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-c. ." !:: ". a'VLoVw~ COPY8EM «: PASTA No....J..3.g...._ ~ ~ ~.3.__ Fonfas Michel de Certeau c200Ç,OF/V itlF -,=--_--J Teoria e Método no Estudo das Práticas Cotidianas C01l"D l (Srrvo c"u L,1V IW ? o Pu L(+1e.. /'IIE11fMGMD U(UiPífVo (~ cÚJ f?-r,~) L9~. S?::M({~CSA!VY'I I rnOJ~ =!=fV.-rL ~f~ /173';') _rt:fU/us:P rr 3 ",)9 // Des cu Lpo'-me por falar em -irselv'agemil, IDas talvez nossa exper{ência poliglota seja um bom exemplo da natureza das práticas cotidianas. Porque Eenso que as práticas cotidianas seguem itinerários í {(;j#' heterogêneos, diferentes uns dos o~tros, e gue-se-trat~ "dê-encontrar, \ entre esses itinerários, entre essas p~átic:as, conexoe-;-;;[~-o'que '; ~ma linRuagem comum. Essas práticas nãocompoem um sist~ema, mas i f ~ 'organizam trânsitos mútuos. E, deste ponto de vista, a experiênêia poliglota que tivemos estes dois dias talvez seja' um símbolo do I Itrabalho que ~estã .por ser feito entre nós. , . i Não'falaréi como p Lane j ad or , que não sou, mas. enquanto antropólogo, II \ istoriador ou sicanalista. Falarei também para apresélltar algumas ! I . : ITi1.Eoteses den_va as ~~que fiz como membro do Conselho de -I ! 'Des envoLví.ment o Cul.tura'l ou como. responsável por pesquisas ·do ;_ I . 'iliriisté'rioda Cul-tura :Francesa 'ou,ai~daj" como ELofesªo'r de .. !IDItropcilogia da Universidade de Paris 'viL - - '. -. .-- :I Gostaria de colocar alguns elementos de partida, apresentados em três pontos. O primeiro refere-se aos pressupostos de uma política ou de I I uma problemática, quer dizer, a algumas opções globais relativas ã ! análise das prat~cas cot~d~anas. Um segundo consiste na apresentaçâo ! de alguns r s coo empo a eos, escolhidos nâo de forma arb~traria porem seletiva, os quais forne~m um certo número de elementos para a pesquisa das práticas cotidianas. E, em terceiro lugar, desejaria ~ apresentar alguns modelos de análise, algumas. formas sob as quais as práticas cotidiana~ podem ser cap~s. Na minha opinião estes problemas sao essenciais. Se as práticas 3 -. . .-,' guilh Nota -COnceito de práticas cotidianas guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Nota Posso pensar os atos cotidianos aqui trabalhados, de maneira como se fossem atos de resistência cotidiana, de apropriação do dado, como o cotidiano da universidade agora sitiada??? guilh Realce guilh Realce cotidianas foram majoritariame.nte..analis.adas de um ponto de vista estatístico, nurea abordagem quantitativa, isto se deu por ue a:taram categorias de análise para que fossem captadas enquanto operações Portanto, c necessário que tentemos elaborar juntos um I pu , um "aparelho" de análise, tendo em vista um outro tipo de pesquisa. Vejamos inicialmente, alguns pressupostos. Meu primeiro elemento no ~. cerne. a pressupostos ~ encarar as ~râticas 'cotidianas enquanto {í) rat 1.-Cas F'í.z' algumas p e s qu i.s as , como mu i t os outros, a respeito da . cu u pop~lar, cujo ponto de partida consistia em analisar, por exemplo, sis~emas de representação (como mitologias) ou então comportamentos rituais (como 'OS sacrifícios ou o modo do rito de passagem entre a casá e o lugar público, ou entre diferentes lugares públicos, etc.) e pouco a pouco fui me apercebendo que esse ponto de vista era secundário perante alguma coisa de mais fundamental - ã qual voltarei adiante - e que 9iz respeito à maneira de por em prática esse lugar, esse rito ou essa representaçao. Trata-se de uma problemática que· reencontra aquela que e privilegiada atualmente na~lingUística e que diz respeito ã questão da0tilizaçãõ) ~ \,.j (uses em ingles) da língua. Dito de outra forma, considero como L'I~~ hipótese global - e certamente retomarei este as ~s '-------.... n r rrügms--;por~empr;:-ubl~cos ou rivados ou então os ritos, ou t: .W ; - - \ ~ ainda as representaçoes m~ticas, as lendas, constituem uma forma e ) .// _ vocabulário alem de uma sin~a~e e que. a quest~o e saber~s ~) pessoas fazem desse vocabular~o espec~al ou r~tual..~ . ~ - b í p;J .Tomemos um exemp lo re f erente aos prover r.os , o emo s anal s ar osí p roverb í.os r euni.ndo-vos, _f azerid o :uma- col.eçãodeles. 'Ou!iódemos' anal í s a r o modo de- sua p roduçao ; -'fiã ums -pesquLs a italiana, 'de C'i r'e s e , muito importante no que diz respeito a-proverbios sardoso Cirese mostra que o sentido de um proverbio torna-se tanto mais forte quanto mais fraç~ for sua diferença fonetica: como se sabe, muitas vezes nos proverbios há dois pequenos elementos que rimam e o fato do sentido será tanto mais forte quanto maior for a semelhança fonética entre e~es. Em outras palavras, trata-se de alguma coisa que diz respeito a produção verbal do proverbio. PodemGs, ainda, faz~r análises do seu conteúdo semântico, tal como os animais que nele sao representados, os tipos de ocupaçao, etc. Dentro dessas perspectivas, analisamos o proverbio como se fosse um "corpus ll isolado, isolável, tratado dentro de um laboratório de sociologia ou de antropologia, quando o problema começa a partir do momento em que nos interrogamos sobre o uso;que as pessoas. fazem de Le, --Em' decorrência, ain<ia _mais. importante que a. . ii: análise lirigU.rÚ:ica ou t~máticado proverbio, e· a ~nàJ,ise da -'manêh:a fJI}.e-t.-e<.·"\ ii como) Ro~xemplo, em um báte-pàpó 'de aldeia, .ele' e 'utilizado' 'parase i - ~u. .) ilí'aár Ilgolpes"~)quer dizer do modo como ê utilizado no momento certo, \. P,Y'E'Yl"'-~,. . ~. . '-... II com-o-'~n erlocuto.r c~rto e dentro da c~rcunstanc~a certa, v~sando .. \lmu~ar-o-equ~l~br~o da conversa.] O ue implica no problema do uso. Isto é, trata-se da questao do emprego do proverbio e não da questão da i~te;pre~~çao ~u~ dele po emos fazer quando o isolamos em um laboratorio. Ass~m, essa problemática diz mais respeito ã prátiaa' do proverbio do que ao provérbio enquanto tal. E, justamente desse ponto de vista, podemos retomar um certo número de trabalhos muito interessantes. Lembro, por exemplo, a pesquisa feita 4 guilh Nota -Pressupostos da análise das práticas culturais guilh Realce guilh Realce guilh Nota ºA questão da utilização das práticas guilh Realce -por Rudolfsky nos E.stados Unidos sobre todos os obj etos que servem para o "se lavar", o II s e sentar", como as d i.fe r errte s formas de cadeiras ou o Ildormír", s'ob r e ~ em suma, o léxíco, o vocabulário, da vida cotidiana. Mas o que se torna mais importante da perspectiva que coloco é saber como no~ servimo~ desse vocabulário ou, da mesma forma, como nos serv~mos dos sistemas de répresentação. Por exemplo, é bastante interessante se ver que em Salvador ou no Recife são 'utilizados h~nos afri~anosprovenientede códigos ancestrais, tal como hã muito tempo nas aldeias da França se fazia uso de hinos latinos provenientes,ne uma tradição religip~a antiga. Pois o problema é saber como 'as' pessoas .se servem de s ses ob.ínos , desses cantos ou danças tradicionais e que usos f-azem de um elemento de representação ou, de um elemento lingUístico que e imposto. o que também me parece importante dentro dessa perspectiva e que essa análise se torna mais significativa ,em uma epoca de mutaçao, d~ transito. Isto quer dizer que o problema da prática é tambem-o problema da passagem, da transição. Por'exemplo: de quê maneira um mãgr~b1no qualquer, vindo da Argelia, utiliza um apartamento ou uma pequena ~emum'edifício barato, em um'subúrbio de Paris? A questão, ~ber qual e o uso feito p~lo argelino não mais do.proverbio ~ ou dó espaço de'casa que lhe são próprios, na Cabília ou na Argelia, i mas da utilização que dá a um apartamento ou a um espaço habitável em ! Paris. Pode-se dizer o mesmo com relação ã rua: por exemplo, quais os \ usos que faz da rua dacid~de? Ou com relação ~:leitura: como o . 1, leitor "c~~onês, . que estava, ~costumado,a um .s i.st.eraa de,tran~mi,:ssâo .~ral,ut~hza 'o j orria'l o~ ,a,1magem de TV? , . ',',,' ' , ' ..»: .Dito de outro' modo, pode haver aí, uma"modificação ~e lexico - em vez ~ 0/ de se ter uma praça de aldeia, tem-se uma rua de Sao Paulo ou .de ~ Paris - maS permanece intacta a questão da .prática dada a esse espaço • . ? O VOcl;lb;'ü'ario pode mudar; sera que a pratica muda? E a quais regras, ~~' . " a quais leis, e e.· se , trata~ de analisar aquilo ' que ~ eu chamar.ia de I orfolo ia'da râtic r a (lo ica da a a~ Hã uma G~ ' ',expressao' francesa, CU] a xat a ,desconheço, quediz "11 faut - 'Ií savoir faire avec", quer dizer, tendo-se um certo tipo 'de alimento, . J( um certo tip9 de alojamento" torna-se preciso saber como utilizá-lo, id~ se "vir a r" -com ele. Eis' uma questão- que diz respeito ã prática. E o ~ ~ problema se torna analisar, ou poder analisar, as práticas cotidia~ \ -----jy en uanto umanô iád'de praticas, como uma rede de operaçoes cuj a formalizac;.