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PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA A DISTÂNCIA Portal Educação CURSO DE LOGOTERAPIA Aluno: EaD - Educação a Distância Portal Educação AN02FREV001/REV 4.0 50 CURSO DE LOGOTERAPIA MÓDULO III Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este Programa de Educação Continuada. É proibida qualquer forma de comercialização ou distribuição do mesmo sem a autorização expressa do Portal Educação. Os créditos do conteúdo aqui contido são dados aos seus respectivos autores descritos nas Referências Bibliográficas. AN02FREV001/REV 4.0 51 MÓDULO III 3 PRINCIPAIS CONCEITOS DA LOGOTERAPIA 3.1 VONTADE DE SENTIDO Ao contrário do que defendiam Freud e Adler, para Viktor Frankl (1978), o que impulsiona de fato o homem não é nem a vontade de prazer nem a vontade de poder, mas sim aquilo que chamou de vontade de sentido. Essa vontade, essa busca de um sentido para a vida é a expressão do que de mais humano há no homem, pois só ele, dentre todos os animais, é capaz de vivenciar a existência como algo problemático (FRANKL, 2003b). É imprescindível aceitar que não pode ser sem sentido, se não nos acomodamos a um mundo sem sentido e nada mais podemos senão procurar sentido. Nós nada mais podemos senão aceitar que a Natureza deve ter pensado algo quando ela determinou que procurássemos pelo sentido, numa palavra, que ela deve, por seu lado, ter perseguido um sentido, ainda que ele possa ser pouco interrogado por nós sobre sua origem. A fundação do sentido deve também ter tido ela própria, de qualquer forma, por seu lado, um ‘sentido (FRANKL, 1990, p. 55) O sentido é aquilo que é preciso fazer diante de cada situação que se apresenta diante de nós e, dado que cada situação é única e irrepetível, assim também o é o sentido (FRANKL, 1978). AN02FREV001/REV 4.0 52 FIGURA 13 – FINITUDE E SENTIDO DA VIDA FONTE: Disponível em: <http://curitiba.nalanda.org.br/wp-content/uploads/2008/10/calvin.JPG>. Acesso em: 01 jul. 2013. Essa irrepetibilidade do sentido, somada ao fato do homem ser sempre único, oferece um caráter de absoluto a cada missão ou tarefa que cada homem e mulher se propõem. Isso pode trazer uma sensação de abismo, diante da responsabilidade que se deve ter por cada situação da vida, cada momento em que se realiza, mas ao mesmo tempo se perde uma possibilidade (FRANKL, 2003b). Frankl (1990) também se confrontou com um questionamento humano: o fato de a vida ter um fim não retira dela o sentido? Em outras palavras, “qual o sentido de estar aqui, de tudo o que faço para mim e para o mundo, se um dia todos iremos morrer?” A conclusão encontrada por ele é a de que a vida tem sentido, não só apesar da finitude, mas por causa dela. Pois é justamente o fato de termos um tempo e possibilidades limitadas em nossa vida que oferecem sentido ao fato de empreendermos, realizarmos algo. Deve ter sido aos quatro anos que, uma noite, pouco antes de dormir, eu fiquei chocado, e na verdade fortemente abalado diante da visão de que um dia eu também teria que morrer. O que, porém, afligia-me não era em tempo algum de minha vida o medo da morte, mas muito mais apenas uma questão: se a transitoriedade de vida não aniquila seu sentido. Mas a transitoriedade da existência não prejudica o sentido pela simples razão de que no passado nada está irrecuperavelmente perdido, mas antes está tudo protegido de forma imperdível. No ser passado ela é, portanto, até preservada e salva da transitoriedade. O que nós sempre fizemos e criamos, o que sempre vivenciamos e experimentamos – nós o salvamos no AN02FREV001/REV 4.0 53 ser passado, e nada e ninguém pode jamais retirá-lo de novo do mundo (FRANKL, 1990, p. 112) Para responder à vontade de sentido, encontrarmos um sentido para a