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DOCÊNCIA EM SAÚDE ATENÇÃO FARMACÊUTICA 1 Copyright © Portal Educação 2012 – Portal Educação Todos os direitos reservados R: Sete de setembro, 1686 – Centro – CEP: 79002-130 Telematrículas e Teleatendimento: 0800 707 4520 Internacional: +55 (67) 3303-4520 atendimento@portaleducacao.com.br – Campo Grande-MS Endereço Internet: http://www.portaleducacao.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - Brasil Triagem Organização LTDA ME Bibliotecário responsável: Rodrigo Pereira CRB 1/2167 Portal Educação P842a Atenção farmacêutica / Portal Educação. - Campo Grande: Portal Educação, 2012. 157p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-66104-25-7 1. Farmacologia. 2. Medicamentos - Administração. 3. Farmácia clínica. 4. Atenção farmacêutica. I. Portal Educação. II. Título. CDD 615.1 2 SUMÁRIO 1 UM PANORAMA GERAL DA SAÚDE E DOS MEDICAMENTOS NO BRASIL ........................ 5 2 FARMACÊUTICO E O USO DE MEDICAMENTOS .................................................................. 8 2.1 O USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS ................................................................................. 8 2.2 FATORES QUE INFLUENCIAM NO USO DE MEDICAMENTOS ............................................. 14 2.3 AS CONSEQUÊNCIAS DO USO INADEQUADO DE MEDICAMENTOS ................................. 17 2.4 CAUSAS DE ERROS DE MEDICAÇÃO .................................................................................... 19 3 A HISTÓRIA DA FARMÁCIA CLÍNICA E DA ATENÇÃO FARMACÊUTICA .......................... 23 3.1 A PRÁTICA DA FARMÁCIA COMO PROFISSÃO .................................................................... 23 3.2 O SURGIMENTO DA FARMÁCIA CLÍNICA MODERNA ........................................................... 24 3.3 O SURGIMENTO DA ATENÇÃO FARMACÊUTICA ................................................................. 26 3.4 A FARMACOEPIDEMIOLOGIA E A FARMACOVIGILÂNCIA ................................................... 28 3.5 A FARMÁCIA COMO ESTABELECIMENTO DE SAÚDE ......................................................... 30 3.6 DESAFIOS DO PROFISSIONAL FARMACÊUTICO ................................................................. 31 4 A IMPORTÂNCIA DO PROFISSIONAL FARMACÊUTICO NA PRÁTICA DA ATENÇÃO FARMACÊUTICA ................................................................................................................................ 32 4.1 ELEMENTOS PRESENTES NA REALIDADE DO PROFISSIONAL FARMACÊUTICO............ 33 4.2 O FARMACÊUTICO NA PRÁTICA DA ATENÇÃO FARMACÊUTICA ...................................... 34 5 INTRODUÇÃO À FARMÁCIA CLÍNICA E ATENÇÃO FARMACÊUTICA ................................ 39 6 PANORAMA HISTÓRICO DA PROFISSÃO FARMACÊUTICA A PARTIR DO SÉCULO XX .................................................................................................................................................. 41 6.1 ETAPA TRADICIONAL .............................................................................................................. 41 3 6.2 ETAPA DE TRANSIÇÃO ........................................................................................................... 42 6.3 DEFINIÇÕES DA FARMÁCIA CLÍNICA .................................................................................... 42 6.4 ANÁLISE DO PERÍODO DE TRANSIÇÃO ................................................................................ 46 6.5 ETAPA DE CUIDADO AO PACIENTE ...................................................................................... 48 7 ATENÇÃO FARMACÊUTICA – PRINCIPAIS CONCEITOS ..................................................... 49 7.1 ATENÇÃO FARMACÊUTICA NO BRASIL ................................................................................ 53 7.2 ATENÇÃO FARMACÊUTICA – O PACIENTE COMO FOCO ................................................... 57 7.3 ATENÇÃO FARMACÊUTICA – RESPONSABILIDADES .......................................................... 59 7.4 ATENÇÃO FARMACÊUTICA – PLANEJAMENTO, ESTRUTURA E IMPLEMENTAÇÃO ........ 63 7.5 ATENÇÃO FARMACÊUTICA – RESULTADOS ........................................................................ 65 8 PROBLEMAS RELACIONADOS A MEDICAMENTOS ............................................................ 67 9 SEGUIMENTO FARMACOTERAPÊUTICO .............................................................................. 70 9.1 SELEÇÃO DE PACIENTES E ENTREVISTA ............................................................................ 74 9.1.1 Entrevista de Histórico de Uso de Medicamentos ..................................................................... 75 9.2 EXAMES LABORATORIAIS E DIAGNÓSTICOS ...................................................................... 76 9.3 PLANEJAMENTO FARMACOTERAPÊUTICO .......................................................................... 76 9.4 O MÉTODO DÁDER .................................................................................................................. 79 9.4.1 Oferta do Serviço ....................................................................................................................... 80 9.4.2 Primeira Entrevista .................................................................................................................... 81 9.4.3 Estado de Situação.................................................................................................................... 92 9.4.4 Fase de Estudo ......................................................................................................................... 96 9.4.5 Fase de Avaliação ..................................................................................................................... 99 9.4.6 Fase de Intervenção ................................................................................................................. 100 4 9.4.7 Resultado da Intervenção ......................................................................................................... 102 9.4.8 Novo Estado de Situação ......................................................................................................... 103 9.4.9 Entrevistas sucessivas ............................................................................................................. 104 10 ATENÇÃO FARMACÊUTICA EM GRUPOS ESPECÍFICOS E PROMOÇÃO DA SAÚDE ..... 105 10.1 ATENÇÃO FARMACÊUTICA AO PACIENTE HIPERTENSO .................................................. 105 10.1.1 Tratamento não medicamentoso para hipertensão .................................................................. 108 10.1.2 Medicamentos Anti-Hipertensivos ............................................................................................ 109 10.2 ATENÇÃO FARMACÊUTICA AO PACIENTE DIABÉTICO ...................................................... 114 10.2.1 Medicamentos Utilizados no Tratamento do Diabetes .............................................................. 116 10.2.2 Educação do Paciente Diabético .............................................................................................. 119 10.3 ATENÇÃO FARMACÊUTICA AO PACIENTE DISLIPIDÊMICO ............................................... 119 10.3.1 Medicamentos Utilizados no Tratamento das Dislipidemias .....................................................121 10.4 ATENÇÃO FARMACÊUTICA AO PACIENTE ASMÁTICO....................................................... 124 10.4.1 Medicamentos para Tratamento da Asma ................................................................................ 124 10.4.2 O papel do farmacêutico .......................................................................................................... 128 10.5 ATENÇÃO FARMACÊUTICA AO PACIENTE ONCOLÓGICO ................................................. 130 10.5.1 Tratamento Medicamentoso do Câncer .................................................................................... 130 10.5.2 Atuação do Farmacêutico em Oncologia .................................................................................. 132 10.6 ATENÇÃO FARMACÊUTICA À PACIENTE GESTANTE ......................................................... 134 10.6.1 Uso de medicamentos durante a gestação .............................................................................. 135 ANEXO ............................................................................................................................................... 143 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................. 