ão po e 8er'anal~sad? ',' Vere~os ,'que ~~itó''f~eqUe~t'~m~Tite'eS'~éi.sJ;~?ticas se parecem com aqui.I.o 'que, numa" tradíção ,IDúito ant í.ga , chamamos de caça furtiva, ou sej a, aquela atividade do caçador em floresta alheia. Ele ca~a ~ lebre ou os pássaros ilicitamente, isto ê, em um lugar do qual TIao e o dono. ._,\,"V Penso ,que a maioria' das práticas do cotidíano sao prat~cas e ~I'--, ~ll.( (furtividade. lato quer dizer que em um esp~o que não nos pertence - ,~V~v !~' > a rua, ,o ,edifício, o "lugar de trabalho - agimos sorrateiramente, j "'Y,0;)vu;' , {tentambs tirar vantagem, por meio de práticas muito sut_is. nnri t o ./.V \ I ', J {Y 1 disfarçadas, de um lugar do qualn-;o somos proprie~~ \,D.J\.~\!Q)VV ' ~ \ Penso que o'-meamo. ocorre em relaçao; por exemplo, ã imagem da televisão. O'telespectador passeia dentro da'imagem como o caçador furtivo .. passeia dentro do bosque, da .floresta, do proprietário. Ele caça 'algo, que ; justamente, ignoramos. Post;o de outra forma, este 5 ii guilh Nota ºMorfologia da prática" ou lógica da ação guilh Realce guilh Realce guilh Nota º Práticas cotidianas como práticas furtivas ou sutis guilh Realce ~ segundo elemento dentro da problemática, a questao ào agente das4 \\ praticas., e tambem a quesTão do consumidor. Sabemos que o problema do consumo e um'problema muito difícil e, no fundo, freqUentemente negligenciado, pois ocorre que o essencial das ~. ~ pesquisas de ripo econâmico ou social entra pelo lado da produção. ;~ r:i~ r Acrescentaria que não se deve dizer da produção mas, sim, de uma ~~~~~~~ B~ , produçao, a. saber, a do fabricante da c i dade ou dos obJ'etos ,I_JÁ) ln?,,!(j[)Y'J'..J.v'Y' V' ' , jflY'r' ~~~~2~S edJ.f~cio~tc•.J Todavia,. do l'ado do consumidor a J2~ ...v tambeI;ll ha uma produ ao: ele transforma o espa o que lhe ê imposto. r -ter Quan o um fregues va~ ao supermerc~, o taro em e um caça or, urt1VO: ele ' birc~la, ele caça, el~ f~z 'uma produção, muito embora invisível, que hao e 'marcada pela criaçao de novos produtos; ele se serve de um ~êxico imposto p ar a produzir algo que lhe sej a p:::-õprio. Desse ponto ~ e vista, a questao e a do consumidor enquanto criador, enquanto jprodutor ou enquanto ~atiçante. Trata-se de uma questao muito importante e que a antropologia já analisou; Tomo apenas um exemplo. Sabemo~ que ultimamente foram feitos alguns estudos relativos ãsreações dos índios do Mexico ã ocupação, no .s e cuLo XVI e mais t arde., pelos conquistadores e missionarios espanhõis, que lhes impuseram seu código jurídico, sua representação católica, seu rito, etc. E pouco a pouco se tem descoberto que esses índios dominados - (eles não podiam resistir) transformaram secretamente o que lhes fora imposto atraves do modo como disso se serviram: iam ã igreja mas continuavam a ter suas preocupações prõprias, seus'ritos antigos, suas convicções anteriores, no interior' do' domínio imposto 'pelo, s i.s t.ema de co Lorri.zaçao ' espanhola. ' D'í.go qu'e 'esses 'índios eram revolucionarias'.. enquanto <:,onsumídores • Lembremo-nos dessa escola muito celebre, nascida no Brasil por volta de 1922-1923, chamada Escola Antropofâgica e cujo tema era "recebemos muita coisi do Ocidente mas, como antropófagos, fazemos delas nosso p ropr i o corpo". O que significa qtre-:o carate r estrangeiro dos materiais semânticos, culturais, políticos, não impedi~uma revolução em 'termos, uma assimilação, a qual, no fundo, constituía consumo. Eu diria que tambem as praticas cotidfanas são, no fundo, antropofagi~ Mas trata-se de' uma antropofagia nao ritualizada, nao visível, e que obriga a que s~perc~ba que o essencial nao e,aquilo que o praticante come, atravessa ou ve, mas s~~ue ele faz daq~il2-gue com~~ vê ou atravessa. Ou ,seja, á questao essencial e aquilo que ele fabrica com a imagem de TV, com os utens.ílios eletrodomêsticos, com a rua que cruza, etc. Deste ponto. d'e. 'vista. á, quest;'o,das ,'uráÜcas"cotidiànas e .u..ma, valorizaç;io ,e'uma~t'entativade'.infe:çe'~.rQ dessá. antropof,agi~..i. pJ;atic~l.g..consumi9.s>r q,ue no.)?rôprio ato.,;. do C?~Su.!D-O utiitfuª!a ' ,\ 1,1, ~ f~~ pr,õprios ..!;UllB,norrna que l~e e ~à:e,~te ,~m~~" UI) Em ultimo lugar dentr~esses prolegomenos, eu-frlr~a que esta perspectiva visa restaurar três elementos que me parecem fundamentais nas ~raticas cotidianas, ou~m triplo aspecto de~as'praticas, a sàber:~m caráter ,estetico,~m carater etico e u~carater polêmico. Um carater estet1co na medida em que se trata de uma arte de fazer. A boa maneira de utilizar o práverbio e' coisa apreciada pelo espectador e pelo Lnt'e r Locutor ; a boa maneira 'de contar uma estõria, uma lenda tradicional, e um "goIp e'", E na maneira--de s~ utiliz~r.a rua, o espaço do habitat, pode-se encontrar esse carater estet1co das 6 guilh Realce guilh Nota º O agente das práticas como consumidor guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Nota º O triplo aspecto das práticas cotidianas (como arte do fazer): Estérico, ético e polêmico guilh Nota + caráter estético guilh Realce guilh Realce golpe??? praticas cotidianas. Portanto, desse,ponto de vistà ~ diria que a questao de base e aquela do estilo. Sabemos que ha uma expressividade extraordinária num cafe, numa rua, numa conversa, nas praticas do habitat - uma expressividade extraordinária no que diz respeito ao es til,? e à apreci.a<ião do estilo. • O que e o estilo? Trata-se de uma questão muito difícil de se analisar ao nível literârio. Contudo, o estilo consiste fundamentalmente em uma maneira ·de. utilizar, .de. manej ar, uma ordem lingUística imposta. Isto quer dizer que o.estilo é certamente um modo específico de pôr em pratica uma ordem lingUística, um sistema lingUístico imposto a todos. E'desse ângulo o problema das praticas cotidianas constitui um problemã estético. Note-se que não quero analisar as praticas. cotidianas apenas enquanto elementos de informação sobre á vida social e econômica das pessoas. Trata-se também de uma arte, justamente uma arte que tem como característica ser fundamentalmente uma a~ de fazer. Isto e, que não. se traduz num discurso mas sim em um{~ Podemos tomar um exemplo. Quando uma dona-de-casa ou um pa1 de família vai ao supermercado e considera alguns elementos extraordinariamente complexos - como aquilo que j a existe em casa na geladeira, as pessoas convidadas e seus gostos, o desejo de lhes oferecer determinado prato, o que encontra no supermercado, o que é mais c~ro, o que ~_menos caro ou, ao contrario, as eventuais ofertas, repensando o que fazer com aquilo que ja tem na geladeira ou em relação.às pessoas que virão - sua decisão que envolve elementos .. inumeráveis ,tão 'complexós:qu:anto .:osde um computador, constitui' a -. síntese entre essas diferenças, 'coristftuí um "go~pe". Essa' síntese, entretanto, não tem forma discursiva, n-ªo:ê como uma t eorí.a , um discurso teórico' que integra elementos multlplos, maS sim um ato sintetizador,que esta ligado a uma, conjuntura, a um ins~ante.S~e_ erra o'instante, tem-se que começar tudo de·novo. E o carater estético prende-.se justamente ao fato de que a multiplicidade de elementos deve ser reunida em um instante que é aquele da ocasiao. ~ àí que se efetiva uma estética. Podemos agora, retomar os elementos lexicos. Por exemplo, vi ontem no Centro'de Lazer do SESC essa exposição "Brasil Maior" sobre o design brasileiro, com todos esses pequenos objetos criados em relação à uma. 'conjuntura, em. relação a uma necessidade. E o que é pre~so tentar restaurar a partir dos objetos e a arte dos que os const~íram. Podemos ver icomo há uma série' de ID:~todos'po'ssíveis .para rec.upe·rar· no ~bJeto ajnarca jíe sua ~tÚ:i.·zi3.ção.··.·S<;bemQsque··em um ·obJeto podemos identifi'car .: e isto é emocionalmente - a marca das m:iios. Os utensílios são remodelados pela mão ·que deles se serviu, ou pelo pé, etc. Direi que essa marca da m~o ê como. a marca·do locutor sobre o texto de-u~ conto gravado. E que ê preciso tentar recuperar a atividade estética dó locutor, ou do utilizador', nos' objetos de que se serviu. Quer dizer, trata-se nao de alienar-o agente nesses objetos mas, ao contrârio,- ~e fazer da analise desses obj etos algo que reconduza às operaçoes com eles r·eali.zadas.. Um se undo aspecto, tambemessencial, é ~etico As prat1cas cotidianas constituem uma maneira' de' o aBente se recusar a ser identificado ~ ordem .tal como ela se impoe. Porque, de toda a forma, 7 guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Nota + O caráter ético guilh Realce hã uma ordem que nao pode ser mudad a., Eu diria que ex.:í.ste aí um aspecto etico na medida em que não se obedeceu ~ lei dos fatos. Creio que isso ê essencialmente etico. O etico e a recusaã identificação com a ordem .2u com a .lei. dos fatos. t o abrir de um. espaço. Um espaço que nao e fundado sohre a realidade existente mas sobre uma vontade de cridr alguma coisa. Assim, na multiplicidade dessas práticas cotidianas~ dessas práticas. trànsformadoras da ordem imposta, há constantemente um elemento etico. Isto i, uma vontade histórica de existir. O que tambem deve ser restau~ado como ~ea~idade histórica das práticas cotidianas. . E, enfim, eu diria que há o terceir~ as ectoPen~oque a cultura e fundamentalmente umá polemologia e que mUltas vezes estivemos, enquanto sociólogos ou antropólogos, ~lienados por uma perspectiva de observação que consiste em considerar uma sociedade diferente, um bairro, um subúrbio, como um objeto que constitui um sistema;' Isso faz esquecer que todas essas praticas cotidianas são defesas para a vida. E que todas as praticas cotidianas se insére-vem cçmo intervençoes em um conflítO~permanente, em uma reração-de força. i\ E quanto maas fraco s0~_E,1ais se deve ser maI12los0. Ou se~ jquanto mais fraco se e, mais necessário se torna ser inteligente. JEsta inteli~ência esta, porem, ligada às relações de forga. Constituil I '\t~ma concepçao insignificante da cultura supor qu: ela seja isolavel da i luta, da guerra. Ha uma guerra que envolve tambem um gozo porque o ~ 1i"specto esteticoe um gozo, como e gozo dar um bom "golpe". Não ha uma antinomia entre o aspectoestetico e o polêmico. É preciso saber dar bons golpes e sabemos muito bem que numa estrategia há tambem uma \eleg:9:ncia.:que.e, ao..me~m~ ~empo, u~~.m~nei~ade de.