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“FAKE NEWS”: SÓ MENTE A VERDADE, UM RELATO DE EXPERIÊNCIA NA EJA DO SESC SANTO AMARO "FAKE NEWS": ONLY THE TRUTH, A REPORT OF EXPERIENCE IN THE AREA OF SESC SANTO AMARO Laércio Queiroz Resumo Este trabalho relata uma experiência vivenciada em duas turmas: uma do Ensino Fundamental e outra do Ensino Médio, ambas da Educação de Jovens e Adultos, do Sesc Santo Amaro. A vivência aconteceu, durante o primeiro semestre do ano de 2018, e teve por objetivo estudar a problemática das chamadas “fake news”, seus efeitos na contemporaneidade e como se prevenir da ação das informações falsas. Para tanto, estudamos os gêneros discursivos sob a luz de Bakhtin [2010], além de usarmos duas Metodologias Ativas, quais sejam, Aula Invertida Polya [1997] e Aprendizagem Baseada em Problemas, de Bergman [2017].Outrossim, foram colhidos depoimentos de pessoas usuárias da internet, e seus enunciados foram analisados a partir do dialogismo bakhtiniano. A investigação permitiu que observássemos como as pessoas se comportam na internet, seus interesses, seus valores, e colaborou para que estudantes refletissem sobre suas posturas diante, principalmente, do compartilhamento de textos nas redes sociais. Palavras-chave: “fake news”, redes sociais, dialogismo. Abstract This paper reports an experience lived in two classes: one from Elementary School and another from Secondary School, both from Youth and Adult Education, from Sesc Santo Amaro. The experiment took place during the first half of 2018, and aimed to study the problem of so-called "fake news", its effects in contemporaneity and how to prevent the action of false information. For this, we study the discursive genres in the light of Bakhtin [2010], in addition to making use of two Active Methodologies, namely, Inverse Class Polya [1997] and Problem-Based Learning, by Bergman [2017] .Otherwise, testimonies of people using the internet, and their statements were analyzed from the Bakhtinian dialogism. Research has allowed us to observe how people behave on the internet, their interests, and their values, and have allowed students to reflect on their attitudes toward, in particular, text sharing on social networks. Keywords: "fake news", social networks, dialogism. Introdução Educação e Tecnologia em Tempos de Mudança | 2 A ideia de globalização pressupõe a extinção das fronteiras comunicativas, sendo assim, com o advento da internet, inicialmente, e, posteriormente das redes sociais, as distâncias se encurtaram expressivamente. Por esse caminho, na babel moderna as distâncias se 1 comprimiram tão completamente que, em segundos, uma informação se espalha para um contingente de internautas. E os efeitos dela também irão muito além da derradeira fronteira. O maremoto de mensagens nas redes é tão intenso que, ao ler uma comunicação, nem temos tempo de processá-la, filtrá-la e já somos alcançados por outras à queima roupa. No labirinto das redes, às vezes, se é levado pela correnteza sem tempo de se livrar, pois a avalanche de mensagens, não raro, impõe que se assuma posição diante de assuntos que, nem sempre, temos conhecimentos prévios. O que muitas vezes nos forçará a assumir posição imediatamente, compartilhando ou crendo no que nos foi apresentado. Entende-se que “as liberdades de informação e expressão postas em questão, na atualidade, não dizem respeito apenas ao acesso da pessoa à informação como receptor, [...] mas de assegurar o direito de acesso do cidadão e de suas organizações coletivas aos meios de comunicação social na condição de emissores – produtores e difusores - de conteúdos. Trata-se pois de democratizar o poder de comunicar.” [PERUZZO,2004] Nas redes sociais, a rapidez dos informes somados a um descompromisso social têm ocasionado situações capazes de gerar danos irreparáveis a pessoas. Ora, a riqueza de diversidade e informações é de extrema relevância, contudo “ [...] temos de combater o que existe de ruim”. (KRIEGER, 2017). Incomodados com a crescente proliferação de informações falsas na internet, conhecidas como “fake news”, decidimos trazer à baila para a discussão em sala de aula, na disciplina de Língua Portuguesa, o tema em questão. Referencial teórico Os seres humanos, de acordo com Bakthin [2010], nos diversos espaços, fazem uso dos gêneros, estes existem porque a língua é um instrumento de