153 5 1 UM PANORAMA GERAL DA SAÚDE E DOS MEDICAMENTOS NO BRASIL FIGURA 1 FONTE: Disponível em: <www.revistafatorbrasil.com.br>. Acesso em: 15 mar. 2012. A situação da saúde no Brasil é a resultante de uma série de fatores, cujo impacto sobre a mesma é considerável: educação, segurança, previdência social, infraestrutura, conjuntura econômica. Os organismos internacionais que monitoram esse campo desenvolveram indicadores destinados a medir o estado de saúde da população de um país. Entre esses indicadores, ressalta-se a expectativa de vida dos habitantes ao nascer e a mortalidade infantil. Embora ocupe uma posição inferior à dos países desenvolvidos e de muitas nações em desenvolvimento, o Brasil apresenta uma esperança de vida e uma mortalidade infantil que se aproximam das dos países de elevado desenvolvimento. O sistema público de saúde nacional, o SUS, responsável pelo atendimento médico a 180 milhões de pessoas, merece considerável parcela de crédito para esse sucesso. O Sistema Único de Saúde cobre todos os residentes do país, isto é, cerca de 180 milhões de pessoas, sendo uma das maiores estruturas públicas de saúde existentes no mundo. Foi criado em 1990, depois que a Constituição de 1988 legislou que toda a população brasileira 6 fosse atendida gratuitamente por um sistema de saúde público, regido pelos princípios da universalidade, equidade e integralidade. Um componente crítico do sistema de saúde é o medicamento. Alguns tratamentos continuados – hemofilia, AIDS, diabetes, hipertensão, transplantes – custam dezenas de milhares de reais por ano por paciente, valores muito superiores à capacidade de pagamento de qualquer indivíduo e com os quais a sociedade arca por intermédio do sistema público de saúde. Os medicamentos, suprimentos médico-hospitalares e os demais insumos de saúde, representam parcela importante do atendimento médico. Correspondem à cerca de 20% dos gastos totais em saúde. É o segundo item dos custos, atrás das despesas com mão-de-obra. No orçamento de saúde da União, cerca de 3 bilhões de reais em R$ 25 bilhões, ou seja, 12% da verba são destinados à aquisição de medicamentos. Atuam no País cerca de 350 laboratórios farmacêuticos, dos quais 50 multinacionais, os quais respondem por 70% do faturamento. Existem 45 mil farmácias, das quais 3.500 pertencem a redes. As farmácias e drogarias vendem 82% dos medicamentos consumidos no País. Os laboratórios fabricantes pouco vendem diretamente para as farmácias e hospitais. Comercializam seus produtos por intermédio de 1.500 distribuidores atacadistas. Os medicamentos no Brasil podem ser classificados em éticos (que somente podem ser vendidos com prescrição médica), como os antibióticos e de balcão (over thecounter – OTC), como, por exemplo, o paracetamol. Além destes, a população também consome plantas medicinais, adquiridas inclusive de feirantes. Mais de 30 mil apresentações de medicamentos são registradas no mundo, das quais 20 mil no Brasil. A ANVISA, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, autoriza o uso de medicamentos no País. Cerca de 8 mil apresentações são regularmente comercializadas no Brasil, das quais 6 mil são produtos éticos. As apresentações são formulações baseadas em aproximadamente 1.500 fármacos. Os medicamentos são de três tipos: de marca, cobertos pela patente detida pelo laboratório descobridor, similar e genérico. Esse último custa até 40% menos que o de marca. Cerca de 40 laboratórios produzem mais de 300 genéricos. Estima-se que os genéricos absorverão entre 30% e 40% do mercado. 7 Alguns medicamentos não são incluídos na corrente comercial por serem fornecidos gratuitamente pelos governos: federal e de alguns Estados. São destinados a programas sociais e aos portadores de enfermidades prolongadas e dispendiosas: AIDS, hemofilia e diabetes. Os governos federal e estaduais operam 16 laboratórios que fabricam medicamentos destinados aos programas sociais. Seu custo é menor do que o dos laboratórios privados, já que não enfrentam despesas de marketing que respondem por 40% dos custos dos medicamentos comerciais. São fornecidos a hospitais públicos e a secretarias estaduais e municipais de saúde. Os mais conhecidos são o Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Instituto Butantan e a Fundação para o Remédio Popular – FURP. Assim, conclui-se que em um país de intensos contrastes e desigualdades profundas, é arriscado procurar sintetizar a atuação do sistema de saúde, avaliar o modelo e julgar os resultados obtidos. O Brasil possui duas classes de habitantes: os que têm planos privados de saúde e os que somente dispõem do sistema público, o SUS. Extrair médias aritméticas de indicadores de mortalidade infantil e de expectativa de vida desses dois povos pode levar a conclusões estatísticas viesadas. Válidas ou não, as médias dos indicadores revelam que o Brasil realizou progressos consideráveis e continuados nos últimos 50 anos na área da saúde. Considerando os parcos recursos aplicados globalmente na saúde do País, 10 vezes inferiores aos dos países de maior desenvolvimento; e considerando que o SUS, que atende 180 milhões de pessoas, é o maior sistema do mundo ocidental, e, portanto, pelo seu gigantismo, o mais difícil de ser administrado. Os resultados obtidos são surpreendentemente exitosos. Pairam elevados riscos no futuro, pois como o País vem obtendo resultados expressivos na economia, emprego, segurança, educação, infraestrutura, no saneamento e como todas essas áreas influenciam na saúde, é possível que os progressos na área médica, partilhados por uma população em contínua expansão, não se sustentem. Desde que livre de patologias mentais, que são a burocracia, o suborno e a tomada subjetiva de decisões, e concentrando-se nas ações médicas mais eficientes sob o aspecto custo-benefício, como a higiene, a prevenção, o saneamento básico e a atenção primária, o País poderá atingir em breve os patamares de saúde alcançados pelas nações com as quais procura ombrear. 8 2 FARMACÊUTICO E O USO DE MEDICAMENTOS FIGURA 2 FONTE: Disponível em: <www.fotosearch.com.br>. Acesso em: 15 mar. 2012. 2.1 O USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS Há uso racional de medicamentos, de acordo com a Organização Mundial da Saúde - OMS (Nairobi, Quênia, 1985), quando "pacientes recebem medicamentosapropriados para suas condições clínicas, em doses adequadas às suas necessidades individuais, por um período adequado e ao menor custo para si e para a comunidade". Como exemplo de uso inapropriado de medicamentos, tem-se: o uso de muitos medicamentos por paciente (polimedicação); o uso inapropriado de antimicrobianos, frequentemente em posologias inadequadas ou para infecções não bacterianas; o uso excessivo de injetáveis, quando há disponibilidade de formas farmacêuticas orais mais apropriadas; a prescrição em desacordo com diretrizes clínicas; a automedicação feita de forma inapropriada, frequentemente com medicamentos vendidos sob prescrição. 9 De acordo com a Organização Mundial da Saúde – OMS (2002) – há doze intervenções para a promoção do uso racional de medicamentos: - Comitê nacional estabelecido de forma multidisciplinar para coordenar as políticas do uso racional. No Brasil, criado por meio da Portaria GM n° 1555, de 27 de junho de 2007, o Comitê Nacional para a Promoção do Uso Racional de Medicamentos tem por objetivo principal identificar e propor estratégias e mecanismos de articulação, de monitoramento e de avaliação direcionadas à promoção do uso racional de medicamentos, de acordo com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde – SUS; - Diretrizes clínicas; - Lista de medicamentos essenciais – a OMS definem medicamentos essenciais como os que satisfazem às necessidades prioritárias de saúde da população, sendo selecionada de acordo com a sua pertinência para a saúde pública, a existência de evidências sobre sua eficácia, segurança e sua eficácia comparada aos custos. Além disso, enfatiza que devem estar disponíveis nos sistemas de saúde em quantidades suficientes, nas formas farmacêuticas apropriadas, com garantia da qualidade e informação adequada, ao preço que os pacientes e a comunidade possam pagar; Entre as diretrizes da política nacional de medicamentos, está a adoção da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME – que deverá servir de base ao desenvolvimento tecnológico e científico, à produção de medicamentos no País e às novas listas construídas nos níveis estadual e municipal de atenção à saúde. Essa relação, elaborada com base no quadro nosológico do País, é o fundamento para orientação da prescrição e do abastecimento da rede do Sistema Único de Saúde (SUS), com vistas ao aperfeiçoamento de questões administrativas e de redução de custos, instrumentalizando o processo de descentralização. Abrange um elenco de medicamentos necessários ao tratamento e controle das enfermidades prioritárias em saúde pública nos diversos níveis de atenção no País; - Comitês de Farmacoterapia baseados em problemas nos cursos de graduação; - Educação médica continuada em serviço como requisito para registro profissional; - Supervisão, auditoria e feedback; - Informação fidedigna e isenta sobre medicamentos; 10 - Educação dos usuários sobre medicamentos; - Não permissão a incentivos perversos; - Regulamentação e fiscalização apropriadas; - Gasto governamental suficiente para assegurar disponibilidade de medicamentos e infraestrutura; Ainda, como medidas regulatórias que apoiam o uso racional de medicamentos, têm- se: - Registro de medicamentos mediante evidências de que sejam seguros, eficazes e de boa qualidade; - Revisão da classificação de medicamentos sob prescrição; incluindo a limitação de certos medicamentos a serem disponibilizados apenas sob prescrição e não como venda livre; - Estabelecimento de padrões educacionais para os profissionais de saúde, com fortalecimento de cumprimento dos códigos de conduta, em cooperação com entidades profissionais e universidades; - Registro de profissionais de saúde: médicos, enfermeiros e demais profissionais, assegurando que tenham a necessária competência para a prática relacionada a diagnóstico, prescrição, administração e dispensação; - Licenciamento de estabelecimentos farmacêuticos: farmácias, distribuidoras, assegurando que cumpram todos os padrões de funcionamento e de dispensação; - Monitorização e regulação da promoção de medicamentos, assegurando informação ética e sem vieses; - Todos os materiais promocionais devem ser isentos, fidedignos, com informações balanceadas e atualizadas. Portanto, o uso racional de medicamentos pode ser definido como o processo que compreende a prescrição apropriada, a disponibilidade oportuna e a preços acessíveis, a dispensação em condições adequadas, bem como o consumo nas doses indicadas, nos intervalos definidos e no período de tempo indicado de medicamentos eficazes, seguros e de qualidade. 