~f!ute r.a~ios{).: .' J;1,~ w~;b O mesmo' ~corre com as 'pratlcas cotldlanas. Elas sao essencialmente \- I _ .'f91~~: u~a manelra de lutar contrao.mai~for~ para p contornar, par~> J ~ ~f . utilizar. E desse ponto de vlsta a analise das praticas cotldlanas; a ~ . . analise ~esses agentes que são os consumidores, conduz ao. abandono de uma concepção que favorece'a inercia dos sistemas organizados por observadores. Veremos que a lógica dessas praticas cotidianas r~úne-se ã essa lógica, ja no tempo dos gregos julgada tão suspeita, que chamamos de sofismas. A máxima essencial dos sofistas, lembrada por Aristóteles, era a de transformar uma posição fraca em uma posição .forte, ~ isto por meio de disfarces, utilizando a conjuntura. ~ diria ue esse as ecto olêmico constitui se re uma arte de essoas fracas tendo em vista· reencontrar, atraves da utiliza ão das for as : existentes. um J.:I!~:LQ..,.A~~. defender ante uma pogçao mais forte. I.. . '.' ' _ .,., .. , . _. ,....' .' ' 'Dentro :dessa p er sp ec t i.va ,'. nao me vcoLoco ,a ques t ao de saber se estas.' praticas de: c on sumo são', co Ie t í.vas ou ',ih4ividual.s-;~~omO··psicarialista, ou de um ponto de vista filosófico, nã;.~_r<:i_()_..§.~ert~nentea ' d~feren_ a entr~ o individual e o coletivo~ss~ncialmeú:e ~o~e-s~ M~~~izer que nao .ha, nao ode aver, prat.lcas estrlt?IDente lndl.Vlduals. frv-cL; V"\~ Isto não existe. FOl, Ja sabemos, a reação e reu con ra eoeau õü con ra outros, lzer que não hã diferença científica possível entre uma psicologia individual e uma psicologia coletiva. _Deste ponto de vista, não me coloc~ a questão de se estas praticas sao in~ividuais ou coletivas. É preciso, antes, analisa-las enquanto operaçoes, algumas das 'quais milenares, que são reêlÍcontradas em campos muito díferentes, sendo necessario sair dessa problematica que eu chamaria burguesa e individual ou individualista que supõe antes de tudo, ou melhor, que 8 guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Nota + Caráter polêmico guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce -, se coloca antes de tudo, o problema da criatividade pessoal. É melhor pensa-las como man i.f e staç ao de t at í.cas ou estratégias e verificar ulteriormente. se algumas delas se encontram mais reunidas em determinado lugar e outras em outros locais, se são mais específicas de determinado meio ou de determinada conjuntura na qual algum indivíduo se encontra. E talvez o problema essencial para n6s nao seja discutir a pertinência dessa diferenç& entre o individual e o coletivo. . @Uma segunda parte gue desej aria focalizar diz respeito ao que chamarei í!~ de conjuntura de pesquisas ou de problematica contemporânea. Nesse pequeno. livro a que se "referiu Luc~o Grinover, A Invenção do.) Cotidiano, procuro analisar simultaneamenre a história etnológica eJ filosófica das teorias relativas .as prat í.cas cor í.ci anas . Sabemos queí para todas as teorias é sempre muito difícil esse tipo de problema de fronteiras, que é o de atribuir um estatuto as praticas cotidianas. Já nos seculos XVII e XVIII, para a Enciclopédia, encontramos muita pesquisa a respeito. Paradpxalmente talvez, uma das melhores analises encontradas na tradiçãofilosêfica seja a de Kant,-3ue comparava as . prati~as ·cotidianas ao malabarismo de andar no arame. Trata-se i~s~.~IE~~te ª~_~e:n~~C?~g!-1ilíbrio'gue constitui uma ficçao de---"" es.tabilidade. ja que múltiplas operaçoes tornam-se necessarias para manter e para produzir o eguilíbrio sobre o arame. Deixo, porem, de lado essa tradição e gostaria de focalizar apenas e muito rapidamente alguns aspectos da problematica contemporânea na França ou nos Estados Unidos, desenvolvida .depois d os vtr ab al.ho s -Ó, pioneiros de Henr í, Lef ebvr.e ; que tódos n'ós conhec emo s mudt o bem. 'Uma .p questão" interessante, que ê exe.t arnen t e a rà~ão de nosso' colóquio, seria o confronto p os s i.ve L com as pesquisas feitas. no Brasil, com. ~ ':!-?~) forç~samenEe os trabalhos_de Gilberto Velho. e muitos o~tros, ou Com J i."(;- inv,es·tigaçoes feitas no Mexico, orid e trabalhei nestes ultimas anos.~ o .'-!....-. Poderia dizer, inicialmente, que em certas disciplinas a questão das rr <.. ~/ praticas cotidianas tornou-se decisiva de forma bem mais marcada do «> -·.~~.~:.-.9y_~._e_~__.~l,l_~I~~.' __.J.~~9~apenas dois casos muito significativos. Um ."...,::'~ ;.j-' , constitui a (etnologia\ sempre mais ou menos interessada -c .: "~ (diferenteme~t-e-di,C-ãD:tropologia) nas praticas, nasmaneiras de fazer, .t· '/ Y;i na cerâmica, na casa, etc. Há"y:ma d_qf_\l.!1}.~!!..~~çªQ-=-<;...~ideray:g,lJ"~unida . J pela etnologia~gue diz re~~eito as Eraticas cotidianas •• ~E.!~~~~E!_~~ <. ,( ela geralmente foi analisada deslocada de seu contexto d~igem. De toda forma, nela.existe Lnf ormaç ao massiva sobre a. ques t ao de icomo . désctever.· Umaexperiênciél engraçada. e té.ni:.ai·ler·.uo·ditionãriQ·.a descrição :de ··Praticas "cotidianas muito simples.' D'i.ve r t í.r-me , 'por exemplo, ao procurar no dicionario relativo a pesca a descrição das maneiras de se dar um nó. Quando lemos no. texto "pegue um pouco de linha, passe-a para a direita e depois para a esquerda, etc. II não compreendemos absolutamente nada. Trata-se de um texto ilegível. O L "\1 r'Ero?};er.n~.~.."s_~~~-;_co~~_pO'!.~E.1.9~_.5l~~_~~~er 3....:_.E..:.~~ica~~idia~as, o que, 1\ \ e questao mUlto lmportante.c= _. O segundo setar gue deu importância fundamental às praticas cotidianas foi a psicanálise. Nela o que sobressai. nas curas, ou melhor, nas analises de caso é que a maneira de se assoar o nariz, ou de se , segurar o trinco da porta, ou de se mexer ~o palet~ t~rna-se absolutamente estratégica .para a compreensao do pSlqulsmo. Desse 9 guilh Realce guilh Nota - Apresentação de trabalhos contemporâneos guilh Realce ângulo, há tambe~ gue se retomar a documentação da psicanálise, uma vez que fornece a.numeros elementos para soe interpretar gestos cotidianos. Mas gostaria d~ situar simplesmente três_casos, abreviando-os talvez para não me est~nder demais, uma vez que se trata de coisas bastante conhecidas. O primeiro caso e o de Miçhel Foucault, em particular seu livro Vigiar _e Punir, pub Lí.cado em 1975 (nata de publicação dó original francês. A ed1çao Vozes em português e de 1977.), que introduz uma novaj problemática do: poder. Um poder organizado não pelas grandes /Al instituições .j ur Id í.cas ou políticas mas por conjuntos - tni.cr os ccp cosí f0!"J:! do que Fou:au~t chama de. "dispositi:;ros". ou "instrumen~a~s", ou seja, V pequenas t e crn.cas , mecana smos , maqui.nar-ia , toda ur..a s erae de procedimentos que, na realidade reorganizam o poder. E sabemos q~e a ideia, a tese (parcialmente discutível~ mas isto não e meu problema agora) desse autor e a de que a renovação das instituições jurídicas relativas ã pena, ao crime, no fim do seculo XVIII foi - nas suas palavras - colonizada, vampirizada, vencida por esses pequenos procedimentos que dizem essencialmente -respeito ã maneira de tornar o outro visível - o que ele chama de tecnologia panôtica; e, ainda, que na realidade as instituições foram todas permeadas por essa tecnologia que pouco a pouco reorgan~zou o campo da prisão, da escola, do hospital, independentemente das grandes instituições de poder e das grandes instituições ideolégicas. Assim, o que Foucault coloca em causa e a questão dessas pequenas tecnicas enquanto portadoras de um papel-soc~o-:ec-onôm~co _fundaIDen,ta~-~ Bem, Hichel- FOucault faz isto dentro dOe sua perspect i.va que ~ a de uma história da disciplina, do _controle. A grande questão para ele e saber com~ analisar a vigilância global organizada na sociedade pelas ciênciasibumanas e finalmente pela tecnologia. Técnicas de confissão organizadas para: estender um novo tipo de poder. Ele deseja sublinhar a nova natureza do poder, o poder enquanto (1) contorno das instituições; (2) organização do espaço na relação entre aquele que vê e aquilo que vê; e (3) gestó não discursivo, não ideologico, gesto [ mudo do ponto de vista ideológico. - Sabemos que ~ão hã contas a ajustar com Foucault de um ponto de vista \t te~ri~o e do ponto de vis~a ~deologi~o. _Ele col~c~ um pr?blema dos ,f~i ma~s ~ntere~santes A ~eÇ2Q relat~va a sua anal~se ser~a-meramente, ··y.fj~a de que exa s t em na s.oc~ed,a,de mil out:r:~s dispPl?itivos além do.