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CERTEAU, Michel de Teoria e Método no Estudo no estudo das práticas cotidianas

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-c. 
." 
!::
".
a'VLoVw~ 
COPY8EM «: 
PASTA No....J..3.g...._ ~ 
~ ~.3.__ Fonfas 
Michel de Certeau c200Ç,OF/V itlF 
-,=--_--J 
Teoria e Método no 
Estudo das Práticas Cotidianas 
C01l"D l (Srrvo c"u L,1V IW ? o Pu L(+1e.. 
/'IIE11fMGMD U(UiPífVo (~ cÚJ f?-r,~) 
L9~. S?::M({~CSA!VY'I I rnOJ~ =!=fV.-rL 
~f~ /173';') _rt:fU/us:P rr 3 ",)9 
// 
Des cu Lpo'-me por falar em -irselv'agemil, IDas talvez nossa exper{ência
 
poliglota seja um bom exemplo da natureza das práticas cotidianas.
 
Porque Eenso que as práticas cotidianas seguem itinerários í {(;j#'­
heterogêneos, diferentes uns dos o~tros, e gue-se-trat~ "dê-encontrar, \
 
entre esses itinerários, entre essas p~átic:as, conexoe-;-;;[~-o'que ';­
~ma linRuagem comum. Essas práticas nãocompoem um sist~ema, mas 
i
f ~
 
'organizam trânsitos mútuos. E, deste ponto de vista, a experiênêia
 
poliglota que tivemos estes dois dias talvez seja' um símbolo do I
 
Itrabalho que ~estã .por ser feito entre nós. 
, . i 
Não'falaréi como p Lane j ad or , que não sou, mas. enquanto antropólogo, II
\ istoriador ou sicanalista. Falarei também para apresélltar algumas 
!
I 
. 
: ITi1.Eoteses den_va as ~~que fiz como membro do Conselho de 
-I 
! 
'Des envoLví.ment o Cul.tura'l ou como. responsável por pesquisas ·do ;_ I 
. 'iliriisté'rioda Cul-tura :Francesa 'ou,ai~daj" como ELofesªo'r de .. !IDItropcilogia da Universidade de Paris 'viL - - '. -. .-- :I 
Gostaria de colocar alguns elementos de partida, apresentados em três
 
pontos. O primeiro refere-se aos pressupostos de uma política ou de
 I 
I uma problemática, quer dizer, a algumas opções globais relativas ã !
análise das prat~cas cot~d~anas. Um segundo consiste na apresentaçâo ! 
de alguns r s coo empo a eos, escolhidos nâo de forma arb~traria
 
porem seletiva, os quais forne~m um certo número de elementos para a
 
pesquisa das práticas cotidianas. E, em terceiro lugar, desejaria ~
 
apresentar alguns modelos de análise, algumas. formas sob as quais as
 
práticas cotidiana~ podem ser cap~s.
 
Na minha opinião estes problemas sao essenciais. Se as práticas 
3 -. 
. .-,' ­
guilh
Nota
-COnceito de práticas cotidianas
guilh
Realce
guilh
Realce
guilh
Realce
guilh
Realce
guilh
Realce
guilh
Realce
guilh
Realce
guilh
Nota
Posso pensar os atos cotidianos aqui trabalhados, de maneira como se fossem atos de resistência cotidiana, de apropriação do dado, como o cotidiano da universidade agora sitiada???
guilh
Realce
guilh
Realce
cotidianas foram majoritariame.nte..analis.adas de um ponto de vista
 
estatístico, nurea abordagem quantitativa, isto se deu por ue a:taram
 
categorias de análise para que fossem captadas enquanto operações
 
Portanto, c necessário que tentemos elaborar juntos um I pu , um
 
"aparelho" de análise, tendo em vista um outro tipo de pesquisa.
 
Vejamos inicialmente, alguns pressupostos. Meu primeiro elemento no
 
~. cerne. a pressupostos ~ encarar as ~râticas 'cotidianas enquanto {í)­
rat 1.-Cas F'í.z' algumas p e s qu i.s as , como mu i t os outros, a respeito da .
 
cu u pop~lar, cujo ponto de partida consistia em analisar, por
 
exemplo, sis~emas de representação (como mitologias) ou então
 
comportamentos rituais (como 'OS sacrifícios ou o modo do rito de
 
passagem entre a casá e o lugar público, ou entre diferentes lugares
 
públicos, etc.) e pouco a pouco fui me apercebendo que esse ponto de
 
vista era secundário perante alguma coisa de mais fundamental - ã qual
 
voltarei adiante - e que 9iz respeito à maneira de por em prática esse
 
lugar, esse rito ou essa representaçao.
 
Trata-se de uma problemática que· reencontra aquela que e privilegiada 
atualmente na~lingUística e que diz respeito ã questão da0tilizaçãõ) ~ \,.j 
(uses em ingles) da língua. Dito de outra forma, considero como L'I~~ 
hipótese global - e certamente retomarei este as ~s '-------.... n r 
rrügms--;por~empr;:-ubl~cos ou rivados ou então os ritos, ou t: .W 
;
 - - \ ~
 ainda as representaçoes m~ticas, as lendas, constituem uma forma e ) .// _ vocabulário alem de uma sin~a~e e que. a quest~o e saber~s ~)
 
pessoas fazem desse vocabular~o espec~al ou r~tual..~ . ~
 
- b í p;J .Tomemos um exemp lo re f erente aos prover r.os , o emo s anal s ar osí 
p roverb í.os r euni.ndo-vos, _f azerid o :uma- col.eçãodeles. 'Ou!iódemos' 
anal í s a r o modo de- sua p roduçao ; -'fiã ums -pesquLs a italiana, 'de C'i r'e s e , 
muito importante no que diz respeito a-proverbios sardoso Cirese 
mostra que o sentido de um proverbio torna-se tanto mais forte quanto 
mais fraç~ for sua diferença fonetica: como se sabe, muitas vezes nos 
proverbios há dois pequenos elementos que rimam e o fato do sentido 
será tanto mais forte quanto maior for a semelhança fonética entre 
e~es. Em outras palavras, trata-se de alguma coisa que diz respeito a 
produção verbal do proverbio. PodemGs, ainda, faz~r análises do seu 
conteúdo semântico, tal como os animais que nele sao representados, os 
tipos de ocupaçao, etc. Dentro dessas perspectivas, analisamos o 
proverbio como se fosse um "corpus ll isolado, isolável, tratado dentro 
de um laboratório de sociologia ou de antropologia, quando o problema 
começa a partir do momento em que nos interrogamos sobre o uso;que as 
pessoas. fazem de Le, --Em' decorrência, ain<ia _mais. importante que a. . 
ii: análise lirigU.rÚ:ica ou t~máticado proverbio, e· a ~nàJ,ise da -'manêh:a fJI}.e-t.-e<.·"\
ii como) Ro~xemplo, em um báte-pàpó 'de aldeia, .ele' e 'utilizado' 'parase i - ~u. .) 
ilí'aár Ilgolpes"~)quer dizer do modo como ê utilizado no momento certo, \. P,Y'E'Yl"'-~,. . ~. . '-... ­
II com-o-'~n erlocuto.r c~rto e dentro da c~rcunstanc~a certa, v~sando .. 
\lmu~ar-o-equ~l~br~o da conversa.] 
O ue implica no problema do uso. Isto é, trata-se da questao do
 
emprego do proverbio e não da questão da i~te;pre~~çao ~u~ dele
 
po emos fazer quando o isolamos em um laboratorio. Ass~m, essa
 
problemática diz mais respeito ã prátiaa' do proverbio do que ao
 
provérbio enquanto tal.
 
E, justamente desse ponto de vista, podemos retomar um certo número de
 
trabalhos muito interessantes. Lembro, por exemplo, a pesquisa feita
 
4 
guilh
Nota
-Pressupostos da análise das práticas culturais
guilh
Realce
guilh
Realce
guilh
Nota
ºA questão da utilização das práticas
guilh
Realce
-por Rudolfsky nos E.stados Unidos sobre todos os obj etos que servem 
para o "se lavar", o II s e sentar", como as d i.fe r errte s formas de 
cadeiras ou o Ildormír", s'ob r e ~ em suma, o léxíco, o vocabulário, da 
vida cotidiana. Mas o que se torna mais importante da perspectiva que 
coloco é saber como no~ servimo~ desse vocabulário ou, da mesma forma, 
como nos serv~mos dos sistemas de répresentação. 
Por exemplo, é bastante interessante se ver que em Salvador ou no 
Recife são 'utilizados h~nos afri~anosprovenientede códigos 
ancestrais, tal como hã muito tempo nas aldeias da França se fazia uso 
de hinos latinos provenientes,ne uma tradição religip~a antiga. Pois 
o problema é saber como 'as' pessoas .se servem de s ses ob.ínos , desses 
cantos ou danças tradicionais e que usos f-azem de um elemento de 
representação ou, de um elemento lingUístico que e imposto. 
o que também me parece importante dentro dessa perspectiva e que essa 
análise se torna mais significativa ,em uma epoca de mutaçao, d~ 
transito. Isto quer dizer que o problema da prática é tambem-o­
problema da passagem, da transição. Por'exemplo: de quê maneira um 
mãgr~b1no qualquer, vindo da Argelia, utiliza um apartamento ou uma 
pequena ~emum'edifício barato, em um'subúrbio de Paris? A 
questão, ~ber qual e o uso feito p~lo argelino não mais do.proverbio 
~ ou dó espaço de'casa que lhe são próprios, na Cabília ou na Argelia, 
i mas da utilização que dá a um apartamento ou a um espaço habitável em
! Paris. Pode-se dizer o mesmo com relação ã rua: por exemplo, quais os 
\ usos que faz da rua dacid~de? Ou com relação ~:leitura: como o 
. 1, leitor "c~~onês, . que estava, ~costumado,a um .s i.st.eraa de,tran~mi,:ssâo
 
.~ral,ut~hza 'o j orria'l o~ ,a,1magem de TV? , . ',',,' ' , '
 
..»: .Dito de outro' modo, pode haver aí, uma"modificação ~e lexico - em vez 
~ 0/ de se ter uma praça de aldeia, tem-se uma rua de Sao Paulo ou .de 
~ Paris - maS permanece intacta a questão da .prática dada a esse espaço • 
. ? O VOcl;lb;'ü'ario pode mudar; sera que a pratica muda? E a quais regras,
~~' .
" a quais leis, e e.· se , trata~ de analisar aquilo
' 
que 
~ eu chamar.ia de I orfolo ia'da râtic r a (lo ica da a a~ Hã uma
 
