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Torturado pela sua fé - autobiografia (Haralan Popov)

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Prévia do material em texto

http://www.editorafiel.com.br/informativo
http://www.editorafiel.com.br
Torturado por sua Fé
Traduzido do original em inglês:
TORTURED FOR HIS FAITH
Copyright © Haralan Popov
ISBN No. 85-99145-18-5
Oitava edição em português © 2006 Editora Fiel
Todos os direitos reservados. É proibida a
reprodução deste livro, no todo ou em parte,
sem a permissão escrita dos Editores.
Tradução: João Bentes
Revisão: Marilene Paschoal
Francisco Wellington Ferreira
Ana Paula Eusébio Pereira
Diagramação: Christiane de Medeiros dos Santos
Capa: Edvanio Silva
Direção de Arte: Rick Denham
EDITORA FIEL DA
MISSÃO EVANGÉLICA LITERÁRIA
Caixa Postal 81
12201-970 São José dos Campos - SP
Prefácio ...................................................................................................... 5
Seqüestrado de meu lar ....................................................................... 7
Começam as noites intermináveis ...................................................... 9
“Bem vindo à Casa Branca, prisioneiro Popov!” ............................ 13
Um ateu empedernido encontra Cristo ......................................... 15
A Mão de Deus sobre um homem ..................................................... 19
A Bulgária transformou-se na “Pequena Rússia” .............................. 20
Antes espiões do que mártires cristãos ............................................. 21
As paredes da prisão falam .................................................................. 23
A “Dieta de Morte” ................................................................................ 29
A cela de punição ................................................................................ 30
O quarto dia diante da parede ........................................................... 33
O décimo dia ........................................................................................ 34
O décimo quarto dia ........................................................................... 36
Pregando o evangelho para a Polícia Secreta .................................. 43
Levando Mitko a Cristo ........................................................................ 47
A luta final ................................................................................................. 51
O cântico dos tamancos ..................................................................... 56
Índice
Torturado por sua fé4
Quebrado, mas não derrotado ........................................................... 58
O trágico sofrimento dos familiares ................................................... 65
“Você é um homem morto, Haralan Popov!” ................................. 69
Classificado como não-reformado ...................................................... 74
Ruídos noturnos ................................................................................... 77
Um presente de Deus .......................................................................... 81
Persin — uma ilha de horror .............................................................. 85
Mensagem secreta em uma fotografia ................................................ 90
A véspera de Natal ................................................................................. 95
Dias de Natal na prisão ....................................................................... 98
Trabalho escravo em Persin ............................................................... 101
Na câmara de morte ........................................................................... 103
Nove meses na cova ........................................................................... 107
O incidente do feijão .......................................................................... 108
Ministério como pastor da prisão ..................................................... 113
Memorizando 47 capítulos ................................................................. 116
Pregando pelo telégrafo da prisão ..................................................... 118
Perdi meu Novo Testamento .............................................................. 124
Estudos Bíblicos no pátio da prisão .................................................. 125
Os frutos do aprisionamento ............................................................ 135
Admirável “babba” Maria .................................................................... 142
Espiões da igreja vigiam os espiões ................................................... 145
Subterrânea com Deus ....................................................................... 148
Evangelismo de aniversário ................................................................ 149
O lixeiro de Bíblias ............................................................................. 152
“Fábrica subterrânea de Bíblias” ........................................................ 155
Minha missão urgente .......................................................................... 159
Uma mensagem da Igreja Subterrânea ............................................ 165
Durante treze anos e dois meses, retido em prisões comunistas,
fui sustentado por duas certezas. A primeira: eu sabia que a minha
vida estava realmente nas mãos de Deus e não nas mãos de meus
carcereiros comunistas. A segunda: eu queria sobreviver para dar
meu testemunho e contar o que presenciei.
O propósito deste livro não é mostrar a depravação dos homens
— o que experimentei dia e noite durante mais de treze anos, e sim
mostrar o irresistível amor de Deus. Se temos de salientar algo neste
livro, que seja a verdade avassaladora do amor de Deus em meio à
bestialidade humana.
Na prisão, aprendi a lição do amor, como nunca havia aprendi-
do. Embora eu já tivesse pregado sobre o amor de Deus em muitos
púlpitos, percebi o amor dEle com um novo aspecto, no intenso de-
sespero de celas subterrâneas e na fisionomia de incontáveis compa-
nheiros de prisão. Destituído de todas as coisas materiais e todas as
distrações, encontrei em Deus uma realidade maior do que já conhe-
cera. A verdade com freqüência brilha mais intensamente onde as
circunstâncias são mais obscuras.
Não faço ataques políticos neste livro, pois vejo o comunismo
não apenas como uma força política, mas também como “sintoma”
de uma enfermidade espiritual muito mais profunda. É a “religião”
do ateísmo militante. A incapacidade de destruir a fé em Deus é o
Prefácio
Torturado por sua fé6
“calcanhar de Aquiles” do comunismo. Os comunistas temem
desesperadamente a fé em Deus. Nunca estas palavras de Paulo se
mostraram tão verdadeiras: “Nossa luta não é contra o sangue e a
carne”.
Mas tenho outra razão para haver escrito este livro. Hoje há
muitos rumores falsos, no estrangeiro, de que o comunismo está “se
abrandando” para com o cristianismo e que as práticas do passado,
apesar de serem más, acabaram. Fiquei chocado ao ver como essa
ilusão dos comunistas é amplamente aceita. Este é um boato totalmente
falso. Na verdade, por trás da Cortina de Ferro, o cristianismo está
sendo atacado com maior severidade, do que fora antes. Muitos
continuam morrendo nas prisões.
Em vez de tentar destruir a Igreja atacando-a externamente, na
Rússia e em outros países, o comunismo está subvertendo-a e
controlando-a internamente. Em vez de dar fim à Igreja com um
único ataque brutal, o comunismo atualmente procura estrangular a
Igreja lentamente. O ataque, em nossos dias, tanto é mais sutil como
é mais perigoso.
Nos países comunistas, o cristianismo não é livre e franco, como
alguns proclamam. Mas também não pode ser destruído. Está vivo e
crescente, mesmo sob perseguição, como sucedeu à Igreja Primitiva.
De fato, uma Igreja Subterrânea está viva no mundo comunista. Suas
similaridades com a Igreja Primitiva são extraordinárias. Para
apresentar o meu testemunho e a história da Igreja Subterrânea,
escrevo este livro. Dedico-o aos milhares de irmãos em Cristo que
morreram encarcerados, muitos deles ao meu lado. Também o dedico
ao corpode Cristo que, em nossos dias, é torturado no mundo
comunista.
Haralan Popov
Seqüestrado de meu lar
Às quatro horas da madrugada, no dia 24 de julho de 1948, a
campainha começou a tocar insistentemente. Levantei-me sonolento,
vesti o roupão e fui atender. Achavam-se ali três estranhos; dois
estavam com vestes civis, e o outro, com roupas militares. “Viemos
para revistar sua casa”, disse o líder, trajando vestes comuns, ao mesmo
tempo em que passava por mim, impetuosamente, em direção ao
interior da casa silenciosa.
Minha esposa, Rute, ouviu o barulho e veio unir-se a mim, na
sala, onde, perplexos, observávamos os três homens vasculharem a
casa inteira. Enquanto vasculhavam, pensei: finalmente, chegou a
hora.
Procuraram por toda parte — entre os livros, nas camas, nas
estantes, nos armários, nas gavetas — durante três horas. Não
deixaram de ver coisa alguma! Quando o sol começou a brilhar, cerca
de sete horas da manhã, voltaram-se para mim e ordenaram-me que
os acompanhasse. Eu teria de ir com eles, apenas para “um ligeiro
interrogatório”, conforme explicaram.
Eu não tinha a menor idéia de que o “ligeiro interrogatório”
se prolongaria por intermináveis treze anos de tortura e encarcera-
mento. Quando me empurravam pela porta de saída, mal vestido,
Rode, minha filhinha, acordou e veio correndo para a sala. Com a
rápida percepção de uma criança, ela entendeu que seu pai estava
Torturado por sua fé8
sendo levado embora. Rompeu em lágrimas e começou a chorar, co-
piosamente — soluçante, ela tremia.
“Estão levando o papai. Estão levando o papai”, repetia ela. A
cena simplesmente era demais para mim, e lágrimas afloraram de
meus olhos, quando abracei Rode. Por muitas vezes, assegurei-lhe
que voltaria logo, embora, no íntimo, eu soubesse ser aquele o golpe
que estivera aguardando. O coração de Rode estava desolado e, apesar
de todas as minhas promessas, ela não se consolava. Acho que, de
algum modo, ela sabia — à maneira peculiar de uma criança — que
não veria seu pai novamente.
Durante tudo aquilo, meu filhinho Paulo dormia, e não tive
oportunidade de dizer-lhe “adeus”. Mais tarde, Rute me disse que,
após termos partido, ela se ajoelhou e, chorando, suplicou a Deus que
eu fosse devolvido antes do cair da noite. Após duas ou três horas, ela
foi visitada pela esposa do pastor Manoloff, que lhe contou que seu
marido também havia sido levado.
Caminhando para a delegacia, entre os três homens, por volta
das sete horas da manhã, eu mantinha a cabeça erguida. Enquanto o
“desfile” de quatro homens descia a rua, pude sentir os olhos de meus
amigos, vizinhos e membros da igreja fixos em mim. Eu sabia que,
desde a minha conversão, servira exclusivamente a Deus e que estava
nas mãos dEle. Do fundo do coração, clamei a Deus, pedindo-Lhe
sua graça para suportar tudo quanto estivesse à minha espera.
Na delegacia, fui revistado da cabeça aos pés e trancado em
uma cela. Ali, já havia outro homem, um armênio. A cela era imunda,
repleta de papéis e lixo. Em um canto, estava um pote de barro, velho
e rachado, que nos servia de “banheiro”. Transbordava e exalava um
mau cheiro horrível. Passei o dia andando para frente e para trás, das
oito da manhã às oito da noite, profundamente preocupado com Rute,
Rode e Paulo.
Começam as noites
intermináveis
Às oito horas da noite, abriu-se a porta da cela. Um jovem me
ordenou que o acompanhasse. Ele me levou para baixo, ao segundo
pavimento, a um escritório belamente mobiliado, onde me apresentou
a outro jovem. Disseram-me que deveria chamá-lo de “Sr. Inspetor”.
Permaneci em frente ao “Sr. Inspetor”, que lançou sua primeira
pergunta:
“Sabe qual é a diferença entre a milícia e a polícia?”
