e entre os cidadãos individuais e seus representantes políticos. Ao mesmo tempo, Meyrowitz é muito mais agnóstico do que Postman. Suas descrições das mudanças contemporâneas na infância, se bem que coincidentes em muitos sentidos com as que consideramos até agora, são muito mais equilibradas. Assim, ao observar o aumento da criminalidade infantil, ele destaca também o enfraquecimento das abordagens paternalistas na educação das crianças e a nova ênfase no bem-estar infantil e nos direitos das crianças. Da mesma forma, ele descreve os livros infantis como ‘um gueto informacional’, argumentando que os novos meios de comunicação permitem às crianças comunicarem-se diretamente umas com as outras de formas antes impossíveis. O objetivo final de Meyrowitz não é julgar se tais mudanças são boas ou más, ou se elas representam um desvio não-natural dos papéis ‘apropriados’ para adultos e crianças. De fato, ele refuta com energia as descrições universalistas do desenvolvimento infantil, dos tipos a que aderem Elkind e outros, em última análise; ele argumenta que ‘a criança’ e a ‘psicologia da criança’ são construções sociais, que refletem determinados valores culturais muito específicos (e cada vez mais questionáveis). A noção da ‘inocência’ infantil, ele sugere, não reflete um estado essencial ou natural: ao contrário, ela foi produzida deliberadamente para justificar a separação social entre adultos e crianças.xlvi Nesse sentido, Meyrowitz tem pouca simpatia por argumentos sobre as implicações cognitivas das diferentes mídias. Ele faz uma clara distinção entre a imprensa e a televisão, mas a define em termos dos seus usos sociais. A imprensa, para ele, tende a segregar crianças e adultos, pois requer um aprendizado prolongado da alfabetização; a televisão, por sua vez, tende a reintegrá-los, porque suas formas simbólicas básicas – figuras e sons – são imediatamente acessíveis. Independentemente das mensagens específicas que transmite, a televisão modifica o padrão do fluxo de informação que entra nas casas, desafiando o controle dos adultos e permitindo que a criança pequena esteja vicariamente ‘presente’ às interações adultas: ‘A Televisão remove as barreiras que uma vez colocavam as pessoas de diferentes idades e diferentes habilidades de leitura em situações sociais diferentes. O uso generalizado da televisão equivale a uma ampla decisão social de permitir que as crianças pequenas estejam presentes a guerras e funerais, namoros e seduções, tramas criminosas e coquetéis.’xlvii 23 Como Winn e Postman, portanto, Meyrowitz afirma que a televisão mina as tentativas adultas de manter ‘sigilo’, apesar de ele não demonstrar a mesma preocupação moralista diante dessa situação. Controlar o acesso das crianças às mídias – a resposta preferida de Postman – tende a ser difícil, ele sugere. Com a televisão, a prática do controle familiar precisa tornar-se aberta e visível, de um modo que não era necessário com a imprensa. Além do mais, a televisão alerta as crianças para a existência de comportamentos ‘de bastidor’, mesmo que nem sempre os revele explicitamente; e freqüentemente exibe às crianças as formas como os adultos procuram manter tais comportamentos longe das vistas delas. Assim, a televisão não apenas revela ‘segredos’: ela também revela ‘o segredo da secretude’, tornando os adultos vulneráveis à acusação de hipocrisia.xlviii Se, portanto, Meyrowitz rejeita implicitamente o determinismo tecnológico de Postman, ele coloca em seu lugar o que poderíamos chamar (ainda que não soe bem) de um ‘determinismo do sistema de informação’. A diferença crucial entre a televisão e a imprensa, ele sugere, está nas possibilidades que a leitura oferece de ‘separação entre os sistemas de informação adultos e infantis’. Em outras palavras, o que faz a diferença não são os processos cognitivos, ou mesmo o conteúdo: é o fato de que a imprensa permite que as crianças sejam separadas dos adultos, e a televisão, não. À medida que as distinções entre os sistemas de informação para crianças e adultos se diluem, argumenta Meyrowitz, tendem inevitavemente a ocorrer mudanças nos comportamentos sociais. O livro de Barry Sanders A is for Ox (‘A de Boi’) é um desenvolvimento mais recente destes temas, e de certa forma o mais apocalíptico deles. Como Neil Postman, Sanders expõe sua tese central em termos ousados: ‘Os seres humanos tais como os conhecemos’, escreve, ‘são produtos da alfabetização’.xlix E, como os jovens têm menos interesse na ‘cultura do livro’, e os índices de alfabetização seguem caindo, a idéia de um ‘ser humano crítico e autônomo’ está desaparecendo rapidamente. Os analfabetos, argumenta Sanders, são incapazes de pensar de forma abstrata e crítica, ou de se distanciarem de sua experiência imediata. Eles não conseguem desenvolver um sentido de consciência individual, apenas um tipo tribal de ‘consciência de grupo’. Seu mundo é cheio de violência auto-destrutiva, é ‘um mundo marcado por dor e morte, um mundo cheio de desespero e marginalidade, suicídios adolescentes, gangues assassinas, lares desfeitos e homicídios’.l A causa primordial dessa epidemia de violência jovem, como se pode imaginar, é a televisão (e, num grau menor, os computadores domésticos). Mas, assim como os outros autores discutidos aqui, o problema não está tanto em que determinados tipos de conteúdo televisivo produzam comportamentos imitativos – apesar de Sanders claramente acreditar que isso ocorra. O problema são os tipos de consciência cuja produção é atribuída à televisão. Em uma original manobra argumentativa, Sanders diz que principal vítima da televisão não é tanto a leitura, mas sim a oralidade – e particularmente a prática doméstica da narração oral de histórias. Ver televisão em vez de conversar destrói a habilidade de as crianças desenvolverem sua própria voz e seus poderes imaginativos. Claro, a televisão contém linguagem oral, mas trata-se de uma falsa oralidade, ‘uma mentira auditiva e visual’. Ao destruir a ‘verdadeira oralidade’, a televisão também destrói as bases da alfabetização, já que seu desenvolvimento depende da existência prévia da oralidade. A visão que Sanders tem da relação entre a leitura do texto impresso e a televisão é semelhante à luta maniqueísta entre o bem e o mal. A leitura é de fato equiparada à noção de autonomia do euli, e desse modo com a vida em si. Assim, sugere Sanders, os membros analfabetos de gangues não possuem a autonomia do eu, e por isso não dão valor à vida humana. ‘As culturas orais’, ele argumenta, ‘ não operam com o mesmo conceito de ‘assassinato’ que as culturas letradas. Nelas não se pode ‘tirar’ a vida de alguém, porque uma vida demarcada, plenamente articulada e internalizada só existe em uma cultura letrada.’lii A violência torna-se assim uma forma de compensação por aquilo que perdem aqueles que não sabem ler; ao passo que o letramento ‘civiliza’ os indivíduos, transformando-os em ‘membros consentidos do corpo político’. Por outro lado, os efeitos negativos da televisão são devastadores: 24 [A televisão] debilita os jovens (....) provoca um curto-circuito no desenvolvimento natural, emocional, de que eles precisam para tornar-se seres humanos saudáveis (...) estrangula o desenvolvimento de suas próprias vozes e nega a eles seus poderes imaginativos (...) apaga as próprias imagens das crianças (...) enfraquece a vontade (...) [e] desfere um dos golpes psicológicos mais debilitantes ao negar ao jovem a oportunidade de voltar-se para dentro de si mesmo e conversar em silêncio com aquele construto social que brota, o eu.liii À luz dessa análise apocalíptica, talvez não surpreenda
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