11 Tal definição denota que a promoção do uso racional de medicamentos depende de medidas educativas que envolvem os profissionais que atuam na área da saúde, particularmente os prescritores e dispensadores, bem como os usuários de medicamentos. Nesse contexto, cabe ressaltar a premência da adequação dos currículos dos cursos de graduação e pós-graduação de profissionais da área de saúde, uma vez que as discussões sobre essa necessidade delongam-se demasiadamente, carecendo de aplicação prática que reflita na melhoria das condições de saúde da população. Não há como negar que a população, hoje, apresenta problemas no acesso aos serviços de saúde e aos produtos farmacêuticos indispensáveis. Os recursos concedidos pelo governo para o financiamento da assistência farmacêutica são insuficientes e utilizados sem que se tenha ideia de sua efetividade. Concomitantemente, o caráter simbólico dos fármacos e seu entendimento simplesmente como mercadoria, consequência da produção capitalista, faz da sua utilização sem critério um problema de saúde pública. A incorporação de novas tecnologias torna os produtos farmacêuticos complexos, caros e frequentemente perigosos; no entanto, constituem o recurso terapêutico mais empregado. De acordo com a publicação “Cómo Investigar el uso de los medicamentos por parte de los consumidores”, dos autores Anita Hardon, Catherine Hodgkin e Daphne Fresle, disponível no site da Organização Pan-Americana de Saúde – OPAS (www.opas.org.br), nos países em desenvolvimento, os gastos com medicamentos podem alcançar de 30 a 40% do gasto sanitário. Grande parte desse gasto corresponde a compras individuais de medicamentos para a automedicação e, raras vezes, para prescrição médica. Segundo o mesmo artigo, os problemas comuns do uso inapropriado de medicamentos são: - Não utilizar o medicamento do modo que indica o prescritor Esse é um problema que os agentes de saúde tentam diminuir e que têm sido tema de numerosos estudos sobre o uso de medicamentos. As pessoas tendem a esquecer dos detalhes do assessoramento que recebem, ou não compram todos os medicamentos que lhe foram 12 prescritos. Algumas vezes, os pacientes deixam de administrar os medicamentos indicados ou os administram em doses inadequadas. Um estudo realizado por Homedes e Ugalde, em 1993, identificou quatro tipos de pacientes que solicitam aconselhamento médico, mas não o seguem: 1. Os pacientes motivados que não conhecem ou esquecem a totalidade, ou uma parte, das recomendações; 2. Os pacientes bem informados, mas insuficientemente motivados para seguir as instruções; 3. Os pacientes que não podem seguir as recomendações porque são pobres, não possuem acesso aos medicamentos ou por outras causas externas; 4. Os pacientes que trocam de opinião e por diferentes razões decidem não seguir as recomendações. - Automedicação com medicamentos de venda sob prescrição (venda com receita médica) Em muitos países, as pessoas podem comprarlivremente medicamentos que, por lei, poderiam ser vendidos apenas com receita médica. A automedicação com medicamentos de venda com receita é um problema especialmente em países em desenvolvimento, nos quais as farmácias vendem medicamentos sem exigir a receita, bem como os comércios não autorizados e os pequenos armazéns. Algumas vezes, as pessoas inclusive se automedicam com fármacos de venda com receita por conselhos de curandeiros tradicionais. As pessoas guardam em casa os medicamentos que sobram e os retorna a utilizar ou doa os mesmos a vizinhos e à família. Essa prática também é observada em países em que a venda de medicamentos está mais bem controlada. A possibilidade de comprar medicamentos pela internet faz com que os medicamentos disponíveis somente com receita médica em um país possam ser comprados de outro onde o controle é menos rigoroso. A imigração e a maior mobilidade das pessoas permitem que mais indivíduos comprem medicamentos do local onde é mais fácil realizar essa compra, ou obtenha os medicamentos de familiares e amigos. Por exemplo: imigrantes acostumados a adquirir livremente “medicamentos de venda com receita” em seu país de origem podem obter dos amigos ou familiares que o visitam. - Uso inadequado de antibióticos 13 Os antibióticos são medicamentos importantes, mas são prescritos em excesso e as pessoas se automedicam, realizando um uso abusivo dessa classe para o tratamento de transtornos menores, como diarreia, resfriado e tosse. Quando os antibióticos são utilizados com demasiada frequência e em doses inferiores às recomendadas, as bactérias tornam-se resistentes. Esse problema preocupa seriamente os responsáveis pelas políticas de saúde pública. A consequência é o fracasso do tratamento quando os pacientes com infecções graves tomam antibióticos. As pessoas compram doses inferiores às recomendadas porque não podem custear o tratamento completo ou porque não sabem que é necessário completar o tratamento. Inclusive em países industrializados, em que a venda de medicamentos é mais bem controlada, a inobservância ao tratamento prescrito é um problema frequente. As pessoas que não sabem que é preciso completar o tratamento deixam de administrar os antibióticos quando cessam os sintomas, enquanto que outras administram doses maiores que as indicadas por acreditarem que assim serão curadas mais rapidamente. - Uso excessivo de injetáveis Em muitos países, os agentes de saúde e os pacientes acreditam que as injeções são mais eficazes que os comprimidos. Essa crença não somente gera gastos desnecessários (em muitos casos os comprimidos são a modalidade terapêutica mais barata), como também leva a riscos desnecessários para a saúde nos lugares em que as injeções são administradas em condições inadequadas de higiene, ou com seringas e agulhas que são utilizadas mais de uma vez e sem esterilizar. - Uso excessivo de medicamentos relativamente seguros Em muitos países, as pessoas acreditam que “há uma pílula para cada doença”. Antes da aparição de qualquer transtorno leve, imediatamente administra medicamentos. Em numerosos países, as vitaminas e os analgésicos, como os complexos polivitamínicos, ácido acetilsalicílico e paracetamol são os fármacos (relativamente seguros) mais utilizados. Essa prática não é segura. A aspirina pode provocar hemorragia gástrica e o paracetamol, em quantidades excessivas, pode provocar a morte. - Uso arriscado de ervas medicinais Nos países em desenvolvimento, a automedicação com ervas medicinais é habitual. Em muitos destes países, há programas que verificam a segurança e a eficácia dessas ervas, e algumas são selecionadas para fazer parte dos programas nacionais de saúde. Nos países 14 industrializados, também está crescendo a utilização de ervas medicinais. As pessoas acreditam que são “mais naturais” que os produtos farmacêuticos. Algumas ervas medicinais são potentes e sua segurança não é tão evidente como se acredita. Além disso, podem ser perigosas se administradas junto a produtos farmacêuticos. Por exemplo, a erva antidepressiva hipérico (Erva de São João) não pode ser utilizada com inibidores seletivos da recaptação de serotonina. - Uso de combinações não essenciais de medicamentos Quando apresentam tosse ou estão resfriadas, as pessoas tendem a tomar toda a classe de medicamentos para tosse e resfriado, que contém mais de um princípio ativo. Algumas vezes esses medicamentos, inclusive, contêm substâncias de ações contrárias: uma que suprime a tosse e outra que a estimula. Esses remédios não curam e constituem um gasto desnecessário. - Uso de medicamentos caros desnecessariamente Em muitos países, as pessoas escolhem os medicamentos por sua marca comercial. Os produtos de marcas registradas frequentemente são mais caros que o medicamento genérico que contém o mesmo princípio ativo. Além disso, as pessoas não sabem que os medicamentos com diferentes nomes comerciais podem conter exatamente a mesma substância. O preço dos medicamentos é um elemento importante para os consumidores. 