G~ ' ',expressao' francesa, CU] a xat a ,desconheço, quediz "11 faut
 
- 'Ií savoir faire avec", quer dizer, tendo-se um certo tipo 'de alimento,
 
. J( um certo tip9 de alojamento" torna-se preciso saber como utilizá-lo,
 
id~ se "vir a r" -com ele. Eis' uma questão- que diz respeito ã prática. E o
 
~ ~ problema se torna analisar, ou poder analisar, as práticas cotidia~
 
\ -----jy en uanto umanô iád'de praticas, como uma rede de operaçoes cuj a
 
formalizac;.ão po e 8er'anal~sad? ','
 
Vere~os ,'que ~~itó''f~eqUe~t'~m~Tite'eS'~éi.sJ;~?ticas se parecem com aqui.I.o 
'que, numa" tradíção ,IDúito ant í.ga , chamamos de caça furtiva, ou sej a, 
aquela atividade do caçador em floresta alheia. Ele ca~a ~ lebre ou 
os pássaros ilicitamente, isto ê, em um lugar do qual TIao e o dono. ._,\,"V 
Penso ,que a maioria' das práticas do cotidíano sao prat~cas e ~I'--, ~ll.(
(furtividade. lato quer dizer que em um esp~o que não nos pertence - ,~V~v !~' 
> a rua, ,o ,edifício, o "lugar de trabalho - agimos sorrateiramente, j "'Y,0;)vu;' , 
{tentambs tirar vantagem, por meio de práticas muito sut_is. nnri t o ./.V \ I ', J {Y
1 disfarçadas, de um lugar do qualn-;o somos proprie~~ \,D.J\.~\!Q)VV ' 
~ \ 
Penso que o'-meamo. ocorre em relaçao; por exemplo, ã imagem da 
televisão. O'telespectador passeia dentro da'imagem como o caçador 
furtivo .. passeia dentro do bosque, da .floresta, do proprietário. Ele 
caça 'algo, que ; justamente, ignoramos. Post;o de outra forma, este 
5 
ii 
guilh
Nota
ºMorfologia da prática" ou lógica da ação
guilh
Realce
guilh
Realce
guilh
Nota
º Práticas cotidianas como práticas furtivas ou sutis
guilh
Realce
~
segundo elemento dentro da problemática, a questao ào agente das4 \\
 
praticas., e tambem a quesTão do consumidor.
 