interação social dinâmica que contribui para a transmissão de conhecimento, não é impossível se comunicar sem o uso de, no mínimo um gênero discursivo. E a internet apresenta uma infinidade deles. Naturalmente, o acesso à informação nos permite discernir e assumir posição diante de fatos relevantes à sociedade. E “[...] hoje proliferam gêneros novos dentro de novas tecnologias, particularmente na mídia eletrônica (digital)”. (MARSCUSCHI, 2008, p. 198). Assim, digamos desde logo, não se pode conceber educação que não vivencie estas ferramentas, e debater o problema das informações falsas é também função da escola. Há tempos, a escola discute a importância de se formar leitores críticos a fim de torná-los aptos a exercerem a cidadania. No presente, lê-se mais, embora se desconfie da qualidade da leitura. Outrossim, leitores ingênuos são fáceis de ser ludibriados, e, nos ambientes virtuais, às vezes, não é simples romper as fronteiras que separam verdade e mentira. De acordo com Benevides (2000, p.20-194), “(...) cidadania ativa supõe a participação [...] possibilidade de criação, transformação.” Uma breve consulta aos PCN (1999) apontará que o cidadão é portador de direitos e deveres, e conhecê-los deve ser essencial a ele. Igualmente, a Proposta Pedagógica da Educação de Jovens e Adultos orienta para a necessidade de, durante a formação do discente, associar os estudos formais ao cotidiano do qual participa, tornando o ensino significativo, visto que próximo à realidade. E, felizmente, no presente, há um consenso de que a disciplina Língua Portuguesa deve ser associada à situação concreta de comunicação, comprometida com a produção da escrita e leitura, possibilitando aos estudantes uma relação com o código que os tornem capazes de se comunicar com eficácia nas diversas variantes existentes do idioma pátrio. Por esse plano, a 1 Indica certa dispersão humana na contemporaneidade que, embora tenha trazido para as pessoas a possibilidade de aproximação sem fronteiras, ainda apresenta dificuldade de se entender nas diferentes linguagens. Anais do 16º Congresso Internacional de Tecnologia na Educação Brasil | Recife | Setembro de 2018 ISSN: 1984-6355 Educação e Tecnologia em Tempos de Mudança | 3 internet tem sido o suporte mais apropriado para a sublimação da leitura e da escrita, pois nos oferece, além de situações de diálogos reais, em tempo real, vários gêneros discursivos. Metodologias ativas Há muito, pesquisadores de educação debatem sobre a necessidade de mudanças nas práticas pedagógicas. Buscam conscientizar professores de que, sendo o objetivo do ensino o estudante, este deve ser protagonista na aprendizagem. Ainda assim, não raro, vê-se professoresque continuam a assumir uma postura que dialoga com a educação bancária [Freire, 1997], quando o estudante é mero coadjuvante do processo de ensino-aprendizagem e depende, exclusivamente, do professor, para adquirir conhecimentos e solucionar situações-problema. Na contemporaneidade, as novas tecnologias exercem influência profunda na vida das pessoas. Segredo não é que muitos passam mais horas se comunicando pelas redes, não raro em tempo real, que em diálogo face a face. Na escola, por exemplo, vários estudantes ficam mais interessados em qualquer sinal de mensagem no celular do que nas aulas. Contudo, embora seja constante a comunicação em ambientes virtuais, sabe-se que, quase sempre, estudantes se utilizam do aparelho sem nenhuma intenção pedagógica. Alem disso, com relação a aspectos de coerência e coesão, por exemplo, alguns discursos nas redes carecem de qualidade comunicativa. Sabe-se que a língua apresenta variantes, e é necessário saber empregar cada uma delas em diferentes contextos. Por isso, é papel da escola fornecer um repertório linguístico capaz de possibilitar ao falante transitar em diferentes situações comunicativas com apropriação. De acordo com Moran [2014], “aprendemos de várias formas, em redes, sozinhos, por intercâmbios, em grupos etc.” Para ele, as novas tecnologias favorecem muitas maneiras de aprendizagem através das metodologias ativas. E, segundo Rocha (2014), “(...) mesmo quando o professor utiliza metodologias comuns com o suporte tecnológico de vídeos, hipertextos, textos, blogs etc”, há enriquecimento bastante significativo para o processo de ensino-aprendizagem.” Nesse caminho, já passa da hora de a escola romper