2.2 FATORES QUE INFLUENCIAM NO USO DE MEDICAMENTOS Além disso, a mesma publicação do site da Organização Pan-Americana de Saúde ainda cita os diferentes fatores que influenciam no uso de medicamentos: A família – as crenças individuais influenciam no modo pelo qual os medicamentos são utilizados, e essas crenças podem ter sido moldadas por integrantes da família. Além disso, outros fatores são importantes nesse nível: 15 Percepção da necessidade de tomar medicamentos – os dados sugerem que as pessoas têm perdido a confiança na capacidade do organismo em combater doenças sem a “ajuda” dos medicamentos, inclusive quando se tratam de transtornos de resolução espontânea, como o resfriado e a diarreia. As pessoas administram medicamentos não somente para tratar os sintomas de uma doença, mas por acreditarem que os medicamentos são necessários para permanecer saudáveis; Ideias sobre eficácia e segurança – as pessoas utilizam os medicamentos de acordo com suas próprias ideias de eficácia e segurança que, de acordo com estudos antropológicos, dependem de alguns fatores, como: cor e forma do medicamento; método de administração; “compatibilidade” entre o medicamento e a pessoa que o utiliza; o fato de que o medicamento tenha sido eficaz no passado; um medicamento novo (que acreditam ser mais eficazes); Desconhecimento que leva à politerapia – frequentemente as pessoas desconhecem as causas de um transtorno e também qual o tratamento mais eficaz. Em consequência, tendem a utilizar distintos tratamentos simultaneamente, muitas vezes combinando medicamentos tradicionais e modernos. Se a doença é grave, é possível que consultem diferentes prestadores de serviço de saúde, tradicionais e modernos; Papel da família em relação ao consumo de medicamentos – o uso de medicamentos não depende somente das ideias da pessoa sobre os medicamentos, mas também de seu papel na família com relação à compra de medicamentos, sua administração e decisão de uso; Preço dos medicamentos – o preço é um fator importante que determina o uso de medicamentos nos países em desenvolvimento, mas isso também ocorre em países industrializados, entre os pacientes que não contam com a cobertura de algum seguro médico; Níveis de alfabetização dos consumidores – a alfabetização determina o grau de acesso à informação escrita sobre os medicamentos, como bulas ou cartazes educativos com mensagens escritas; O “poder” dos medicamentos – nas famílias, o uso do medicamento depende também da eficácia terapêutica. Os analgésicos possuem grande aceitaçãoporque aliviam a dor; os xaropes para tosse porque eliminam a tosse; os antibióticos porque curam infecções. A comunidade – é o contexto imediato em que indivíduos e famílias enfrentam seus problemas de saúde. As pessoas falam sobre os tratamentos; acreditam e reforçam os padrões 16 culturais do uso dos medicamentos e dependem das fontes locais de abastecimento. Os fatores que influenciam sobre o uso de medicamentos na comunidade são: padrões culturais sobre o uso do medicamento; sistema de abastecimento de medicamentos; canais de informação. As instituições de saúde – entre elas, os centros de saúde e os hospitais públicos e privados influenciam sobre o uso de medicamentos: consulta aos agentes de saúde; qualidade da prescrição; qualidade da consulta; qualidade da dispensação; regularidade do abastecimento; preço dos medicamentos. O planejamento nacional – na maioria das economias em desenvolvimento e transição, o gasto com medicamentos ocupa o segundo lugar no gasto governamental em saúde, depois do gasto em pessoal. Sobre o uso de medicamentos por parte dos consumidores, influenciam as políticas governamentais de abastecimento de medicamentos essenciais por meio do setor público e de regulamentação da dispensação e promoção no setor privado. O planejamento internacional – onde também há fatores que influenciam no uso de medicamentos, entre eles: regulamentação do comércio internacional e acesso aos medicamentos; ajuda externa; organização internacional de defesa do consumidor; internet. 17 2.3 AS CONSEQUÊNCIAS DO USO INADEQUADO DE MEDICAMENTOS Desde a época da Segunda Guerra Mundial, com a produção industrial de fármacos em larga escala e a difusão sem limites da sociedade capitalista de consumo, aprofundou-se a distância entre os significados dos termos saúde e doença, e o produto farmacêutico passou a ser o meio quase imediato de se alcançar o bem-estar ou de se superar os problemas sanitários da sociedade moderna. Assim, consolida-se o papel do fármaco como bem de consumo e se esquece da sua finalidade de ser bem social. Segundo a Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos (2001, p.56): (...) as consequências e o papel dominante que os medicamentos adquiriram na sociedade e especialmente nos sistemas de saúde abrangem necessariamente aspectos ideológicos. O medicamento é elemento que está em relação com a natureza dos sistemas de saúde e muitas vezes contribuem para a sobrevivência deles. O sistema de saúde se mantém com o medicamento e este subsiste, se reproduz e se amplia graças a ele. De alto custo e perigoso, o consumo irracional de produtos farmacêuticos é um fenômeno extenso que se multiplica com rapidez em todo o mundo. São numerosos os estudos que descrevem os problemas sanitários em razão da utilização inadequada de fármacos. Para Peretta e Ciccia (2000, p.23): (...) aproximadamente 50% da população que toma remédios o faz de maneira incorreta, e 5% das internações hospitalares se devem à falta de cumprimento de terapêuticas farmacológicas. De acordo com o Banco Mundial, cita Machado dos Santos (2002, p. 357): 18 (...) somente 1/5 da população é consumidora regular de medicamentos (...) apenas 15% da população brasileira, com renda acima de dez salários mínimos, consomem 48% do mercado total; 51% da população com renda abaixo de quatro salários mínimos consomem somente 16% desse mercado (...). Essas distorções quanto ao acesso e consumo de fármacos trazem consigo diversos agravantes. Uma das principais pode ser demonstrada por meio de um documento publicado em 1997, pela OMS, no qual se estimava que 52 milhões de pessoas pudessem morrer no mundo naquele ano. Dessas, 42 milhões morreriam em países em desenvolvimento, 1/3 seria de crianças menores que 5 anos e 10 milhões por causa de infecção respiratória aguda, diarreia, tuberculose e malária. A ideia de que mais de 60% dos tratamentos podem ser inúteis ou perigosos, em uma época em quem há renda restrita na maior parte da população e limites dos orçamentos públicos, é preocupação das mais alarmantes. Segundo a Organização Mundial da Saúde (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2002), durante as últimas décadas demonstrou-se por muitos estudos que a morbidade e mortalidade causada por produtos farmacêuticos estão entre os principais problemas de saúde, fato que começa a ser reconhecido pelos profissionais de saúde e pelo público. Estima-se que as reações adversas a fármacos estão entre a 4ª e a 6ª maiores causas de mortalidade nos EUA. Elas provocam morte em milhares de pacientes a cada ano e muitos outros têm sofrimento decorrente de reações adversas. De acordo com o disposto no livro “Ciências Farmacêuticas, Farmácia Clínica e Atenção Farmacêutica”, os eventos adversos relacionados a medicamentos podem levar a importantes agravos à saúde dos pacientes, como relevantes repercussões econômicas e sociais, sendo considerado atualmente um importante problema de saúde pública. Dentre eles, os erros de medicação são ocorrências comuns e podem assumir dimensões clinicamente significativas e impor custos relevantes ao sistema de saúde. Em 1999, nos Estados Unidos, o informe do CommitteeonQualityof Health Care in America destacou que os erros de medicação acarretam mais de 7.000 mortes por ano. Segundo o mesmo livro, existem controvérsias quanto à terminologia dos efeitos negativos do uso dos medicamentos, prejudicando a realização de estudos e a comparação entre eles. Entre os conceitos considerados como mais importantes atualmente tem-se: acidentes com medicamentos são todos os incidentes, problemas ou insucessos, inesperados ou previsíveis, produzidos ou não por erro, consequência ou não de imperícia, imprudência ou negligência, que ocorrem durante o processo de utilização dos medicamentos. Englobam toda a sequência de procedimentos técnicos ou administrativos e podem ou não estar 19 relacionados a danos ao paciente. É um termo amplo que engloba os conceitos de eventos adversos, reações adversas e erros de medicação; eventos adversos são definidos como danos leves ou graves causados pelo uso de um medicamento (ou pela falta de uso, quando este é necessário). Esses eventos são classificados como evitáveis e inevitáveis, segundo o American Societyof Health – System Pharmacists (1998). A presença do dano deve ser enfatizada aqui como condição necessária para a caracterização de um evento adverso; reação adversa, segundo a Organização Mundial da Saúde, é qualquer efeito prejudicial ou indesejado que se apresenta após a administração de medicamentos em doses normalmente utilizadas no homem para profilaxia, diagnóstico ou tratamento de uma doença, ou com o objetivo de modificar uma função biológica; erro de medicação, segundo o National Coordinating Council for Medication Error Reportingand Prevention (1998, 2001), é qualquer evento evitável que pode, de fato ou potencialmente, levar ao uso inadequado de medicamento independente do risco de lesar ou não o paciente e do fato de o medicamento se encontrar sob controle dos profissionais de saúde, do paciente ou do consumidor. 