Sabemos que o problema do consumo e um'problema muito difícil e, no 
fundo, freqUentemente negligenciado, pois ocorre que o essencial das ~. ~ 
pesquisas de ripo econâmico ou social entra pelo lado da produção. ;~ r:i~ r 
Acrescentaria que não se deve dizer da produção mas, sim, de uma ~~~~~~~ B~ , 
produçao, a. saber, a do fabricante da c i dade ou dos obJ'etos ,I_JÁ) ln?,,!(j[)Y'J'..J.v'Y' V' ' , jflY'r' 
~~~~2~S edJ.f~cio~tc•.J Todavia,. do l'ado do consumidor a J2~ ...v
 
tambeI;ll ha uma produ ao: ele transforma o espa o que lhe ê imposto. r -ter
 
Quan o um fregues va~ ao supermerc~, o taro em e um caça or, urt1VO: ele '
 
birc~la, ele caça, el~ f~z 'uma produção, muito embora invisível, que
 
hao e 'marcada pela criaçao de novos produtos; ele se serve de um
 
~êxico imposto p ar a produzir algo que lhe sej a p:::-õprio. Desse ponto
 
~ e vista, a questao e a do consumidor enquanto criador, enquanto
jprodutor ou enquanto ~atiçante.
 
Trata-se de uma questao muito importante e que a antropologia já
 
analisou; Tomo apenas um exemplo. Sabemo~ que ultimamente foram
 
feitos alguns estudos relativos ãsreações dos índios do Mexico ã
 
ocupação, no .s e cuLo XVI e mais t arde., pelos conquistadores e
 
missionarios espanhõis, que lhes impuseram seu código jurídico, sua
 
representação católica, seu rito, etc. E pouco a pouco se tem
 
descoberto que esses índios dominados - (eles não podiam resistir) ­
transformaram secretamente o que lhes fora imposto atraves do modo
 
como disso se serviram: iam ã igreja mas continuavam a ter suas
 
preocupações prõprias, seus'ritos antigos, suas convicções anteriores,
 
no interior' do' domínio imposto 'pelo, s i.s t.ema de co Lorri.zaçao ' espanhola. '
 
D'í.go qu'e 'esses 'índios eram revolucionarias'.. enquanto <:,onsumídores •
 
Lembremo-nos dessa escola muito celebre, nascida no Brasil por volta 
de 1922-1923, chamada Escola Antropofâgica e cujo tema era "recebemos 
muita coisi do Ocidente mas, como antropófagos, fazemos delas nosso 
p ropr i o corpo". O que significa qtre-:o carate r estrangeiro dos 
materiais semânticos, culturais, políticos, não impedi~uma revolução 
em 'termos, uma assimilação, a qual, no fundo, constituía consumo. Eu 
diria que tambem as praticas cotidfanas são, no fundo, antropofagi~ 
Mas trata-se de' uma antropofagia nao ritualizada, nao visível, e que 
obriga a que s~perc~ba que o essencial nao e,aquilo que o praticante 
come, atravessa ou ve, mas s~~ue ele faz daq~il2-gue com~~ vê ou 
atravessa. Ou ,seja, á questao essencial e aquilo que ele fabrica com 
a imagem de TV, com os utens.ílios eletrodomêsticos, com a rua que 
cruza, etc. Deste ponto. d'e. 'vista. á, quest;'o,das ,'uráÜcas"cotidiànas e 
.u..ma, valorizaç;io ,e'uma~t'entativade'.infe:çe'~.rQ dessá. antropof,agi~..i. 
pJ;atic~l.g..consumi9.s>r q,ue no.)?rôprio ato.,;. do C?~Su.!D-O utiitfuª!a ' ,\ 1,1, ~ 
f~~ pr,õprios ..!;UllB,norrna que l~e e ~à:e,~te ,~m~~" UI)­
Em ultimo lugar dentr~esses prolegomenos, eu-frlr~a que esta 
perspectiva visa restaurar três elementos que me parecem fundamentais 
nas ~raticas cotidianas, ou~m triplo aspecto de~as'praticas, a 
sàber:~m caráter ,estetico,~m carater etico e u~carater polêmico. 
Um carater estet1co na medida em que se trata de uma arte de fazer. A 
boa maneira de utilizar o práverbio e' coisa apreciada pelo espectador 
e pelo Lnt'e r Locutor ; a boa maneira 'de contar uma estõria, uma lenda 
tradicional, e um "goIp e'", E na maneira--de s~ utiliz~r.a rua, o 
espaço do habitat, pode-se encontrar esse carater estet1co das 
6 
guilh
Realce
guilh
Nota
º O agente das práticas como consumidor
guilh
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Realce
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Realce
guilh
Nota
º O triplo aspecto das práticas cotidianas (como arte do fazer): Estérico, ético e polêmico
guilh
Nota
+ caráter estético
guilh
Realce
guilh
Realce
golpe???
praticas cotidianas. Portanto, desse,ponto de vistà ~ diria 
que a questao de base e aquela do estilo. Sabemos que ha uma 
expressividade extraordinária num cafe, numa rua, numa conversa, nas 
praticas do habitat - uma expressividade extraordinária no que diz 
respeito ao es til,? e à apreci.a<ião do estilo. • 
O que e o estilo? Trata-se de uma questão muito difícil de se 
analisar ao nível literârio. Contudo, o estilo consiste 
fundamentalmente em uma maneira ·de. utilizar, .de. manej ar, uma ordem 
lingUística imposta. Isto quer dizer que o.estilo é certamente um 
modo específico de pôr em pratica uma ordem lingUística, um sistema 
lingUístico imposto a todos. E'desse ângulo o problema das praticas 
cotidianas constitui um problemã estético. 
Note-se que não quero analisar as praticas. cotidianas apenas enquanto 
elementos de informação sobre á vida social e econômica das pessoas. 
Trata-se também de uma arte, justamente uma arte que tem como 
característica ser fundamentalmente uma a~ de fazer. Isto e, que 
não. se traduz num discurso mas sim em um{~ 
Podemos tomar um exemplo. Quando uma dona-de-casa ou um pa1 de 
família vai ao supermercado e considera alguns elementos 
extraordinariamente complexos - como aquilo que j a existe em casa na 
geladeira, as pessoas convidadas e seus gostos, o desejo de lhes 
oferecer determinado prato, o que encontra no supermercado, o que é 
mais c~ro, o que ~_menos caro ou, ao contrario, as eventuais ofertas, 
repensando o que fazer com aquilo que ja tem na geladeira ou em 
relação.às pessoas que virão - sua decisão que envolve elementos .. 
inumeráveis ,tão 'complexós:qu:anto .:osde um computador, constitui' a 
-.	 síntese entre essas diferenças, 'coristftuí um "go~pe". Essa' síntese, 
entretanto, não tem forma discursiva, n-ªo:ê como uma t eorí.a , um 
discurso teórico' que integra elementos multlplos, maS sim um ato 
sintetizador,que esta ligado a uma, conjuntura, a um ins~ante.S~e_ 
erra o'instante, tem-se que começar tudo de·novo. E o carater 
estético prende-.se justamente ao fato de que a multiplicidade de 
elementos deve ser reunida em um instante que é aquele da ocasiao. ~ 
àí que se efetiva uma estética. 
Podemos agora, retomar os elementos lexicos. Por exemplo, vi ontem no 
Centro'de Lazer do SESC essa exposição "Brasil Maior" sobre o design 
brasileiro, com todos esses pequenos objetos criados em relação à uma. 
'conjuntura, em. relação a uma necessidade. E o que é pre~so tentar 
restaurar a partir dos objetos e a arte dos que os const~íram. 
Podemos ver icomo há uma série' de ID:~todos'po'ssíveis .para rec.upe·rar· no 
~bJeto ajnarca jíe sua ~tÚ:i.·zi3.ção.··.·S<;bemQsque··em um ·obJeto podemos 
identifi'car .: e isto é emocionalmente - a marca das m:iios. Os 
utensílios são remodelados pela mão ·que deles se serviu, ou pelo pé, 
etc. Direi que essa marca da m~o ê como. a marca·do locutor sobre o 
texto de-u~ conto gravado. E que ê preciso tentar recuperar a 
atividade estética dó locutor, ou do utilizador', nos' objetos de que se 
serviu. Quer dizer, trata-se nao de alienar-o agente nesses objetos 
mas, ao contrârio,- ~e fazer da analise desses obj etos algo que 
reconduza às operaçoes com eles r·eali.zadas.. 
Um se undo aspecto, tambemessencial, é ~etico As prat1cas 
cotidianas constituem uma maneira' de' o aBente se recusar a ser 
identificado ~ ordem .tal como ela se impoe. Porque, de toda a forma, 
7
 
guilh
Realce
guilh
Realce
guilh
Realce
guilh
Realce
guilh
Nota
+ O caráter ético
guilh
Realce
hã uma ordem que nao pode ser mudad a., Eu diria que ex.:í.ste aí um
 
aspecto etico na medida em que não se obedeceu ~ lei dos fatos. Creio
 
que isso ê essencialmente etico. O etico e a recusaã identificação
 
com a ordem .2u com a .lei. dos fatos. t o abrir de um. espaço. Um
 
espaço que nao e fundado sohre a realidade existente mas sobre uma
 
vontade de cridr alguma coisa. Assim, na multiplicidade dessas
 
práticas cotidianas~ dessas práticas. trànsformadoras da ordem imposta,
 
há constantemente um elemento etico. Isto i, uma vontade histórica de
 
existir. O que tambem deve ser restau~ado como ~ea~idade histórica
 
das práticas cotidianas. .
 
E, enfim, eu diria que há o terceir~ as ectoPen~oque a
 
cultura e fundamentalmente umá polemologia e que mUltas vezes
 
estivemos, enquanto sociólogos ou antropólogos, ~lienados por uma
 
perspectiva de observação que consiste em considerar uma sociedade
 
diferente, um bairro, um subúrbio, como um objeto que constitui um
 
sistema;' Isso faz esquecer que todas essas praticas cotidianas são
 
defesas para a vida. E que todas as praticas cotidianas se insére-vem
 
cçmo intervençoes em um conflítO~permanente, em uma reração-de força.
i\ E quanto maas fraco s0~_E,1ais se deve ser maI12los0. Ou se~­
jquanto mais fraco se e, mais necessário se torna ser inteligente. 
JEsta inteli~ência esta, porem, ligada às relações de forga. Constituil
I
'\t~ma concepçao insignificante da cultura supor qu: ela seja isolavel da 
i luta, da guerra. Ha uma guerra que envolve tambem um gozo porque o 
~ 1i"specto esteticoe um gozo, como e gozo dar um bom "golpe". Não ha 
uma antinomia entre o aspectoestetico e o polêmico. É preciso saber 
dar bons golpes e sabemos muito bem que numa estrategia há tambem uma 
\eleg:9:ncia.:que.e, ao..me~m~ ~empo, u~~.m~nei~ade de.~f!ute r.a~ios{).: .' J;1,~ w~;b 
O mesmo' ~corre com as 'pratlcas cotldlanas. Elas sao essencialmente \- I _ .'f91~~: 
u~a manelra de lutar contrao.mai~for~ para p contornar, par~> J ~ ~f . 
utilizar. E desse ponto de vlsta a analise das praticas cotldlanas; a ~ . 
. analise ~esses agentes que são os consumidores, conduz ao. abandono de 
uma concepção que favorece'a inercia dos sistemas organizados por 
observadores. Veremos que a lógica dessas praticas cotidianas 
r~úne-se ã essa lógica, ja no tempo dos gregos julgada tão suspeita, 
que chamamos de sofismas. A máxima essencial dos sofistas, lembrada 
por Aristóteles, era a de transformar uma posição fraca em uma posição 
.forte, ~ isto por meio de disfarces, utilizando a conjuntura. ~ 
diria ue esse as ecto olêmico constitui se re uma arte de essoas 
fracas tendo em vista· reencontrar, atraves da utiliza ão das for as 
: existentes. um J.:I!~:LQ..,.A~~. defender ante uma pogçao mais forte. 
I.. . '.' ' _ .,., .. , . _. ,....' .' '
 
'Dentro :dessa p er sp ec t i.va ,'. nao me vcoLoco ,a ques t ao de saber se estas.'
 
praticas de: c on sumo são', co Ie t í.vas ou ',ih4ividual.s-;~~omO··psicarialista,
 