com a desconfiança em relação à internet e se beneficiar do que ela tem de melhor para colaborar com a construção do conhecimento. Convém que profissionais de educação se mobilizem no sentido de se unirem às novas tecnologias a fim de se utilizar delas em demanda de mais êxito no processo de ensino-aprendizagem. A escola se encontra em uma encruzilhada onde nunca esteve: precisa repensar as metodologias ao mesmo tempo que buscar ressignificar o ensino, para ser mais especifico, com urgência, precisa seduzir os estudantes, criar ferramentas capazes de conquistá-los para participarem do processo de aprendizagem de maneira ativa, ou seja, engajada. Por essa razão, convém rever, não apenas o currículo, mas também as metodologias, pois as estratégias de ensinagens de séculos anteriores não são tão eficazes na contemporaneidade. Além disso, hoje, para muitos, o acesso a cursos é possível de qualquer lugar, pois com a internet, disseminam aulas, e a informação do professor não se restringe mais a sala de aula presencial. Nesse sentido, ainda que haja necessidade de encontros presencias, o professor precisa entender que existe uma necessidade de usar as novas tecnologias a fim de colaborar no processo de aprendizagem. Com as novas tecnologias, é possível intercalar textos, aulas expositivas, vídeos, games etc, de modo a atingir os objetivos educacionais. Ao usar as novas tecnologias, ferramentas que tanto interessam aos estudantes, teremos mais possibilidades de sucesso na aprendizagem, pois estaremos mais próximos da realidade da qual os educandos fazem parte. Anais do 16º Congresso Internacional de Tecnologia na Educação Brasil | Recife | Setembro de 2018 ISSN: 1984-6355 Educação e Tecnologia em Tempos de Mudança | 4 Pensando nisso, ao trabalhar o proposição do jornal do Sesc Santo Amaro , a saber, “O 2 Valor da cidadania na construção do Brasil que queremos”, elegemos como projeto, discutir a problemática das “Fake news” em sala de aula. E para este particular, servimo-nos de duas metodologias de aprendizagem, quais sejam, Sala de Aula Invertida e Resolução por Problemas. Entende-se por Sala de Aula Invertida, a abordagem híbrida que possibilita aos estudantes acesso ao conteúdo da aula antes do encontro presencial com o professor. O recurso foi criado por Bergamu(2017) para atender a estudantes do Ensino Médio que estavam ausentes da aula. Diferente do que alguns pensam, esta metodologia não se restringe ao uso de vídeos, pode ser aplicada de várias maneiras: ao usar músicas, textos ou quaisquer recursos tecnológicos, desde que antes da aula, para que o tempo presencial seja destinado, principalmente, à aplicação de atividades ativas com a orientação do professor. Já a Resolução de Problemas é uma metodologia que pretende apresentar uma dificuldade ao estudante para que ele possa solucioná-la. Tem como idealizador George Polya, que defendia que estudantes resolvessem problemas matemáticos com autonomia. Polya (1997, p. 56) infere que resolver um problema [...] é encontrar um caminho onde nenhum outro é conhecido de antemão, [...] para alcançar um fim desejado.” Assim, ao trabalhar com Resolução de problemas, várias exigências são necessárias ao estudante: análise discursiva, investigação, argumentação, criticidade e capacidade de gerenciar problemas. Talvez o principal benefício do método seja a capacidade de preparar o discente para gerenciar problemas na vida real. “Fake news” A mentira existe desde o princípio, povoa o imaginário mesmo de pessoas sãs. “Aquele que nunca mentiu que atire a primeira pedra”. Dizia D. Rosa , parodiando o enunciado proferido 3 pelo Nazareno. Aliás, de acordo com alguns criacionistas, a primeira inverdade da humanidade é atribuída à serpente, que, ao iludir Eva, condenou-nos ao infortúnio e a volta às cinzas. Contudo, não tivesse a víbora idealizado a mentira, teríamos a inventado “antes tarde do que nunca”. A História também nos brindou com episódios vários cuja verdade escondia. Quando criança, muitas histórias que nos foram contadas nas escolas, poderiam ser atribuídas a La Fontainer , embora, na atualidade, nem as mais inocentes crianças acreditassem nelas. 