2.4 CAUSAS DE ERROS DE MEDICAÇÃO Um estudo avaliou falhas no sistema de utilização de medicamentos que causaram eventos adversos e demonstrou que 22% delas foram causadas por conhecimento insuficiente sobre medicamentos por parte da equipe da saúde. Dos erros de medicação, 50% ocorreram na transcrição e administração, 39% na prescrição médica e 11% na dispensação (LEAPE et al., 1995). Cohen(1999) classificou as causas de erros em seis grandes categorias, descritas abaixo: 1 – Falhas de Comunicação 20 - Problemas relacionados à prescrição médica Prescrições ilegíveis ou pouco legíveis, ambíguas, incompletas e confusas podem levar a erros. Os zeros, os pontos e os números decimais nas prescrições aumentam a possibilidade de erros. O uso de U ou UI, representando unidades, pode ser confundido com o número zero e levar à administração de insulina ou heparina em doses dez vezes maiores que a prescrita. A legislação brasileira determina que “somente será aviada a receita que estiver escrita por extenso e de modo legível, observados a nomenclatura e o sistema de pesos e medidas oficiais”, garantindo à farmácia o direito de não dispensar os medicamentos de prescrições onde existam dúvidas causadas pela caligrafia (BRASIL, 1973, p.5). - Prescrições Orais Os nomes dos medicamentos podem ser parecidos quando verbalizados, originando erros por falha de interpretação. Por isso, as prescrições orais devem ser evitadas e restritas a situações de emergência. Quando absolutamente necessárias, devem ser feitas em linguagem clara e pausada, sendo uma norma de segurança fazer com que a pessoa que está recebendo a prescrição verbal repita o que está ouvindo. - Semelhança de Nomes dos Medicamentos A confusão entre medicamentos com nomes semelhantes, tanto em relação à grafia quanto à sonoridade, pode levar os profissionais de saúde a enganos, resultando em problemas para os pacientes. A escolha dos nomes dos medicamentos não é baseada em preocupações futuras de possíveis erros, tendo um forte componente de lógica comercial. Diante disso, não são raros os erros relacionados à similaridade de nomes de medicamentos quando escritos ou pronunciados. - Identificação do Paciente Pacientes com nomes semelhantes, homônimos, doentes confusos que respondem inconscientemente o que lhes é perguntado, mudanças de leitos e deambulação podem gerar problemas de administração de medicamentos a pacientes errados. Uma das medidas para diminuir esse tipo de problema é a prescrição conter de forma legível o nome completo do 21 paciente e data. O uso de pulseira no paciente é também um meio eficiente para diminuir a troca de medicamentos. 2 – Sistemas Inadequados de Dispensação de Medicamentos 3- Erros de Cálculos das Doses Existem dois tipos de erros por cálculos de dose, sendo o primeiro aquele em que o médico não dispõe, não solicita ou deixa de levar em conta, para os cálculos da dose, informações importantes sobre o paciente, como função renal ou hepática, peso e idade. O outro é aquele em que houve erro no cálculo matemático propriamente dito. Os erros nos cálculos de doses dos medicamentos são mais comuns em pediatria e com medicamentos utilizados por via intravenosa. 4- Problemas Relacionados à Rotulagem e Embalagem dos Medicamentos As embalagens e rótulos dos medicamentos são desenhados segundo as normas estabelecidas por instituições governamentais. As empresas e farmácias hospitalares que reembalam os medicamentos também têm grande responsabilidade em prover informações claras nas rotulagens dos seus produtos. 5 – Erros na Administração A administração de medicamentos é geralmente a última oportunidade de se evitar um erro. Alguns aspectos importantes para que sejam evitados são: dupla checagem das diluições e dos cálculos de dose, atenção aos erros de comunicação da prescrição, cuidado com as prescrições verbais, identificação segura do paciente, bem como a orientação deste sobre seu tratamento medicamentoso. 6 – Educação do Paciente O aconselhamento ao paciente é uma importante medida de prevenção de erros, e os profissionais de saúde devem estar preparados e motivados para essa atividade. São essenciais que os pacientes recebam informações seguras e claras sobre os medicamentos, seus efeitos terapêuticos e reações adversas, os horários e a via de administração. Segundo Carlos Cezar Flores Vidotti e Rogério Hoeller, em publicação realizada em 2006 na revista Farmacoterapêutica (Conselho Federal de Farmácia - CFF e Centro Brasileiro de 22 Informações sobre Medicamentos – CEBRIM), o exercício profissional do farmacêutico na farmácia comunitária no Brasil é desafiador, injusto e indigno, embora seja este um dos locais que mais caracterizam a profissão. Mesmo considerando, hoje, décadas de mudança no discurso de entidades farmacêuticas em favor da valorização do farmacêutico, o avanço da atuação desse profissional em atenção primária e na promoção do uso correto de medicamentos segue a passos lentos, talvez em velocidade insuficiente para acompanhar as profundas mudanças que têm ocorrido na sociedade global e, em especial, na sociedade brasileira. Ainda assim, cabe ao farmacêutico, como profissional especialista em medicamentos, executar ações de modo a identificar, prevenir e resolver os problemas relacionados ao uso do medicamento, de modo a garantir a saúde do paciente. 23 3 A HISTÓRIA DA FARMÁCIA CLÍNICA E DA ATENÇÃO FARMACÊUTICA FIGURA 3 FONTE: Disponível em: <www.portalfarmacia.com.br>. Acesso em: 15 mar. 2012. 3.1 A PRÁTICA DA FARMÁCIA COMO PROFISSÃO De acordo com os professores Tarcísio José Palhano e José Aleixo Prates e Silva - no livro Ciências Farmacêuticas Farmácia Clínica e Atenção Farmacêutica - a prática da farmácia, enquanto profissão, tem ocorrido a olhos vistos em nosso País desde o Império. A primeira legislação federal de que se tem registro é o Decreto n° 20.377, ato do presidente Getúlio Vargas, em seu Governo Provisório, no ano de 1931, com o qual a farmácia é consignada como estabelecimento profissional do farmacêutico. Contudo, no mesmo ano, sob pressão de leigos, a natureza profissional da farmácia era descaracterizada, posto que o Decreto n° 20.627 já estabelecia a possibilidade de o farmacêutico participar de sociedade com leigos, com um mínimo de 30% do capital da empresa, preservando sua responsabilidade técnica pelo estabelecimento, uma discrepância sanitária acolhida por farmacêuticos da época como uma conquista da categoria. 24 3.2 O SURGIMENTO DA FARMÁCIA CLÍNICA MODERNA Conforme citado por Marcelo PolacowBisson em seu livro Farmácia Clínica – Atenção Farmacêutica, a história da Farmácia Clínica moderna começa com o final da Segunda Guerra Mundial em um ambiente de grande desenvolvimento, com o lançamento de diversos fármacos e a introdução de uma tecnologia farmacêutica capaz de uma produção em larga escala. Com a indústria farmacêutica em amplo desenvolvimento e as atividades de manipulação magistral diminuindo sensivelmente, os farmacêuticos começam a repensar o currículo dos cursos de Farmácia, principalmente nos Estados Unidos, com um direcionamento para as atividades clínicas. O eixo da profissão começa a mudar da manipulação para a assistência aos usuários de medicamentos. O termo “Farmácia Clínica” adquiriu popularidade a partir da segunda metade da década de 1960. Entretanto, em 1921, J.C. Krantz já afirmava que os farmacêuticos deveriam ser capacitados por meio de programas práticos para fornecer “serviços clínicos”. A Farmácia Clínica surgiu no ambiente hospitalar, onde existe supervisão contínua do paciente. É importante ressaltar que a preocupação com o usuário de medicamentos começa a ganhar força na década de 1960, com o uso indiscriminado da talidomida e as consequências nefastas que isso provocou, tornando imprescindível a avaliação clínica de novas drogas e o acompanhamentodo uso em larga escala dos medicamentos comercializados. Começam a surgir nessa ocasião ciências como a farmacoepidemiologia e a farmacovigilância, que por meio do acompanhamento sistemático do uso começa a melhorar a segurança do usuário de medicamentos. No entanto, essa mudança não foi sentida no Brasil, uma vez que o modelo adotado no país na década de 1960 contemplava a formação pelas habilitações nas áreas de análises clínicas, industrial ou de alimentos. As disciplinas clínicas, como a farmacologia clínica, farmacoterapia e semiologia, simplesmente inexistiam na prática, enquanto disciplinas como química orgânica, química analítica e físico-química dominavam o ciclo básico. Essa situação perdurou até as décadas de 1970 e 1980, quando farmacêuticos de hospitais-escola começaram 25 a introduzir novas ferramentas de dispensação, como a dose unitária e as atividades clínicas, em suas rotinas de trabalho. Na década de 1970, o farmacêutico praticamente desapareceu das farmácias e drogarias brasileiras, persistindo o hábito negativo e antiético de “assinar”, ou seja, ser o responsável técnico do estabelecimento, sem prestar a devida assistência. A população ficava sem receber a atenção clínica do farmacêutico e à mercê do mercantilismo de alguns proprietários de farmácia. Em 1988, em Nova Deli (Índia), reuniu-se um grupo consultivo da Organização Mundial da Saúde – OMS – para discutir o papel do farmacêutico no sistema de saúde, cujo relatório representa um marco importante na reorientação da atuação do farmacêutico, que deixa de ser centrada no medicamento e passa a ser voltada aos usuários. Nesta década de 1980, também começam a surgir nos cursos de farmácia de algumas universidades brasileiras as disciplinas de farmácia hospitalar, farmácia clínica e farmacoterapia, gerando o início das atividades clínicas também fora dos hospitais. Em 1993, em Tókio, a Federação Farmacêutica Internacional (FIP) editou o documento “Boas Práticas de