Pensei que a pergunta fosse uma piada e respondi: “Não, não
sei. Nunca me interessei por essas questões policiais”. Minha resposta
o irritou, e ele gritou: “Não tente brincar comigo, prisioneiro Popov.
Fique de pé, olhando para a parede e não se mova!”
Isto parece uma punição insignificante, mas posso assegurar que
é algo muito extenuante e doloroso para o corpo inteiro, especialmente
para o cóccix.
O “Sr. Inspetor” continuou a fazer-me a mesma pergunta, das
oito horas da noite até à meia-noite, estando eu rigidamente de pé. A
cada cinco ou dez minutos a pergunta era repetida: “Você sabe a
diferença entre a milícia e a polícia?” Procurei explicar que não sabia.
Quando percebi que não estava chegando a lugar nenhum, parei de
responder. Ele gritou: “Nós lhe ensinaremos uma lição! Levante os
braços e não mova um músculo!”
Torturado por sua fé10
Finalmente, perto da meia-noite, o “Sr. Inspetor” disse: “Vou lhe
dizer a diferença entre a milícia e a polícia. A polícia é empregada
para resguardar os interesses dos capitalistas ricos, e a milícia cuida
dos interesses do povo trabalhador e honesto”. Então foi-me permitido
baixar os braços.
Acabara de aprender uma dura “lição” em semântica comunista.
Meus braços pesavam como troncos. Então, ele me fez outra
pergunta. “Diga exatamente por que está aqui”. Respondi que naquela
manhã, três homens tinham ido à minha casa, e me haviam trazido
para ali. Estivera em uma cela o dia inteiro, e ninguém me dissera
coisa alguma. Porém, ele replicou: “Não, você sabe por que está aqui”.
“Mas não tenho certeza”, respondi, embora tivesse uma boa
idéia do motivo.
Depois de haver repetido a pergunta por uma hora. O “inspetor”
disse: “Agora eu vou embora. Fique aqui de pé até pela manhã, quando
chegarei cedo para ouvir sua resposta; então, veremos se você ainda
se mostrará esperto”.
Ele me deixou aos cuidados de um jovem chamado Jordan, que
me retirara da cela. Jordan passou a noite sentado em uma cadeira,
atrás de mim, enquanto eu permaneci em pé, olhando para a parede.
Eu não sabia que não passaria apenas uma noite “em frente da parede”
mas que seria forçado, posteriormente, a fazer isso por duas semanas!
As últimas horas da noite, entre as três da madrugada e as sete
da manhã, foram as mais difíceis. Após ter permanecido com o rosto
voltado para a parede a noite inteira, sem um momento de sono, aquelas
horas me pareceram longas como a eternidade. Finalmente, raiou a
manhã, e Jordan levou-me de volta à cela. O armênio quis dar-me
alguma coisa para comer, mas preferi esticar-me no beliche de tábuas
e descansar. Estava tão cansado, que só queria dormir; mas percevejos
em profusão, que haviam no leito, além de vários bichinhos rastejantes,
me mantinham acordado. Antes de dar-me conta, meu corpo estava
coberto por aquelas criaturas; era impossível dormir. Tive de levantar-
me e caminhar para lá e para cá. Mais tarde, ouvi comentários de que
as celas eram propositalmente infestadas de insetos, piolhos e vermes,
para agravar as condições dos prisioneiros. Nunca descobri se isso
era verdade, mas suspeito que assim fosse. Havia exércitos de insetos.
Começam as noites intermináveis 11
Agora era domingo, 25 de julho; pela primeira vez, em muitos
anos, não passei um domingo com a igreja. Ajoelhei-me em minha
cela, e meus pensamentos se voltaram para meus irmãos e irmãs em
Cristo, que estariam no culto, naquele momento. Orei em favor de
meus filhos e esposa, a quem eu deixara sem dinheiro e alimentos.
Como eu gostaria de estar com eles! Pedi ao Senhor que cuidasse
deles no futuro, independente do que este lhes reservasse. Eu sabia
que a Grande Perseguição tivera início, por amor a Cristo. Através da
história da Igreja, isso já acontecera muitas vezes. E, de todo o coração,
pedi a Deus que me desse forças para equiparar-me aos discípulos e
mártires da Igreja Primitiva. Por certo, eu não poderia fazê-lo com
minhas próprias forças. Um grilo cantou em algum lugar, entre as
tábuas apodrecidas da cela; a minha alma abatida sentiu-se enlevada,
e minha fé em Deus, renovada.
Os interrogatórios que duravam toda a noite continuaram por
uma semana. O método era sempre o mesmo. Logo que escurecia,
eu era levado para baixo e tinha de ficar em pé a exatamente vinte
centímetros da parede. Ali, das sete horas da noite até cerca das oito
da manhã, eu era interrogado, nãome sendo permitido fechar os olhos.
Se meus olhos se mostrassem sonolentos, Jordan pularia, gritando:
“Pare! Pare! Isso não é permitido!” Durante o dia, eu tinha de
combater os insetos, que eram abundantes, então, não podia descansar.
A ninguém era servido qualquer alimento, na prisão. Todavia, a minha
esposa conseguiu descobrir onde eu estava e me enviava alimentos
de casa. Eu queria desesperadamente ver meus familiares, saber como
estavam, mas isso não era permitido.
Em uma noite de sábado, ninguém veio levar-me para baixo.
Contudo, por volta da meia-noite, ouvi o som de uma chave na
fechadura, e uma voz desconhecida gritou: “Popov, saia daí! Você foi
transferido”.
Despedi-me do armênio. Havíamos nos tornado amigos pronta-
mente, e descobri, no ano seguinte, que amizades íntimas e verdadeiras
se desenvolvem entre prisioneiros que compartilham dos mesmos
sofrimentos.
A polícia me levou para fora, onde um carro policial, comumente
apelidado de “Corvo Negro”, estava à espera, com dois soldados em
Torturado por sua fé12
seu interior. Seguimos pela rua principal de Sofia; e, em apenas alguns
minutos, chegamos a um grande edifício branco. Era o quartel-general
da “DS” — a temida Polícia Secreta.
“Bem-vindo à Casa Branca,
prisioneiro Popov!”
A Polícia Secreta chamava-se Dershavna Sigornost ou DS.
Seu centro de operações ficava em um grande edifício branco que o
povo apelidara de “A Casa Branca”. Mas asseguro que essa “Casa
Branca” era bem diferente da Casa Branca norte-americana! Muitos
dos melhores homens de nosso país foram levados à “Casa Branca”
e dali nunca saíram vivos. Havia até boatos de que a “Casa Branca”
tinha seu próprio “cemitério” subterrâneo, para se livrar dos corpos
de suas vítimas.
Para o povo da Bulgária, o nome DS significava desaparecimento,
sofrimento e morte. Por cima da porta de uma cela, estava escrita
uma citação da Divina Comédia, de Dante: “Abandonai toda a
esperança, vós que aqui entrais”. Quão apropriado! Maior é o número
de pessoas que morrem ali, do que o número das que saem vivas; e
aquelas que saem não sobrevivem por muito tempo, em conseqüência
das torturas a que são submetidas. Falava-se que as pessoas, ao
passarem perto do edifício da Polícia Secreta, podiam ouvir gritos que
atravessavam as pedras do piso da rua, gritos provenientes do extenso
complexo de celas subterrâneas. Mais tarde, descobri que isso era
verdade.
Quando o “Corvo Negro” parou, e fui introduzido no edifício,
temor e insegurança invadiram-me o coração. Eu havia experimenta-
Torturado por sua fé14
do uma semana de insônia e interrogatórios; meu corpo tremia e ba-
lançava. Quando atravessei a porta, vieram-me à memória as palavras
de Salmos 73.28: “No SENHOR Deus ponho o meu refúgio”.
Eu sabia que não poderia esperar ajuda de ninguém ali na “Casa
Branca”. Sussurrei uma oração: “Ó Deus, minha vida está em tuas
mãos”. Meus temores começaram a desvanecer. Fui tomado por um
forte sentimento de paz. A tensão de meu corpo desapareceu. Talvez
a morte me esperasse na “DS”, a “Casa Branca”, mas meu coração
louvava e adorava ao Senhor.
Quando um homem enfrenta a morte, examina a si mesmo e
medita sobre a sua posição diante de Deus. Percebe as coisas com
muita clareza. Eu me resignara ao pensamento de que minha vida
terrena acabaria em breve e de que em pouco tempo estaria com o
Senhor. Para mim, era evidente que eu fora levado ali para morrer.
Na semana que se passara, eu tinha perdido tudo o que era precioso
para mim — esposa, família, igreja, lar — mas senti Deus bem ao
meu lado, quando passei pela porta que me levaria ao interior do centro
de operações.
O guarda fitou-me com ironia e disse: “Bem-vindo à Casa Branca,
prisioneiro Popov”. Fui novamente despido e revistado; depois,
conduzido ao terceiro andar. Ao subir as escadas, percebi que havia
uma rede de arame por sobre o poço da escada, uma rede colocada
para que nenhum prisioneiro escapasse lançando-se da escada.
Evidentemente, tantos prisioneiros tentaram cometer suicídio, que a
rede fora colocada para apanhá-los.
No terceiro andar, fui levado ao longo de um corredor escuro
que tinha janelas sujas, fechadas com barras, de um lado, e fileiras de
portas escuras e enferrujadas, do outro lado. Na porta das celas, havia
um pequeno buraco com uma tampa corrediça. Esse buraco permitia
que os guardas observassem os prisioneiros. Gemidos quase inaudíveis
eram suspirados pelos ocupantes das celas. Os guardas usavam
sapatos feitos de pano grosso, para que os prisioneiros não os ouvissem
ao se aproximarem.
Mas deixe-me contar-lhe como cheguei a esse ponto, em minha
vida...
Um ateu empedernido
encontra a Cristo
Nasci e passei a juventude na pequena, bela aldeia de Krasno
Gradiste, na Bulgária. Em nossa família, havia quatro filhos, três irmãos
e uma irmã. Todos nascemos em uma antiga casa de fazenda
construída em estilo turco, que consistia de um quarto e uma cozinha.
O teto era tão baixo que meu pai tinha de encurvar-se para não bater
a cabeça nos caibros do telhado. A casa tinha um assoalho de terra,
que minha mãe pintara com uma mistura de esterco, barro e água.
Não cheirava bem, mas era um tipo de desinfetante, e o esterco
impedia que o chão rachasse.
Todos dormíamos no único quarto, no chão coberto de tapetes
feitos de canas trançadas. Em um dos lados da cozinha, havia uma
lareira grande e enegrecida, sobre a qual permaneciam uma série de
panelas de barro, rachadas e cobertas de fuligem. O feijão que minha
mãe cozinhava para nós, naqueles dias, era tão bom como a dieta
diária de qualquer outro dos habitantes da aldeia.