§ /> 'j Ip.;rimitivos, pu seja, --a- de _quI:!" as -soÜ_edadé~: CO.1:ts_tituem_ime~sos_ _ ~'t ::l reservatórios de dispositivos-o -Mais pertubad ora ê -a ques t ao de saber ~',~, por que se criam esses dispositivos, em que momento, devido a que ~ ~ importância? E podemos dizer que Foucault analisa os dispositivos primitivos exatamente quando-eles param de exercer um papel real na sociedade. Mas isto constitui um outro problema. A segunda obieção seria a de que a multi licidade desses dispositivos não e coerente. a não- constitui um s~ste Dito de outra forma: não hã monoteLsmo tecnologico. o nLV as práticas cotidianas -p~-~tI~àmos o politei'smo. Hã uma_ multiplicidade de deuses, de deuses mudos, de atii.ridades muda;. Desse ponto ae.~_vÍtsta e preciso empreender .hqj~.-ªia nao ap_~~~s uma hístéria da disciE,lína, como. fez Foucault. " mas uma historia da anti-disciplina, estudando justamente quais sao os..... . _. . ... -'. . . .- . 10 •• "_ .-o~-<- '~~~ disposit'ivos, as opera<;oes disponívpis para os ag-entes resistirem ao "-J sistema da ~uper~is~o ou da ?isciplina analisaáa por Foucault. Portanto, há nele algo de muito interessante do ponto de vista desses procedimentos~ desses gestos~ desS2s práticas e, ao mesmo tempo, a possibilidade de se retomar essa questão no campo das práticas cotidianas a ~erviço dos agentes e não a serviço áe um poder supervisor .. O segundo sisteJr.a que lembro, justéIP.ente po; tambem ter uma importância' .muito grande em nossa problemática de hoj e 'e o Pierre Bourdieu. Sabemos que Bourdieu e um deus de duas cabeças. Tem dois rostos. Tem urna metade: de sociologo e outra metade de etnologo. Enquanto sociólogo estudou a educação na França e outros sistemas de conforroização das práticas. Enquanto etnologo ele estudou na Cabília'- . , parte da Argel~a,_a l~ste de Argel, povoada por b2rberes .' sedentários; ou em Bearn, regiao da França .parte do departamento dos Baixos Piríneus ..aquílo.:que chama de Lestratégia. Trata-se de procedimentos muito astuciosos, muito sutis, re a lVOS, por exemplo, ã honra ou às práticas de honra ou, ainda, ã organização de casa (um dos mais belos estudos de Bourdieu e esse sobre a casa cabilense) ou então sobre a utilização do tempo na periodicidade, no calendário, ou sobre os procedimentos de casamento em Bearn. ~A q~es~ã~ colocada po: ~ourdieu é ~ da relaçã? que existe entre o ~soc~ologlco e o atnolog~co. Mas ha desde o l~vro que publicou em 1972, Esquisse d'une TheoPie de la Practique, ate o .publicado em 1979, La.Distinction, toda uma série de trabalhos que dizem respeito muito franc?-mente.à prática~ E~ diria. que o .tema geral de Bo~rdieu e -. toma~do. otít"ulo'. de :umad~ suas_optas' . aéeproduçao .. :...Dá me.sma j~o~a: como o tema d~~chel Foucault e;o da d~sc~pIlna atr~v~s da conflssao, o tema geral de P~erre Bourdieu e a repeticao constante. O ponto que' me interesse aqur-nao.e o quadro soc~ologico ou ideol~gico das suas anáki§es mas antes o .problema que ele coloca, um termo a que ele chama de estratégia. E também um estudo famoso aquele que ele denomina -, Estrategies rMatrimonial.es dane Le Pays Beax-naie . O ponto importante para nós é a análise que ele faz das estratégias matrimoniais comparando-as aos iogas de cartas. Num jogo de cartas defrontamo~nos com diferentes tipos de problemas. Temos inicialmente a questão' que diz respeito aos postulados: se quisermos jogar, temos de aceitar um quadro de postulados recebidos. Em- seguida, temos o problema das regras. do jogo. E, avançando, como se pode perceber, . . . deoo i bl d 11 - 11 d' dpara o.mals.concreto,.temos. epo i.si o pr() .ema ma mao:: , quer. a.zer , . o .conj'unto .:'de car t as vque..·$e .r-e cebe a ·cad·a·:d~str{btiíçã~..·.· Pod e-is e .dii~r -que 'a relação entre os' postulados', as regras e a "mao" é Uma relaçao qu~ foi subanalisada pela antropologia porque podemos considerar cada sociedade como equivalente a um jogo de cartas uma vez que há postulados gerais, há regras e há uma "mão" p ara cada jogador ou membro de grupos dentro dela.Não obstante, o aspecto específico colocado por Bourdieu é o que ele chama - numa perspectiva de análise qué não é exclusi me sua mas que utiliza de modo muíto interessante - de' "go l.pe, • Porque em um o o não há sim lesmente os postulados, as regras e a ~ "mao", mas ha, também, uma W1§_ira de jo ~e saber como aplicar um "golpe".. E dar o "golpe" é a go -, ':ficavel nemaos postulados geraís, nem às regras, nem à limão", mas que-implica, antes, num tipo 11 guilh Realce guilh Nota º A ideia do "golpe" como possibilidade dentro do jogo de relações práticas entre os indivíduos guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce -de atuaçao s.obre elementos nao enquadráveis no Lnt e r i'o r do jogo de cartas. Podemos, por exemplo, utilizando nosso conhecimento psicológico do adversario.lhe contar uma história que ·irá perturbá-lo - 1 rlb ri be - zas. - ._ater ou o ter v~ntagens para nossas cartas. O golpe consiste, entao, numa utilizaçao da conjuntura no quadro fornecido pelos postulaõos, regras e "mao". E, não querendo me es t ender sobre es t e ponto,' r es s a I to apenas que Bourdieu analisa, em part i.cuLar naquilo, que concerrie as e s t r at àg i as específicas de casamento mas tamõém a muitas outras, esses princípios, esses postulados implícitos. Por exemplo, na estratégia matrimonial' de Bearn um dos postulados implícitos é o da prioridade do homem sobre' a mulher. As regras são explícitàs. Por exemplo, em Bearn o dote é uma contrapartida que se dá aos caçulas da f ami Lí.a em troca de sua renúncia ã terra. 'Para que a terra permaneça indivisa é preciso que o caçula não' a receba, dando-se-lhe, porem, uma compensação, que se chama dote, havendo também um contradote. Mas isto são regras. E o que interessa, essencialmente, é o problema da estratégia que combina regra~, que navega entre elas, que se-utiliza delas e, sendo'preciso respeitá-~as, delas tira partido tendo em visEa fatos, forças e compensaçoes. Por exemplo, existem compensaçoes em questão de fecundidade: um pequeno número de filhos pode compensar o fato de se haver feito.um mal casamento, etc, Temos toda uma·série de estratégias. Eu diria que este e justamente um ponto muito interessante - Bourdieu tenta analisar as características dessas estratégias em termos dos seus procedimentos e s senc i a i.s , .Po r exemp Lo, ,,0. que .ele chama ,de4JoZitetis, isto e, .o_fato , de uma mesma .coisa:~6der ter' empregos..extremam~nt,e~ere;n~e~,·< .... ~varlando suas ro rledades segundo as comblnacoes nas quals ~ ~ colocada. Nao há .identl a e entre as praticas e os objetos dos quais frnos s~rvi~o~ ~essas prâtlcas. Ou 'en~aoaquilo que ele c~am~ de 1) s~bstltútlõllldad::.o fato de uma COlsa' se~ sempre Substl~ul~e~ por I, outra: havendo aflnldade entre uma e outra para tal Substltulçao. Ou \1 também' aquilo que ele chama de ~u~em!za~ão, ~sto é, a neces:idade de ;1 se esconde'r o fato' de que as açoes sao contraria.§.., de que ha j antlnomlas ou dicotomias na cultura. Poderemos retomar alguns des~es elementos mas nao quero'um sistema. \7' Parece-me que aí há e.Lemerrt.os mui to importantes, como no caso de ',y.... , r.,\-,;J Foucault. Colocarei, todavia, algumas restrições. -,.!_ri!.D-eiramente ,. na :-(. ';t análise .Que faz daquilo que designa por lIestratégia" Bourdeau )~. "éf) ·privi).egia opr~ble~. A.9·-}u~ar" .da~~.erra... ~!".~v:~_!..~~i~,tam!>e.m: 0_ . eI. :':;-i._.·,problema'da .f-ami.Li.a, ·Ê·o seu, as pecto e t no Lo.gi.co.. 1s5.0 pode ser. v~iido para Bearn.ou para aCabilia, onde 'ocorre um problema de ç:J identidade, mas creio que ~~.r.!:J.él:çã~.. a ""muit§-s §as práticas ..cot~dianas ,0.item-se, a~. ?ontrário, um.pr?blema_d:;Ji~=~nao-lu~~l ~.lJ.0Je .~ o /Y~_3~uer ~sa ~e co_t,lS~l.tUl.~ de:s]-~~com r:la~ao a estrutura j ~ famílial..... :=- '. Uma segunda objeçao a dirigir a ~our~ieu é a de que para ele, em Q última análise, as estratêgi.as nao. sao. exatamente escolhas r-eaas , Nao I '::!!J são estra~as realmente. Ele diz que asjes~oas, os s~.féTfõs(fessãs ~ estrate ias. não sabem o ue fazem. Que s~ tr~.!