Farmácia: Normas de Qualidade dos Serviços Farmacêuticos”, endossado pela OMS. O documento, conhecido como a “Declaração de Tókio” expressa: “a missão da prática farmacêutica é dispensar medicamentos e outros produtos e serviços para o cuidado à saúde, e ajudar as pessoas e a sociedade a utilizá-los da melhor maneira possível”. Nesse documento também está explícito que o paciente e a comunidade são os principais beneficiários das atividades do farmacêutico. Em 1994, a Assembleia Mundial da Saúde aprovou a resolução WHA 47.12, que trata do apoio provido pelos farmacêuticos à Estratégia Revisada da OMS sobre Medicamentos, onde é solicitada a “promoção em parceria com outros profissionais da saúde, do conceito de atenção farmacêutica como uma maneira para alcançar o uso racional de medicamentos e de participar ativamente na prevenção de doenças e na promoção à saúde”. O grupo consultivo da OMS, reunido em 1997, em Vancouver, ao analisar a necessidade de serviços farmacêuticos nos sistemas de saúde, em termos mundiais, identificou papéis considerados essenciais, expressos como o “farmacêutico sete estrelas”, no documento, preparando o farmacêutico do futuro, como: 26 1. provedor de cuidados; 2. ser capaz de tomar decisões; 3. comunicador; 4. líder; 5. gerente; 6. aprendiz permanente; 7. educador. De acordo com o relatório, os farmacêuticos devem possuir conhecimentos, atitudes, habilidades e comportamentos específicos para o desempenho efetivo desses papéis. 3.3 O SURGIMENTO DA ATENÇÃO FARMACÊUTICA Assim, é somente na década de 1990 que o farmacêutico começa seu retorno às origens e reencontra sua vocação assistencial e clínica nos hospitais, farmácias e drogarias, enquanto começa a encontrar espaço também na indústria farmacêutica em departamentos de pesquisa clínica, serviço de atendimento ao cliente (SAC) e farmacovigilância. Surge nessa época a atenção farmacêutica. Hoje considerada a principal atividade do farmacêutico em farmácia clínica, ela se baseia no processo de anamnese/análise/orientação/seguimento e utiliza conhecimentos de farmacoterapia, patologia, semiologia, interpretação de dados laboratoriais e relações humanas. No Brasil, o processo de promoção da Atenção Farmacêutica iniciou-se em 2000 por meio de uma consulta de experiências e reflexões sobre Atenção Farmacêutica no site da OPAS/OMS, que deu origem à proposta de Consenso Brasileiro de Atenção Farmacêutica. Nesse documento, a Atenção Farmacêutica foi incorporada à Assistência Farmacêutica, e com isso tem-se levado em conta, para a promoção e formação de profissionais para essa prática, o modelo de atenção e os princípios do SUS, conforme proposto na oficina de trabalho e nas reuniões complementares, que tem sido desenvolvida com a perspectiva de integralizar as ações de saúde. 27 A proposta de consenso foi amplamente divulgada e discutida nos eventos subsequentes: oficina de trabalho em 2001, duas reuniões complementares em 2002, no I Fórum Nacional de Atenção Farmacêutica em 2003, na I Conferência Nacional de Política de Medicamentos e Assistência Farmacêutica em 2003, e no II Fórum Nacional de Atenção Farmacêutica em 2004, que contribuíram com a elaboração de diversas estratégias e definições de responsabilidades. Nessa década, começa a despontar na América do Norte e logo chega ao Brasil um movimento chamado “medicina baseada em evidências”, em que os protocolos clínicos são extremamente valorizados e a busca por melhores condutas terapêuticas passam a ser determinante no acompanhamento clínico de um paciente. O farmacêutico passa a ser peça- chave nesse processo devido aos seus vastos conhecimentos farmacoterapêuticos. Em 2001, o Conselho Federal de Farmácia, em conformidade com as recomendações internacionais, e considerando o quadro traçado no mercado farmacêutico brasileiro e da profissão farmacêutica, dentro de suas atribuições de zelar pela saúde pública, editou a Resolução n° 357, que aprova o regulamento técnico das Boas Práticas de Farmácia para o Brasil. Este, entre muitos outros tópicos, determina aos farmacêuticos: “promover ações de informação e educação sanitária” (Art. 2°, inciso VII)”; “... explicar clara e detalhadamente ao paciente o benefício do tratamento, conferindo-se a sua perfeita compreensão,...” (Art. 31). Com a introdução do perfil generalista nos cursos de Farmácia a partir de 2002, começou a crescer a preocupação com as atividades clínicas a serem desenvolvidas pelo farmacêutico, e disciplinas como farmácia clínica, farmacoterapia e atenção farmacêutica passam a fazer parte, pouco a pouco, do currículo de várias faculdades de farmácia. A Atenção Farmacêutica constitui uma nova filosofia de exercício profissional farmacêutico, já que está regulamentada pela Lei 8080/1990 que, em seu capítulo I, artigo 6°, parágrafo 1º, declara que “estão incluídas, no campo de atuação do SUS, a execução de ações de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica”. Não existe, porém, uma concepção concreta da prática de tal conceito (SILVA & PRANDO, 2004). Isso então permite a cada farmacêutico certa flexibilidade para adaptar a provisão da Atenção Farmacêutica à sua realidade, seus próprios recursos e habilidades, procurando sempre uma farmacoterapia racional, segura e custo efetivo para o cuidado do paciente (SILVA & PRANDO, 2004). 28 Além disso, a variabilidade enorme de patologias, unida à ampla disponibilidade terapêutica, oferece múltiplas possibilidades de abordagem e resolução de um mesmo caso. 3.4 A FARMACOEPIDEMIOLOGIA E A FARMACOVIGILÂNCIA Existem duas áreas que se relacionamdiretamente com a Farmácia Clínica e com a Atenção Farmacêutica: a Farmacoepidemiologia e a Farmacovigilância. Associando-se o conhecimento proveniente da Farmacologia Clínica e da Epidemiologia, surge a Farmacoepidemiologia, que pode ser definida como a aplicação do conhecimento, métodos e raciocínio para estudar os efeitos tanto benéficos como adversos, bem como o uso de medicamentos em populações humanas. Possui como objetivo descrever, explicar, predizer e controlar os efeitos e usos de tratamentos farmacológicos em populações definidas no tempo e espaço (STROM, 2000). Nos tempos atuais, em decorrência da crescente demanda por novos fármacos concebidos muitas vezes sob intensa pressão comercial, a Farmacoepidemiologia, com suas contribuições, passa a ter importância estratégica na operação de sistemas de saúde em quase todos os países do mundo. A Farmacoepidemiologia propõe-se como uma forma de abordagem capaz de ultrapassar as limitações usualmente observadas nos estudos das ações dos fármacos. Para isso, essa ciência organiza-se em dois grandes grupos de ações: a Farmacovigilância e os Estudos de Utilização de Medicamentos. A Farmacovigilância, segundo Laporte e Tognoni (1993), é a “identificação e avaliação dos efeitos, agudos ou crônicos, do risco do uso dos tratamentos farmacológicos no conjunto da população ou em grupos de pacientes expostos a tratamentos específicos”. Mais recentemente, a organização Mundial da Saúde apresenta a Farmacovigilância como sendo a ciência e as atividades relativas à detecção, determinação, compreensão e 29 prevenção de eventos adversos ou qualquer outro possível problema relacionado a medicamentos. Ressalta, ainda, que a abrangência da Farmacovigilância deve ser ampliada para incluir a segurança de toda tecnologia relativa à saúde, incluindo medicamentos, vacinas, produtos do sangue, biotecnologia, fitoterápicos e a medicina tradicional. A Farmacovigilância, também conhecida como “ensaios pós-comercialização” ou “Fase IV”, tem como um de seus principais objetivos a detecção precoce de reações adversas, especialmente as desconhecidas. É necessário promover a Farmacovigilância, após o registro de um novo medicamento, possibilitando assim que o perfil de segurança dos medicamentos seja sempre atualizado, considerando que o desenvolvimento de um medicamento não termina no momento em que o fabricante recebe uma autorização de comercialização (STROM, 2000). A Atenção Farmacêutica é uma das entradas do sistema de Farmacovigilância, ao identificar e avaliar problemas/riscos relacionados à segurança, efetividade e desvios de qualidade de medicamentos, por meio do acompanhamento/seguimento farmacoterapêutico ou outros componentes da Atenção Farmacêutica. Isso inclui a documentação e a avaliação dos resultados, gerando notificações e novos dados para o sistema por meio de estudos complementares. Na medida em que o Sistema de Farmacovigilância retroalimenta a Atenção Farmacêutica, por meio de alertas e informes técnicos, informações sobre medicamentos e intercâmbio de informações, potencializa as ações clínicas individuais (acompanhamento/seguimento, dispensação, educação...), outras atividades de Atenção e Assistência Farmacêutica como o processo de seleção de medicamentos, a produção de protocolos clínicos com prática baseada em evidências, integrada nas ações interdisciplinares e multiprofissionais, entre outras. Dessa forma, obtém-se a melhora da capacidade de avaliação da relação benefício/risco, otimizando os resultados da terapêutica e contribuindo para a melhoria da qualidade de vida e adequação ao arsenal terapêutico. 