Mamãe costumava dizer: “Se alguém quiser um bom feijão, terá
de cozinhá-lo em água boa”. Portanto, nós, as crianças, íamos até ao
rio, algumas centenas de metros distante de casa, buscar água para o
feijão. Então, o feijão era cozinhado nas panelas de barro, o que lhes
dava um sabor todo especial. Tenho muitas recordações agradáveis
de meus anos de infância. Os dias se passavam rapidamente: alguns
Torturado por sua fé16
repletos de risos; outros, de disputas, travessuras de crianças e aven-
turas. Havia dias de pobreza, trabalho árduo e tristeza em nosso lar,
mas nenhuma dessas coisas fez com que nosso amor mútuo diminuís-
se. De fato, serviram para nos achegarmos mais uns aos outros.
Não tínhamos um grande sítio, por isso, os filhos eram enviados
a trabalhar em fazendas.
As coisas se tornaram especialmente difíceis para nós durante
os anos de guerra, entre 1914 e 1918. Papai foi convocado ao serviço
militar, e o ano seguinte quase nos levou à inanição. No inverno de
1917/1918, quando eu tinha dez anos de idade, fui enviado a trabalhar
para o homem mais rico de nossa aldeia, “Vovô” Kolyo. Eu não recebia
salário, mas, em troca de alimentos, conduzia os bois, enquanto “Vovô”,
que tinha oitenta e sete anos, mas parecia e agia como se fosse mais
novo, arava os seus campos. No verão, fui cuidar de ovelhas, na
propriedade de meu tio, que ficava perto de nossa casa.
A guerra terminou e meu pai voltou para casa, o que me permi-
tiu continuar os estudos. Embora fôssemos pobres, meus pais
conseguiram matricular-me em uma pequena escola em uma aldeia
vizinha. Meus pais sentiam-se orgulhosos de minha capacidade de ler
e faziam tudo quanto podiam para que eu continuasse estudando.
Comecei a freqüentar as aulas vestido com roupas remendadas, fei-
tas de tecidos preparados em casa, e usava sapatos do tipo mocassim,
feitos de couro cru de porco, com os pelos voltados para fora. Era um
espetáculo!
Quando cheguei às aulas mais adiantadas, eu me sentia enver-
gonhado por não ter o uniforme e os sapatos bons que os alunos
deveriam usar. Como resultado passei a evitar a companhia de outros
meninos e me retraia. Adquiri meu primeiro par de sapatos apropria-
dos quando tinha dezessete anos de idade. Quando os calcei, minha
auto-estima cresceu muito (talvez até demais!) e comecei a procurar
amigos entre os meus colegas de escola. Cresci tanto egoísta como
ateu. Esta é uma péssima combinação!
Quando terminei o curso na escola da aldeia,fui para Ruse, uma
cidade grande às margens do rio Danúbio, em busca de trabalho. Em
Ruse, eu conhecia somente uma pessoa, um ex-vizinho chamado
Christo, que se mudara para a cidade alguns anos antes. Christo tinha
Um ateu empedernido encontra Cristo 17
um emprego na área de saneamento e morava no local de trabalho,
em um quartinho com menos de dois metros quadrados. Embora fosse
tão pequeno, e a maior parte do espaço fosse ocupada por uma cama,
ele concordou em dividi-lo comigo. Assim, nos tornamos bons amigos.
Isso aconteceu em novembro de 1925. Naquela época, houve um
grande surto de desemprego na Bulgária; e eu não podia encontrar
trabalho permanente. Fazia serviços ocasionais e vivia, na maior parte
do tempo, do salário de meu amigo Christo.
Uma noite, ele me convidou para ir a uma igreja batista, embora
soubesse que eu era ateu convicto. Por causa de minha amizade com
ele, não pude negar-lhe o convite. Aquela foi a primeira vez que entrei
em uma igreja protestante. Eu conhecia somente a Igreja Ortodoxa e
pensava que todas as igrejas eram semelhantes; por isso, fiquei
surpreso ao descobrir que o interior da igreja batista era diferente da
Igreja Ortodoxa. De fato, tudo era diferente! O culto era realizado
em búlgaro, e não na antiga língua eslava, que os padres habitualmente
empregavam e que pouquíssimos compreendiam.
Em vez dos cânticos monótonos da missa ortodoxa, ouvi belos
hinos, cantados nas melodias de Bach, Mendelssohn, Beethoven e
outros grandes compositores. Ali, a congregação inteira participava;
nas igrejas ortodoxas, somente os padres e o coro cantavam.
Cheguei a ver hinários! Christo já havia aprendido os cânticos e
os entoava, enquanto eu seguia as letras das músicas no hinário. As
belas letras, escritas para louvar a Deus, causaram profunda impres-
são em meu espírito. Nunca esperava ouvir um pastor educado e
inteligente pregar tão gloriosamente sobre a sua fé em Deus, e em
uma língua que eu entendia. Em nossa vizinhança, não havia uma só
pessoa inteligente que ousasse reconhecer que cria em Deus. Em
minha opinião, a “religião” era para os velhos e os que tinham a men-
te fraca.
Depois da reunião, conversamos com duas senhoras idosas que
eram conhecidas na cidade como pessoas de boa educação. Elas
falaram conosco sobre Deus, procurando provar que Ele existe; mas,
a despeito de tudo quanto vira e ouvira na igreja, e de tudo quanto as
senhoras tinham dito, meu intelecto orgulhoso se recusava a reconhecer
a existência de Deus.
Torturado por sua fé18
No entanto, pela primeira vez, comecei a me perguntar se eu
estava certo.
Naquela noite, começou uma luta espiritual em meu íntimo, uma
luta que durou por muitos dias. A questão era: Deus existe mesmo?
Na Igreja Ortodoxa Grega daquele tempo, os sacerdotes não preci-
savam ter qualquer educação e somente pessoas idosas freqüentavam
as missas. Você nunca via uma pessoa educada que acreditava em
Deus. Pelo menos era assim que os ateus gostavam de pensar.
Nós, que tínhamos alguma instrução, desprezávamos aqueles
homens e mulheres “simples” que afirmavam ter uma “religião” ou
crer em Deus. Agora eu ouvia pessoas educadas e cultas testemu-
nhando abertamente que Deus existe! Essas pessoas contavam o
que Jesus significava para elas e o que Ele fizera por elas. Isso me
impressionou mais do que todos os sermões, e até hoje creio forte-
mente na eficácia de “testemunhas vivas” para levar os homens a
Cristo.
Falei com Christo sobre o meu conflito, e ele disse que me
apresentaria a um homem que poderia me ajudar. Pouco tempo depois,
Christo convidou um homem a nos visitar. Seu nome era Petroff. Ele
leu trechos da Bíblia. Não era um pregador eloqüente, mas cada
palavra que dizia provava que Deus existia. Testemunhou sobre como
experimentava a presença pessoal de Deus. Quando dizia o que Jesus
significava para ele, seu rosto brilhava com o amor de Deus.
Tornou-se óbvio para mim, naquele momento, que Deus existe.
Eu via a Deus naquele piedoso homem.
O testemunho de Petroff convenceu-me da existência de Deus,
e comecei a buscar sincera e intensamente a Deus. Descobri que eu
não estava buscando a Deus tanto quanto Ele estava me buscando.
Recebi a maravilhosa experiência de salvação em Jesus Cristo, que
transformou minha vida. Petroff tornou-se meu pai espiritual. Pouco
tempo depois fui morar com Petroff, a fim de estar mais próximo de
suas instruções bíblicas. E, com ajuda dele, consegui um emprego na
estrada de ferro do governo. O trabalho era pesado, mas a felicidade
de minha recém-encontrada salvação em Jesus Cristo me fazia flutuar
de alegria e paz. Sentia-me imensamente feliz em Cristo!
Um ateu empedernido encontra Cristo 19
A mão de Deus sobre um homem
Todas as noites, Petroff e eu líamos a Bíblia, conversando sobre
a Palavra de Deus, durante horas. Com o passar do tempo, outros se
uniram a nós, até formar-se um bom “rebanho” de crentes. Gradual-
mente, nossa pequena congregação foi tomando a forma de uma igreja,
e, sob o ministério profundamente espiritual de Petroff, fomos gran-
demente abençoados por Deus.
No mês de fevereiro de 1929, Petroff declarou: “Haralan, Deus
tem a sua mão sobre você. Ele o quer em sua obra”. Eu também
havia sentido a mão de Deus sobre mim, guiando-me naquela direção.
Amava profundamente meu recém-achado Senhor e orava todas as
noites, prometendo-Lhe: “Deus, minha vida inteira Lhe pertence. Estou
pronto para consagrar-Lhe tudo quanto tenho”.
Nos anos seguintes, essa promessa foi sujeitada a testes severos,
mas nunca me arrependi de havê-la feito.
Servir ao Senhor é maravilhoso, mas sofrer por Ele é um privilégio
ainda maior.
A fim de preparar-me para o serviço de Cristo, freqüentei
institutos bíblicos em Danzig e na Inglaterra, onde conheci uma jovem
estudante da Bíblia, vinda da Suécia. Seu nome era Rute. Tal como
sua homônima das Escrituras, ela era profundamente dedicada ao
Senhor.
Rute me disse: “Haralan, para onde você for, eu irei também”.
Portanto, voltei à Bulgária não somente com o conhecimento da Palavra
de Deus, mas também com uma esposa.
Os anos seguintes foram uma dádiva divina. Houve grande tempo
de colheita espiritual na Bulgária, e, em poucos anos, eu estava
pastoreando a maior igreja evangélica do país. Ao mesmo tempo,
evangelizava em muitos lugares. A mão de Deus mostrou-se abundante
sobre todos nós, e a Palavra de Deus cresceu poderosamente na
Bulgária. Por mais de dezesseis anos, pastoreei minha igreja e “me
duplicava” como evangelista nas aldeias e vilas da região montanhosa,
onde a Palavra de Deus ainda não se estabelecera firmemente. Então,
chegaram os anos da guerra e as coisas tornaram-se dificílimas, mas
Torturado por sua fé20
isso foi apenas uma pequena amostra da grande tribulação que nos
esperava.
Em 1944, uma negra ameaça se estendeu por todo o nosso país,
trazida pelo exército russo: a ameaça do comunismo. Pouco a pouco,
os comunistas conquistaram o poder, enquanto nosso país estava
prostrado aos pés do Exército Vermelho.
A princípio, o Partido Comunista mostrou-se bastante cooperador
com os outros partidos políticos, formando até um governo de coalizão.