ou de um ponto de vista filosófico, nã;.~_r<:i_()_..§.~ert~nentea '
 
d~feren_ a entr~ o individual e o coletivo~ss~ncialmeú:e ~o~e-s~
 M~~~izer que nao .ha, nao ode aver, prat.lcas estrlt?IDente lndl.Vlduals. 
frv-cL; V"\~
Isto não existe. FOl, Ja sabemos, a reação e reu con ra eoeau õü
 
con ra outros, lzer que não hã diferença científica possível entre
 
uma psicologia individual e uma psicologia coletiva. _Deste ponto de
 
vista, não me coloc~ a questão de se estas praticas sao in~ividuais ou
 
coletivas. É preciso, antes, analisa-las enquanto operaçoes, algumas
 
das 'quais milenares, que são reêlÍcontradas em campos muito díferentes,
 
sendo necessario sair dessa problematica que eu chamaria burguesa e
 
individual ou individualista que supõe antes de tudo, ou melhor, que
 
8 
guilh
Realce
guilh
Realce
guilh
Realce
guilh
Nota
+ Caráter polêmico
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-, 
se coloca antes de tudo, o problema da criatividade pessoal. É melhor 
pensa-las como man i.f e staç ao de t at í.cas ou estratégias e verificar 
ulteriormente. se algumas delas se encontram mais reunidas em 
determinado lugar e outras em outros locais, se são mais específicas 
de determinado meio ou de determinada conjuntura na qual algum 
indivíduo se encontra. E talvez o problema essencial para n6s nao 
seja discutir a pertinência dessa diferenç& entre o individual e o 
coletivo. . 
@Uma segunda parte gue desej aria focalizar diz respeito ao que chamarei í!~ de conjuntura de pesquisas ou de problematica contemporânea. 
Nesse pequeno. livro a que se "referiu Luc~o Grinover, A Invenção do.) 
Cotidiano, procuro analisar simultaneamenre a história etnológica eJ 
filosófica das teorias relativas .as prat í.cas cor í.ci anas . Sabemos queí 
para todas as teorias é sempre muito difícil esse tipo de problema de 
fronteiras, que é o de atribuir um estatuto as praticas cotidianas. 
Já nos seculos XVII e XVIII, para a Enciclopédia, encontramos muita 
pesquisa a respeito. Paradpxalmente talvez, uma das melhores analises 
encontradas na tradiçãofilosêfica seja a de Kant,-3ue comparava as . 
prati~as ·cotidianas ao malabarismo de andar no arame. Trata-se 
i~s~.~IE~~te ª~_~e:n~~C?~g!-1ilíbrio'gue constitui uma ficçao de---"" 
es.tabilidade. ja que múltiplas operaçoes tornam-se necessarias para 
manter e para produzir o eguilíbrio sobre o arame. 
Deixo, porem, de lado essa tradição e gostaria de focalizar apenas e 
muito rapidamente alguns aspectos da problematica contemporânea na 
França ou nos Estados Unidos, desenvolvida .depois d os vtr ab al.ho s -Ó, 
pioneiros de Henr í, Lef ebvr.e ; que tódos n'ós conhec emo s mudt o bem. 'Uma 
.p	 questão" interessante, que ê exe.t arnen t e a rà~ão de nosso' colóquio, 
seria o confronto p os s i.ve L com as pesquisas feitas. no Brasil, com. 
~ ':!-?~) forç~samenEe os trabalhos_de Gilberto Velho. e muitos o~tros, ou Com
J i."(;- inv,es·tigaçoes feitas no Mexico, orid e trabalhei nestes ultimas anos.~ 
o .'-!....-. Poderia dizer, inicialmente, que em certas disciplinas a questão das 
rr <.. ~/ praticas cotidianas tornou-se decisiva de forma bem mais marcada do 
«> -·.~~.~:.-.9y_~._e_~__.~l,l_~I~~.' __.J.~~9~apenas dois casos muito significativos. Um 
."...,::'~ ;.j-' , constitui a (etnologia\ sempre mais ou menos interessada 
-c .: "~ (diferenteme~t-e-di,C-ãD:tropologia) nas praticas, nasmaneiras de fazer, 
.t· '/ Y;i na cerâmica, na casa, etc. Há"y:ma d_qf_\l.!1}.~!!..~~çªQ-=-<;...~ideray:g,lJ"~unida . 
J pela etnologia~gue diz re~~eito as Eraticas cotidianas •• ~E.!~~~~E!_~~ 
<. ,(	 ela geralmente foi analisada deslocada de seu contexto d~igem. De 
toda forma, nela.existe Lnf ormaç ao massiva sobre a. ques t ao de icomo . 
désctever.· Umaexperiênciél engraçada. e té.ni:.ai·ler·.uo·ditionãriQ·.a 
descrição :de ··Praticas "cotidianas muito simples.' D'i.ve r t í.r-me , 'por 
exemplo, ao procurar no dicionario relativo a pesca a descrição das 
maneiras de se dar um nó. Quando lemos no. texto "pegue um pouco de 
linha, passe-a para a direita e depois para a esquerda, etc. II não 
compreendemos absolutamente nada. Trata-se de um texto ilegível. O 
L "\1 r'Ero?};er.n~.~.."s_~~~-;_co~~_pO'!.~E.1.9~_.5l~~_~~~er 3....:_.E..:.~~ica~~idia~as, o que, 
1\ \ e questao mUlto lmportante.c= _. 
O segundo setar gue deu importância fundamental às praticas cotidianas 
foi a psicanálise. Nela o que sobressai. nas curas, ou melhor, nas 
analises de caso é que a maneira de se assoar o nariz, ou de se 
,	 ­segurar o trinco da porta, ou de se mexer ~o palet~ t~rna-se 
absolutamente estratégica .para a compreensao do pSlqulsmo. Desse 
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Nota
- Apresentação de trabalhos contemporâneos
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ângulo, há tambe~ gue se retomar a documentação da psicanálise, uma 
vez que fornece a.numeros elementos para soe interpretar gestos 
cotidianos. 
Mas gostaria d~ situar simplesmente três_casos, abreviando-os talvez 
para não me est~nder demais, uma vez que se trata de coisas bastante 
conhecidas. 
O primeiro caso e o de Miçhel Foucault, em particular seu livro Vigiar _e Punir, pub Lí.cado em 1975 (nata de publicação dó original francês. A 
ed1çao Vozes em português e de 1977.), que introduz uma novaj problemática do: poder. Um poder organizado não pelas grandes
/Al instituições .j ur Id í.cas ou políticas mas por conjuntos - tni.cr os ccp cosí 
f0!"J:! do que Fou:au~t chama de. "dispositi:;ros". ou "instrumen~a~s", ou seja,
V pequenas t e crn.cas , mecana smos , maqui.nar-ia , toda ur..a s erae de 
procedimentos que, na realidade reorganizam o poder. E sabemos q~e a 
ideia, a tese (parcialmente discutível~ mas isto não e meu problema 
agora) desse autor e a de que a renovação das instituições jurídicas 
relativas ã pena, ao crime, no fim do seculo XVIII foi - nas suas 
palavras - colonizada, vampirizada, vencida por esses pequenos 
procedimentos que dizem essencialmente -respeito ã maneira de tornar o 
outro visível - o que ele chama de tecnologia panôtica; e, ainda, que 
na realidade as instituições foram todas permeadas por essa tecnologia 
que pouco a pouco reorgan~zou o campo da prisão, da escola, do 
hospital, independentemente das grandes instituições de poder e das 
grandes instituições ideolégicas. Assim, o que Foucault coloca em 
causa e a questão dessas pequenas tecnicas enquanto portadoras de um 
papel-soc~o-:ec-onôm~co _fundaIDen,ta~-~ ­
Bem, Hichel- FOucault faz isto dentro dOe sua perspect i.va que ~ a de uma 
história da disciplina, do _controle. A grande questão para ele e 
saber com~ analisar a vigilância global organizada na sociedade pelas 
ciênciasibumanas e finalmente pela tecnologia. Técnicas de confissão 
organizadas para: estender um novo tipo de poder. Ele deseja sublinhar 
a nova natureza do poder, o poder enquanto (1) contorno das 
instituições; (2) organização do espaço na relação entre aquele que vê 
e aquilo que vê; e (3) gestó não discursivo, não ideologico, gesto
[ mudo do ponto de vista ideológico.	 -
Sabemos que ~ão hã contas a ajustar com Foucault de um ponto de vista 
\t te~ri~o e do ponto de vis~a ~deologi~o. _Ele col~c~ um pr?blema dos 
,f~i ma~s ~ntere~santes A ~eÇ2Q relat~va a sua anal~se ser~a-meramente, 
··y.fj~a de que exa s t em na s.oc~ed,a,de mil out:r:~s dispPl?itivos além do.§ 
/> 'j Ip.;rimitivos, pu seja, --a- de _quI:!" as -soÜ_edadé~: CO.1:ts_tituem_ime~sos_ _ 
~'t ::l reservatórios de dispositivos-o -Mais pertubad ora ê -a ques t ao de saber 
~',~, por que se criam esses dispositivos, em que momento, devido a que 
~	 ­
~	 importância? E podemos dizer que Foucault analisa os dispositivos
 
primitivos exatamente quando-eles param de exercer um papel real na
 
sociedade. Mas isto constitui um outro problema.
 
A segunda obieção seria a de que a multi licidade desses dispositivos 
não e coerente. a não- constitui um s~ste Dito de outra forma: 
não hã monoteLsmo tecnologico. o nLV as práticas cotidianas 
-p~-~tI~àmos o politei'smo. Hã uma_ multiplicidade de deuses, de deuses 
mudos, de atii.ridades muda;. Desse ponto ae.~_vÍtsta e preciso empreender 
.hqj~.-ªia nao ap_~~~s uma hístéria da disciE,lína, como. fez Foucault. "­
mas uma historia da anti-disciplina, estudando justamente quais sao os..... . _. . ... -'. . . .- . 
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•• "_ .-o~-<- '~~~ 
disposit'ivos, as opera<;oes disponívpis para os ag-entes resistirem ao 
"-J 
sistema da ~uper~is~o ou da ?isciplina analisaáa por Foucault. 
Portanto, há nele algo de muito interessante do ponto de vista desses 
procedimentos~ desses gestos~ desS2s práticas e, ao mesmo tempo, a 
possibilidade de se retomar essa questão no campo das práticas 
cotidianas a ~erviço dos agentes e não a serviço áe um poder 
supervisor .. 
O segundo sisteJr.a que lembro, justéIP.ente po; tambem ter uma 
importância' .muito grande em nossa problemática de hoj e 'e o Pierre 
Bourdieu. Sabemos que Bourdieu e um deus de duas cabeças. Tem dois 
rostos. Tem urna metade: de sociologo e outra metade de etnologo. 
Enquanto sociólogo estudou a educação na França e outros sistemas de 
conforroização das práticas. Enquanto etnologo ele estudou na Cabília'- . ,
parte da Argel~a,_a l~ste de Argel, povoada por b2rberes
.'
sedentários; 
ou em Bearn, regiao da França .parte do departamento dos Baixos 
Piríneus ..aquílo.:que chama de Lestratégia. Trata-se de procedimentos 
muito astuciosos, muito sutis, re a lVOS, por exemplo, ã honra ou às 
práticas de honra ou, ainda, ã organização de casa (um dos mais belos 
estudos de Bourdieu e esse sobre a casa cabilense) ou então sobre a 
utilização do tempo na periodicidade, no calendário, ou sobre os 
procedimentos de casamento em Bearn. 
~A q~es~ã~ colocada po: ~ourdieu é ~ da relaçã? que existe entre o 
~soc~ologlco e o atnolog~co. Mas ha desde o l~vro que publicou em 
1972, Esquisse d'une TheoPie de la Practique, ate o .publicado em 1979, 
La.Distinction, toda uma série de trabalhos que dizem respeito muito 
franc?-mente.à prática~ E~ diria. que o .tema geral de Bo~rdieu e -. 
toma~do. otít"ulo'. de :umad~ suas_optas' . aéeproduçao .. :...Dá me.sma j~o~a: 
como o tema d~~chel Foucault e;o da d~sc~pIlna atr~v~s da conflssao, 
o tema geral de P~erre Bourdieu e a repeticao constante. O ponto que' 
me interesse aqur-nao.e o quadro soc~ologico ou ideol~gico das suas 
anáki§es mas antes o .problema que ele coloca, um termo a que ele chama 