vida, Frankl (1990) aponta três caminhos. O primeiro deles seria por meio de atividades criadoras, em que realizamos ativamente algo. O segundo é pela contemplação (da natureza ou da arte) e do amor dedicado a outro ser. Por fim, o homem também poderia conferir sentido à vida por meio do sofrimento. Não o sofrimento evitável; mas sim aquele vindo de situações sobre as quais nada se pode fazer. Nesses casos, o autor acredita que conforme o homem se posiciona frente às suas dores e dificuldades, ele preenche sua vida de sentido. Em uma história em quadrinhos, o famoso personagem Snoopy aparece chorando, porque sua vida é vazia e sem sentido, até que apareça Charlie Brown, trazendo uma vasilha com ração. Imediatamente Snoopy exclama: “Ah! Sentido!”. Frankl (1990) explica que o humor da história está no fato de que, embora a comida seja necessária para a sobrevivência, ela não é condição suficiente para a vida ter sentido. FIGURA 14 – VONTADE DE SENTIDO FONTE: Disponível em: <http://highheelstoflipflops.files.wordpress.com/2013/03/snoopy.jpg>. Acesso em: 01 jul. 2013. Em uma situação de extrema necessidade, é mais provável que as pessoas busquem primeiramente satisfazer suas necessidades básicas e, só a partir daí, AN02FREV001/REV 4.0 54 enfrentarem a tarefa de buscar um sentido para as suas vidas. No entanto, uma vida de abundância, principalmente aquela marcada pelo ócio, também não garante que um sentido seja encontrado. Desse modo, é possível compreender que a vontade de sentido independe das demais necessidades humanas (FRANKL, 1990). Frankl (1990) relata o caso de uma moça que aos 18 anos foi atingida por um tiro na coluna, ficando tetraplégica. Isso não fez, no entanto, que ela deixasse de buscar um sentido para sua existência: passou a acompanhar notícias de pessoas que haviam caído em dificuldade e com uma barra entre os dentes, datilografava mensagens de encorajamento e consolo. 3.2 VONTADE DA LIBERDADE A liberdade da vontade é um dos pilares da logoterapia e tem sido tratada por filósofos e pensadores de todas as épocas, que debatiam em torno da seguinte questão: “de que modo o homem é realmente livre”? (LUKAS, 1989). Quintanar (2011) esclarece que liberdade da vontade equivale à liberdade que o homem tem para decidir de forma consciente, dentre as possibilidades que cada situação oferece; uma liberdade que existe, pelo menos, potencialmente (LUKAS, 1989). “Potencialmente”, porque a liberdade humana é limitada, já que o homem não é livre de certas condições fatais – biológicas, sociais e econômicas –, que escapam de seu poder. No entanto, Frankl (1970 apud LUKAS, 1989) defende que ele é livre para se posicionar diante delas, de forma que, dentro das possibilidades oferecidas pelo ambiente, caberia a cada um decidir por sua submissão, ressignificação e decisão a favor ou contra a influência do meio. AN02FREV001/REV 4.0 55 FIGURA 15 - LIBERDADE FONTE: Disponível em: <https://encrypted- tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcQxcdtwJoB1jaWbvUTjfgDC0RxpVW7Q1zsYXrSiz5qIhPLx- 06O>. Acesso em: 01 jul. 2013. A experiência pessoal de Viktor Frankl, como descreve Xausa (1988), está intimamente ligada a sua visão sobre a liberdade humana. Ao observar que cada prisioneiro dos campos de concentração possuía um posicionamento distinto diante dos horrores e dos sofrimentos que eram comuns a todos, Frankl (XAUSA, 1989) conclui que as pessoas são sempre capazes de agir “fora do esquema”. Se havia aqueles que traíam seus companheiros, havia também os que dividiam sua já parca alimentação ou ofereciam palavras de consolo, O próprio Frankl (XAUSA, 1989) aceitou correr riscos de uma infecção ao oferecer seus serviços médicos durante uma epidemia de tifo-exantemático, que ocorreu em um dos campos de