Mas, em três anos, os outros partidos foram proscritos, os seus líderes,
aprisionados, e o Partido Comunista obteve controle total.
A Bulgária transformou-se na “Pequena Rússia”
Nós tínhamos ouvido falar de nossos irmãos em Cristo na Rússia
e de como sofriam, mas não fazíamos idéia de que a Bulgária se
tornaria tão parecida com a Rússia que seria chamada — e ainda é
— de “Pequena Rússia”. Preparamo-nos para enfrentar o pior, mas,
estranhamente, o golpe que esperávamos não veio. De fato,
estabeleceu-se um período “crepuscular” de liberdade religiosa. O
fato não era que os comunistas estivessem a favor da liberdade
religiosa; eles simplesmente estavam muito ocupados, consolidando
seu poder político e firmando tudo em suas mãos, antes de se voltarem
para “cuidar” de nós, conforme afirmavam. Portanto, em vez do golpe
que esperávamos, recebemos subitamente um grande dom de Deus:
três anos — de 1944 a 1947— durante os quais Deus restringiu as
mãos dos comunistas, permitindo-nos trabalhar.
E como trabalhamos! Noite e dia, mês após mês, evangelizamos,
propagamos o evangelho e edificamos a fé dos crentes, antes que a
noite escura do comunismo caísse sobre nós. Tal como havíamos sido
advertidos, sabíamos que os comunistas logo viriam “cuidar” de nós.
Labutamos ardentemente, com o senso de que o tempo estava se
esgotando; e Deus honrou nossos labores com um grande período de
colheita em toda a Bulgária. Realizei vários batismos em massa, no
Mar Negro, para os muitos jovens que tinham encontrado a Cristo.
Sem dúvida alguma, nosso trabalho árduo por Cristo, durante
aqueles três anos “anteriores à tempestade”, fez com que nos
Um ateu empedernido encontra Cristo 21
escolhessem para receber o tratamento “especial” que nos sobreviria
nas prisões comunistas.
A própria intensidade do nosso trabalho, durante a “calmaria
antes da tempestade”, nos tornou homens marcados. Não tínhamos
muito tempo. Logo que os comunistas consolidassem seu poder,
sabíamos que chegaria a nossa hora.
Antes “Espiões” do que “Mártires Cristãos”
O primeiro sinal de que chegara a nossa hora foi uma campanha
para caluniar os principais pastores evangélicos do país. Todavia, ape-
sar dessa campanha, o avivamento se propagou, e novas igrejas se
formaram. Por isso, o governo elaborou um procedimento mais sutil.
Gradualmente, os pastores das igrejas foram tirados e substituídos
por pessoas que seriam “instrumentos dóceis” nas mãos dos comu-
nistas, os quais concentraram seus esforços na colocação de seus
fantoches nos púlpitos.
Pastores dedicados logo perderam seu lugar e conseguiam ape-
nas trabalhos servis, tais como o de varredores de ruas. Quando os
pastores-fantoches foram colocados em muitos púlpitos, os comunis-
tas escolheram o próximo alvo: os principais líderes da igreja búlgara,
das denominações batista, metodista, congregacional e evangélicas
em geral. Eu era um deles.
Iniciou-se uma maliciosa campanha de difamação. Éramos
acusados de ser “espiões”. Era melhor sermos chamados de “espiões”
do que “mártires cristãos”. Éramos descritos como “instrumentos do
imperialismo”. A princípio, quando ouvi isso, sorri, perguntando a Rute:
“Bem, o que você acha de estar casada com um ‘instrumento do
imperialismo’?”
“Então, é isso que você é!”, ela respondeu, sorrindo. A verdade
nada significava para aqueles que estavam resolvidos a destruir a
Igreja Cristã. Nós, os quinze líderes das denominações evangélicas
da Bulgária, fomos citados publicamente.
Obviamente, não éramos culpados das acusações lançadas
contra nós, mas uma campanha difamatória foi iniciada para distorcer
tudo quanto tínhamos dito e feito, a fim de nos denegrirem. Foi
Torturado por sua fé22
divulgado, por meio dos jornais e outros meios de comunicação, que
tínhamos revelado segredos de nosso país para os ingleses e os
americanos. Deste modo, iniciou-se a campanha que nos conduziria à
prisão e à tortura.
Durante os treze anos e dois meses seguintes que passei na
prisão, perguntei-me freqüentemente por que razão Deus nos permitiu
tal coisa. O longo período de exame próprio ajudou-me a compreender
melhor o ensino bíblico que diz que precisamos passar por sofrimento
antes de entrarmos no reino de Deus.
Paulo e Barnabé ensinaram aos discípulos da Ásia Menor: “Atra-
vés de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de Deus” (Atos
14.22). O apóstolo Pedro diz a mesma coisa: “Nisso exultais, embora,
no presente, por breve tempo, se necessário, sejais contristados por
várias provações, para que, uma vez confirmado o valor da vossa fé,
muito mais preciosa do que o ouro perecível, mesmo apurado por
fogo, redunde em louvor, glória e honra na revelação de Jesus Cristo”
(1 Pedro 1.6-7).
A primeira reação natural do homem, quando contempla o
sofrimento, é pensar que ele é intenso demais para ser suportado.
Procuramos evitá-lo; mais tarde, porém, descobrimos que o sofrimento
se torna de grande valor, e é mais precioso do que o ouro. O sofrimento
foi um fogo pelo qual nossas igrejas tiveram de passar, a fim de que
toda a palha e todo o restolho fossem queimados, deixando o ouro
puro a resplandecer mais fulgurantemente do que nunca. Nesse
processo, a “estrutura” da igreja seria destruída ou subvertida, mas
permaneceria uma igreja verdadeira, viva, o Corpo de Cristo, a Igreja
Subterrânea. Tudo isso estava à nossa espera.
Esses foram os acontecimentos que me tiraram da posição de
ateu fervoroso para a atual posição de pastor que estava enfrentando
a tortura por causa de Cristo, na temida “Casa Branca”.
As paredes da prisão falam
Fui conduzido ao longo do corredor até à cela de número 21. A
chave volumosa rangeu na fechadura e fui empurrado para dentro. E,
mais uma vez, fui afastado do mundo exterior. Na cela havia um
jovem, chamado Tsonny que me disse estar ali por três meses, sem
nunca lhe haverem dado o motivo para seu encarceramento. Em um
canto da cela, havia um balde que, pelos seis meses seguintes, seria
nossa privada. Esses baldes eram uma característica padronizada da
vida na prisão. Eram esvaziados apenas raramente e, às vezes, trans-
bordavam. Por muitas vezes, levavam a tampa, e o mau cheiro era
insuportável. Havia somente o cimento frio do chão para dormirmos;
e as paredes eram de pedra encardida. Elas estavam repletas de
lemas, orações, slogans e citações, rabiscadas na superfície, com al-
gum objeto duro, por ocupantes anteriores.
As paredes eram quase um diário ou crônica de condenados.
Em certos lugares, as paredes pareciam ter sido pintadas de vermelho
escuro; mas, sob um exame minucioso, percebi que aquele vermelho
não era tinta. Era o sangue de inúmeros percevejos que, enquanto se
arrastavam pelas paredes, tinham sido mortos por outros prisioneiros.
As “paredes vermelhas” de outras celas também se tornariam uma
visão comum, nos anos seguintes. Naquela primeira noite na DS,
matei quinhentos e trinta e nove percevejos, muitos dos quais tinham
sugado o meu sangue. Para desviar nossos pensamentos da situação,
Torturado por sua fé24
Tsonny e eu os contamos (Nunca mais tentamos isso!).
Nas paredes, podíamos ler as aflições e anseios dos prisioneiros
anteriores. Eu quase podia descrever a personalidade, os pesadelos,
as esperanças e os sonhos deles refletidos naquelas escritas tristes.
Uma das escritas dizia: “Quando você entrar aqui, creia em Deus e
ore a Santa Teresa”; evidentemente, isso havia sido gravado por um
católico romano. Uma elegia de Pushkin estava escrita em russo, em
todo o comprimento da parede. Continha três versos, os quais
memorizei. Por cima da porta, alguém rabiscara um antigo provérbio
latino: “Dum spiro spero”, que significa: “Enquanto eu respirar,
esperarei”. Senti que conhecia os ocupantes anteriores daquela cela,
devido aos rabiscos na parede.
Quantas narrativas de bravura humana, desespero e sonhos des-
pedaçados pude ver nas paredes daquela cela e de incontáveis outras,
durante treze anos!
Criei a prática de escrever versículos da Bíblia e palavras de
consolo nas paredes de cada cela que ocupasse, na esperança de que
tais palavras proporcionariam consolo e ajuda aos próximos ocupantes.
As paredes das celas não foram somente o “papel” no qual eu rabisquei
versos bíblicos, mas também foram, mais tarde, “tábua de ressonância”
do “Telégrafo da Prisão”, pelo qual eu enviava mensagens da Palavra
de Deus aos homens de celas adjacentes.
Quão admirável e justo, pensava eu, era que as paredes erguidas
para aprisionar homens se tornassem “papel” para a Palavra de Deus
e “fio” para o Telégrafo da Prisão, a fim de transmitirem as boas-
novas.
Mas, visto que aquela era a primeira vez em que passava por tal
provação e que a primeira semana fora tão chocante, foi-me difícil
preservar a coragem.
Todos os prisioneiros garantem que os primeiros meses são
sempre os piores. Eu pensava comigo mesmo: “Se o homem que
rabiscou na parede as palavras ‘Enquanto eu respirar, esperarei’ pôde
manter viva a sua esperança, certamente eu, que sou crente,poderei
colocar toda a minha vida nas mãos de Deus”. Preguei um sermão
para mim mesmo e me senti melhor. Embora não soubesse o que
aconteceria naquele dia, senti segurança, serenidade e paz em meu
As paredes da prisão falam 25
coração. Assim como o apóstolo Paulo, eu resolvera que ficaria
“contente em toda e qualquer situação”.
Passei exatamente cinco meses na cela 21, de 1o de agosto a 31
de dezembro. A cela 21, na “Casa Branca” da DS, tornou-se uma
“câmara de tortura” para mim. Cada vez que penso naquela cela, um
frio me perpassa a espinha. Em 2 Coríntios 12.4, o apóstolo Paulo
falou sobre “palavras inefáveis, as quais não é lícito ao homem referir”.
Contudo, eu gostaria de falar sobre o indescritível sofrimento que é
difícil de ser expresso em linguagem humana ou na forma escrita.