de estratégia. E também um estudo famoso aquele que ele denomina 
-, Estrategies rMatrimonial.es dane Le Pays Beax-naie . 
O ponto importante para nós é a análise que ele faz das estratégias 
matrimoniais comparando-as aos iogas de cartas. Num jogo de cartas 
defrontamo~nos com diferentes tipos de problemas. Temos inicialmente 
a questão' que diz respeito aos postulados: se quisermos jogar, temos 
de aceitar um quadro de postulados recebidos. Em- seguida, temos o 
problema das regras. do jogo. E, avançando, como se pode perceber, 
. . . deoo i bl d 11 - 11 d' dpara o.mals.concreto,.temos. epo i.si o pr() .ema ma mao:: , quer. a.zer , . o 
.conj'unto .:'de car t as vque..·$e .r-e cebe a ·cad·a·:d~str{btiíçã~..·.· Pod e-is e .dii~r 
-que 'a relação entre os' postulados', as regras e a "mao" é Uma relaçao 
qu~ foi subanalisada pela antropologia porque podemos considerar cada 
sociedade como equivalente a um jogo de cartas uma vez que há 
postulados gerais, há regras e há uma "mão" p ara cada jogador ou 
membro de grupos dentro dela.Não obstante, o aspecto específico 
colocado por Bourdieu é o que ele chama - numa perspectiva de análise 
qué não é exclusi me sua mas que utiliza de modo muíto 
interessante - de' "go l.pe, • 
Porque em um o o não há sim lesmente os postulados, as regras e a ~
 
"mao", mas ha, também, uma W1§_ira de jo ~e saber como aplicar um
 
"golpe".. E dar o "golpe" é a go -, ':ficavel nemaos postulados
 
geraís, nem às regras, nem à limão", mas que-implica, antes, num tipo
 
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Nota
º A ideia do "golpe" como possibilidade dentro do jogo de relações práticas entre os indivíduos
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-de atuaçao s.obre elementos nao enquadráveis no Lnt e r i'o r do jogo de 
cartas. Podemos, por exemplo, utilizando nosso conhecimento 
psicológico do adversario.lhe contar uma história que ·irá perturbá-lo 
- 1 rlb ri be - zas. - ._ater ou o ter v~ntagens para nossas cartas. O golpe 
consiste, entao, numa utilizaçao da conjuntura no quadro fornecido 
pelos postulaõos, regras e "mao". 
E, não querendo me es t ender sobre es t e ponto,' r es s a I to apenas que 
Bourdieu analisa, em part i.cuLar naquilo, que concerrie as e s t r at àg i as 
específicas de casamento mas tamõém a muitas outras, esses princípios, 
esses postulados implícitos. Por exemplo, na estratégia matrimonial' 
de Bearn um dos postulados implícitos é o da prioridade do homem sobre' 
a mulher. As regras são explícitàs. Por exemplo, em Bearn o dote é 
uma contrapartida que se dá aos caçulas da f ami Lí.a em troca de sua 
renúncia ã terra. 'Para que a terra permaneça indivisa é preciso que o 
caçula não' a receba, dando-se-lhe, porem, uma compensação, que se 
chama dote, havendo também um contradote. Mas isto são regras. E o 
que interessa, essencialmente, é o problema da estratégia que combina 
regra~, que navega entre elas, que se-utiliza delas e, sendo'preciso 
respeitá-~as, delas tira partido tendo em visEa fatos, forças e 
compensaçoes. Por exemplo, existem compensaçoes em questão de 
fecundidade: um pequeno número de filhos pode compensar o fato de se 
haver feito.um mal casamento, etc, 
Temos toda uma·série de estratégias. Eu diria que este e justamente 
um ponto muito interessante - Bourdieu tenta analisar as 
características dessas estratégias em termos dos seus procedimentos 
e s senc i a i.s , .Po r exemp Lo, ,,0. que .ele chama ,de4JoZitetis, isto e, .o_fato 
, de uma mesma .coisa:~6der ter' empregos..extremam~nt,e~ere;n~e~,·< .... 
~varlando suas ro rledades segundo as comblnacoes nas quals ~ 
~ colocada. Nao há .identl a e entre as praticas e os objetos dos quais
frnos s~rvi~o~ ~essas prâtlcas. Ou 'en~aoaquilo que ele c~am~ de 
1) s~bstltútlõllldad::.o fato de uma COlsa' se~ sempre Substl~ul~e~ por 
I, outra: havendo aflnldade entre uma e outra para tal Substltulçao. Ou 
\1 também' aquilo que ele chama de ~u~em!za~ão, ~sto é, a neces:idade de 
;1 se esconde'r o fato' de que as açoes sao contraria.§.., de que ha 
j antlnomlas ou dicotomias na cultura. 
Poderemos retomar alguns des~es elementos mas nao quero'um sistema. 
\7' Parece-me que aí há e.Lemerrt.os mui to importantes, como no caso de 
',y.... , r.,\-,;J Foucault. Colocarei, todavia, algumas restrições. -,.!_ri!.D-eiramente ,. na 
:-(. ';t análise .Que faz daquilo que designa por lIestratégia" Bourdeau 
)~. "éf) ·privi).egia opr~ble~. A.9·-}u~ar" .da~~.erra... ~!".~v:~_!..~~i~,tam!>e.m: 0_ . 
eI. 
:':;-i._.·,problema'da .f-ami.Li.a, ·Ê·o seu, as pecto e t no Lo.gi.co.. 1s5.0 pode ser. 
v~iido para Bearn.ou para aCabilia, onde 'ocorre um problema de 
ç:J identidade, mas creio que ~~.r.!:J.él:çã~.. a ""muit§-s §as práticas ..cot~dianas 
,0.item-se, a~. ?ontrário, um.pr?blema_d:;Ji~=~nao-lu~~l ~.lJ.0Je .~ 
o /Y~_3~uer ~sa ~e co_t,lS~l.tUl.~ de:s]-~~com r:la~ao a estrutura j 
~ famílial..... :=- '. 
Uma segunda objeçao a dirigir a ~our~ieu é a de que para ele, em 
Q última análise, as estratêgi.as nao. sao. exatamente escolhas r-eaas , Nao 
I '::!!J são estra~as realmente. Ele diz que asjes~oas, os s~.féTfõs(fessãs 
~ estrate ias. não sabem o ue fazem. Que s~ tr~.!=a__ de ~ U? t~.o ~ 
';"'~7\)-' ~to~atismo. Aí re~ncontramos O, sociólogo ~ ~ourdie~.. Porque p~ra 
I' e e ha um t ap o de ci.c Lo; tenr-:-se estruturas SOCl.o-econOIDl.cas que dao_
C lugar a um. aprendizado que se registra no habitus - tipo de aquisiçao 
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Nota
+ características dessas relações onde o "golpe" se dá
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conservadora - e que o habi.tus (a aquisição) dã -l.ug a r a pra t i.cas ou a 
estrategias nas quais há disposições praticas que éstarão mais ou 
menos de acordo com as estrutura-s-:kni~c-:i:a-i-s"1'lorqu-e--dtl=rant-a..-,a-.;,-aqll-is_-ÍçãQ 
n~õ~ha-~9~_iç~çãD~~~a_7itL~~~a.. Isto obedece a uma circularidade que 
mantem o privilegio de uma racionalidade que se diria sociológica ou 
sâcio-econâmica. E_~eLlle, justamente, que podemos retomar o 
problema dessas estrategias .~~Pl..}:!~~~ecer a este esquema de . 
circularidade fatal da reproduçao, -contestando em particular a teoria 
do halJit:us, espécie de lugar místico, lugar- opaco-em sua teoria. 
Dentro dess-a perspectiva teríamos. ainda vários trabalhos a comentar. 
Por exemplo, tudo o que se fez em termos de antropologia g~ega, em ­
particular a obra bem conhecida de Detienne e Vernant chamada La Métis 
des Greos. ~e justamente a inteligência prática, disfarçada e 
sutil dos gregos e a tese dGS dois helenistas célebres em toda a parte 
e a de que essa inteligência prãtica atravessa mil anos de história 
sem ser alterada piTas prátlcas políticas, pelas instituições 
ideológicas, existindo nisso uma lógica própria da ação. 
,...-- -~--~-
Podemos, p~ra terminar este pequeno' percurso, focalizar também algumas 
pesquisas amer i canas, em particular aquelas que, segundo a tradição 
oxfordiana da lingUística ou da filosofia desde de Moore ou, 
especialmente, desde de Wittgenstein concernem ao problema central do 
uso da líl1gua*. 
Essa problemãtica é fundamental e podemos perceber seus efeitos, por 
exemplo, em estudos americanos.e 'húngaros, assim como na pragmatica 
dos Países Baixos. Esta concerne· essencialmente à analise do dizer 
~quanto um fazer, e pos su í, algu~s-m"";;del~~ mua t o ln~eressa~tes para o 
estudo das praticãs co t i.d í anas, -na analise do Direi to ~ . Sabemos -que os 
enunciados jurídicos são privilegiados por Austin justamente porque 
visam diretamente uma açâo, devendo ser analisados enquanto ações. 
Propondo um exemplo corriqueiro, quando encontramos nosso vizinho ou 
viz:Lnha ou alguem de casa, e lhe dizemos "como vai?", ou "tudo bem 
hoje?", ou "bom dia!" o enunciado não significa "bom dia" ou "c.omo 
vai". Trata-se de um contrato social, de uma modalidade de contrato 
que consiste em melhorar ou em piorar a relação, ou a desempenhar uma 
pragmat i ca da relação por intermédio do enunciado. ,Aquilo que ~ 
essencial é exatamente o uso que fazemos das palavra~lIb~m-dlã"-enao 
o seu sentido .literal. ----- --
Ternrse encarado os contos populares ou p~ovérbios exatamente dessa 
.perspec.tiva.. PeJl:so,,~ue.hã inúmerasJe~quisas.. americanas no CéUIlpO da 
: ·prairllãtí"c.éi" ·qu.e siO·. muito ír:i.·tere-ss.a:rttes;,. pois ,.:trat·am:' d.a;tõg"íc::adessas 
Er~ticas de Essa 'íõgiCã1or~ece'varí_os:mõdeIo'~1i-!!$.1!.ê-J~eJA~ 'muiYo---""~ 
significativos d,2 .ponto ~:ri~ta das ~rati~as ~nqu~!~ taí~. Tüôo se 
passa como se as mesmas praticas se estend~ssem tanto no campo da 
linguagem como no das afinidades- sociais: têm-se os mesrno.s, s; 
Desse ponto de vista as pesquisas, por exemplo, de eo~ges le Gof 
sobre o que ele chama de lógica fluLda (furly logic) s~a~~~·~ / 
importantes justamente' porque tratam da linguagem ~dinária. . 
e
consistindo, na .lQgiç--ª....:..dÂ~.:proximaçoes.t~ recurso' a concel.to flUl.dos 
~omo "logo d . s" ou "antes de'l, etc. Da mesma forma, Y_E.esquisa
 
feI=tãpor. o re ..~.E,l.q~etaL~9re os _modelos a que ela. obe~ce,
 
* Entre este paragrafo e o.próximo houve um-hiatona gravaçao. 
13
 
sobre os procedimentos de polidez .. Ou, ainda, a tradição americana da 
etnografia do falar com Bomane, Scalz~re e muitos outros. 
um s e t or que devemos reter nessas elaborações americanas porque, 
acredito, nos fornece modelos precisos de análise, é a escola chamada 
de etnometodologia, fundada por. Garfinkel e tamõém representada por
: I/ Sachs (mas não ê este que aqui está), Scheilof, etc. Ela tenta 
-;	 analisar; graças ao e s.t.udo de conversas mui to curtas, como o e.spaço e 
articulado por linguagens. Ou, dito de outra forma; tenta analisar a 
organização prática do espaço' socíal, por 'meio ·de um trabalho "'-­
/ l~Jgttístíco acerca da determinação do lugar em uma convers~ e, 
~\,' considerando tudo que diz respeito a designação tanto de .lugares reais 
(como "tal praça", "tal localidade") como de lugares s í.mb l co s (comoó í 
"em casa de Luísa", "de Maria", etc.), Temos, por exemplo, o trabalho 
feito por Scheilof.sobre aquilo que ele chama de lIpr e l i mi nari e s " , Uma 
conversa ou um encontro prático e analisado, por ele como um tipo de 
trabalho de aproximação, de compatibilização, -en t r e os preliminares ou' 
postulados de cada um. Se o conteúdo é, de fato, essa..aproximação 