=a__ de ~ U? t~.o ~ ';"'~7\)-' ~to~atismo. Aí re~ncontramos O, sociólogo ~ ~ourdie~.. Porque p~ra I' e e ha um t ap o de ci.c Lo; tenr-:-se estruturas SOCl.o-econOIDl.cas que dao_ C lugar a um. aprendizado que se registra no habitus - tipo de aquisiçao 12 guilh Realce guilh Realce guilh Nota + características dessas relações onde o "golpe" se dá guilh Realce guilh Realce conservadora - e que o habi.tus (a aquisição) dã -l.ug a r a pra t i.cas ou a estrategias nas quais há disposições praticas que éstarão mais ou menos de acordo com as estrutura-s-:kni~c-:i:a-i-s"1'lorqu-e--dtl=rant-a..-,a-.;,-aqll-is_-ÍçãQ n~õ~ha-~9~_iç~çãD~~~a_7itL~~~a.. Isto obedece a uma circularidade que mantem o privilegio de uma racionalidade que se diria sociológica ou sâcio-econâmica. E_~eLlle, justamente, que podemos retomar o problema dessas estrategias .~~Pl..}:!~~~ecer a este esquema de . circularidade fatal da reproduçao, -contestando em particular a teoria do halJit:us, espécie de lugar místico, lugar- opaco-em sua teoria. Dentro dess-a perspectiva teríamos. ainda vários trabalhos a comentar. Por exemplo, tudo o que se fez em termos de antropologia g~ega, em particular a obra bem conhecida de Detienne e Vernant chamada La Métis des Greos. ~e justamente a inteligência prática, disfarçada e sutil dos gregos e a tese dGS dois helenistas célebres em toda a parte e a de que essa inteligência prãtica atravessa mil anos de história sem ser alterada piTas prátlcas políticas, pelas instituições ideológicas, existindo nisso uma lógica própria da ação. ,...-- -~--~- Podemos, p~ra terminar este pequeno' percurso, focalizar também algumas pesquisas amer i canas, em particular aquelas que, segundo a tradição oxfordiana da lingUística ou da filosofia desde de Moore ou, especialmente, desde de Wittgenstein concernem ao problema central do uso da líl1gua*. Essa problemãtica é fundamental e podemos perceber seus efeitos, por exemplo, em estudos americanos.e 'húngaros, assim como na pragmatica dos Países Baixos. Esta concerne· essencialmente à analise do dizer ~quanto um fazer, e pos su í, algu~s-m"";;del~~ mua t o ln~eressa~tes para o estudo das praticãs co t i.d í anas, -na analise do Direi to ~ . Sabemos -que os enunciados jurídicos são privilegiados por Austin justamente porque visam diretamente uma açâo, devendo ser analisados enquanto ações. Propondo um exemplo corriqueiro, quando encontramos nosso vizinho ou viz:Lnha ou alguem de casa, e lhe dizemos "como vai?", ou "tudo bem hoje?", ou "bom dia!" o enunciado não significa "bom dia" ou "c.omo vai". Trata-se de um contrato social, de uma modalidade de contrato que consiste em melhorar ou em piorar a relação, ou a desempenhar uma pragmat i ca da relação por intermédio do enunciado. ,Aquilo que ~ essencial é exatamente o uso que fazemos das palavra~lIb~m-dlã"-enao o seu sentido .literal. ----- -- Ternrse encarado os contos populares ou p~ovérbios exatamente dessa .perspec.tiva.. PeJl:so,,~ue.hã inúmerasJe~quisas.. americanas no CéUIlpO da : ·prairllãtí"c.éi" ·qu.e siO·. muito ír:i.·tere-ss.a:rttes;,. pois ,.:trat·am:' d.a;tõg"íc::adessas Er~ticas de Essa 'íõgiCã1or~ece'varí_os:mõdeIo'~1i-!!$.1!.ê-J~eJA~ 'muiYo---""~ significativos d,2 .ponto ~:ri~ta das ~rati~as ~nqu~!~ taí~. Tüôo se passa como se as mesmas praticas se estend~ssem tanto no campo da linguagem como no das afinidades- sociais: têm-se os mesrno.s, s; Desse ponto de vista as pesquisas, por exemplo, de eo~ges le Gof sobre o que ele chama de lógica fluLda (furly logic) s~a~~~·~ / importantes justamente' porque tratam da linguagem ~dinária. . e consistindo, na .lQgiç--ª....:..dÂ~.:proximaçoes.t~ recurso' a concel.to flUl.dos ~omo "logo d . s" ou "antes de'l, etc. Da mesma forma, Y_E.esquisa feI=tãpor. o re ..~.E,l.q~etaL~9re os _modelos a que ela. obe~ce, * Entre este paragrafo e o.próximo houve um-hiatona gravaçao. 13 sobre os procedimentos de polidez .. Ou, ainda, a tradição americana da etnografia do falar com Bomane, Scalz~re e muitos outros. um s e t or que devemos reter nessas elaborações americanas porque, acredito, nos fornece modelos precisos de análise, é a escola chamada de etnometodologia, fundada por. Garfinkel e tamõém representada por : I/ Sachs (mas não ê este que aqui está), Scheilof, etc. Ela tenta -; analisar; graças ao e s.t.udo de conversas mui to curtas, como o e.spaço e articulado por linguagens. Ou, dito de outra forma; tenta analisar a organização prática do espaço' socíal, por 'meio ·de um trabalho "'- / l~Jgttístíco acerca da determinação do lugar em uma convers~ e, ~\,' considerando tudo que diz respeito a designação tanto de .lugares reais (como "tal praça", "tal localidade") como de lugares s í.mb l co s (comoó í "em casa de Luísa", "de Maria", etc.), Temos, por exemplo, o trabalho feito por Scheilof.sobre aquilo que ele chama de lIpr e l i mi nari e s " , Uma conversa ou um encontro prático e analisado, por ele como um tipo de trabalho de aproximação, de compatibilização, -en t r e os preliminares ou' postulados de cada um. Se o conteúdo é, de fato, essa..aproximação entre os postulados diferentes de cada interlocutor. Para a pratica esse é um problema muito importante. Trata-se de analisar o trabalho feito sobre a linguagem para criar uma cena comum, uma cena de comunicação, um espaço de palavra, espaço este que é um espaço de prática. Como diz Scheilof: make room (criar espaço) para a troca. O conteúdo da conversa torna-se, desse ponto de vista, a metafora desse '"trabalho de compatibilização." . Há outr0s exemplos como, particularmente, os trabalhos feitos em' Cambridge pelo ,Centre for Contemporary Cultural Studies, centro muito 'importante' atuálrnente na LngLat é r r a , 'dirigido por Stuart'RolLE ,muitos outros, "Ou/poroutio Lado ç ipoder i amos d'i.scuti r unia série de: pesquisas arquitetônicas como as feitas pelo grupo, a~ericano chamado Site para constituir a cidade como algo praticável pelos habitantes. Ner.anpd.se obedeceu mais ã problemática funcionalista, das funções distintas, como no càso "aqui fica o mercado, ali a habitação, acolá o comercio ou a universidade, etc.", mas, ao contrario, aquela ,organização da cidade tendo em vista sua utilização múltipla pelos habitantes. Ou, ainda, as pesquisas feitas pelo pintor-arquiteto americano Harrison, que tenta transformar Baltimore visando a constituição aa cidade em paisagem da qual cada habitante sera o píntor ou escultor. Assim, poderíamos 'retomar qualquer um desses exemplos. Gostaria de ~erm~nar rapidamente por uma terceira parte que elaborah, . recursos. coIlceituaispara ~Llláli:~e".(fa:s.. prãt:ic,ascotidi,~nai>', ,.'. /1) I JO primeiro registro teorico e 'prático para an'alisár essas condutas ct. ;' s ; i Icot í.d.í anas concerne às teorias atuais d~(é!iunc-z.-ªª~o ryeech act: (:~to i i i de falar) Um se undomodelo concerne a dif~rença que esta~elecerel. fi; entre at a e estrat~ m terceiro concerne ã utilizaçao que se I I J ' pode fazer hoj e d retonca c, a análise da r at í.cas cotidianas. E o i ! J I quarto concerne à problematica da memor:-z.-· ois existem, do meu ponto 1 I/\ de vista, relaçõ:s formais fundamentais entre a memori~ e aquilo. que dissemos agora ha pouco acerca do golpe: dar um. golpe e uma manel.ra de I i 1 I I mobilizar a memória. E' o golpe constitui um tipo de modelo geral que .J 1 tamb-.em serve para' a análise das práticas cotidianas. ~ ~ 1 No que díz respeito à enunciaçao, ao speech act, à efetivação da 14 guilh Nota - Alguns modelos de análise guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Nota º Enunciação guilh Realce linguagem por um ato de fala, pelo speaking, a que s t ao nao mais se prende ã língua enquanto. sistema mas, justamente, a'uma pratica da linguagem. A perspectiva é a das operações feitas pelo orado'r', a qual, penso, oferece hip6tese~ interessantes do ponto de vista das operações usualmente realizadas por um agente da cidade ou do campo, etc. Dentro c~ssa perspectiva ha três ou· quatro elementos de oase que me arecem_muito iro tantes. O primeiro é o.de que ~ ato de falar é~ efetivaçao da l!ngua. Esta s; se torna r~al no ato de falar. A ~ llngua enquanto. tal não .existe. 'É a maneira de inverter ~ problematica de Saussure_que, por razões perfeitamente legítimas, isolou, eliminou a questao do ato de falar, para empreender a organização da língua. Penso_'que hoje, intennediando todos esses estud~s lingUísticos, ~odemos fazer a abordagem inversa e, recolocar j"LJ ~ questao do speech (da fala), do 8~aking (do falar) em primeiro plano, , u~a vez que só nesse ato a.língua ê real. Isto ê essencial. QVjQ ~ Poderíamos dizer que a ruasõ ê real no ato de andar. O e;paço do Yh aparta~ent2 s~ é real ~o ato de habitar. E que ~es~e P?nto de vista e ri ~ a efetlvaçao que organlza.' Por exemplo, t~nto dlstlngulr uma . ~oblemãt;Ga de ~ar - senQo o lugar igual ã lingua - enquanto tipo' dt geometrização urbanjLstica ou argul~etural do espaço e, de outra parte, o espaço enquanto~to de praticas do lugar, ou seja, o speech act do lugar. ~t~. -__,:~ ',> .: I . 