4 Também a arte cinematográfica flerta com a mentira. Tomemos como exemplo o célebre “Drácula”, de Coppola: No longa em questão, um nobre romeno parte para guerra em nome da fé Católica, mas, embora vença a batalha, os adversários disseminam um boato de que ele havia morrido. Crendo nisso, sua amada comete suicídio, e esta ação será o infortúnio de ambos por entre a eternidade. Mentiras à parte, na contemporaneidade, o tema ganhou verniz sob a égide das redes sociais. Nelas, em tempo de pós-verdade , as inverdades adquiriram lustro que somente a 5 verdade merecia. Sob um nome de “fake news” como passaram a ser conhecidas, trazem no 2 Este periódico é editado duas vezes ao ano e já se encontra na 21a edição ininterrupta. Nele são relatadas experiências exitosas ambientadas na Educação de Jovens e Adultos [EJA] 3 Mãe de Zaicaner [1978], poeta brasileiro, de família judia, migrante da Polônia durante a Segunda Grande Guerra. 4 Jean de La Fontaine (1621-1695), poeta e prosador francês que se dedicou, principalmente, a escrever fábulas. 5 Segundo os dicionários Oxford, pós-verdade se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar aopinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais, contudo há teóricos que discordam do conceito. Anais do 16º Congresso Internacional de Tecnologia na Educação Brasil | Recife | Setembro de 2018 ISSN: 1984-6355 Educação e Tecnologia em Tempos de Mudança | 5 nome o engodo. Pois, se é mentira, não pode ser notícia, logo, incorremos deslize etimológico. Mentira não é que o termo ganhou mais impulso durante campanha para as eleições presidenciais nos Estados Unidos da América. Embora não seja recente, na era digital, a capacidade de disseminação da mentira também se tornou expressa. Espraia-se em segundos, atinge um mar de navegantes imediatamente. Não há dúvida de que com a internet a informação, de certo modo, democratizou-se, e isso possibilitou a comunicação, contudo as intituladas “fake news” se alojaram nas redes. De modo que, ao navegarmos, pode haver rajadas de vento. Com o advento da internet, a maneira de entender o mundo e a sociedade se modificou. Houve alterações em vários campos sociais, e o jornalismo não ficou intocável. Para Recuero (2009), “[...] com o aumento de usuários em redes sociais, existe necessidade de corresponder os interesses dos internautas, e, na contemporaneidade, as informações noticiadas não são de autoria apenas de órgãos oficiais, todos podem publicar os mais diversos assuntos”, mesmo sem responsabilidade social. Talvez a necessidade de ser lido, compartilhado permitiu o surgimento das “fake news”. Some-se a isso a possibilidade financeira que tais matérias podem render. Preocupa-nos, pois, no maremoto de informações, para se pinçar mensagens válidas, convém atenção investigativa que apenas conseguiremos com criticidade. Crendo na responsabilidade da escola, ao trazer à baila o tema, além de incentivar a reflexão dos estudantes, respondendo ao programa da disciplina de Língua Portuguesa, estudamos alguns gêneros discursivos, como por exemplo, entrevistas, depoimentos, artigos e notícias. Sempre tendo em mira as mensagens falsas. Ora apresentando teoria sobre a nova temática, em outro momento apresentando posições de pessoas ou textos com falsas informações. Metodologia Instigados a fazer com que estudantes refletissem sobre as informações falsas, inicialmente, projetamos, durante as aulas, o filme “O Beijo no Asfalto”. Os estudantes ausentes no dia, receberam, por e-mail, o indicativo do ambiente onde poderiam assistir ao longa, baseado na obra homônima do dramaturgo Nelson Rodrigues. A narrativa, a partir de uma mentira, transforma um suposto gesto de compaixão em crime. E, perplexos, assistimos à destruição da vida da personagem central e daqueles que a cercam. Posteriormente, pensando em aprimorar uma Metodologia Ativa, a saber, Aula Invertida , solicitamos aos discentes que a partir de textos e vídeos veiculados nas redes 6 investigassem sobre “fake news”, relacionassem a prática ao longa metragem assistido e pesquisassem situações concretas com informações falsas. O resultado apresentou situações que, a partir de falácias, trouxeram consequências desastrosas aos envolvidos. Em seguida, selecionamos textos sobre “fake news” para que, em casa, os estudantes realizassem a leitura e socializassem seus conteúdos com os colegas. A leitura do artigo “..O Impacto das fake news e o fomento dos discursos de ódio na sociedade em rede: a contribuição da liberdade de expressão na consolidação da democracia”, de Isadora Forgiarini Balem, possibilitou