entre os postulados diferentes de cada interlocutor. Para a pratica 
esse é um problema muito importante. Trata-se de analisar o trabalho 
feito sobre a linguagem para criar uma cena comum, uma cena de 
comunicação, um espaço de palavra, espaço este que é um espaço de 
prática. Como diz Scheilof: make room (criar espaço) para a troca. O 
conteúdo da conversa torna-se, desse ponto de vista, a metafora desse 
'"trabalho de compatibilização."­ . 
Há outr0s exemplos como, particularmente, os trabalhos feitos em' 
Cambridge pelo ,Centre for Contemporary Cultural Studies, centro muito 
'importante' atuálrnente na LngLat é r r a , 'dirigido por Stuart'RolLE 
,muitos outros, "Ou/poroutio Lado ç ipoder i amos d'i.scuti r unia série de: 
pesquisas arquitetônicas como as feitas pelo grupo, a~ericano chamado 
Site para constituir a cidade como algo praticável pelos habitantes. 
Ner.anpd.se obedeceu mais ã problemática funcionalista, das funções 
distintas, como no càso "aqui fica o mercado, ali a habitação, acolá o 
comercio ou a universidade, etc.", mas, ao contrario, aquela 
,organização da cidade tendo em vista sua utilização múltipla pelos 
habitantes. Ou, ainda, as pesquisas feitas pelo pintor-arquiteto 
americano Harrison, que tenta transformar Baltimore visando a 
constituição aa cidade em paisagem da qual cada habitante sera o 
píntor ou escultor. Assim, poderíamos 'retomar qualquer um desses 
exemplos. 
Gostaria de ~erm~nar rapidamente por uma terceira parte que elaborah, . recursos. coIlceituaispara ~Llláli:~e".(fa:s.. prãt:ic,ascotidi,~nai>', ,.'.
/1) I JO primeiro registro teorico e 'prático para an'alisár essas condutas ct. 
;' s ; i Icot í.d.í anas concerne às teorias atuais d~(é!iunc-z.-ªª~o ryeech act: (:~to 
i i i de falar) Um se undomodelo concerne a dif~rença que esta~elecerel. 
fi; entre at a e estrat~ m terceiro concerne ã utilizaçao que se 
I I J ' pode fazer hoj e d retonca c, a análise da r at í.cas cotidianas. E o
i ! J I quarto concerne à problematica da memor:-z.-· ois existem, do meu ponto 
1 I/\ de vista, relaçõ:s formais fundamentais entre a memori~ e aquilo. que 
dissemos agora ha pouco acerca do golpe: dar um. golpe e uma manel.ra de
I
i 1 
I I mobilizar a memória. E' o golpe constitui um tipo de modelo geral que 
.J 1 tamb-.em serve para' a análise das práticas cotidianas. 
~ ~ 1 
No que díz respeito à enunciaçao, ao speech act, à efetivação da 
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Nota
- Alguns modelos de análise
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Nota
º Enunciação
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linguagem por um ato de fala, pelo speaking, a que s t ao nao mais se 
prende ã língua enquanto. sistema mas, justamente, a'uma pratica da 
linguagem. A perspectiva é a das operações feitas pelo orado'r', a 
qual, penso, oferece hip6tese~ interessantes do ponto de vista das 
operações usualmente realizadas por um agente da cidade ou do campo, 
etc. Dentro c~ssa perspectiva ha três ou· quatro elementos de oase que 
me arecem_muito iro tantes. O primeiro é o.de que ~ ato de falar é~ 
efetivaçao da l!ngua. Esta s; se torna r~al no ato de falar. A ~ 
llngua enquanto. tal não .existe. 'É a maneira de inverter ~ 
problematica de Saussure_que, por razões perfeitamente legítimas,­
isolou, eliminou a questao do ato de falar, para empreender a 
organização da língua. Penso_'que hoje, intennediando todos esses 
estud~s lingUísticos, ~odemos fazer a abordagem inversa e, recolocar j"LJ ~ 
questao do speech (da fala), do 8~aking (do falar) em primeiro plano, , 
u~a vez que só nesse ato a.língua ê real. Isto ê essencial. QVjQ ~ 
Poderíamos dizer que a ruasõ ê real no ato de andar. O e;paço do Yh­
aparta~ent2 s~ é real ~o ato de habitar. E que ~es~e P?nto de vista e ri ~
 
a efetlvaçao que organlza.' Por exemplo, t~nto dlstlngulr uma .
 
~oblemãt;Ga de ~ar - senQo o lugar igual ã lingua - enquanto tipo'
 
dt geometrização urbanjLstica ou argul~etural do espaço e, de outra
 
parte, o espaço enquanto~to de praticas do lugar, ou seja, o speech
 
act do lugar. 
~t~. -__,:~ ',> .: 
I . 
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Nota
º Tática e estratégia
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" lugar proprio', susceptível de ser circunscrito e de se·r a "base de uma "
 
;'disti.!!Ça.Q frente !!. uma exteriori.dader Torno um exemplo simples:-:- =----'"- -'
 
D8bservem que hoje todas as teCÍriaS=de management (gerenciamento) ao se
 
propor a racionalizar uma empresa, começam por tentar isolar um lugar 
de decisão e àe poder em relação a uma.exterioridade, tendo em vista 
calcular as rciações de for~a entre o lugar de decisão e poder e seu 
I
eruri.ronment: (meio ambiente), sua exterióriàade. Este é o princípi.o	 .,J-<-­
_	 í~/l,",~ 'l
essencial da estratégia. Ela é def.inida pela posse de um . lugar . Y'.ft- í J.M ~­
prõprioo< . Apropria cienc~ ,se const,ituiu,. deste -o seculo XVI, como~ ~).2r7 _;;'-v"'o­
. estratêgia. Definida pela propriedade, supõe, por exemplo, uma jJ-. r"l, )",C1-'v­
vitoria do lugar sobre o tempo, o privilegio do lugar em relação ao ~'~'~.,/~S 
tempq, Se temos um lugar prõprio podemos capitalizar o passado e ~'1	 
jv­prever o fUEuro. Tornamo-nos menos dependentes do tempo. É uma
 
capitalizaçao sobre uma base própria que permite resistir mais às
 
metamorfoses do tempo, Da mesma forma, uma estratégia supõe uma
 
prática õtica ou panõtica de previsao ou de visão do passado.
 
f 
A estratégia é, então, em essencia
 
"p.roprio". E distinguirei as
 'J ausência de um lugar pró rio., hamare~ de tat~ca a çao calculada ou
 
~ a man~pu açao de relaçoes de força quando nao se tem algum lIpropriolJ,
 
~ ou melhor, quando não se tem um lugar próprio e, portanto, quando 
~_r ~ estamo~,.conforme já apontou Clausewitz a prop6 ito. as tâticas e 
1'\ '\ ' es t r ateg i.as , dentro do cam o o outro ou locatar~o, estou na rua 
, impos~ por uma o em da sociedade política municipal ou federal,
 
estou num apartamento que não crie~ do qual não sou proprietário.
 
in ~stou no interior de um campo definido pelo outro e é em função da
 
Ij
I	 
3
(d ausência: desse ··lugar, ~J;"óprio '.que, calc,ulo a.. re~a9a6~ de: ·.f.or:ça.:. Em '.' . "ÁiC0
 
,~ (/':" outras pal.avrasj p~ra retomar ··a ~mag:m que t~l~ze~ agor.a"ha ·pou,co· _
 ~O ))1f
j i trata-se da situa ao do caçador furt~vo. Ele nao esta em cas ~ r_~,~
 
; ; vontade" ~as sim numa pps_~ a? de ~fr,éi. ueza no int=rio: de uma ~rde;- _ (..&1' ­
j ,i~postae, ~ pelo fa:o,dessa s~tua ao que sua opera~o tatic~, ~
 
:::. .d~fer~te da estrate l.c:a. -E e nao tem um lugar au o ~­
~as r eLaçoe s -deforça. O que implica toda uma seriede f atos e'i em
 
particular, retomando as palavras que sublinhei ao tratar da
 
estratégia, aquilo que e essencial no caso da tática é,
 
simultaneamente, a dependência em relaçao ao tempo e um uso muito
 
'mais sutil do meSmo. Porque na tâtica damos golpes, ~proveitamos
 
con'unturas as circunstâncias ara dar o 01 e. A tatica e ma~
 
deendente do té mas simultaneamente, ela e melhor utilizadora do
 
." moment o do mento certo, do momento de dar um golpe.
~.~ ~ ." -­
...:;' .;.1 Poderíamos' r~t: ·'r. ,algumas ,hípõ,teses t)os"i:i".ívei·s den.tr o dessa.' .
 
~. (" 'persp~ctiva; :.J>fu.!?", s i.mpLe'sment.e..pàra."t;:e~i.n~r ~ errt r.o nos dois vitimos
 
- ,J'·... !;modelos. o terceiro modelo, concernente ã retórica, e um pouco
 
,~';"?0~dox~mas, do .meu ponto de vista, e essencial. 
;..::t\ O que é a retórica fundamentalmente? f um uso do discurso para mudar
 
~,.:,'~ a vontade dOiout-ro. t:, portanto, uma utilizaç;'o pragmática da l~
 
_./'; -(}-em funçào das relaç~es de força. Sabemos que houve na elaboraçao da
'_v-.' retórica uma análise cada vez mais sutil de di:ferentes maneiras de s e
 
~~. utilizar a língua relativamente a essas relaçoes de força. Por
 
exemplo, a metonímia, a metáfora, a sfnêdoque, et:., são dif:rentes
 
~	 tipos, diferentes modelos, de operaçoes em uma l~ngua relat~vos a
 
relações ,de força. Desse ponto de vista podemos considerar que_Freud
 
constitui a volta ã retórica. Nos sonhos, em todas as operaçoes
 
16 
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Nota
º Retórica
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psicanalíticas - justamente relações de força -, ele. restaurou a 
pertinência da retórica. Desse ponto de vísta, sabemos que a clencia 
dos sonhos constitui exatamente uma revalorização de certas figuras da 
__~~tõríca mas nao e~...9.uanto estas. concernem a <?rnarnenta~ão da língua, 
nem enquanto tornam-se decisivas como operações, corno praticas, corno 
fo:rmas operacionais z., Por exemplo, penso que hoj e tentei aplicar isto 
aos usos do espaço urbano. Podemos retomar' certas figuras da retórica 
pensando-as como uma forma de OEeraç~o e ,nos, perguntando se hã 
praticas cotidianas que são do tipo metonímico', ou sinedot:lêOõu 
-metafórico, etc., consistindo isso num instrumento muito rico.' 
Creio que esse procedimento pode.serv1.r muito ã renovaçãO da retórica. 
Como, por exemplo,na Belgica, faz hoje o grupo dirigido por Philippe 
Dubois e fizeram outras pesquisas que sucederam ao período perelmaine,' 
também com certo papel dentro dessa perspectiva. 'Podemos, por outro­
lado, tentar r~ncontrar na retórica um campo de modalidades 
o erac~onais ara as rela ~es de interesseessoal e tambem ara as
 
pJtexa.ç.o ',' tlCO'-: da mesma forma corno uma figura
 
~de retórica é uma operação feita no interior do sistema lingUístico,
 
podemos dizer que as práticas cotidianas constituem diferentes tipos 
de operaçao no interior de um sistema urbanístico, de um sistema 
econômico,' etc., havendo, portanto, certo paralelismo entre ambas;!
l
IPois essas praticas são, igualmente, manipulações, maneiras de
 
jutilização da língua, do sistema, perante as relações de força,
 
u t i l i z ando- a s para contornar o lexico existente, dos objetos, dos
 
lugares, dos lugares de uma sociedade, dos lugares de uma cidade, etc. 
O ultimo elemento que desejaria, enfim, sublinhar e. um modelo mais 
,gl~bal talvez"niais rlifícif de' se'<ana'l í.s ar,' "que diz.resp~ito'ãs"" 
, a oe's 'e~tre ._3:.~~JP.or.:ia _~, a' ,ao ,'Gostar'iacle', tomar' como exemplo 
aquilo que c amamos e 1.mp ovisa alT. Sabemos que a improvisação 
constitui o contrario da esp_ ,1dade. Um pianista improvisa quando 
conhece,perfeitamente o c§digo musical .. Da mesma forma ~ improvisação' 