Visto que eu me sentia exausto por ficar de pé cada noite, por
uma semana, deitei-me sobre o assoalho frio e me estiquei. Repenti-
namente, havia um estalido fortíssimo, como se um tiro de rifle
automático tivesse sido dado no corredor. “Que foi isso?”, perguntei
a Tsonny. Ele sorriu e explicou que o ruído era feito intencionalmente
pelos guardas, a fim de assustar os prisioneiros e impedi-los de dor-
mir. O ruído era feito com um golpe forte de uma barra de ferro, dado
nas portas das celas; isso produzia ruídos como de um tiro de rifle.
Naquela noite, foi repetido a cada dez minutos; e por todas as noites,
durante cinco meses. Era quase impossível dormir, e esse era, exata-
mente, o resultado tencionado.
Na manhã de 2 de agosto, fui levado de minha cela a um confor-
tável escritório, no andar térreo. Para minha surpresa, encontrei ali
um jovem que eu conhecia bem. Seu nome era Veltcho Tchankov.
Meu coração saltou de alegria quando vi aquele jovem! Eu o conhe-
cia desde que ele era menino.
Também sabia que ele era um comunista. Quando os comunis-
tas chegaram à Bulgária, nos calcanhares do Exército Vermelho, em
1944, Veltcho se unira imediatamente a eles. Nos três anos seguintes,
ele se tornara o chefe da Polícia Secreta de Burgas. Apesar das
diferenças de nossa maneira de viver, há muito parecia que tínhamos
uma espécie de respeito mútuo. Portanto, alegrei-me por vê-lo nova-
mente e pensei que aquele seria o primeiro raio de esperança, desde
meu aprisionamento. Mas, como ele havia mudado! Um mês depois,
fiquei sabendo que Veltcho, meu “velho amigo”, fora o organizador
de toda a campanha contra os pastores evangélicos! Eu vi o que o
poder é capaz de fazer com um homem.
Torturado por sua fé26
Quando os comunistas estão fora do poder, freqüentemente se
mostram cordiais, cooperadores e brandos. Mas, se chegarem ao
poder, veremos o que eles realmente são! Aqueles que “brincam”
com o comunismo devem lembrar-se da história de Veltcho, o “gentil”
comunista que obteve poder.
Os partidos comunistas quando estão fora do poder parecem
propositalmente “razoáveis” e gentis; mas, logo que chegam ao poder,
revelam a sua verdadeira natureza. As prisões estavam repletas de
pessoas que pensavam que os comunistas eram somente outro partido
político.
Muitas das pessoas que diziam serem os comunistas “apenas
outro partido político”, e que os toleravam, foram executadas quando
eles tomaram o poder. Os países ocidentais que toleram partidos
comunistas devem tomar cuidado! Aqueles “pequenos” partidos talvez
pareçam brandos agora, mas, se conquistarem o poder, esses países
verão a verdadeira natureza dos comunistas, assim como aconteceu
conosco!
Eu disse: “Veltcho, é ótimo vê-lo novamente”. Ele me olhou com
hostilidade e disse: “Conhecemo-nos um ao outro, Popov, e eu lhe
aviso que, se quiser ver novamente sua esposa, terá de fazer exata-
mente o que eu lhe disser”.
“Mas, o que fiz eu, Veltcho?”
Ele replicou, gritando: “Nunca me chame de Veltcho, novamente.
Sou o Camarada Tchankov, e você é o prisioneiro Popov. Nunca
esqueça isso!”
Ele prosseguiu: “Você precisa reprovar os seus crimes. Se
confessar isso, será muito mais fácil para você. O Governo do Povo
é muito clemente, e perdoaremos todos os seus crimes. Sabemos que
você é uma pessoa boa, mas terá de conformar-se a nós e à nova
sociedade que estamos erigindo”.
Eu ouvi estas palavras — “terá de conformar-se a nós”, durante
treze anos. Em seguida, uma torrente de palavras fluiu dos lábios de
Veltcho.
“Repito: você precisa conformar-se a nós e confessar os seus
crimes!”, gritou ele. “Se você se recusar a obedecer-me, estará fazendo
o pior erro de sua vida; e só terá de lamentar-se. Aprenderá que não
As paredes da prisão falam 27
estamos brincando e não permitiremos que você se transforme em
um mártir religioso. Você gostaria disso, não é mesmo, Popov? Pois
bem, não vamos lhe dar essa chance. Se fizéssemos de você um
mártir religioso, isso fortaleceria os cristãos. Não permitiremos que
isso aconteça. Você pensa que somos estúpidos? Vamos caluniá-lo e
difamá-lo até os cristãos mencionarem o seu nome com desgosto”.
Fiquei espantado ante as palavras de Veltcho. Seu plano era
diabolicamente astuto e ele falava como um homem insuflado pelo
maligno.
Eu repliquei: “O povo da Bulgária me conhece. Eles saberão a
verdadeira razão”. Veltcho apenas riu. Mais tarde percebi que eu
estava lutando contra especialistas em fazerem o preto parecer branco,
e a verdade parecer mentira.
Os nazistas eram cruéis, mas os comunistas são cruéis e diabo-
licamente astutos. Na prática, esta é a verdadeira diferença entre os
nazistas e os comunistas. As ameaças de Veltcho se cumpriram mais
tarde, com precisão matemática, ponto por ponto.
Veltcho ordenou-me que voltasse à cela. Retornei em completo
desespero. Contei a Tsonny a conversa que tivera com Veltcho. Ele
me aconselhou a nunca confessar qualquer coisa que eu não tivesse
feito. O conselho era bom, mas impossível de ser seguido nos meses
que se passariam.
Sentei-me, quase atordoado. Eu pensara que os comunistas eram
apenas homens mal orientados. Mas aquele encontro com Veltcho
me abalou profundamente. Percebi que estava combatendo a astúcia
e a maldade do próprio Satanás. Pela primeira vez, a enormidade
do que eu enfrentava e a astúcia daqueles homens diabolicamente
inspirados me atingiram.
A “Dieta de Morte”
Essa dieta começou com a fome. Os sentimentos de fome —
tal como os de amor — são impossíveis de descrever. Minha ração
alimentar diária consistia de duas fatias de pão e seis colheres de
“sopa”, que, na realidade, não passava de água temperada, viscosa e
pútrida. A dieta era cuidadosa e cientificamente designada para
sustentar escassamente a vida — e nada mais. Os prisioneiros
chamavam-na “Dieta de Morte”. Consistia principalmente de água,
sendo suficiente apenas para manter um pulso fraco. Ao mesmo tempo,
era suficiente para estimular os sucos gástricos, fazendo com que a
pessoa sentisse fome com mais intensidade do que se nada tivesse
para comer.
Se uma pessoa não come nada, ela morre gradualmente, mas as
suas papilas gustativas ficam neutralizadas, e a pessoa é misericordi-
osamente poupada das dores infernais da fome. Não fui poupado
disso. As duas fatias de pão e as seis colheres de “sopa” chegavam
às seis horas da tarde. Desapareciam em dois minutos e não havia
mais alimento até ao dia seguinte, à mesma hora. O alvo era “que-
brantar-me”, e confesso que a fome é um instrumento terrível e eficaz.
E, por causa da fome, sentia-me como atacado por malária. Tais sen-
sações me acompanharam, dia e noite, durante os cinco anos seguintes.
Deve ser entendido que os comunistas não procuravam aplicar-
me uma “lavagem cerebral”. Sabiam que nunca conseguiriam isso. A
Torturado por sua fé30
lavagem cerebral implica em modificar completa e permanentemente
o caráter de uma pessoa, fazendo com que sua mente torne-se
totalmente dedicada a uma maneira de pensar diferente.
Os comunistas sabiam que nunca conseguiriam fazer isso comi-
go e nem o tentaram. O intuito deles era quebrar a minha vontade
— ameaçando, insistindo, torturando, abusando e submetendo-me à
fome, até que minha vontade ficasse totalmente vencida, e arruinada.
Elessabiam que, depois de minha vontade ter sido completamente
quebrada e de haverem arrancado de mim tudo quanto desejassem,
eu recuperaria a vontade e voltaria ao bom senso.
Portanto, a tática deles não foi a de aplicar-me uma lavagem
cerebral, e sim a machucar-me e levar-me tão além do limite da re-
sistência humana, que, por algum tempo, eu simplesmente perderia a
vontade própria. A lavagem cerebral exige um tratamento alternada-
mente bom e mau. Destruir a vontade de uma pessoa é mais simples
— requer apenas espancamentos brutais e incansáveis, fome e tortu-
ra que aumente progressivamente em intensidade de horror, até chegar
a um clímax em que a pessoa não mais tenha vontade própria. Essa
foi a tática deles... e começaram-na com fúria e brutalidade.
Fome, insônia e ficar de pé com a face voltada para a parede,
semana após semana, são os principais “instrumentos” no quebranta-
mento da vontade de um homem. Este tratamento pode transformar
uma pessoa racional e inteligente em um animal. A única coisa que
resta, depois desse tratamento, é o instinto animal de procurar algo
para comer. Meu guarda costumava dizer que eu “deveria tornar-me
mais quieto do que a água e mais baixo que a grama”.
A cela de punição
Em 5 de agosto, sob a “dieta de morte”, fui posto em prisão
solitária e sujeitado a um interrogatório ininterrupto de vinte e quatro
horas por dia. Havia três interrogadores, cada qual trabalhando por
oito horas. Isso lhes permitia conservar a tortura física e psicológica
por vinte e quatro horas diárias. A cela de confinamento solitário tinha
uma aparência bastante incomum. As paredes eram branquíssimas,
pintadas com uma tinta de esmalte branco lustroso. Foi-me ordenado
A “Dieta de Morte” 31
que permanecesse em frente da parede, à distância de vinte
centímetros, e que conservasse os olhos abertos, bem abertos.
Meu interrogador começou gritando:
“Não se mova um centímetro!”
“Não feche os olhos por um momento sequer!”
“Não divida seu peso numa perna por vez!”
“Não mova um músculo!”
“Não faça isto... Não faça aquilo...”
Assim ele gritava, enquanto eu permanecia em frente da parede.
Após alguns momentos, meus olhos queimavam como se houvesse
ferros quentes encostados neles. A vinte centímetros, eu estava tão
perto daquela parede branquíssima que os meus olhos não conseguiam
mais centralizar-se. Sugiro que os leitores experimentem isso por alguns
momentos apenas. Os olhos da pessoa se rebelam. Lutam para fechar-
se ou para focalizar-se em algo, mas não podem. É algo terrivelmente
doloroso; e, quando eu somente piscava, meu interrogador batia no
lado de meu rosto.
A dor em meus olhos se tornava insuportável. “Fale-me sobre
as suas atividades como espião!”, gritava o interrogador.