um debate bastante proveitoso sobre o poder que a mídia exerce sobre as pessoas e as possíveis consequências das informações falsas. Em dia determinado, realizou-se debate tendo por base as impressões causadas pelo texto. Por ser um documento acadêmico, alguns estudantes tiveram dificuldades durante a leitura. Porém, a socialização do artigo realizada em sala de aula, foi capaz de diluir as dúvidas que havia. Tendo em mira o programa da disciplina, estudamos mais dois gêneros discursivos, quais sejam, folheto e panfleto. Após a abordagem dos conteúdos, solicitamos aos estudantes 6 Leia sobre isso em Revista TecEduc. Seção “Na frente”. Disponível em: positivoteceduc.com.br/na-frente/flipped-classroominvertendo-a-maneira-de-ensinar Anais do 16º Congresso Internacional de Tecnologia na Educação Brasil | Recife | Setembro de 2018 ISSN: 1984-6355 Educação e Tecnologia em Tempos de Mudança | 6 a confecção de esboços de folhetos instrucional sobre como se prevenir da prática das chamadas “fake news”, e a partir das propostas apresentadas, produzimos um folheto que foi entregue durante a culminância do projeto do Jornal da EJA do Sesc Santo Amaro. O ápice do projeto foi uma pesquisa de campo qualitativa que, como se sabe, investiga “[...]o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes, sendo esse conjunto de fenômenos humanos entendido como parte da realidade social.” (MINAYO, 2012, p. 21). Assim, a partir de depoimentos colhidos pelos estudantes, investigamos a relação dos depoentes com as redes sociais, ou seja, sua posição como usuário do ambiente virtual. Nas entrevistas, trinta pessoas de faixas-etárias e gêneros díspares, de diferentes níveis de escolaridade, foram indagadas sobre como se posicionam nas redes. Elencamos perguntas tais como o que você sabe sobre “fake news”? Quais os ambientes na internet que você frequenta? Você tem hábito de publicar informações nas redes? O que te leva a compartilhar uma informação na rede? As imagens foram editadas e apresentadas em sala para apreciação dos estudantes que analisaram o dialogismo presente nos discursos das 7 depoentes e discutiram as posições dos sujeitos. Com trechos dos depoimentos, estudantes produziram amostras de vídeos dos quais selecionamos algumas passagens que, posteriormente, foram editadas para produção de um vídeo que foi projetado, na solenidade do referido Jornal, para estudantes, familiares, comunidade do Sesc e público em geral. Como aponta Bakhtin [2010], nenhum discurso é neutro ou único, existem outras alocuções nos diferentes enunciados, cada sujeito refuta ou converge com outros, nada do que se diz é inédito, são reelaborações de textos já vivenciados anteriormente, e tais inferências ficaram evidentes nos depoimentos coletados. Abaixo, transcrevemos trechos dos discursos de seis pessoas entrevistadas para posteriores comentários. Optamos por usar pseudônimos para os depoentes a fim de preservar a identidade dos referidos colaboradores. No primeiro momento, transcrevemos o que eles entendem por “fake news”. Eis os enunciados: Eugênio – “Fake news” é um conjunto de notícias falsas que a gente não sabe que enviou nem sabe quem escreveu e a gente compartilha. Camila – Sim, eu sei o que é fake news. São noticias falsas, notícias que surgem na internet sem que se saiba o autor. Álvares –- Fake news significa notícias falsas, pode ser chamado de anglicismo, pois é o empréstimo da Língua Inglesa. Assim, essas informações falsas são usadas na internet com objetivo financeiro ou pejorativo, pois uma informação falsapode trazer prejuízo, problemas para a pessoa envolvida. É preciso que se entenda que nem tudo que está na internet é credível. Fernando – São notícias falsas Zaicaner –são notícias falsas que surgem na internet. Tornatore – Fake news são notícias que não são verdades e que prejudicam as pessoas. 7 Ler sobre isso, por exemplo, BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Os gêneros do discurso. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. Anais do 16º Congresso Internacional de Tecnologia na Educação Brasil | Recife | Setembro de 2018 ISSN: 1984-6355 Educação e Tecnologia em Tempos de Mudança | 7 O cotejo dos depoimentos acima aponta para um consenso: todos os depoentes conhecem o significado de “fake news” e entendem como se manifestam na internet. Desde logo, vê-se a confirmação do que nos ensina Bakhtin (2010) ao escrever que nada é inédito, os enunciados se intercruzam, se complementam nos diversos contextos de informações. Chama-nos atenção o depoimento de Álvares, que evidencia conhecimento sobre particularidades da linguagem, pois consegue diferenciar o significado literal que, no caso em questão, distancia-se do factual. Outro aspecto que nos afigura consensual é a ideia de que as “fake news” apenas se manifestam na internet, o que configura um engano “letal”, visto que a prática pode surgir em diferentes suportes de comunicação como rádio e televisão, por exemplo. Ao serem perguntados se compartilhavam informações na internet, responderam os colaboradores: Eugênio – Eu compartilho quando tenho certeza de quem enviou. Camila – Não, eu não compartilho, não costumo compartilhar nada, internet é um ambiente muito cheio de confusão, tudo gera intolerância. Por isso, não compartilho. Ophelia –- Não costumo compartilhar, mas já ouvi falar de pessoas que compartilharam notícias falsas que geraram problemas para as pessoas. Fernando – Eu apenas compartilho se for de fonte segura: de revistas como Veja, por exemplo, eu compartilho. Outras desconhecidas, mas que tem certa credibilidade. Também compartilho petições. Petições, eu compartilho muito. Porque eu tenho necessidade de que as pessoas saibam do que é restrito, eu preciso compartilhar para todo mundo saber. Zaicaner – Não compartilho nunca, de seja quem for, não interessa que envie. Tornatore – Antes eu achava que tudo que estava na internet era verdadeiro, aí eu compartilhava tudo, nem pensava. Depois eu fui vendo que existem muitas mentiras na internet, que as pessoas fazem de tudo para serem lidas, curtidas, e eu fui entendendo que não é assim. Hoje eu não compartilho. A sequência acima apresenta um aspecto interessante que, aliás, foi percebido pela maioria dos estudantes: a quase ausência de compartilhamento nas redes. Na amostragem acima, apenas duas pessoas assumiram compartilhar informações na internet. Convém registrar que das trinta pessoas entrevistadas, apenas duas assumiram partilhar conteúdos pelas redes. Fato, no mínimo, curioso se considerarmos pesquisas recentes publicada pela BBC que afirmavam que 95% do brasileiros compartilham informações nas redes. Em verdade, as declarações nos inquietaram pelo distanciamento da realidade assistida por nós nos ambientes virtuais. As novas tecnologias, ou melhor, os novos espaços de comunicação convidam os usuários ao compartilhamento. E de acordo com Oliveira (2011, p.21), "[...] as mídias digitais são estruturas sociais compostas por pessoas ou organizações que partilham valores ou objetivos comuns”, afigura-nos ser o compartilhamento de mensagens verbais ou não verbais da natureza das redes, e, surpreende-nos, o fato de isso não ser confirmado na maioria dos depoimentos. Anais do 16º Congresso Internacional de Tecnologia na Educação Brasil | Recife | Setembro de 2018 ISSN: 1984-6355 Educação e Tecnologia em Tempos de Mudança | 8 Arriscamo-nos a afirmar que um dos principais sentidos das redes é o compartilhamento, o sucesso das redes reside na possibilidade de socializar informações diversas, não apenas se mantendo informado, porém também disseminando o que se ler, a reciprocidade é a pedra de toque das redes de comunicação social. Primo (2009) afirma que o ser humano tem obsessão pelo reputação, pelo status adquirido ou que possa adquirir. Diante disso, ações de socialização de informações nas redes possibilita aos que o fazem certo reconhecimento perante a comunidade na qual está inserido. Possivelmente, o status seja a principal razão do compartilhamento. Por isso, entendemos a prática quase como uma condição para se usar as redes sociais. Parece-nos que, ainda aqueles que repartem as informações por acreditarem ser importante para os membros do ambiente, talvez, implicitamente, a razão resida em si mesmo, pois conhecimento é poder, e, dessa forma, aquele que compartilha saberes goza de prestígio perante os demais. Também nos chama atenção o critério que Fernando utilizar para compartilhar as mensagens. Ele pretende revelar que apresenta compromisso cidadã ao filtrar as informações que compartilha. Nesse sentido, deseja fazer um juízo avaliativo de si mesmo e nos convencer da validade e comprometimento dele somente com a verdade. Merece destaque ainda, quando o