na vida'cotidiana pressupoe um conhecimento· extraordinariamente sutil 
~os: códigos. E, em conseqUêpcia, uma memorizaçao de alguns elementos. 
Não'obstante, esses díferentes elementos sao mobilizáveis ~ 
r~latívamente a um instante que chamamos de ocas,ião. Porque a' ocasião 
não existe por si mesma. A ocasiao ê~aquilo gu= e-criad~: e c~locar a 
11 m~mõria em ,relaç.ão com o instante. Nos~fazemos fis oc.~sio~,~: nao as 
recebemos mesmo que, objetivamente, o .mercado ou o supermercado nao 
cessem de nos dizer que oferecem ocasiões espetaculares. A .ocasião e, 
na realidªde~ um golpe~ Creio ser muito interessante anaíisar as ­
relações exi.st.en t e.s 'entr.e à c ompet.en c.i.a ~ornecid,a pela memória e esta .: 
espécie de jogo de' .guer r a ,de,guér;i::-a-re:l-?nlpago que repres.enta:á." 
criaçãoda'.ocasião. 'E que se "trata de algo .que e obj e t ivado sobre o . 
modo de um texto .. Falo da dona-de-casa que e uma artista 
absolutamente extraordinária circulando em um 'supermercado. Observei 
muitas vezes, cheguei mesmo a me divertir comparando, na Califórnia, a 
situação dos homens e das mulheres no supermercado. Eu faço como os 
,homens: chego com uma folha de papel onde marco o que sinto falta. 
Esta é uma maneira selvagem, brutal de fazer compras. Por outro lado, 
, temos uma competência circuns.crit~ ao mundo feminino - não havendo, 
. razão para se supor que seja particularmente feminino, tratando-se, 
penso de um fenômeno sócio-cultural - que consiste em ~ncarar as' 
ocasi~es os preços' dos obj etos, comparando-os' simultaneamente com o 
que e ne~essãrío para o filho., para o marido (porque cozinhar é gerir 
I 
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Nota
º Improvisação
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o corpo do outro, é um poder sobre o corpo do outro, e fabricar o 
corpo do outro) e,_depois, coro aquilo que há na geladeira, os 
convídados que virao~ os preços, em todos os tipos de combinações 
possiveis, para, entao, dar o golpe por intermedio,dessas relações 
entre a mem9ria e o instante. 
Penso que esse tipo de análise pode fornecer um modelo global também 
no que concerne' às práticas cotidianas com a questão, que podemos' 
discutir, de saber qual e o discurso que' poder emos ter acerca de s s a s 
práticas. Um discurso ~e~rico e prático. F~zer uma descrição é, por 
;xemplo, um problem~ teor~co. Sabemos.que ha estudos hoje sobre o que 
e fazer uma descriçao. 
Desd; que isol~os, que etnologizamos as práticas cotidianas, ainda 
no seculo XVII na França e na Alemanha pesquisas que chamamos de 
"des crí.çao das artes" tentam ver qual tipo de discurso se aplica '. a 
essas práticas. Este problema já é essencial para os enciclopedistas 
franceses, havendo, para Diderot, uma diferença essencial entre a 
chamada geometria dos acadêmicos e a chama~a ~eometria de oficina. A 
capacidade matemática, por exemplo, dos teceloes para fenômenos de 
urdidura era maior que a do d~scurso dos geômetras da academia ou da 
[universidade. Ou seja, o problema e como introduzir em um discurso àl 
LFiqueza, a satisfação extraordinária dessas práticas cotidianas.' J 
Podemos recorrer a toda uma ser~e de lógicas que já existem porque, de 
meu ponto de vista, esta questão das reu.ações entre um ator eas 
circunstâncias são o objeto'de toda uma tradição chinesa, da lógica 
chinesa ou .d a l~gica árabe sobre disfarces ~ ' Já no ,1 CHING há 63, 
, combí.naçoes possrvei's' ent.re ..um agerrt e e circunstândas''ViI,rtáv?,ísT- : 
-(
 
ç.. -	 . . -" _. .."...". ..'
 
'c{ Mas há um ponto sobre o qual gostaria de'insistir ao termi~ar. 
""-5 Trata-7e do~ Penso que estud~~s muito o rela~o -:- de vida, de 
l
 ,._entrev1.stap - como se fosse riece s sar r,o procurar atras dele ...
 • ::>' //estrl,lturà7' ec?nômicas, s oc.i oLcgí cas , das. quaí.s seria o ~ato. ~enso 'c '; ;.l':;' que haverí.a aí.nda uma outra coa.sa amport ant.e : o relato e, em 51, a ',; /-j: teoria das práticas cotidianas de que trata. Porqueconstitui, 
~ ::"'.,6' igualmente, uma prática cotidiana. Ele ê o iinico tipo de texto que é,;., ?'~1 ao. ~e~mo tempo? uma di~ss~o das ~!â~icas co~:i1diana7 e uIna prática. L ~ 
>- " ; cot1d1ana em Sl., Ele propr10 const1tu1 a teor1a daqu1.lo que faz,' ~.
'? J daquilo~e conta. Assim podemos analisar a narratividade comO a 
~~	 teoria possível, o discurso teórico das'práticas cotidianas e a
 
possibilidade de dar um trato científico a inúmeras práticas das quais
 
nãofaleL_'.como, por exemplo"as .a'r t.es__ de se cuidar, a .de habitar, a
 
d'éi~var" a de 'comer; a dei conipr ar , :a::de combater; a <j.e'fà1-ar, ,'etc.,
 
a'Lgumas 'delas'pesquis'adas"nos grupos"médicos'; -., - - ' . - . 
Penso que seria preciso que tivessemos não apenas um aparelho 
técnico-conceituaI para analisar as práticas cotidianas mas também'uma 
elaboração 'sobre os relatos. Se al guêm nos conta o modo de cozinhar 
ou de fazer um cardápio trata-se de um ato a nós destinado, é também 
um speech aet: (uma fala), uma e st r at ég í,a. S'abe~os bem =m nossa 
especialidade que a maior parte do tempo os etnol~gos ~ao engana~os, 
são lIenrolados" pelos assim chamados IIselvagensll que sao bem mais . 
oIDaliciosos, têm uma lucidez mui to mai.o'r acerca. do ato de falar' do. que 
o cientis.ta interlocutor. 
D?í eu crer que tambem deveriamos ter uma eoria da narrati a para 
poder elaborar u~~urSO,3.2Ere aSp!pticas, __~._ ~ara poder 
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Nota
º Relato
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~. '­
elaborar \lm estatuto e normas do. di.scur~o! uma maneira de tratar os 
.materiais existentes sobre as práticas cotidianas nos jornais, nas 
entrevistas. Ou de como analisar um relato. das práticas ·cotidianas. 
E~s uma tarefa tambe:m indi.spensavel numa pesquí.sa sobre as mesmas. 
Peço desculpas por ter me alongado tanto, ma~ tratei apenas de
 
problemas preliminares.
 
........
 
r· .. ·· 
v~ 
".'. .: 
\ 
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Ruy Coelho 
Comentários à palestra de Michel de Certeau 
Senhor de Cer t eau , 'ternos que lhe agradecer sua expos í ao no t àve I queç 
sintetiza tão bem os dados novos. Anotei pontos e me parece que seu
 
metodo muito sólido, muito inteligente, muito astucioso, é uma
 
evidência do métis francês é, portanto, grego.
 
Hã, contudo. problemas que se colocam, talvez ... Trata-se de
 
problemas que surgerr. a propósito' dos cursos que devemos dar, 'das
 
ideias que temos a transmitir aos alunos, e da direção das pesquisas.
 
Creio que estamos inteiramente de acordo. Penso que a atual
 
estrategia de pesquisa cedo colocará sobre o divã o fato de que
 
pesquisamos demais os problemas de estrutura e a estrutura não ~
 
consiste em uma probiemãtica em si. Nós a tomamos como uma coisa \Yit .~- ~ ~
 
evide~te .. quando jl,lstame,?te. ~~rgimen.to." o. nasciIJ.l.ento da ..=.strutllra. c\ ~ô:"I'4Y .
 
"'.h ': 'c.~HU~ o problema muHo J.mport~e.·., ': ':'"	 .) ~ ~ 
Mas, quando o senhor fala de ll~l-'ca do cotidiano seria preciso
 
esmiuçar, talvez, essa noção ~ õgi a. Não se trata da lógica
 
formal; n~o é a lógica que tem' possibilidade de axiomatização.
 
Porque ela é, antes, uma tática de vida éot~diana e não uma
 
estratégia. A estratégia pode, talvez, se consti~uir como a teoria
 
dos jogos. No entanto, as relaç~es entre a vida cotidiana e os
 
grandes sistemas de vida social constituem prublemas que não são
 
faceis. Podemos perceber, grosso modo, a mitologia e todos os seus
 
símbolos, a vida política e todos os seus símbolos, como grandes
 
sistemas que -se organizam segundo as engrenagens mais ou menos
 
susceptíveis de "representação formal. Contudo, não ha o risco de se
 
separar demais esses grandes sistemas daquilo que é vivo a cada
 
instante? .' Não hã liga<;(;es entre esses grandes sistemas oe. a vida,
 
corrente, o's 'problemas do coticH,ano?':: .:
 
'.	 Porque ," por ~~~mp16~'q~ando\ s~nh~~ I ~ia d a jnemo r i a e da 6ca6i~o, 
acho notável essa noção de que a improvisação é o contrário da 
espontaneidade. A espontaneidade não e a base' da improvisação. ­
Sabemos isso pela literatura de cordel, por exemplo. Nas 
improvisaç(;es do nordeste hã fórmulas que reapar~c~m, há toda uma 
disposição de figuras de retórica que retornam sempre. 
Mas, quanto ã memória, gostaria de relembrã-lq da destacada obra de
 
Frances Yates, na Inglaterra, sobre a arte da memória, a qual mostra
 
que durante milênios, durante dois mil anos, houve uma memória baseada
 
em figuras retóricas; que hã um passado histórico que, de certa
 
forma, cria as bases necessárias ã memória, ã própria improvisaçao, o
 
20 
discurso jurídico, todos esses art~I~c~OS para reter um certo 
lugar-comum. Justamente a palavra "Lugar-rcomum" e uma metáfora 
muito precisa. Criaram-se, imaginaram-se, os jardins Com lugares 
delimitados. Então ha toda uma memoria coletiva por trás. E o início 
desses trabalhos sobre a memoria deve-se a Halbwachs:-a memória 
coletiva, os quadros sociais da memória. Portanto, o passado, o 
formal, aquilo que é institucionalizadó in~ide sobre as práticas 
cotidianas t amb em.: 'Então' os elos entre aquilo que é mais 
institucional, mais cristalizado, na vida social e o cotidiano 
'constituem um problema' te6rico e pr~tico de enorme importânci~ o 
qual, creio, devera reter nossa atençao. 
~ E hã, subjacentemente, ainda um~ questão, que se coloca para mim ao 
;:-" ~,nível da pesquisa: na vida coletiva devemos penetrar na linguagem do 
;y,~ ,,~-:,:": coti~iano : Lsso .i_~_~~~ diÉ~'c-~· Por~~e ~o cot~diano fazem-se 
~ ~~[' ~alusoes; ha o problema d~~X1S~ do de~ctlco; ha o problema do 
~ c ~r;<l hip?corisma, as~pessoas qu~~onh~cidas por ape l.í.d os ; por fim, uma 
'c{ ~-~' soc~edad~ homoge~ea ~ relatlvamente :solada empregara :es~ungos para 
,;- "" ,/ se comum c ar . Irí.go xs t o de uma manei.ra um pouco humo r i s t i.ca , mas ••. 
-ç ::'c':'~ Quando, por exemplo, fiz minha pesquisa entre os Garifuna, na America 
~ .;- Central, numa ocasião, passeava p~la praia e falava.um pouco do caribe 
que e uma língua muito difícil (na verdade havia posto de lado 
aprender a estrutura do caríbe, mas compreendia certas palavras). 
Havia duas mulheres do povo que passavam. Eu ia ver os pescadores e 
estava certo de encontrá-los porque o mar estava "picado", inquieto. 
Indaguei: "Os pescadores estão lá, não e? Posso vê-los". ' E as 
mulheres me disseram: "Sim, estão lá, vão partir". Uma delas olhou, o 