15 guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Nota º Tática e estratégia guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce " lugar proprio', susceptível de ser circunscrito e de se·r a "base de uma " ;'disti.!!Ça.Q frente !!. uma exteriori.dader Torno um exemplo simples:-:- =----'"- -' D8bservem que hoje todas as teCÍriaS=de management (gerenciamento) ao se propor a racionalizar uma empresa, começam por tentar isolar um lugar de decisão e àe poder em relação a uma.exterioridade, tendo em vista calcular as rciações de for~a entre o lugar de decisão e poder e seu I eruri.ronment: (meio ambiente), sua exterióriàade. Este é o princípi.o .,J-<- _ í~/l,",~ 'l essencial da estratégia. Ela é def.inida pela posse de um . lugar . Y'.ft- í J.M ~ prõprioo< . Apropria cienc~ ,se const,ituiu,. deste -o seculo XVI, como~ ~).2r7 _;;'-v"'o . estratêgia. Definida pela propriedade, supõe, por exemplo, uma jJ-. r"l, )",C1-'v vitoria do lugar sobre o tempo, o privilegio do lugar em relação ao ~'~'~.,/~S tempq, Se temos um lugar prõprio podemos capitalizar o passado e ~'1 jvprever o fUEuro. Tornamo-nos menos dependentes do tempo. É uma capitalizaçao sobre uma base própria que permite resistir mais às metamorfoses do tempo, Da mesma forma, uma estratégia supõe uma prática õtica ou panõtica de previsao ou de visão do passado. f A estratégia é, então, em essencia "p.roprio". E distinguirei as 'J ausência de um lugar pró rio., hamare~ de tat~ca a çao calculada ou ~ a man~pu açao de relaçoes de força quando nao se tem algum lIpropriolJ, ~ ou melhor, quando não se tem um lugar próprio e, portanto, quando ~_r ~ estamo~,.conforme já apontou Clausewitz a prop6 ito. as tâticas e 1'\ '\ ' es t r ateg i.as , dentro do cam o o outro ou locatar~o, estou na rua , impos~ por uma o em da sociedade política municipal ou federal, estou num apartamento que não crie~ do qual não sou proprietário. in ~stou no interior de um campo definido pelo outro e é em função da Ij I 3 (d ausência: desse ··lugar, ~J;"óprio '.que, calc,ulo a.. re~a9a6~ de: ·.f.or:ça.:. Em '.' . "ÁiC0 ,~ (/':" outras pal.avrasj p~ra retomar ··a ~mag:m que t~l~ze~ agor.a"ha ·pou,co· _ ~O ))1f j i trata-se da situa ao do caçador furt~vo. Ele nao esta em cas ~ r_~,~ ; ; vontade" ~as sim numa pps_~ a? de ~fr,éi. ueza no int=rio: de uma ~rde;- _ (..&1' j ,i~postae, ~ pelo fa:o,dessa s~tua ao que sua opera~o tatic~, ~ :::. .d~fer~te da estrate l.c:a. -E e nao tem um lugar au o ~ ~as r eLaçoe s -deforça. O que implica toda uma seriede f atos e'i em particular, retomando as palavras que sublinhei ao tratar da estratégia, aquilo que e essencial no caso da tática é, simultaneamente, a dependência em relaçao ao tempo e um uso muito 'mais sutil do meSmo. Porque na tâtica damos golpes, ~proveitamos con'unturas as circunstâncias ara dar o 01 e. A tatica e ma~ deendente do té mas simultaneamente, ela e melhor utilizadora do ." moment o do mento certo, do momento de dar um golpe. ~.~ ~ ." - ...:;' .;.1 Poderíamos' r~t: ·'r. ,algumas ,hípõ,teses t)os"i:i".ívei·s den.tr o dessa.' . ~. (" 'persp~ctiva; :.J>fu.!?", s i.mpLe'sment.e..pàra."t;:e~i.n~r ~ errt r.o nos dois vitimos - ,J'·... !;modelos. o terceiro modelo, concernente ã retórica, e um pouco ,~';"?0~dox~mas, do .meu ponto de vista, e essencial. ;..::t\ O que é a retórica fundamentalmente? f um uso do discurso para mudar ~,.:,'~ a vontade dOiout-ro. t:, portanto, uma utilizaç;'o pragmática da l~ _./'; -(}-em funçào das relaç~es de força. Sabemos que houve na elaboraçao da '_v-.' retórica uma análise cada vez mais sutil de di:ferentes maneiras de s e ~~. utilizar a língua relativamente a essas relaçoes de força. Por exemplo, a metonímia, a metáfora, a sfnêdoque, et:., são dif:rentes ~ tipos, diferentes modelos, de operaçoes em uma l~ngua relat~vos a relações ,de força. Desse ponto de vista podemos considerar que_Freud constitui a volta ã retórica. Nos sonhos, em todas as operaçoes 16 guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Nota º Retórica guilh Realce psicanalíticas - justamente relações de força -, ele. restaurou a pertinência da retórica. Desse ponto de vísta, sabemos que a clencia dos sonhos constitui exatamente uma revalorização de certas figuras da __~~tõríca mas nao e~...9.uanto estas. concernem a <?rnarnenta~ão da língua, nem enquanto tornam-se decisivas como operações, corno praticas, corno fo:rmas operacionais z., Por exemplo, penso que hoj e tentei aplicar isto aos usos do espaço urbano. Podemos retomar' certas figuras da retórica pensando-as como uma forma de OEeraç~o e ,nos, perguntando se hã praticas cotidianas que são do tipo metonímico', ou sinedot:lêOõu -metafórico, etc., consistindo isso num instrumento muito rico.' Creio que esse procedimento pode.serv1.r muito ã renovaçãO da retórica. Como, por exemplo,na Belgica, faz hoje o grupo dirigido por Philippe Dubois e fizeram outras pesquisas que sucederam ao período perelmaine,' também com certo papel dentro dessa perspectiva. 'Podemos, por outro lado, tentar r~ncontrar na retórica um campo de modalidades o erac~onais ara as rela ~es de interesseessoal e tambem ara as pJtexa.ç.o ',' tlCO'-: da mesma forma corno uma figura ~de retórica é uma operação feita no interior do sistema lingUístico, podemos dizer que as práticas cotidianas constituem diferentes tipos de operaçao no interior de um sistema urbanístico, de um sistema econômico,' etc., havendo, portanto, certo paralelismo entre ambas;! l IPois essas praticas são, igualmente, manipulações, maneiras de jutilização da língua, do sistema, perante as relações de força, u t i l i z ando- a s para contornar o lexico existente, dos objetos, dos lugares, dos lugares de uma sociedade, dos lugares de uma cidade, etc. O ultimo elemento que desejaria, enfim, sublinhar e. um modelo mais ,gl~bal talvez"niais rlifícif de' se'<ana'l í.s ar,' "que diz.resp~ito'ãs"" , a oe's 'e~tre ._3:.~~JP.or.:ia _~, a' ,ao ,'Gostar'iacle', tomar' como exemplo aquilo que c amamos e 1.mp ovisa alT. Sabemos que a improvisação constitui o contrario da esp_ ,1dade. Um pianista improvisa quando conhece,perfeitamente o c§digo musical .. Da mesma forma ~ improvisação' na vida'cotidiana pressupoe um conhecimento· extraordinariamente sutil ~os: códigos. E, em conseqUêpcia, uma memorizaçao de alguns elementos. Não'obstante, esses díferentes elementos sao mobilizáveis ~ r~latívamente a um instante que chamamos de ocas,ião. Porque a' ocasião não existe por si mesma. A ocasiao ê~aquilo gu= e-criad~: e c~locar a 11 m~mõria em ,relaç.ão com o instante. Nos~fazemos fis oc.~sio~,~: nao as recebemos mesmo que, objetivamente, o .mercado ou o supermercado nao cessem de nos dizer que oferecem ocasiões espetaculares. A .ocasião e, na realidªde~ um golpe~ Creio ser muito interessante anaíisar as relações exi.st.en t e.s 'entr.e à c ompet.en c.i.a ~ornecid,a pela memória e esta .: espécie de jogo de' .guer r a ,de,guér;i::-a-re:l-?nlpago que repres.enta:á." criaçãoda'.ocasião. 'E que se "trata de algo .que e obj e t ivado sobre o . modo de um texto .. Falo da dona-de-casa que e uma artista absolutamente extraordinária circulando em um 'supermercado. Observei muitas vezes, cheguei mesmo a me divertir comparando, na Califórnia, a situação dos homens e das mulheres no supermercado. Eu faço como os ,homens: chego com uma folha de papel onde marco o que sinto falta. Esta é uma maneira selvagem, brutal de fazer compras. Por outro lado, , temos uma competência circuns.crit~ ao mundo feminino - não havendo, . razão para se supor que seja particularmente feminino, tratando-se, penso de um fenômeno sócio-cultural - que consiste em ~ncarar as' ocasi~es os preços' dos obj etos, comparando-os' simultaneamente com o que e ne~essãrío para o filho., para o marido (porque cozinhar é gerir I 17 guilh Realce guilh Nota º Improvisação guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce guilh Realce o corpo do outro, é um poder sobre o corpo do outro, e fabricar o corpo do outro) e,_depois, coro aquilo que há na geladeira, os convídados que virao~ os preços, em todos os tipos de combinações possiveis, para, entao, dar o golpe por intermedio,dessas relações entre a mem9ria e o instante. Penso que esse tipo de análise pode fornecer um modelo global também no que concerne' às práticas cotidianas com a questão, que podemos' discutir, de saber qual e o discurso que' poder emos ter acerca de s s a s práticas. Um discurso ~e~rico e prático. F~zer uma descrição é, por ;xemplo, um problem~ teor~co. Sabemos.que ha estudos hoje sobre o que e fazer uma descriçao. Desd; que isol~os, que etnologizamos as práticas cotidianas, ainda no seculo XVII na França e na Alemanha pesquisas que chamamos de "des crí.