concentração. No entanto, apesar do valor que recebe a liberdade na obra de Frankl, ele ainda coloca que ser livre é apenas o aspecto negativo de um fenômeno completo, no qual ser responsável é o aspecto positivo. A liberdade degenera se não houver responsabilidade. Dessa forma, o fato do homem ser entendido como um ser livre pode representar tanto uma dádiva quanto um fardo, pois ao mesmo tempo em que nos dá espaço para conferir uma forma pessoal à vida, nos obriga de tomar decisões responsáveis (FRANKL, 1989). AN02FREV001/REV 4.0 56 É importante esclarecer que o conceito de “responsabilidade” utilizado por Frankl (JUNIOR & MAHFOUD, 2001) não deve ser entendida do ponto de vista da moralidade, em que se age de acordo com normas estabelecidas, mas sim da capacidade do ser humano de responder e se posicionar de maneira única e criativa diante das circunstâncias presentes. No entanto, essa imposição de respondermos às situações pode ser desagradável e não é raro que usemos meios para não nos posicionarmos quando isso nos é exigido. Em alguns casos, nos apressaremos em dizer que não podemos agir diferente dos demais, submetendo-nos à opinião alheia. Em outros, nos sentiremos totalmente submetidos às condições sociais, políticas, econômicas, às necessidades profissionais, aos impulsos, à educação recebida etc. No primeiro caso, teríamos um exemplo de uma esquiva da responsabilidade do tipo conformista; no segundo, do tipo totalitário (LANGLE, 1992). A vivência da liberdade e da responsabilidade se liga ao que Frankl (1990) chamou de dimensão noética ou espiritual e que seria a essência humana. Enquanto homens e animais compartilham o fato de serem constituídos por uma dimensão biológica, uma dimensão psicológica e uma dimensão social, apenas o homem possui essa quarta dimensão. Apesar de o termo espiritual estar frequentemente associado à religião, Frankl diferencia dimensão espiritual da experiência religiosa, considerando esta última apenas como uma dentre outras manifestações possíveis da dimensão noética (JUNIOR; MAHFOUD, 2001). Frankl (2003b) critica as abordagens psicodinâmicas, pois entende que elas retiram do homem sua intencionalidade, desconsiderando sua liberdade para tomar posições. No caso do comportamento agressivo, ele se opõe à visão de que exista um nível de agressividade na psique humana que dá vazão em direção a um alvo determinado. E o mesmo para o amor. Para Frankl (2003b), o homem odeia ou ama por alguma razão, mas de forma intencional. Mesmo que haja um impulso agressivo, condicionado pela hereditariedade, o homem tem a liberdade de se posicionar diante disso e, assim, escolher pela agressão. AN02FREV001/REV 4.0 57 3.3 VÁCUO EXISTENCIAL Frankl (1990) afirma que cada época tem sua própria forma de "neurose coletiva" e sua própria psicoterapia para lidar com ela. Se na época das experiências dos postos de aconselhamento para jovens, a maioria procurava auxílio em função de problemas sexuais, meio século depois, na década de 70, o que mais afligia os jovens era a questão do suicídio. A isso, Frankl (2003b) atribuiu que os pacientes que chegavam, naquele momento, aos consultórios relatavam uma sensação de vazio de sentido, o que ele chamou, em 1955, de vácuo existencial. FIGURA 16- VÁCUO EXISTENCIAL FONTE: Disponível em: <http://www.wimerbottura.com.br/wp- content/uploads/2011/01/depressao.jpg> Acesso em: 01 jul. 2013. Essa forma de neurose teria como características, além da sensação de falta de sentido, um sentimento de futilidade e absurdo diante da vida e seus principais sintomas constituiriam a chamada “tríade da neurose de massa”, ou seja, a depressão, a agressão e a toxicodependência (FRANKL, 1990). No caso da depressão, Frankl (1990) discute sua manifestação extrema, o suicídio, já que