30 3.5 A FARMÁCIA COMO ESTABELECIMENTO DE SAÚDE Na condição de estabelecimento que integra os sistemas de saúde, a farmácia apresenta vantagens, tais como: fácil acesso a um profissional de saúde; condições adequadas para a participação em campanhas sanitárias (vacinação, p. ex.); redução de gastos com tratamentos, por possibilitar a intervenção primária e encaminhamento à assistência médica; aumento na observância à terapêutica farmacológica prescrita, com consequente melhora na qualidade de vida do usuário. Porém, um dos fatores que hoje descaracteriza as farmácias quanto à assistência à saúde é que se criou na mente do consumidor, que na maioria dos estabelecimentos farmacêuticos preponderam os interesses comerciais. Para que a população volte a ter confiança na farmácia e a reconheça como estabelecimento de saúde, é necessário que se ofereça um atendimento diferenciado, onde o farmacêutico, devidamente habilitado e qualificado, seja capaz de oferecer orientações e informações sobre medicamentos e estar realmente envolvido na busca de soluções aos pacientes (SCHENKEL, 1991). A atual expansão das drogarias contribuiu para afastar os farmacêuticos das farmácias, os estabelecimentos transformaram-se em locais de negócios. No Brasil, o conceito de medicamentos ainda não passa de uma mercadoria qualquer. As farmácias e drogarias (principalmente) transformaram-se em mercearias e estão mais sujeitas às regras do mercado que as regras sanitárias. Nelas comete-se a alvitante e irresponsável ”empurroterapia”, em que o balconista do estabelecimento oferece qualquer medicamento ao paciente à revelia de prescrição médica e da dispensação do farmacêutico, atendendo exclusivamente aos apelos do negócio e do lucro (SANTOS, 2000). A verdadeira vocação da farmácia é a de ser um estabelecimento de consulta farmacêutica e não mais um mero ponto de dispensação. Ela é um lugar em que as pessoas buscam cada vez mais informações sobre saúde com vistas a melhorar a qualidade de vida (SANTOS, 2002). 31 3.6 DESAFIOS DO PROFISSIONAL FARMACÊUTICO Como citado anteriormente, a atividade de manipular medicamentos sofreu forte impacto com a industrialização. A ameaça de mudanças de paradigmas gerou, também, oportunidades na orientação sobre o uso correto de medicamentos e outras atividades de promoção à saúde. Porém, o ensino farmacêutico, em sua maioria, não foi adaptado à nova realidade da farmácia, o que tem acarretado choque entre valores éticos, dos farmacêuticos e mercantis, das indústrias e do comércio. Para transformar os desafios em oportunidades, os farmacêuticos precisam atualizar- se e assumir atitude proativa na busca de soluções para problemas que lhes são colocados no ambiente de trabalho. 32 4 A IMPORTÂNCIA DO PROFISSIONAL FARMACÊUTICO NA PRÁTICA DA ATENÇÃO FARMACÊUTICA FIGURA 4 FONTE: Disponível em> <www.cefarma.com.br>. Acesso em: 15 mar. 2012. “O papel do Farmacêutico no mundo é tão nobre quão vital. O Farmacêutico representa o órgão de ligação entre a medicina e a humanidade sofredora. É o atento guardião do arsenal de armas com que o Médico dá combate às doenças. É quem atende às requisições a qualquer hora do dia ou da noite. O lema do Farmacêutico é o mesmo do soldado: servir. Um serve à pátria; outro serve à humanidade, sem nenhuma discriminação de cor ou raça. O Farmacêutico é um verdadeiro cidadão do mundo. Porque por maiores que sejam a vaidade e o orgulho dos homens, a doença os abate - e é então que o Farmacêutico os vê. O orgulho humano pode enganar todas as criaturas: não engana ao Farmacêutico. O Farmacêutico sorri filosoficamente no fundo do seu laboratório, ao aviar uma receita, porque diante das drogas que manipula não há distinção nenhuma entre o fígado de um Rothschild e o do pobre negro da roça que vem comprar 50 centavos de maná e sene.” Monteiro Lobato 33 4.1 ELEMENTOS PRESENTES NA REALIDADE DOPROFISSIONAL FARMACÊUTICO De acordo com a Proposta do Consenso Brasileiro de Atenção Farmacêutica (Atenção Farmacêutica no Brasil: Trilhando Caminhos – 2001-2002), no que se refere ao contexto da prática farmacêutica no Brasil, alguns elementos foram identificados e explicitam aspectos fundamentais da realidade, traduzida, entre outras, pelas seguintes considerações: - crise de identidade profissional do farmacêutico e, em consequência, falta de reconhecimento social e sua pouca inserção na equipe multiprofissional de saúde, não representando um referencial como profissional de saúde na farmácia. Porém, existe uma busca de conhecimento como ferramenta para interferir no processo de melhoria da qualidade de vida da população e para que haja valorização do profissional farmacêutico no País; - deficiência na formação, excessivamente tecnicista, com incipiente formação na área clínica. Descompasso entre a formação dos farmacêuticos e as demandas dos serviços de atenção à saúde, tanto públicos quanto privados e nos diferentes níveis, bem como daquelas referentes ao setor produtivo de medicamentos e insumos necessários ao âmbito da saúde. Falta de diretrizes e escassez de oportunidades de educação continuada; - dissociação entre os interesses econômicos e os da saúde coletiva, com predomínio dos primeiros, resultando na caracterização da farmácia como estabelecimento comercial e do medicamento como um bem de consumo, desvinculados do processo de atenção à saúde; - prática profissional desconectada das políticas de saúde e de medicamentos, com priorização das atividades administrativas em detrimento da educação em saúde e da orientação sobre o uso de medicamentos; - iniquidade no acesso aos medicamentos, embora exista um compromisso crescente dos gestores, farmacêuticos e de outros profissionais da saúde com a garantia de acesso da população às ações de atenção à saúde, incluindo-se a Assistência Farmacêutica, tanto no setor público quanto privado; - embora existam definições legais referentes à Assistência Farmacêutica e à política de medicamentos, há problemas referentes à sua efetiva implementação, incluindo-se a 34 definição de mecanismos e instrumentos para a sua organização, avaliação e possíveis redirecionamentos. - falta de integração e unidade entre as entidades representativas da categoria farmacêutica e outros segmentos da sociedade em torno das políticas de saúde. 4.2 O FARMACÊUTICO NA PRÁTICA DA ATENÇÃO FARMACÊUTICA É acentuado o crescimento do uso de medicamentos em nível mundial, visto que a terapia medicamentosa é a forma mais frequente de intervenção médica em qualquer ambiente. Há certa pressão da sociedade para que ocorra a prescrição do medicamento (“medicamento = cura!”). Muitos pacientes exigem do profissional médico a prescrição, pois o medicamento, para eles, é considerado a cura dos seus sintomas, de seu problema de saúde, da sua doença. Com isso, grande atenção tem sido dedicada atualmente pelos órgãos governamentais a fim de realizar a avaliação do custo econômico da morbidade/mortalidade relacionada ao medicamento. É esse o ponto de atuação do farmacêutico na prática da Atenção Farmacêutica: contribuir para a redução da morbidade/mortalidade relacionada ao uso de fármacos. A importância dessa atuação fica explícita ao verificar-se que apenas o diagnóstico correto, a prescrição adequada e a dispensação exata não são garantia do sucesso da farmacoterapia. O seu sucesso depende também de outras variáveis, como, por exemplo: adesão do paciente ao tratamento; características individuais de cada paciente (genética); qualidade do medicamento (qualificação dos fornecedores); eventos adversos: interações medicamentosas; interações alimentares, 35 iatogenia (eventos não esperados) ; efeitos colaterais, também denominados reações adversas, que apesar de serem eventos esperados, os pacientes, muitas vezes, não têm conhecimento; conhecimento sobre o medicamento e a doença; demora na resolução do problema, motivo pelo qual os pacientes devem ser orientados quanto aos fármacos que não respondem prontamente (antidepressivos, por exemplo); muitas vezes, sem a orientação, a pessoa acredita que a farmacoterapia não é efetiva e interrompe o uso do medicamento; carência de recursos para a aquisição de medicamentos; resolução do problema aparentemente rápida, como, por exemplo, no uso de antibióticos em que o paciente interrompe o uso em período inferior ao estipulado por acreditar que se encontra “curado”, já que não apresenta mais os sintomas; tratamentos prolongados, como com antidiabéticos e anti-hipertensivos; falta de adaptação ao regime posológico; falta de credibilidade na informação repassada ou no profissional. Considerando que, na maioria das variáveis citadas acima, pode ocorrer intervenção do profissional farmacêutico, este torna-se, sim, uma peça-chave no tratamento farmacoterapêutico do paciente, sendo um dos responsáveis pelo sucesso do mesmo. A atenção primária previne as populações contra doenças, livrando o cidadão da internação hospitalar, barateando os custos. O farmacêutico, além de prestar orientação sobre as doenças, ajudando a preveni-las, vai informar sobre os medicamentos com vistas a racionalizar o seu uso e evitar erros na terapêutica. As ações farmacêuticas significam segurança para a população, especialmente para quem toma medicamentos (SANTOS, 2002). O processo de globalização afirma que o farmacêutico ainda é o único profissional de saúde em contato contínuo com a população. Com a falsificação de medicamentos e a implantação da política de genéricos no Brasil, a procura pelo profissional farmacêutico para o esclarecimento dessas e outras dúvidas da população encontra-se em franco crescimento. Dessa forma, o farmacêutico deve estar devidamente habilitado e qualificado para prestar a Atenção às comunidades, orientando quanto ao uso racional de medicamentos (LYRA JR., 2000). 