çao das artes" tentam ver qual tipo de discurso se aplica '. a essas práticas. Este problema já é essencial para os enciclopedistas franceses, havendo, para Diderot, uma diferença essencial entre a chamada geometria dos acadêmicos e a chama~a ~eometria de oficina. A capacidade matemática, por exemplo, dos teceloes para fenômenos de urdidura era maior que a do d~scurso dos geômetras da academia ou da [universidade. Ou seja, o problema e como introduzir em um discurso àl LFiqueza, a satisfação extraordinária dessas práticas cotidianas.' J Podemos recorrer a toda uma ser~e de lógicas que já existem porque, de meu ponto de vista, esta questão das reu.ações entre um ator eas circunstâncias são o objeto'de toda uma tradição chinesa, da lógica chinesa ou .d a l~gica árabe sobre disfarces ~ ' Já no ,1 CHING há 63, , combí.naçoes possrvei's' ent.re ..um agerrt e e circunstândas''ViI,rtáv?,ísT- : -( ç.. - . . -" _. .."...". ..' 'c{ Mas há um ponto sobre o qual gostaria de'insistir ao termi~ar. ""-5 Trata-7e do~ Penso que estud~~s muito o rela~o -:- de vida, de l ,._entrev1.stap - como se fosse riece s sar r,o procurar atras dele ... • ::>' //estrl,lturà7' ec?nômicas, s oc.i oLcgí cas , das. quaí.s seria o ~ato. ~enso 'c '; ;.l':;' que haverí.a aí.nda uma outra coa.sa amport ant.e : o relato e, em 51, a ',; /-j: teoria das práticas cotidianas de que trata. Porqueconstitui, ~ ::"'.,6' igualmente, uma prática cotidiana. Ele ê o iinico tipo de texto que é,;., ?'~1 ao. ~e~mo tempo? uma di~ss~o das ~!â~icas co~:i1diana7 e uIna prática. L ~ >- " ; cot1d1ana em Sl., Ele propr10 const1tu1 a teor1a daqu1.lo que faz,' ~. '? J daquilo~e conta. Assim podemos analisar a narratividade comO a ~~ teoria possível, o discurso teórico das'práticas cotidianas e a possibilidade de dar um trato científico a inúmeras práticas das quais nãofaleL_'.como, por exemplo"as .a'r t.es__ de se cuidar, a .de habitar, a d'éi~var" a de 'comer; a dei conipr ar , :a::de combater; a <j.e'fà1-ar, ,'etc., a'Lgumas 'delas'pesquis'adas"nos grupos"médicos'; -., - - ' . - . Penso que seria preciso que tivessemos não apenas um aparelho técnico-conceituaI para analisar as práticas cotidianas mas também'uma elaboração 'sobre os relatos. Se al guêm nos conta o modo de cozinhar ou de fazer um cardápio trata-se de um ato a nós destinado, é também um speech aet: (uma fala), uma e st r at ég í,a. S'abe~os bem =m nossa especialidade que a maior parte do tempo os etnol~gos ~ao engana~os, são lIenrolados" pelos assim chamados IIselvagensll que sao bem mais . oIDaliciosos, têm uma lucidez mui to mai.o'r acerca. do ato de falar' do. que o cientis.ta interlocutor. D?í eu crer que tambem deveriamos ter uma eoria da narrati a para poder elaborar u~~urSO,3.2Ere aSp!pticas, __~._ ~ara poder 18 guilh Nota º Relato guilh Realce guilh Realce guilh Realce ~. ' elaborar \lm estatuto e normas do. di.scur~o! uma maneira de tratar os .materiais existentes sobre as práticas cotidianas nos jornais, nas entrevistas. Ou de como analisar um relato. das práticas ·cotidianas. E~s uma tarefa tambe:m indi.spensavel numa pesquí.sa sobre as mesmas. Peço desculpas por ter me alongado tanto, ma~ tratei apenas de problemas preliminares. ........ r· .. ·· v~ ".'. .: \ 19 guilh Realce Ruy Coelho Comentários à palestra de Michel de Certeau Senhor de Cer t eau , 'ternos que lhe agradecer sua expos í ao no t àve I queç sintetiza tão bem os dados novos. Anotei pontos e me parece que seu metodo muito sólido, muito inteligente, muito astucioso, é uma evidência do métis francês é, portanto, grego. Hã, contudo. problemas que se colocam, talvez ... Trata-se de problemas que surgerr. a propósito' dos cursos que devemos dar, 'das ideias que temos a transmitir aos alunos, e da direção das pesquisas. Creio que estamos inteiramente de acordo. Penso que a atual estrategia de pesquisa cedo colocará sobre o divã o fato de que pesquisamos demais os problemas de estrutura e a estrutura não ~ consiste em uma probiemãtica em si. Nós a tomamos como uma coisa \Yit .~- ~ ~ evide~te .. quando jl,lstame,?te. ~~rgimen.to." o. nasciIJ.l.ento da ..=.strutllra. c\ ~ô:"I'4Y . "'.h ': 'c.~HU~ o problema muHo J.mport~e.·., ': ':'" .) ~ ~ Mas, quando o senhor fala de ll~l-'ca do cotidiano seria preciso esmiuçar, talvez, essa noção ~ õgi a. Não se trata da lógica formal; n~o é a lógica que tem' possibilidade de axiomatização. Porque ela é, antes, uma tática de vida éot~diana e não uma estratégia. A estratégia pode, talvez, se consti~uir como a teoria dos jogos. No entanto, as relaç~es entre a vida cotidiana e os grandes sistemas de vida social constituem prublemas que não são faceis. Podemos perceber, grosso modo, a mitologia e todos os seus símbolos, a vida política e todos os seus símbolos, como grandes sistemas que -se organizam segundo as engrenagens mais ou menos susceptíveis de "representação formal. Contudo, não ha o risco de se separar demais esses grandes sistemas daquilo que é vivo a cada instante? .' Não hã liga<;(;es entre esses grandes sistemas oe. a vida, corrente, o's 'problemas do coticH,ano?':: .: '. Porque ," por ~~~mp16~'q~ando\ s~nh~~ I ~ia d a jnemo r i a e da 6ca6i~o, acho notável essa noção de que a improvisação é o contrário da espontaneidade. A espontaneidade não e a base' da improvisação. Sabemos isso pela literatura de cordel, por exemplo. Nas improvisaç(;es do nordeste hã fórmulas que reapar~c~m, há toda uma disposição de figuras de retórica que retornam sempre. Mas, quanto ã memória, gostaria de relembrã-lq da destacada obra de Frances Yates, na Inglaterra, sobre a arte da memória, a qual mostra que durante milênios, durante dois mil anos, houve uma memória baseada em figuras retóricas; que hã um passado histórico que, de certa forma, cria as bases necessárias ã memória, ã própria improvisaçao, o 20 discurso jurídico, todos esses art~I~c~OS para reter um certo lugar-comum. Justamente a palavra "Lugar-rcomum" e uma metáfora muito precisa. Criaram-se, imaginaram-se, os jardins Com lugares delimitados. Então ha toda uma memoria coletiva por trás. E o início desses trabalhos sobre a memoria deve-se a Halbwachs:-a memória coletiva, os quadros sociais da memória. Portanto, o passado, o formal, aquilo que é institucionalizadó in~ide sobre as práticas cotidianas t amb em.: 'Então' os elos entre aquilo que é mais institucional, mais cristalizado, na vida social e o cotidiano 'constituem um problema' te6rico e pr~tico de enorme importânci~ o qual, creio, devera reter nossa atençao. ~ E hã, subjacentemente, ainda um~ questão, que se coloca para mim ao ;:-" ~,nível da pesquisa: na vida coletiva devemos penetrar na linguagem do ;y,~ ,,~-:,:": coti~iano : Lsso .i_~_~~~ diÉ~'c-~· Por~~e ~o cot~diano fazem-se ~ ~~[' ~alusoes; ha o problema d~~X1S~ do de~ctlco; ha o problema do ~ c ~r;<l hip?corisma, as~pessoas qu~~onh~cidas por ape l.í.d os ; por fim, uma 'c{ ~-~' soc~edad~ homoge~ea ~ relatlvamente :solada empregara :es~ungos para ,;- "" ,/ se comum c ar . Irí.go xs t o de uma manei.ra um pouco humo r i s t i.ca , mas ••. -ç ::'c':'~ Quando, por exemplo, fiz minha pesquisa entre os Garifuna, na America ~ .;- Central, numa ocasião, passeava p~la praia e falava.um pouco do caribe que e uma língua muito difícil (na verdade havia posto de lado aprender a estrutura do caríbe, mas compreendia certas palavras). Havia duas mulheres do povo que passavam. Eu ia ver os pescadores e estava certo de encontrá-los porque o mar estava "picado", inquieto. Indaguei: "Os pescadores estão lá, não e? Posso vê-los". ' E as mulheres me disseram: "Sim, estão lá, vão partir". Uma delas olhou, o mar, e disse: l'Eles'e~tão',muito zarigados hoje"., O 'que -queri.a d í z er "e l.e's. estão"? -Ograride 'riso, a ;mão na boca nada me d í.z í.am. Fui " interrogar alguém para saber o que era aq~ilo: os espíritos que provocavam as intempéries, talvez. Esqueci de 0 fazer. Jamais tive certeza s ob-re o .que significava' esse "eles". Isso é dêictico.. . , Que diie~, para penetrar na vida cotidi~na é pr.eciso saber a língua e conhecer todas essas suas variaçoes locais. Por outro lado, há essa experiência que temos quando conhecemos o francês Berlitz e éh~gamos a Paris onde devemos entender os motoristas de táxi, as indicações e, sobretudo, os parisienses que falam sem as letras mudas, que não existem..• -, Náo comp;r;eendemos nada, não é? Não importa quem vã' a um -p aí s estranho: -pens a-rs e que se conhece a língua e descobre-se que n ao , Então a língua da vida cotidiana apresenta dificuldades terríveis para o pesquisador. Penso que a única maneira de contornar o problema e a velha idéià do obs e rvador p'ar.,ti-c,~pante;,·,é ví ver .narví.da dos' :olitros,'e mergu Ihar' no", conj unt;o de: s i grri.f Lcadosvmuí.t o sutí s :quê se r~ferem .ao momento dado. E'há palavras que' se repetem sempre e que tem um significado preciso. Mas, de toda forma, existem procedimentos para se pôr em curso na análise da cultura. Penso que o senhor apresentou muitas estrategias e práticas. Eor exemplo, as pesquisas que ainda são um pouco baseadas na analogia. Rá um certo risco na analogia. William James desconfiava da analogia e dizia que ela era como 'um caso que lhe acontecera no oeste amêricano. Um curandeirofora chamado por uma família por causa de uma criança que tinha febre. Mandou que mergulhassem seus pes n~ água fria. Então responderam: ilHas se lhe fizermos isto ela'teEa convulsoes"! Ao que ele retorquiu: "Mas, e isso mesmo: para convulsoes tenho um, 21 remedio certeiro"! Note-se que este ataque de James ·.