colaborador afirma que o compartilhamento apenas se faz se a informação tem por enunciador instituição ou pessoa de credibilidade. Nesse momento, demonstra que suas práticas de compartilhamento têm por base a confiança na origem da informação, e sua afirmação vai ao encontro de Eugênio que, igualmente, afirma precisar conhecer a fonte da informação para se manifestar de maneira ativa sobre a mensagem. Convém lembrar que, nas redes, as parcerias se fortalecem na tríade compartilhar, curtir e seguir, sem estas ações, a comunidade não terá sentido, e os que fazem parte do ambiente sabem disso. Ainda no depoimento de Fernando, vê-se outra natureza de compartilhamento: o prazer. No discurso, ele afirma que sente a necessidade de publicar a informação para auxiliar as pessoas, pretende que as informações propagadas sejam utilitárias, ajude-as, possam instruí-las em situações concretas na sociedade. Por fim, o corpus analisado revela como os depoentes transitam nas redes sociais. É uma pequena amostra do que foi coletado, contudo, representa os vários discursos, visto que, para estes apontamentos, elegemos trechos que, de certo modo, dialogavam, exatamente, no que se refere à postura de dois segmentos: aqueles que compartilham mensagens na internet e os que, segundo afirmaram, não costumam compartilhar. Conclusão Durante a construção do projeto para o Jornal da EJA do Sesc Santo Amaro, pretendíamos apenas discutir a atualidade das intitulada “fake news”, suas consequências para a sociedade e descobrir como se precaver delas. Razão pela qual, buscamos instrumentalizar os estudantes com textos de diferentes gêneros que trouxessem o tema em questão, além de promovermos discussão sobre a temática e dar voz a especialistas sobre o assunto. Naturalmente, a intenção primeira dos depoimentos era por os estudantes em contato com o referido gênero discursivo emtempo real, no diálogo face a face, para tornar a aprendizagem significativa. Analisar os discursos dos depoentes não fazia parte do planejamento inicial, mas as revelações dos colaboradores ao se portarem nas redes, trouxeram-nos informações que mereciam ser ponderadas. No início dos estudos, procuramos, a partir de um filme, problematizar as consequências da inverdade no cotidiano para levar os estudantes a refletirem como a arte, não raro, se ocupa de representar a realidade cotidiana e, no particular a temática do longa, como uma inverdade pode causar consequências irreparáveis à vida das pessoas. Ao subverter o planejamento e idealizar as entrevistas, acreditamos ter proporcionado aos estudantes o momento mais significativo do projeto, pois ao analisarem os enunciados das Anais do 16º Congresso Internacional de Tecnologia na Educação Brasil | Recife | Setembro de 2018 ISSN: 1984-6355 Educação e Tecnologia em Tempos de Mudança | 9 entrevistas, puderam, além de refletirem sobre a veracidade da maioria dos discursos, relacioná-los, identificar variações de linguagem, perceber aspectos da oralidade além refletirem sobre o discurso competente. 8 Nos trinta depoimentos coletados, durante a pesquisa de campo, certamente, há matéria para reflexões várias, e talvez, posteriormente, retornemos a eles para aprofundarmos questões mais específicas relacionadas a posição assumida pelos usuários da internet. Discutindo mais cuidadosamente suas experiências e seus valores, investigando as diferentes concepções. Contudo, por ora, esperamos que as atividades tenham contribuído, principalmente, para a reflexão dos estudantes no sentido de entenderem como se “locomoverem” em ambientes digitais, tornando-se leitores críticos, cidadãos conscientes do papel social que devem exercer na sociedade onde vivem, além serem colaborativos e dispostos a,sempre que possível, ajudarem a desmistificar as informações falsas nas redes sociais.Cremos que, se agirem assim, nosso objetivo terá sido alcançado. Referências BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2010. BENEVIDES. Maria Victória de Mesquita. A cidadania ativa - referendo, plebiscito e iniciativa popular. 3ª edição. São Paulo, ed. Ática, 2000. BERGMAN, Jonathan; AARON, Sams. Sala de aula invertida: uma metodologia ativa de aprendizagem. Tradução Afonso Celso da Cunha Serra. 1. Ed. Rio de Janeiro. LTC, 2017. BRASIL. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio. 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