em uma pesquisa realizada com 60 jovens americanos, encontrou-se AN02FREV001/REV 4.0 58 que a principal motivação para dar fim à própria vida estava na sensação de falta de sentido. O curioso é que quase todos esses jovens possuíam boas relações familiares e gozavam de um ambiente socioeconômico bastante favorável, apontando que a necessidade de sentido não depende diretamente da satisfação das necessidades mais básicas. Não custa lembrar que o bem-estar social encontrado em alguns países não inibe a ocorrência de suicídios, o que mostra que a frustração existencial independe das condições materiais. Da mesma forma, Frankl (1990) afirma que no outro extremo, ou seja, nas situações mais degradantes – como as que ele próprio vivenciou, nos campos de concentração – é possível encontrar um sentido pelo qual continuar vivendo. Nos campos de concentração, Frankl (1984) observou que quando a pessoa perdia esse sentido, com frequência, adoecia, pelo enfraquecimento de seu sistema imunológico, ou “ia para o fio”, jogando-se à cerca de arame eletrificado dos campos. Um dos casos marcantes vivenciados por Frankl foi o de um companheiro que teve um sonho, no qual uma voz lhe disse que a guerra terminaria para ele em 30 de março. No entanto, com a proximidade da data profetizada, sem uma mudança real em sua situação, esse homem foi ficando mais desesperançado, deixou de ver um sentido. Rapidamente acabou adoecendo e ironicamente morreu no dia 31. Frankl (1990), no entanto, adverte que nem todo suicídio terá esta razão, mas que certamente ele não seria cometido, caso a pessoa tivesse um sentido pelo qual viver. E, nesse sentido, a logoterapia tem um papel fundamental na prevenção, como mostrou o trabalho realizado nos postos de aconselhamento da juventude, organizado por Frankl e seus colaboradores e que baixaram as taxas de suicídio em Viena de forma significativa. No caso das agressões e, mais marcadamente, da criminalidade, Black e Gregson (FRANKL, 1990), de uma universidade na Nova Zelândia, encontraram que quanto maior a sensação de falta de sentido maior a predisposição para o comportamento agressivo. Por outro lado, quando um sentido é encontrado, especialmente aquele que emerge de uma tarefa em comum, as agressões tendem a ser abandonadas. Foi o que constatou a socióloga Carolyn Wood Sherif (FRANKL, 1990), ao estudar um acampamento de escoteiros: as agressões recíprocas que AN02FREV001/REV 4.0 59 ocorriam entre três grupos deixaram de ocorrer, a partir do momento em que os jovens precisaram se mobilizar para desatolar um carro que transportava alimentos. Por fim, sobre a toxicodependência, um estudo com 416 estudantes, obteve correlação significativa entre o grau da sensação de falta de sentido com o índice de envolvimento com drogas. Em outra pesquisa, realizada por Annemarie Forstmeyerm na Universidade do oeste da Califórnia, 90% dos casos crônicos de alcoolismo investigados revelaram uma forte sensação de falta de sentido (FRANKL, 1990). O uso da logoterapia nos casos de toxicodependência foi relatado por Alvin R. Fraiser (FRANKL, 1990), dirigente de uma clínica de reabilitação para dependentes de droga, na Califórnia. Ele observou uma quota quatro vezes maior de sucesso no tratamento, após passarem a utilizar a logoterapia. E qual seria a explicação do vácuo existencial? Para Frankl (2003b), o homem, ao contrário dos animais, não possui instintos que ditem o que ele precisa. Além disso, em oposição ao homem em tempos antigos, o enfraquecimento das tradições já não delimita o que ele deve fazer. O resultado, segundo o teórico, é que o homem já não sabe o que quer. E sem uma missão a ser desejada e perseguida a vida só pode carecer de sentido. No entanto, o enfraquecimento das tradições não pode ser colocado