à analogia constitui uma analogia. Ela .e, talvez, o meio mais seguro de fazer avançar o conhecimento e a pesquisa. Mas acho que, por exemplo, o paralelismo entre as figuras da retórica e os fatos de cotidiano ~ constit~ir~a_urna prim~ira etapa. ~eria! t~lvez,_necessãrio focal~zar a const1tu1çao ~os me10S que nos sao propr1oS, nos que fazemos, nao a lingUística, mas a análise da cultura. ;-- Não sei lhe dizer como fazer isto. Rã sugestoes extremamente inteligentes fi interessantes, mas e\x suspeito dós exageros. P'ri.e t o ," por exemplo, quando trata da atividade do artesão, do marceneiro, que se utiliza de ferramentas ou instrumentos, como se isso fosse um fato da linguagem: o artesão escolheria entre eles como nós escolhemos entre fonemas totalmente bem comportados. Hã exageros, talvez, dos quais seria preciso .desconfiar. a que o senhor diz sobre o relato, penso que e magistral. Justamente: no relato nao hã uma apresentaçao passiva de fatos mas S1m uma mane1r~ de articulã los. Apresenta aquilo que d~, às vezes, uma noçao da articulaçao de todas as coisas ten~o em vista certo fim comum. Em suma, Sua exposição foi de extrema riqueza. Haveria comentários a fazer sobre muitos pontos. Não fiz mais do que privilegiar aqueles que me pareceram extremamente importantes. Creio que para nós ela foi sobremodo proveitosa. 22 '. Michel de Certeau Réplica a Ruy Coelho Muito obrigado por essas questoes que permitem tambem precisar certos pontos. Em primeiro lugar, no que concerne ã lógica, penso, justamente, que há hoje certas pesquisas referentes â lógica da ação, a uma lógica do tempo, as quais, como todas as lógicas, estão acuadas por uma rarefação do campo. Elas se formalizam em alguns problemas tendo como ques ãoglobal ~ paralogia a da não 'pertinência do problema do tempo numa análise lógica. Mas penso inclusive que podemos utilizar o xepertôrio lógico existente em outras sociedades. Fiz justamente 'alusão â lógica chinesa ou â ãr~be, Há ainda os lógicos da Trabologic. Na França penso em Claude Aubers que tenta' analisar o modelo lógico obedecido pelos relatos do romance alexandrino, pesquisando ~ipóteses log.icas· não' usuàis. . . . - .-' -'." ." Estou absolutamente de acordo com o senhor quando fala d§l artiçulação ll.ecessária entre orna análise das prÃti CSl5 coti àiaRas e o conbecimeut:"o ~o si~~ema den~ro do qual elas se executam, ~rata-se, justamente, da quesfao das .prat~cas, com seu desenvolv~mento no campo dos sistemas sociais, econômicos, culturais. De modo algum faço antinomia entre esses dois tipos de pesquisa. Ao contrário, penso que podemos lucrar com o trabalho monumental feito em relação aos sistemas econ~mico ou cultur,ª-l, .para eSEecif~car a pratic;a, os ~ípos de operaçao a que as prâticas cot~dianas correspondem. Tomo o exemplo que o senhor me deu: -o 'cordei ;:··e que' corresponde a lnií'meras pesquisas relativas ao conto popular. Há que se analisar, sobretudo, a estrutura desses relatos. Penso que a enunciação de um conto popular é marcada por certo núme~o de .detalhes retóricos, certas pequenq~ omiss;es ouadj~~çõe~ relativas às c"iic'utlstândas, ·aos··.{nter~octit6res.. Pod emos 'assim voltariji . perún~~cía d"és'sesdétalhes retóriC:o"s na "utiÜzaç'iio do~reia'tos estereotipados, como, por exemplo, Jack Goody na análise do desempenho de alguns contos populares em diversas situações. O que não exclui a análise do relato enquanto codificação global, mas permite ver qual t~ t~~balho_ou oper~ se produz no mom~nto em_qu~ esses contos estereotipados sao enunciados frente a determ~nado publ~co, em determinada conjuntura. Daí a articulação entre a análise estrutural e a das práticas, das operações imediatas. O senhor fez alusão ã arte da memória. Trata-se de uma questão assaz interessante porque essa arte constitui uma vontade de articular o oral e o escrito. Retenho simplesmente o aspecto que faz dela uma arte e não uma ciência, já que foi, por exemplo, no século XVI, fundamental para a elaboração da cartografia, de uma representaçao 23 ot~ca do saher, etc. Todavia, conforme ê apontado por YaLes a memorização de um enunciado deve poder ser a adesao, a aliança, entre o elemento a reter e uma metafora, uma imagem que ele chBma de lI s t r i k i n g" , impressionante. _ Aquilo que ê. impressionante obe~e a regras individuais que nio são especificadas por essas leituras. Mais ou menos as mesmas regras que encontramos nos sonhos. Estes tipos de co10caçao em re1açao às práticas tni.tam de ·a1go nãoge;;~:ilizável. Buscam uma arte e não uma ciência~ À arte da memória é um caso muito' interessant.-= de relacionamento entre um quadro geral, como, por exemplo, o lugar onde estão objetos que queremos memorizar, e as operações do tipo práticas cotidianas. Seria bastante significativo para mim, que faco trabalhos sobre a arte da memória, verificar como' tais metodos são-compatíveis com a análise de Freud sobre os sonhos. No que concerne ã linguagem do cotidiano estou abso1utamente·de acordo com o que o senhor diz, pois previ, além dos meus dois volumes já' lançados sobre a noção do cotidiano,. um terceirq sobre a arte do . dizer. Os procedimentos da .1inguagem do cotidiano são extraordinariamente sutis. Ha muitas pesquisas a esse respeito,como toda a tradiç~o do ethnospeaking, a etnometodologia, estando aí compreendido aquilo que o senhor'faiou acerca dos resmungos ou dos barulhos da voz. Por exemplo, penso.ser um ,crime absolutamente imperdoável.·transcrever uma entrevista" porque os barulhos, os golpes de voz .no interior de enun~iado, ~ semEre estrª~êgj cos Um momento de hesitação, uma abreviaçao, um corte sao'elementos essenciais numa cura psicoanalítica, a saber: o golpe e sempre estratégico; não obedece' a normas semânticas ..Na fala hã out ros: modos de P0!1tuações. Apontuaçaó'e a oT.alídade·· sao .coisas fundamentaís-:-(ró-p~on'tÓde vista. i;la análise das práticas cotidianas verbais. É melhor escutar tr~s vezes uma 'gravaçâo do que transcrevê=l"a-.----- - No que co~~erne as hipoteses, sabemos que.uma experiência científica e tanto mais rica quanto mais hipóteses "tiver.- Hipóteses que e pre~iso verificar ou falsificar pelo teste. A hipótese ê um procedimento de expectativa, de espera. Coisa que se constatou em relação ã enunciação ê que quando não se tem hipóteses sobre a arte de falar deixa-se de observar no enunciado .uma quantidade de coisas que seriam relevantes. ,Seria preciso multiplicar as hipóteses para que as observações respondam sim ou não a elas.' Terminarei tratando do relato. Existem hoje pesquisas que tentam recuperar a. 1êgica obedecida pelo r e Lat.o , Este. é )-l~ p:roblem~ que. se -jun t.arao' que o.serih.or· colocou. ao. iniciar, a~'saber, o .:.reta,toe uma tiajet~ria, urntipo de travessia··em ,uiri,·.campo ,estrututadode 'modo sistematico, e uma pratica desse campo. Devemos estar d~plamente interessados no relato porque ~ ele que organiz~ um espaço e porque, na medida em que ele diminui, o espaço se torna cada vez menos "';'ísíveL O'relato e para nós .hoje aquilo que os deuses eram na antiguidade. Dizia-se que havia um espírito nos bosques. Esses deuses embuçad?s são.os relatos. Ou os relatos .são deuses. Na medida em que desaparecem, há um empobrecimento, os espaços se tornam invivenciâveis. Ou hã:tamnem a guerra, a aus~ncia de deuses. relatos locais podem ser substituidoa pelos da televisão. Os Os relatos constituem portanto, justamente aquilo que organiza um 24 .. ' J espaço. Ê muito importante comparar aS. praticas d)tidiana~ enquanto"'""\.1f gestos e enquanto narrativas. Uma n;o é neces.sariamenteparalela, mad sim relativa, â outra. Porque é re ra geral na cultura o fato de que introduzimos na simbolizaçao aquilo que nos a ta oR~opr.atxea. A ~Iação fundamental ex~stente entre a pratica efetíva e os s~mbolos ~o é um paralelismo. Falamos mais daquilo que mais carecemoS, - Tambem sabemos que -ha -uma simbiose, uma correlação entre o relato e a pratica, com uma especificidade: existem. de- um lado, a modalidade 'i -pr opr a de funcionamento do relato e, de outro lado, as relações com aí I prática, sem que esta esteja necessariamente de acordo com aquele. , Desse ponto de vista estou inteiramente de acordo com aquilo que o [ senhor diz 'o . .' -. 25
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