mar, e disse: l'Eles'e~tão',muito zarigados hoje"., O 'que -queri.a d í z er 
"e l.e's. estão"? -Ograride 'riso, a ;mão na boca nada me d í.z í.am. Fui " 
interrogar alguém para saber o que era aq~ilo: os espíritos que 
provocavam as intempéries, talvez. Esqueci de 0 fazer. Jamais tive 
certeza s ob-re o .que significava' esse "eles". Isso é dêictico.. . , 
Que diie~, para penetrar na vida cotidi~na é pr.eciso saber a língua e 
conhecer todas essas suas variaçoes locais. Por outro lado, há essa 
experiência que temos quando conhecemos o francês Berlitz e éh~gamos a 
Paris onde devemos entender os motoristas de táxi, as indicações e, 
sobretudo, os parisienses que falam sem as letras mudas, que não 
existem..• -, Náo comp;r;eendemos nada, não é? Não importa quem vã' a um 
-p aí s estranho: -pens a-rs e que se conhece a língua e descobre-se que n ao , 
Então a língua da vida cotidiana apresenta dificuldades terríveis para 
o pesquisador. Penso que a única maneira de contornar o problema e a 
velha idéià do obs e rvador p'ar.,ti-c,~pante;,·,é ví ver .narví.da dos' :olitros,'e 
mergu Ihar' no", conj unt;o de: s i grri.f Lcadosvmuí.t o sutí s :quê se r~ferem .ao 
momento dado. E'há palavras que' se repetem sempre e que tem um 
significado preciso. Mas, de toda forma, existem procedimentos para 
se pôr em curso na análise da cultura. 
Penso que o senhor apresentou muitas estrategias e práticas. Eor 
exemplo, as pesquisas que ainda são um pouco baseadas na analogia. Rá 
um certo risco na analogia. William James desconfiava da analogia e 
dizia que ela era como 'um caso que lhe acontecera no oeste amêricano. 
Um curandeirofora chamado por uma família por causa de uma criança 
que tinha febre. Mandou que mergulhassem seus pes n~ água fria. 
Então responderam: ilHas se lhe fizermos isto ela'teEa convulsoes"! Ao 
que ele retorquiu: "Mas, e isso mesmo: para convulsoes tenho um, 
21 
remedio certeiro"! Note-se que este ataque de James ·.à analogia 
constitui uma analogia. Ela .e, talvez, o meio mais seguro de fazer 
avançar o conhecimento e a pesquisa. Mas acho que, por exemplo, o 
paralelismo entre as figuras da retórica e os fatos de cotidiano ~ 
constit~ir~a_urna prim~ira etapa. ~eria! t~lvez,_necessãrio focal~zar 
a const1tu1çao ~os me10S que nos sao propr1oS, nos que fazemos, nao a 
lingUística, mas a análise da cultura. ;--
Não sei lhe dizer como fazer isto. Rã sugestoes extremamente 
inteligentes fi interessantes, mas e\x suspeito dós exageros. P'ri.e t o ," 
por exemplo, quando trata da atividade do artesão, do marceneiro, que 
se utiliza de ferramentas ou instrumentos, como se isso fosse um fato 
da linguagem: o artesão escolheria entre eles como nós escolhemos 
entre fonemas totalmente bem comportados. Hã exageros, talvez, dos 
quais seria preciso .desconfiar. 
a que o senhor diz sobre o relato, penso que e magistral. Justamente: 
no relato nao hã uma apresentaçao passiva de fatos mas S1m uma mane1r~ 
de articulã los. Apresenta aquilo que d~, às vezes, uma noçao da 
articulaçao de todas as coisas ten~o em vista certo fim comum. 
Em suma, Sua exposição foi de extrema riqueza. Haveria comentários a 
fazer sobre muitos pontos. Não fiz mais do que privilegiar aqueles 
que me pareceram extremamente importantes. Creio que para nós ela foi 
sobremodo proveitosa. 
22
 
'. 
Michel de Certeau 
Réplica a Ruy Coelho 
Muito obrigado por essas questoes que permitem tambem precisar certos 
pontos. 
Em primeiro lugar, no que concerne ã lógica, penso, justamente, que há 
hoje certas pesquisas referentes â lógica da ação, a uma lógica do 
tempo, as quais, como todas as lógicas, estão acuadas por uma 
rarefação do campo. Elas se formalizam em alguns problemas tendo como 
ques ãoglobal ~ paralogia a da não 'pertinência do problema do tempo 
numa análise lógica. Mas penso inclusive que podemos utilizar o 
xepertôrio lógico existente em outras sociedades. Fiz justamente 
'alusão â lógica chinesa ou â ãr~be, Há ainda os lógicos da 
Trabologic. Na França penso em Claude Aubers que tenta' analisar o 
modelo lógico obedecido pelos relatos do romance alexandrino, 
pesquisando ~ipóteses log.icas· não' usuàis. . . . 
- .-' -'." ." 
Estou absolutamente de acordo com o senhor quando fala d§l artiçulação 
ll.ecessária entre orna análise das prÃti CSl5 coti àiaRas e o conbecimeut:"o 
~o si~~ema den~ro do qual elas se executam, ~rata-se, justamente, da 
quesfao das .prat~cas, com seu desenvolv~mento no campo dos sistemas 
sociais, econômicos, culturais. De modo algum faço antinomia entre 
esses dois tipos de pesquisa. Ao contrário, penso que podemos lucrar 
com o trabalho monumental feito em relação aos sistemas econ~mico ou 
cultur,ª-l, .para eSEecif~car a pratic;a, os ~ípos de operaçao a que as 
prâticas cot~dianas correspondem. Tomo o exemplo que o senhor me deu: 
-o 'cordei ;:··e que' corresponde a lnií'meras pesquisas relativas ao conto 
popular. Há que se analisar, sobretudo, a estrutura desses relatos. 
Penso que a enunciação de um conto popular é marcada por certo núme~o 
de .detalhes retóricos, certas pequenq~ omiss;es ouadj~~çõe~ relativas 
às c"iic'utlstândas, ·aos··.{nter~octit6res.. Pod emos 'assim voltariji . 
perún~~cía d"és'sesdétalhes retóriC:o"s na "utiÜzaç'iio do~reia'tos 
estereotipados, como, por exemplo, Jack Goody na análise do desempenho 
de alguns contos populares em diversas situações. O que não exclui a 
análise do relato enquanto codificação global, mas permite ver qual 
t~ t~~balho_ou oper~ se produz no mom~nto em_qu~ esses contos 
estereotipados sao enunciados frente a determ~nado publ~co, em 
determinada conjuntura. Daí a articulação entre a análise estrutural 
e a das práticas, das operações imediatas. 
O senhor fez alusão ã arte da memória. Trata-se de uma questão assaz 
interessante porque essa arte constitui uma vontade de articular o 
oral e o escrito. Retenho simplesmente o aspecto que faz dela uma 
arte e não uma ciência, já que foi, por exemplo, no século XVI, 
fundamental para a elaboração da cartografia, de uma representaçao 
23
 
ot~ca do saher, etc. Todavia, conforme ê apontado por YaLes a 
memorização de um enunciado deve poder ser a adesao, a aliança, entre 
o elemento a reter e uma metafora, uma imagem que ele chBma de 
lI s t r i k i n g" , impressionante. _ Aquilo que ê. impressionante obe~e a 
regras individuais que nio são especificadas por essas leituras. Mais 
ou menos as mesmas regras que encontramos nos sonhos. Estes tipos de 
co10caçao em re1açao às práticas tni.tam de ·a1go nãoge;;~:ilizável. 
Buscam uma arte e não uma ciência~ À arte da memória é um caso muito' 
interessant.-= de relacionamento entre um quadro geral, como, por 
exemplo, o lugar onde estão objetos que queremos memorizar, e as 
operações do tipo práticas cotidianas. Seria bastante significativo 
para mim, que faco trabalhos sobre a arte da memória, verificar como' 
tais metodos são-compatíveis com a análise de Freud sobre os sonhos. 
No que concerne ã linguagem do cotidiano estou abso1utamente·de acordo 
com o que o senhor diz, pois previ, além dos meus dois volumes já' 
lançados sobre a noção do cotidiano,. um terceirq sobre a arte do . 
dizer. Os procedimentos da .1inguagem do cotidiano são 
extraordinariamente sutis. Ha muitas pesquisas a esse respeito,como 
toda a tradiç~o do ethnospeaking, a etnometodologia, estando aí 
compreendido aquilo que o senhor'faiou acerca dos resmungos ou dos 
barulhos da voz. Por exemplo, penso.ser um ,crime absolutamente 
imperdoável.·transcrever uma entrevista" porque os barulhos, os golpes 
de voz .no interior de enun~iado, ~ semEre estrª~êgj cos Um momento 
de hesitação, uma abreviaçao, um corte sao'elementos essenciais numa 
cura psicoanalítica, a saber: o golpe e sempre estratégico; não 
obedece' a normas semânticas ..Na fala hã out ros: modos de P0!1tuações. 
Apontuaçaó'e a oT.alídade·· sao .coisas fundamentaís-:-(ró-p~on'tÓde vista. i;la 
análise das práticas cotidianas verbais. É melhor escutar tr~s vezes 
uma 'gravaçâo do que transcrevê=l"a-.----- -­
No que co~~erne as hipoteses, sabemos que.uma experiência científica e 
tanto mais rica quanto mais hipóteses "tiver.- Hipóteses que e pre~iso 
verificar ou falsificar pelo teste. A hipótese ê um procedimento de 
expectativa, de espera. Coisa que se constatou em relação ã 
enunciação ê que quando não se tem hipóteses sobre a arte de falar 
deixa-se de observar no enunciado .uma quantidade de coisas que seriam 
relevantes. ,Seria preciso multiplicar as hipóteses para que as 
observações respondam sim ou não a elas.' 
Terminarei tratando do relato. Existem hoje pesquisas que tentam 
recuperar a. 1êgica obedecida pelo r e Lat.o , Este. é )-l~ p:roblem~ que. se 
-jun t.arao' que o.serih.or· colocou. ao. iniciar, a~'saber, o .:.reta,toe uma 
tiajet~ria, urntipo de travessia··em ,uiri,·.campo ,estrututadode 'modo 
sistematico, e uma pratica desse campo. Devemos estar d~plamente 
interessados no relato porque ~ ele que organiz~ um espaço e porque, 
na medida em que ele diminui, o espaço se torna cada vez menos 
"';'ísíveL 
O'relato e para nós .hoje aquilo que os deuses eram na antiguidade. 
Dizia-se que havia um espírito nos bosques. Esses deuses embuçad?s 
são.os relatos. Ou os relatos .são deuses. Na medida em que 
desaparecem, há um empobrecimento, os espaços se tornam 
invivenciâveis. Ou hã:tamnem a guerra, a aus~ncia de deuses. 
relatos locais podem ser substituidoa pelos da televisão. 
Os 
Os relatos constituem portanto, justamente aquilo que organiza um 
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.. ' 
J
 
espaço. Ê muito importante comparar aS. praticas d)tidiana~ enquanto"'""\.1f 
gestos e enquanto narrativas. Uma n;o é neces.sariamenteparalela, mad 
sim relativa, â outra. Porque é re ra geral na cultura o fato de que 
introduzimos na simbolizaçao aquilo que nos a ta oR~opr.atxea. A 
~Iação fundamental ex~stente entre a pratica efetíva e os s~mbolos 
~o é um paralelismo. Falamos mais daquilo que mais carecemoS, -
Tambem sabemos que -ha -uma simbiose, uma correlação entre o relato e a 
pratica, com uma especificidade: existem. de- um lado, a modalidade 
'i -pr opr a de funcionamento do relato e, de outro lado, as relações com aí 
I prática, sem que esta esteja necessariamente de acordo com aquele. 
, Desse ponto de vista estou inteiramente de acordo com aquilo que o 
[ senhor diz 'o 
.
 .' 
-. 
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