36 Para a realização da Atenção Farmacêutica, o profissional farmacêutico deverá possuir as seguintes características: capacidade de atender o paciente e atuar diretamente junto ao mesmo; capacidade de identificar, resolver e prevenir os problemas relacionados aos medicamentos (PRM’s); enfoque na saúde e bem-estar do paciente; responsabilidade por atender às necessidades do paciente; possuir como foco os resultados mensuráveis, resultados clínicos. O farmacêutico pode, com esse direcionamento clínico, melhorar os resultados farmacoterapêuticos, seja por intermédio de aconselhamento, de programas educativos e motivacionais, ou até da elaboração de protocolos clínicos, baseados em evidências comprovadas com o estabelecimento de melhores regimes terapêuticos e monitoração desses procedimentos. No código de ética da profissão farmacêutica, regulamentado pela Resolução do Conselho Federal de Farmácia nº 417, de 29 de setembro de 2004, encontra-se uma grande preocupação com o lado assistencial do farmacêutico. Ele estabelece como princípios e deveres do farmacêutico o exercício da assistência farmacêutica e o fornecimento de informações ao usuário dos serviços, além da necessidade de contribuir para a promoção da saúde individual e coletiva, principalmente no campo da prevenção. Na atenção farmacêutica, o farmacêutico deve sentir-se responsável pela conquista dos resultados esperados para cada paciente. A oferta da Atenção Farmacêutica representa uma maturidade da farmácia como profissão e uma evolução natural das atividades maduras da farmácia clínica e dos farmacêuticos. Muitasassociações profissionais consideram que a Atenção Farmacêutica é fundamental para os objetivos da profissão no que consiste em ajudar as pessoas a fazerem melhor uso dos medicamentos. Esse conceito unificado transcende a todos os tipos de pacientes e a todas as categorias de farmacêuticos e organizações (CLAUMANN, 2003). O farmacêutico pode trabalhar com pacientes individualmente, em grupos ou com famílias, mas independentemente de qual o grupo, o profissional deve sempre incentivar o paciente a desenvolver hábitos saudáveis de vida a fim de melhorar os resultados terapêuticos, trabalhando em conjunto, preferencialmente, com os demais membros da equipe multidisciplinar de saúde. 37 O farmacêutico que deseja trabalhar em contato com pacientes, realizando a Atenção Farmacêutica, deve possuir uma série de conhecimentos e habilidades que serão discutidas no decorrer desse curso, porém a grande dificuldade será transportar os conceitos e as ferramentas teóricas para o dia a dia do profissional, passando pela mudança cultural dos próprios farmacêuticos, pela valorização da profissão perante a sociedade e, principalmente, os administradores de saúde e órgãos governamentais. Seja como curador das antigas civilizações, boticário de séculos recentes ou o farmacêutico atual, algo une-os e mantém-se intacto: a disposição para cuidar de seus pacientes no momento em que eles se fragilizam por uma dor ou uma doença. (CLAUMANN, 2003) Muito além de ser um simples dispensador de remédios, o farmacêutico está envolvido no processo de pesquisa de novas drogas, no estudo de efeitos colaterais e de reações adversas dos medicamentos já existentes, na fabricação de cosméticos, na medicação de doentes hospitalares, na fiscalização sanitária e em outras atividades que asseguram a qualidade de vida (CLAUMANN, 2003). Arcar com tamanha responsabilidade não é tão simples como possa parecer. Mais que boa vontade e alguns anos de estudos universitários, um bom farmacêutico necessita estar a par dos avanços medicinais, das novidades da sua área e das mudanças da sociedade (POLAKIEWICZ, 2002). A informação, assessoramento e orientação ao paciente, prestados pelo farmacêutico, fazem com que se aplique na prática um resgate da verdadeira função do farmacêutico (COSTA, 2001). A Atenção Farmacêutica é viável e praticável por farmacêuticos de todas as áreas. A oferta dela não se limita aos farmacêuticos com residência ou outras especializações. Também não se limita aos que desenvolveram atividades acadêmicas ou de ensino. A Atenção Farmacêutica não é uma questão de títulos formais ou de lugares de trabalho, mas de relações pessoais, diretas, profissionais e responsáveis com o paciente que assegurem o uso adequado dos medicamentos e melhore sua qualidade de vida (CLAUMANN, 2003). Torna-se imprescindível ter em conta que o farmacêutico não tem a exclusiva autoridade no assunto relacionado ao uso de medicamentos. O conceito de Atenção Farmacêutica não diminui a função nem a responsabilidade de outros profissionais de saúde. Também não implica usurpação da autoridade por parte dos farmacêuticos. As ações que 38 constituem a Atenção Farmacêutica devem ser conduzidas e vistas como colaborativas e complementares (CLAUMANN, 2003). Dentre as dificuldades enfrentadas pelos farmacêuticos na implantação da Atenção Farmacêutica, ressalta-se que, na maioria das vezes, o farmacêutico da farmácia pública ou hospitalar tem uma gama enorme de tarefas burocráticas que o afasta do paciente e, assim como ocorreu em outros países, o farmacêutico brasileiro precisa melhorar seu tempo, diminuindo as tarefas administrativas e aumentando as atividades clínicas (BISSON, p.7.2003). Está comprovado que o trabalho do farmacêutico aumenta a adesão do paciente aos regimes farmacoterapêuticos, diminui custos nos sistemas de saúde ao monitorar reações adversas e interações medicamentosas e melhora a qualidade de vida dos pacientes. Não se pode esquecer que o farmacêutico é o parceiro privilegiado do sistema de saúde, da indústria farmacêutica e do consumidor. O farmacêutico é o único profissional que conhece todos os aspectos dos medicamentos. Portanto, pode dar uma informação privilegiada às pessoas que o procuram na farmácia (CLAUMANN, 2003). A farmácia é uma instituição de acesso fácil e gratuito, onde o usuário, muitas vezes, procura em primeiro lugar o conselho amigo, desinteressado, mas seguro do farmacêutico (ZUBIOLI, 2000). 39 5 INTRODUÇÃO À FARMÁCIA CLÍNICA E ATENÇÃO FARMACÊUTICA Conforme Witzel, no livro Ciências Farmacêuticas Farmácia Clínica e Atenção Farmacêutica (2008), seguem abaixo as considerações referentes à introdução da Atenção Farmacêutica. Nos últimos anos e, especialmente ao longo do século XX, em todos os países, os sistemas de assistência sanitária passaram e ainda estão passando por transformações sem precedentes. Isso afetou tanto o próprio conceito de saúde, como a estrutura e organização colocada em prática pelos serviços de saúde em sua luta contra a enfermidade e suas consequências. Tanto os profissionais que prestam serviço de saúde quanto os indivíduos beneficiários diretos dos serviços prestados estão examinando de maneira crítica suas necessidades, expectativas, valores e critérios éticos. Concretamente, os profissionais da assistência sanitária põem em dúvida sua função e suas responsabilidades tradicionais, e os limites profissionais que estavam antes claramente delimitados estão cada vez mais obscuros. Além disso, os conhecimentos e as tecnologias médicas e farmacológicas disponíveis para atuar tanto na prevenção quanto na terapêutica e reabilitação das enfermidades têm evoluído substancialmente, de forma que se dispõe atualmente de amplas possibilidades para superar as enfermidades e suas consequências. O tratamento farmacológico constitui a forma mais frequente de intervenção médica em assistência sanitária. Conforme Hepler; Graiger – Rousseaux (1995), cerca de dois terços das consultas médicas nos Estados Unidos resultam em renovação ou em nova prescrição de medicamentos. O uso do medicamento tem crescido dramaticamente com o aumento da vida média da população, o aumento da prevalência de doenças crônicas e a ampliação da variedade de medicamentos efetivos. Segundo Hepler; Graiger – Rosseaux (1995) “o propósito de toda terapia medicamentosa deve ser o de aperfeiçoar a duração e a qualidade de vida das pessoas. A disponibilidade de produtos farmacêuticos seguros e efetivos tem melhorado o gerenciamento tanto de doenças agudas 40 quanto crônicas no alcance desses objetivos. [...] O medicamento é provavelmente a modalidade terapêutica mais estudada na atualidade [...] e a terapia medicamentosa tem uma forte base científica [...]. Contudo, apesar do extenso conhecimento científico, uma ampla literatura mostra que frequentemente há falhas no controle dos riscos associados à farmacoterapia”. As funções do profissional farmacêutico na área assistencial estão passando por uma vigorosa e rápida expansão em todas as dimensões, e a profissão está tentando reorientar-se para satisfazer às necessidades que têm sido introduzidas nos sistemas de saúde atuais. Na década de 1960, os farmacêuticos tinham três escolhas básicas a fazer ao optarem por atuar na área assistencial: farmácia comunitária, farmácia hospitalar e docência. Em 1990, as escolhas possíveis ampliaram-se principalmente nos países desenvolvidos, incluindo atendimento domiciliar, cuidados geriátricos, gerenciamento, especialidades clínicas diversas, pesquisa,
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