com a razão da perda de sentido já que a tradição transmite apenas os valores. Enquanto o sentido possui algo de único e irreproduzível o valor é uma situação típica e recorrente, que caracteriza a condição humana. O valor tem caráter universal e, assim, mesmo que todas as tradições desapareçam a vida permaneceria dotada de sentido. AN02FREV001/REV 4.0 60 3.4 AUTOTRANSCEDÊNCIA Apesar de todo homem ser condicionado, Frankl (2003b) defende que o que distingue o homem é a capacidade de se elevar acima de sua própria condicionalidade, transcendendo-a. Essa tendência para a autotranscedência é explicada por meio de uma curiosa analogia com o olho humano. Nossos olhos, ao mesmo tempo em que têm a capacidade para perceber o mundo a nossa volta, são incapazes de verem a si próprios. Somente quando está afetado por uma doença, uma catarata ou glaucoma, que as imagens que o olho humano vê, é as dele próprio. Se transpuséssemos essa imagem para a vida humana, poderíamos dizer que a existência humana fica distorcida, enquanto estiver “olhando” somente para si própria, em torno de algo interno (FRANKL, 2003b). Assim, é preciso que sejamos capazes de se esquecer de nós mesmos, dedicando-nos a uma tarefa ou a outro ser humano, ou seja, algo externo a nós e que nos transcende. Só por meio da dedicação a algo que nos ultrapassa podemos alcançar a autorrealização (FRANKL, 2003b). FIGURA 17 - AUTOTRANSCENDÊNCIA FONTE: Disponível em: <http://spe.fotolog.com/photo/14/1/76/robertamaira/1280354402985_f.jpg> Acesso em: 01 jul. 2013. AN02FREV001/REV 4.0 61 Nesse ponto, temos uma diferença fundamental entre as demais propostas da psicologia humanística e a logoterapia, pois enquanto as primeiras defendem que a autorrealização é a mais alta meta da existência humana, a logoterapia aponta que só pela autotranscendência a autorrealização pode ser atingida; não como um fim em si mesmo, mas como uma consequência de nossa dedicação a uma tarefa ou alguém. Como afirma Pereira (2007), a felicidade acaba sendo uma espécie de efeito colateral de quem realiza um sentido. Igualmente, Lukas (1992) coloca que o sentido se mostra àqueles que conseguem superar a fixação em si, abrindo-se para o mundo e suas tarefas. Tanto o alcance de sentido como o encontro com alguém a quem dedicar afeto forneceriam razões para a felicidade e obtenção de prazer. No entanto, alguns homens colocam o prazer como um objetivo a ser perseguido, e não um efeito da realização de sentidos. O que ocorre nesses casos é que o prazer vira alvo de uma hiperintencionalidade e de uma hiper-reflexão, tornando-se objeto único da atenção, e quanto mais é perseguido, mais acaba por escapar (FRANKL, 1978). 3.5 NOODINÂMICA O processo de se colocar diante do mundo em busca de sentido pode acarretar tensão interior, ao invés de equilíbrio. No entanto, Frankl (1978) afirma que justamente essa tensão é indispensável para a saúde mental e consideram equivocadas e perigosas as noções que defendem a ideia de que o ser humano necessitaria de um equilíbrio livre de tensões ou, utilizando-se o termo da biologia, de uma homeostase. Ao contrário desse equilíbrio, Frankl (1989) defende o que chamou de noodinânima, ou seja, uma dinâmica existencial em um campo polarizado de tensão, em que um dos polos está representado por um sentido a ser cumprido e outro, pela pessoa que deve cumprir. Seria então sobre a tensão entre o que se alcançou e os potenciais a serem realizados que se basearia a saúde mental. O homem que se encontra em uma situação hipotética, livre de tensões, em que não é desafiado a realizar alguma tarefa que exija seu empenho, pode acabar AN02FREV001/REV 4.0 62 adoecendo. Isso não significa que as pessoas devam viver sob tensões excessivas; essas devem existir, mas em doses