“Sou pastor”, eu respondia, “tenho trabalhado para Cristo durante
toda a minha vida. Nunca espionei”. O interrogador me dava outro
golpe no lado da cabeça. Meus ouvidos tiniam com o impacto da
pancada; ele gritava novamente: “Conte-me como você espionava
para os americanos”.
Novamente eu retrucava: “Sou pastor, um servo de Deus. Tenho
trabalhado somente para Ele. Nada sei a respeito de suas acusações
de espionagem”.
Mais tarde, no decorrer dos anos de brutalidade, fiquei tão in-
sensível a tais espancamentos, que eles me afetavam apenas fisica-
mente. Todavia, no começo de meu aprisionamento, aqueles golpes
me afetavam e desorientavam, tanto física como psicologicamente.
O interrogador que me espancava era um homem enorme e
severo. Nos anos seguintes, encontrei tempo para refletir sobre aqueles
guardas e interrogadores. Sempre procurava orar mais por um guarda
quando ele me espancava. Percebia que, em certo sentido, eles eram
casos mais tristes do que nós, a quem eles espancavam.
Torturado por sua fé32
Que tragédia imensa era a deles!
Pouco a pouco, enquanto brutalizavam os prisioneiros e os
maltratavam, desciam a escala de humanidade até chegarem ao nível
das feras. Seus rostos, após certo tempo, desafiavam a descrição e
tornavam-se como animais.
Nós, os prisioneiros, eventualmente nos recuperávamos, mas os
guardas sofriam um aleijamento permanente de sua humanidade.
Assim, durante os espancamentos, eu procurava conservar minha
perspectiva e orava em favor deles. Descobri que, verdadeiramente,
isso diminuía a dor dos golpes.
“Fale-me sobre o seu trabalho como espião!”, gritava o interro-
gador. “Sou pastor e...” — antes que eu pudesse terminar a sentença,
outro golpe violento me atingia o lado do rosto. Surgiu um padrão de
procedimento durante aquele primeiro longo dia. Eu era forçado a
permanecer absolutamente parado, sem mover um músculo, os olhos
queimando como bolas de fogo, a olhar fixamente para a parede re-
brilhante, a vinte centímetros de distância. Por detrás de mim, a voz
de meu interrogador continuava gritando: “Fale-nos sobre suas ativi-
dades como espião!” Eu respondia: “Sou apenas um pastor. Nunca
fiz outra coisa, senão pregar o evangelho”.
Recebia um golpe violento na cabeça, seguido de alguns minutos
de silêncio. Novamente, era feita a pergunta; em seguida, havia a
minha resposta e, outra vez, recebia a pancada. À medida que as
horas se passavam, as perguntas se tornavam menos freqüentes. Eu
perguntava a mim mesmo por que motivo o interrogador esperava
tanto entre as perguntas. Após uma hora ou duas, a verdade brilhou
em meu cérebro: o próprio tempo era uma arma deles. O tempo esta-
va do lado deles, que contavam com o seu efeito fatigante para
quebrantar-me. Hora após hora, naquele primeiro dia, repetiu-se aquele
padrão de pergunta: resposta, golpe, pausa, pergunta, resposta, golpe.
Perdi todo o senso de passagem do tempo. Eu sentia apenas
aquele fogo em meus olhos, e fechá-los, ao menos por um minuto,
tornou-se uma obsessão para mim. Meu corpo estava entorpecido.
Eu perdera todo o senso do tempo, e só era trazido de volta à realidade
pelo som diferente da voz de um novo interrogador; isso indicava que
se haviam passado oito horas e que um novo turno se iniciara.
A “Dieta de Morte” 33
Agora as pausas entre as perguntas eram mais longas; às vezes,
chegavam a uma hora inteira. Eles não tinham pressa. A noite chegava
e passava como uma eternidade. O sono me fazia pesar as pálpebras,
mas, se as fechasse momentaneamente, eu recebia um golpe. Minhas
pernas doíam. Meu corpo inteiro se rebelava; mas eu não podia mover
um músculo sequer. Tudo se tornava enevoado, e o próprio tempo
parecia cessar.
Entorpecido, repentinamente ouvi a voz aguda e nova de meu
primeiro interrogador, que gritava: “Então, Popov, você continua aqui!
Pois bem, estou descansado. Começaremos tudo de novo!” Então,
percebi que um dia inteiro se passara, e o primeiro de meus interroga-
dores voltara à sua tarefa.
A fome brotava em meu estômago. Antes eu já fora sujeitado à
fome, recebendo apenas migalhas de pão. Agora, porém, eu não tinha
nem mesmo migalhas. Quando eu recebera a ração, aquelas migalhas
pareciam tão pouco. Agora, não tendo nada, até as migalhas pareciam
um banquete!
O quarto dia diante da parede
Hora após hora se passou. Os dias chegavam e terminavam. O
período da meia-noite até à manhã era o pior. Agora, fazia quatro dias
em que eu não dormia, não comia, nem me mexia. O interrogador me
observava com especial cuidado para apanhar-me quando a cabeça
inclinava ou os olhos fechavam. Os interrogadores se deleitavam
especialmente quando me apanhavam movendo um músculo ou
piscando os olhos, como desculpa para me darem um golpe. Além
disso, usavam sapatos de feltro, de modo que eu não sabia dizer se
estavam bem atrás de mim ou do outro lado da sala.
No quarto dia, a fome desapareceu, e uma profunda sede tomou
o seu lugar. O sangue começou a descer para as pernas, que come-
çaram a inchar. Meus lábios ficaram ressequidos, rachados e
sangrentos. Então, iniciou-se outro nível de punição. Os interrogado-
res começaram a comer ruidosamente e a beber água perto mim,
para aumentar minha sede. A tortura não era somente física, mas
também mental.
Torturado por sua fé34
A sede profunda e intensa não se comparavaa nada que eu já
houvesse experimentado ou ouvido antes. Era como uma bola de lava
incandescente queimando o estômago e rachando os lábios.
Uma terrível febre consumia e destroçava o meu corpo. Estabe-
leceu-se a desidratação, e a agonia tornou-se quase insuportável. Até
hoje, quando leio sobre um homem que morre de sede no deserto, as
intensas dores da sede atingem-me novamente e, onde quer que eu
esteja, preciso beber grandes goles de água.
Outra pessoa sorvia água prazerosamente a pouca distância de
mim. Mas bastava um leve tremor em meus lábios partidos e
ressecados, para que eu fosse espancado sem qualquer aviso.
A sede assolava dentro de mim, como se fosse uma febre intensa.
Até hoje não sei explicar como pude permanecer de pé, durante todos
aqueles dias e noites. Tinha de ser Deus comigo, pois ninguém possui
tal força dentro de si mesmo.
Lentamente, o interrogatório cessou e se transformou em um
jogo de espera, em que os interrogadores aguardavam meu colapso.
Em minha condição febril, comecei a ter alucinações. Pequenas
manchas, na parede branca, à minha frente, tornaram-se vivas. Eu
via rostos de pessoas: de Rute, Paulo e Rode; e, depois, dos guardas.
Padrões girantes de cores vivas assemelhavam-se a um caleidoscópio
maluco diante de mim. Eu tinha certeza de que estava ficando louco.
O décimo dia
O colapso ainda não chegara. Perdi todo o senso do tempo. Um
dia se obscurecia em outro. Minhas pernas inchadas tornaram-se
imensas, entupidas de sangue, devido à completa imobilidade. Meus
lábios abriram-se em grandes rachaduras e sangravam. Minha barba
estava longa, pois, desde que fora aprisionado, não me fora permitido
lavar-me ou barbear-me. Meus olhos eram bolas de fogo. No entanto,
de alguma maneira, eu continuava de pé.
Na décima noite, algum tempo depois da meia-noite, ouvi que
meu interrogador roncava, enquanto dormitava involuntariamente.
Movimentei meu pescoço endurecido para a direita e para a esquerda.
À esquerda, a menos de dois metros, havia uma janela. Visto que
A “Dieta de Morte” 35
estava escuro do lado de fora, pude ver o reflexo na janela, como
num espelho. Recuei, horrorizado. Era o reflexo de um monstro! Vi
uma figura horrível, enfraquecida, pernas inchadas, olhos como buracos
vazios na cabeça, uma longa barba coberta de sangue, escorrido de
lábios partidos, sangrentos e horrendamente inchados.
Era uma figura grotesca, horrorosa. Fui repelido por ela.
Subitamente, ocorreu-me: aquela figura horrenda, sangrenta e
grotesca, era eu mesmo! Eu era aquele “monstro”.
Minha mente entorpecida absorveu lentamente aquele fato, e
lágrimas me vieram aos olhos. Repentinamente, senti-me esmagado,
tão sozinho, tão desamparado. Senti-me próximo de como Cristo deve
ter se sentido quando exclamou: “Deus meu, Deus meu, por que me
desamparaste?” Eu não podia derramar lágrimas, mas o meu corpo
suspirava com lágrimas não derramadas.
Então, naquele momento de desespero completo e esmagador,
ouvi uma voz tão clara e distinta como qualquer voz que costumava
ouvir. Dizia: “Nunca te deixarei, nem te abandonarei”.
Foi uma voz tão audível que olhei para meu interrogador, que
cochilava, certo de que ele também a ouvira; mas ele continuava
dormindo.
A presença de Deus encheu a Cela de Punição e um calor divino
me envolveu, infundindo forças à casca que era o meu corpo. Isso
produziu um efeito físico definido e surpreendente sobre mim.
Meu interrogador acordou num sobressalto. Chegou ao meu lado
e pôde sentir que algo tinha acontecido. Ele não sabia dizer o que era,
mas estava tão cônscio da diferença que correu para fora e voltou
com outro oficial. Não podiam compreender. Ouvi as vozes ansiosas
e murmurantes dos interrogadores, por trás de mim, procurando
descobrir o que acontecera.
Parecia que eu estava tão revigorado e vivo, inspirado com força
nova. Em minha vida, nunca me sentira tão próximo de Deus como
naquele momento. Ele se tornou tão próximo de mim; meu coração
anelava por vê-Lo. Senti a presença de Deus tão perto e era tão
maravilhoso, superior a qualquer outra sensação que já tive. Foi um
prelúdio de como será estar com Deus na eternidade; e eu não queria
que acabasse.
Torturado por sua fé36
Orei pedindo a morte. Anelava pela morte, que era uma porta
bendita mediante a qual eu veria a Cristo, a quem amava e servia há
muito tempo.
O décimo quarto dia
A presença de Deus enlevou-me por longo tempo, mas, no décimo
quarto dia, a fome, a sede e o ardor intenso em meus olhos tornaram-
se excessivos. Era claro que eu estava morrendo. Eu me sentia
desligado de tudo. Então, é assim que se morre, eu pensei.