moderadas. Ao afirmar que a necessidade de alguma quantidade de tensão e desafio é uma condição humana, Frankl (1990) diz que o surgimento de algumas tecnologias retirou do homem o que antes lhe impunha desafios. Assim, no seio de uma sociedade com cada vez maior abundância de recursos que prometem garantir conforto, como os automóveis e elevadores, o homem põe a criar tensões e desafios artificiais. O exemplo disso, segundo Frankl, é a dedicação aos esportes, chamados por ele de “ilhas de ascese”. No contexto da psicoterapia, ao confrontar o paciente com sua problemática existencial, é possível que ocorra transitoriamente um aumento da tensão. A ausência de dor a qualquer custo não é um princípio terapêutico e o terapeuta não deve ter receio de criar e sustentar uma quantidade sadia de tensão, que desafie o paciente diante de um sentido a ser encontrado e cumprido, pois como afirma Frankl (1978, p. 194), “afastar por princípio qualquer desprazer, combater incondicionalmente as dores, inclusive os aborrecimentos e males por trás dos quais se esconde um sofrimento existencial significativo, leva ao abandono de si mesmo”. A tensão e o hiato existentes entre o ser e o dever e ser são fundamentais, já que impulsionam o homem para um ideal. E se entendemos o “dever-ser” como um sentido, ele deve vir sempre à frente do ser, tal como um guia, e não se confundir com ele. Assim, mais do que a máxima “o homem deve vir a se tornar o que é”, Frankl (1990) defende a necessidade de um ser que transcenda a si mesmo e busque algo para além do que é. 3.6 ENCONTRO O conceito de encontro tem origem principal na literatura existencialista e foi introduzido por Martin Buber, Ferdinand Ebner e Jacob L. Moreno. Nesse contexto, o encontro consiste em um relacionamento entre um Eu e um Tu, o que pode acontecer apenas de forma humana e pessoal (XAUSA, 1988). AN02FREV001/REV 4.0 63 Para explicar melhor sua visão sobre o encontro, Frankl se utiliza da teoria da linguagem proposta por Karl Buhler, em que distingue três funções da linguagem. A primeira permite a quem fala expressar a si mesmo. A segunda representa um apelo do locutor dirigido a quem ele fala. Já a terceira função representa aquela “alguma coisa” sobre a qual se fala. Assim, toda vez que alguém fala, expressa a si mesmo, enquanto se dirige a alguém e também fala sobre algo. É preciso dessas três funções para que, de fato, haja linguagem. Transferindo essa ideia para o conceito de encontro, Frankl afirma que no verdadeiro encontro, um sujeito se comunica com outro e que ambos criam um conjunto de significados, de “logos”, sobre aqueles objetos aos quais se referem (FRANKL, 1989). Vendo a importância desse logos no encontro verdadeiro, a psicologia deve incluir, não só a psique, mas os sentidos. Se Buber e Ebner (FRANKL, 1989) afirmaram o lugar central do encontro na vida do espírito humano, uma vida definida pelo diálogo entre o Eu e um Tu, Frankl (1989) aponta que o diálogo só é possível se for incluída a dimensão do sentido. Em um caso desses, em que a comunicação não se volta para um objeto comum, constitui-se um monólogo de duas pessoas, uma autoexpressão mútua. Já o “verdadeiro encontro é um modo de coexistência aberto ao logos, permitindo aos participantes que transcendam a si mesmo em direção ao logos e também promovam uma autotranscendência mútua” (FRANKL, 1989, p 61). O falso encontro é comum nos dias de hoje, segundo Frankl (1989), porque as pessoas procuram apenas receber cuidado. Dentro da solidão da massa, as pessoas pedem por intimidade a qualquer preço, mesmo que em um nível impessoal. Aqui, o autor tece críticas aos grupos de encontro, que criaria pseudoencontros de modo artificial. FIM DO MÓDULO III
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