A qualquer minuto verei a Cristo.
O guarda percebeu que alguma coisa estava acontecendo e saiu
correndo, tendo voltado com um médico. O médico olhou para mim e
disse ao oficial: “Este homem está morrendo!” Suas vozes pareciam
vir de longe. Evidentemente, não estavam preparados para deixar-
me morrer, porque senti que estavam me levando para algum lugar. O
que deve ter sido uma hora depois, voltei à consciência, em minha
cela. A julgar pelo olhar de horror, estampado na face de Tsonny,
penso que minha aparência era horrível. Eu não podia mover-me.
Minhas pernas estavam inchadas como as de um elefante. Meus lábios
estavam rachados e sangravam. Meus olhos eram profundos buracos
negros na cabeça, e as pupilas estavam vermelhas como o fogo.
Durante uma semana não pude focalizar os olhos nem usá-los
adequadamente.
Quando a consciência retornou lentamente, Tsonny me disse
em que data estávamos. Eu não podia acreditar. Eu estivera de pé,
sem alimentos e sem água por catorze dias! Não posso explicar como
aquilo fora possível. Mais tarde, naquele mesmo dia, trouxeram-me
alimentos e água e me permitiram descansar. Em meio a muita dor,
meu colega de cela ajudou-me a levantar minhas imensas pernas
inchadas, amparando-as contra a parede, para que o sangue diminuísse
a pressão. Caí em profundo sono e pensei que o pior já tinha passado.
Mas não tinha.
Na noite seguinte, depois da meia-noite, fui chamado outra vez
ao andar térreo, para ser interrogado, dessa vez por um oficial de
nome Eleas. Havia quatro ou cinco homens esperando por mim, na
A “Dieta de Morte” 37
sala. Quando entrei, fui recebido com zombaria, escárnio e humilha-
ções. Então, começaram a esmurrar-me. Rodei pelo cômodo e caí;
fui levantado do chão e esmurrado novamente. É óbvio que eles ti-
nham resolvido adicionar mais torturas físicas à tortura mental.
Durante todas essas coisas, permaneci em silêncio. Embora eu
tivesse adquirido um pouco de forças, com o descanso, ainda estava
muito fraco, e o menor empurrão me fazia cair. Não me batiam
severamente, pois isso me teria feito cair inconsciente. Finalmente,
Eleas carregou sua pistola, segurou-me pelo colarinho e foi me puxando
para o corredor. Eu sangrava profusamente no nariz. O ambiente
estava escuro como carvão. Ele foi me empurrando à sua frente até
ao fim do corredor, onde havia uma pequena luz que brilhava. Eleas
mantinha a sua pistola pressionada contra as minhas costas em todo o
tempo. Quando chegamos na luz, ele gritou: “Pare! Fique de frente
para a parede!”
Fiquei na posição habitual, observando respingos de sangue e
perfurações do impacto das balas no reboco da parede. É óbvio que o
escuro fundo daquele corredor subterrâneo era o lugar onde muitos
tinham encontrado a morte. Eleas apagou a luz. Estava frio e muito
escuro. A morte pairava pesadamente na atmosfera opressiva. Eleas
pressionou a pistola na parte de trás de meu pescoço.
“Popov”, ele disse, “já toleramos bastante a sua teimosia. Esta é
a sua última noite. Você terá de morrer devido à sua obstinação por
ser recusar a confessar sua espionagem. Estou lhe dando a última
oportunidade. Enquanto eu conto até cinco, você poderá pensar de
novo e confessar que é um espião. Se você for sensato, viverá, mas,
se não, atirarei ao contar cinco”.
Eu estava certo de que ele atiraria em mim, pois milhares haviam
sido mortos a tiros na “Casa Branca” da DS, antes de mim. Eu sabia
que aquela gente cumpria suas ameaças.O pensamento da morte como uma ponte para a eternidade
relampejou em minha mente. Eu veria a Jesus! Eu estava certo de
que aquele tormento infernal logo acabaria. Era como se a eternidade
já estivesse começando para mim e restasse apenas a formalidade da
morte. Mentalmente, eu estava preparado e já me achava “com
Cristo”. Agora esperava somente que o tiro ecoasse, e eu seria levado
Torturado por sua fé38
ao céu, nas asas dos anjos — para Jesus, meu Salvador. Havia um
imenso anseio no coração por aquele magnificente momento em que
eu veria a Jesus. Quão atraente tudo aquilo era para mim. Toda aquela
tortura terminada. Ver a Jesus! Estar com Cristo!
Muitas pessoas não gostam de pensar sobre a morte. Temem e
tremem diante dessa palavra, porquanto encaram a morte como uma
figura terrivelmente negra. Por que as pessoas temem a morte?
Primeiramente, porque não crêem em Deus. Para aqueles que ainda
não aceitaram a Jesus Cristo como seu Salvador, a morte é a mais
terrível das experiências. As pessoas temem a morte porque não têm
certeza de sua salvação. Seu pecado as torna cônscias de que terão
de prestar contas após a morte.
No entanto, para aquele que crê em Jesus e está certo de sua fé
e de sua salvação, por meio do sangue purificador de Cristo, não
existe morte. Não cremos na morte porque ela não existe para aqueles
que estão em Cristo Jesus. Em João 11.26, Jesus disse a Marta, irmã
do falecido Lázaro: “Todo o que vive e crê em mim não morrerá,
eternamente”. Em seguida, dirigiu a Marta uma notável pergunta:
“Crês isto?”
Se existe uma certeza neste mundo incerto, esta certeza é a
Palavra de Deus. Passarão os céus e a terra, mas a Palavra de Deus
nunca passará. Até aquele momento eu não imaginava como seria a
morte; contudo, para mim a morte não era um espectro obscuro, e
sim um anjo que viria libertar-me. Para mim a morte não parece escura
e repugnante. Pelo contrário, é cheia de luz e alegria, visto que
Apocalipse 14.13 nos diz: “Bem-aventurados os mortos que, desde
agora, morrem no Senhor”. E Salmos 116.15 nos diz: “Preciosa é aos
olhos do SENHOR a morte dos seus santos”. Verdadeiramente, para
aqueles que são salvos, a morte não somente é um portal para os
céus, mas também um arco de triunfo pelo qual marchamos com
alegria triunfante e um cântico glorioso.
Eleas começou a contar vagarosamente, fazendo uma longa
pausa entre cada número, para dar-me chance de gaguejar a minha
confissão. “Um...” — uma longa pausa; “dois...” — outra longa pausa;
“três...” Ele contava muito demoradamente, pressionando, em todo o
tempo, a pistola em minha cabeça, para que eu pudesse senti-la. Ele
A “Dieta de Morte” 39
acreditava que a morte me assustaria. Mas Eleas não podia ver o que
acontecia dentro de mim! Não sabia que eu estava aguardando o
momento em que eu veria o meu Mestre, a quem eu amava mais do
que qualquer outra coisa, a quem eu servia e a respeito de quem eu
havia pregado.
Quando Eleas continuou com um longo e arrastado q-u-a-t-r-o,
algo quase inacreditável aconteceu. O Espírito Santo desceu sobre
mim em maior medida do que antes. Aconteceu comigo o mesmo que
aconteceu com Gideão, relatado em Juízes 6.34: “Então, o Espírito do
SENHOR revestiu a Gideão”. E tornei-me tão corajoso quanto Gideão,
e tão forte como Sansão. Não me considero um homem corajoso,
mas o Deus de Gideão é o meu Deus; Ele estava comigo naquele
escuro corredor.
Eleas fez uma pausa, depois de haver contado até “quatro”, mas
fez uma pausa longa demais para mim. Ouvi uma voz que vinha de
dentro de mim — sem temor, forte, exigente. Gritava: “Não espere,
não espere. Atire, direto na cabeça”. Eleas deu um salto para trás,
tomado de pânico e terror. Ele nunca esperara aquilo, nem eu o tinha
esperado!
Ele não conseguia entender (nem eu) de onde me viera aquela
força! Eu estava tão fraco e debilitado que dificilmente podia andar.
Eleas, porém, ficou ainda mais surpreso do que eu. Eu me preparei
para receber o tiro mas, em vez disso, recebi uma pancada seca contra
a parte de trás do crânio. Naquele momento fugaz, antes que a
inconsciência tomasse conta de mim, percebi que Eleas apenas tentara
me enganar, para arrancar uma confissão, e não quisera realmente
matar-me. Uma dor de desapontamento — tão real quanto a dor
física — brotou em meu coração, uma dor muito maior do que a dor
que rachava a minha cabeça.
Fiquei profundamente, profundamente desapontado. Estava
pronto para enfrentar a morte, porém ainda me encontrava nesta vida...
tão pronto para encontrar-me com Cristo, mas ainda estava com Eleas.
Por que a morte me fora negada? Antes de a inconsciência toldar-me
os sentidos, clamei no profundo de meu coração: “Deus, fui fiel até à
morte, mas ela não veio”.
Fui levado de volta à cela, onde me jogaram, inconsciente. Quando
Torturado por sua fé40
acordei, Tsonny havia me empurrado contra a parede e estava
enxugando o sangue que escorria atrás de minha cabeça. Ter estado
tão perto de Deus e despertar em uma cela da DS! Isso foi um
desapontamento esmagador. Mas consegui balbuciar uma oração:
“Senhor, não seja feita a minha vontade, e sim a tua”. Caí em profundo
e demorado sono.
Mais tarde, a porta da cela foi aberta e um novo prisioneiro ali
colocado. Sentou-se em um canto da cela, como se estivesse enver-
gonhado, e não disse uma palavra sequer. Gradualmente, tornou-se
mais conversador. Disse que seu nome era Nickolai Gantchef, que
servira por muitos anos na guarda do palácio real de nosso anterior
rei Boris e que fora detido sob a acusação de ser monarquista e haver
tomado parte em conspirações.
Tsonny suspeitou dele, mas eu, em minha credulidade, e ainda
sofrendo dos espancamentos, acreditei em todas as declarações de
Nickolai como verdadeiras. Mais tarde, fiquei sabendo que aquele
homem fora colocado em nossa cela para espionar Tsonny e a mim.
Pouco tempo depois, Tsonny foi retirado da cela. Um ano mais
tarde, encontrei-o novamente em outra prisão. Ele me contou que
Nickolai fora aos líderes e disse que Tsonny lhe parecia esperto e
desconfiara dele. Por isso, os líderes deveriam tirar Tsonny da cela, a
fim de que ele, Nickolai, continuasse seu trabalho de tentar quebrantar-
me. Nickolai e eu ficamos sozinhos na cela. Ele conseguiu muitas
informações a meu respeito, informações que, em minha inocência,
lhe dei. Mais tarde, fiquei sabendo que colegas da prisão eram
obrigados a espionar seus companheiros de celas, por meio de ameaças
de dano a seus familiares. Depois, percebi que a aparência desanimada
de Nickolai, quando o vi pela primeira vez, era de vergonha. Mas a
Polícia Secreta aprendia rapidamente quais eram os pontos mais
vulneráveis de um prisioneiro — seus filhos, sua esposa, por exemplo;
e usava essa arma sem misericórdia.
O trabalho de Nickolai consistia em descobrir o meu ponto
vulnerável. Não tardou em descobri-lo. Naturalmente, era minha
esposa e meus filhos. Eu me sentia extremamente preocupado a
respeito deles. Rute estava sozinha, com dois bebês para alimentar e
cuidar, e, eu estava incapacitado de ajudá-la.
A “Dieta de Morte” 41
No entanto, até aqueles informantes que conheci na prisão e
que ocasionalmente me causaram tanto castigo, eu procurava amar e
compreender, ao invés de odiar. Eles também eram vítimas, tal como
eu. Era comovente o fato de que os prisioneiros tentavam freqüente-
mente falar com dureza sobre sua esposa e seus filhos, para que a
Polícia Secreta imaginasse que não se importavam com os familiares,
deixando-os, assim, em paz e sem danos.
Muitas vezes, ouvi homens amaldiçoando sua esposa e seus filhos,
como quem não se importava com eles; em seguida, tais homens, se
voltavam, ocultavam o rosto entre as mãos e choravam em soluços.
Os informantes não se encontravam somente onde campanhas
sistemáticas eram planejadas (como aquela que fizeram contra mim).
Estavam em todos os lugares: prisões, acampamentos, casas, empresas
e igrejas. A fim de melhorar sua situação nas prisões e aliviar os
próprios sofrimentos, muitos prisioneiros se ofereciam para tornarem-
se informantes.
Os comunistas nãodormem tranqüilos, enquanto não sabem a
respeito de todos: o que as pessoas pensam sobre eles ou o que dizem
sobre eles. Conseqüentemente, em toda a Bulgária, dificilmente existia
uma cela, um quarteirão, uma empresa ou uma igreja sem um
informante que denunciasse tudo o que era dito. Isto é tão ruim hoje
como o foi naqueles dias.
Pregando o evangelho
para a Polícia Secreta
No início de setembro de 1948, fui entregue aos cuidados de
um advogado cujo nome era Peter Manoff, que deveria conduzir o
interrogatório até que eu “confessasse”. Todas as noites eu era
ordenado a escrever informações sobre mim mesmo, meu trabalho,
meus amigos e os amigos de meus amigos — tudo quanto os comunistas
quisessem saber a respeito de mim. Isso parecia inofensivo e me
daria oportunidade de descansar, pelo que comecei a escrever. Resolvi
incluir um testemunho sobre Cristo em todos os lugares possíveis.
Queriam que eu registrasse, especialmente, tudo o que acontecera
em minha vida. Isso se harmonizava, às mil maravilhas, com meu
plano. Deu-me muitas oportunidades de contar aos meus interrogadores
o que Cristo significava para mim! Eu sabia que eles tinham de ler o
que eu escrevesse, pelo que preenchi tudo com a Palavra de Deus e
com o meu testemunho.
Manoff estava ocupado o dia inteiro no tribunal, trabalhando como
promotor público; à noite, ele vinha passar-me novas tarefas e escolher
novo guarda. O único sono que usufruí, durante um mês inteiro, foram
“cochilos” rápidos. Eu tinha permissão de voltar à cela de manhã, ao
meio-dia e à noite, talvez por quinze minutos em cada vez. Continuava
recebendo as duas fatias de pão e a água temperada que chamavam
de “sopa”, todos os dias.
Torturado por sua fé44
Eu usava aquele breve período para descansar e dormir um pouco.
Sentia-me extremamente fraco, por causa da falta de sono e da
desnutrição.
Seria interessante ler o que escrevi durante aquelas noites. Devo
ter escrito mais de duas mil páginas ao todo, algumas vezes até quarenta
páginas em uma única noite! A cada noite, eu recebia um assunto
sobre o qual tinha de escrever. Tomar um assunto escolhido e encontrar
um meio lógico de incluir um testemunho sobre Cristo tornou-se um
jogo para mim. Realmente, tornei-me eficiente nisso.
Em qualquer assunto que me dessem, eu encontrava uma maneira
de incluir um testemunho! Não penso que eles apreciavam isso, mas
tudo estava tão bem conectado, que parecia fazer parte do restante
da história. Isso os enfurecia; mas, afinal de contas, Cristo se tornara
parte de minha vida diária desde que me converti. Embora odiassem
a Palavra de Deus esta era a Palavra de Deus e, eles mesmos eram
os que mais precisavam dela.
Tive uma das melhores oportunidades quando me ordenaram
que escrevesse sobre o treinamento bíblico, em Danzig: contar que
professores e amigos eu tive ali e que cursos me ensinaram. Aquela
foi, realmente, uma notável oportunidade. Transcrevi as lições com
detalhes, assim como os meus professores me haviam ensinado.
Imagino que aqueles foram os primeiros interrogadores comunistas a
receberem lições da Bíblia! Em seguida, perguntaram-me sobre os
dias de instrução na Escola Bíblica, em Londres. Realmente arei com
prazer aquele campo. Ali eu estava, em uma prisão comunista, usando
papel e tinta comunistas para contar aos comunistas o que me fora
ensinado da Palavra de Deus. Eles me tinham dito: “Popov, queremos
todos os detalhes!” Eu lhes dava todos os detalhes. Aqueles foram
alguns dos dias mais maravilhosos que tive na prisão. Escrever sobre
as aulas bíblicas fez tudo voltar à memória.
Um dia, eles me disseram: “Popov, já é o bastante. Não queremos
saber mais nada sobre a sua vida na Escola Bíblica e sobre o seu
Deus lendário!” Mas, agradeço a Deus por aquele tempo; em que
eles foram expostos à Palavra, gostando ou não. Ordenaram que me
limitasse à situação na Bulgária. Eu sempre tentava encontrar um
meio de voltar à Palavra de Deus e ao que o Senhor significava para
Pregando o evangelho para a Polícia Secreta 45
mim. Realmente “forcei” em alguns pontos, mas usualmente conseguia
introduzir minha “mensagem do evangelho”. Com freqüência, me
pergunto quantos comunistas foram alcançados por minha mensagem.
No entanto, eles também eram espertos. O grande volume de
meus escritos capacitou-os a selecionar incidentes isolados, aqui e
acolá, para distorcê-los. Sem meu conhecimento, as pessoas mencio-
nadas no manuscrito eram interrogadas e assediadas.
Uma dessas pessoas era um irmão na fé, chamado Marko Kostoff,
que trabalhava no cais de Burgas, um porto do Mar Negro. Perguntaram-
lhe se tínhamos conversado no porto; e, nesse caso, o que havíamos
conversado. Na Bulgária, um pastor visita habitualmente os membros de
sua igreja em seus lares, pelo menos uma vez por mês. Durante as minhas
visitas, eu falava sobre Deus, as necessidades da família e assim por
diante. Se o chefe da família trabalhasse nos campos, eu conversava
sobre a semeadura e a colheita. Se alguém trabalhasse na estrada de
ferro, eu conversava com ele sobre o que fazia. Portanto, durante as
minhas visitas pastorais, eu conversava com Marko sobre o porto e seu
trabalho, bem como sobre assuntos espirituais.
Meus interrogadores resolveram tirar proveito disso. Marko
relembrou, nos interrogatórios a que foi sujeitado, que às vezes
conversávamos sobre o trabalho dele, no porto. Mencionou que, em
certa ocasião, falamos a respeito de um barril de queijo. Estavam
embarcando barris cujos rótulos continham o nome “marmelada”, em
um navio que se destinava à Rússia, e aconteceu que um dos barris
caiu no cais e estourou, revelando que continha queijo. Na Bulgária,
naquela época, não havia como alguém obter queijo em parte alguma,
porque as autoridades estavam enviando secretamente todo o
suprimento de queijo para a Rússia, sob o rótulo de “marmelada”.
Marko me falara sobre aquela “marmelada” de aparência estranha.
E também lembrou que tínhamos conversado sobre aquele incidente.
Desta maneira, as autoridades afirmaram que eu “obtivera
informações sobre atividades portuárias, passando-as aos ingleses e
americanos”. De modo semelhante, os membros de minha igreja que
eram operários da estrada de ferro ou de fábricas, relembraram que
eu conversara com eles sobre o seu trabalho.
Com muito cuidado, as autoridades estavam criando um caso
Torturado por sua fé46
contra mim, mostrando-se extremamente cautelosas para não
transmitirem a impressão de que eu estava sendo perseguido por causa
de minha fé em Deus. Certa noite, fui levado a uma sala, no quarto
pavimento, onde recebi ordem para sentar e escrever. Nessa altura,
eu era um esqueleto faminto, movimentando-me com estupor, em um
mundo de semiconsciência.
A janela daquela sala dava para um pátio; e, no outro lado deste
pátio, havia uma ala ocupada pela Polícia Secreta. Notei uma janela
iluminada, do outro lado da ala. Através daquela janela, vi um homem
sendo torturado. Ele era mantido no chão, com os pés para cima. Dois
homens o seguravam embaixo, enquanto um terceiro, armado de um
cacete de borracha dura, batia com toda a sua força nas solas nuas dos
pés do pobre homem. Através das janelas fechadas, eu podia ouvir
distintamente o ruído das pancadas, vindo do outro lado do pátio. O homem
urrava de agonia e dor. Os golpes continuaram, até que o homem caiu em
inconsciência; mas, apesar disso, os golpes não cessaram.
Certamente, aquele homem nunca mais conseguiu andar com
os próprios pés e sem ajuda. A cena ficou gravada em mim. Naquele
momento e em incontáveis noites que viriam, eu fechava os olhos,
para não ver, e tapava os ouvidos, para não ouvir. E orei: “Ó Deus,
ajuda-me a desligar o meu cérebro e não pensar!”
Mais tarde, reiniciei minha lenta e dolorosa escrita, porém os
meus pensamentos não se afastavam daquele homem. Sentia-me
profundamente triste por causa dele. Contudo, o invejava.
Voluntariamente eu teria trocado de lugar com ele. Sua provação
durou apenas algumas horas, mas, ainda que a tortura continuasse
por dois dias, tudo teria terminado para sempre. Teria

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