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TEORIA E PRÁTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL Professora Me. Adriene Santanna Professora Me. Ariane Camila Tagliacolo Miranda Professor Me. Rafael Henrique Santin GRADUAÇÃO Unicesumar Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD - Núcleo de Educação a Distância Direção Executiva de Ensino Janes Fidélis Tomelin Direção Operacional de Ensino Kátia Coelho Direção de Operações Chrystiano Minco� Direção de Polos Próprios James Prestes Direção de Desenvolvimento Dayane Almeida Direção de Relacionamento Alessandra Baron Head de Produção de Conteúdos Celso Luiz Braga de Souza Filho Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia Gerência de Projetos Especiais Daniel Fuverki Hey Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila Toledo Supervisão Operacional de Ensino Luiz Arthur Sanglard Coordenador de conteúdo Marcia Maria Previato de Souza Design Educacional Camila Zaguini Silva Fernando Henrique Mendes Nádila de Almeida Toledo Rossana Costa Giani Projeto Gráfico Jaime de Marchi Junior José Jhonny Coelho Arte Capa Arthur Cantareli Silva Editoração Aline Morais Qualidade Textual Hellyery Agda Ana Paula da Silva Jaquelina Kutsunugi Ilustração Robson Yuiti Saito C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; SANTANNA, Adriene; MIRANDA, Ariane Camila Tagliacolo; SANTIN, Rafael Henrique. Teoria e Prática na Educação Infantil. Adriene Santanna; Ariane Camila Tagliacolo Miranda; Rafael Henrique Santin. Reimpressão Maringá-Pr.: UniCesumar, 2018. 183 p. “Graduação - EaD”. 1. Educação Infantil 2. Teoria . 3. Prática 4. EaD. I. Título. ISBN 978-85-8084-847-2 CDD - 22 ed. 372 CIP - NBR 12899 - AACR/2 Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828 Impresso por: Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos com princípios éticos e profissionalismo, não so- mente para oferecer uma educação de qualidade, mas, acima de tudo, para gerar uma conversão in- tegral das pessoas ao conhecimento. Baseamo-nos em 4 pilares: intelectual, profissional, emocional e espiritual. Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil: nos quatro campi presenciais (Maringá, Curitiba, Ponta Grossa e Londrina) e em mais de 300 polos EAD no país, com dezenas de cursos de graduação e pós-graduação. Produzimos e revisamos 500 livros e distribuímos mais de 500 mil exemplares por ano. Somos reconhecidos pelo MEC como uma instituição de excelência, com IGC 4 em 7 anos consecutivos. Estamos entre os 10 maiores grupos educacionais do Brasil. A rapidez do mundo moderno exige dos educa- dores soluções inteligentes para as necessidades de todos. Para continuar relevante, a instituição de educação precisa ter pelo menos três virtudes: inovação, coragem e compromisso com a quali- dade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia, metodologias ativas, as quais visam reunir o melhor do ensino presencial e a distância. Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária. Vamos juntos! Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quando investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequentemente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportu- nidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desafios que surgem no mundo contemporâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se integrados à proposta pedagógica, con- tribuindo no processo educacional, complementando sua formação profissional, desenvolvendo competên- cias e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessá- rios para a sua formação pessoal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de cresci- mento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o Studeo, que é o seu Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das dis- cussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui- lidade e segurança sua trajetória acadêmica. Professora Me. Adriene Santanna Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2007) e mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (2013). Professora Me. Ariane Camila Tagliacolo Miranda Graduada em Pedagogia (2009), Especialista em Psicopedagogia (2012)e Mestre em Educação (2013), ambos pela Universidade Estadual de Maringá. Atualmente é pós - graduanda em EAD e as Tecnologias Educacionais pela Unicesumar. Professor Me. Rafael Henrique Santin Graduado em Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá (2009). Mestre em História e Historiografia da Educação pela Universidade Estadual de Maringá (2012). Doutorando do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. A U TO RE S SEJA BEM-VINDO(A)! Olá, prezado(a) aluno(a), É com grande satisfação que apresentamos o livro de Teoria e Prática na Educação In- fantil. Esse material, escrito a seis mãos, foi cuidadosamente pensado e elaborado, para fornecer a você os subsídios teóricos necessários para o debate em torno das questões candentes da Educação Infantil na atualidade. Nossa intenção primeira é, portanto, pro- porcionar uma leitura prazerosa e produtiva, de modo que você possa se apropriar dos conteúdos e, ao mesmo tempo, alimentar o espírito e o senso crítico. Em primeiro lugar, ressaltamos que o livro faz parte do processo de formação do peda- gogo que a Unicesumar promove. Assim, deve ser considerado a partir da totalidade do curso de Pedagogia, como proposta formativa delimitada pelo Projeto Pedagógico per- tinente. Por isso, ao estudá-lo, você deve articular o conteúdo com os conhecimentos que já adquiriu até aqui, em um constante devir de desenvolvimento pessoal e profis- sional. A teoria e a prática da Educação Infantil não devem ser pensadas de maneira iso- lada, mas sim como parte de um debate maior acerca do processo educativo. Ao final do curso, esperamos que você seja capaz de discutir sobre pontos particulares da educação dos homens no tempo presente, sem perder de vista a visão de conjunto, necessária para uma análise criteriosa e prudente da realidade. Além disso, o livro é apenas um dos recursos disponíveis para que você se aproprie dos conteúdos dessa disciplina. Há as aulas conceituais e ao vivo, os estudos de caso e os materiais extras. As atividades que você fará, ao longo da disciplina, também são recur- sos para o estudo, uma vez que elas são oportunidades de reflexão e articulação dos di- versos materiais e, assim, permitem que se coloque em movimento todo o saber obtido. Contudo, a organização de todo o processo não é possível sem oPlano de Ensino, que está disponível no ambiente da disciplina, no AVA – mais precisamente, no ícone cujo nome é Plano de Ensino. Leia com muita atenção esse plano, pois essa disciplina deve cumprir a ementa e os objetivos ali previstos. Nesse documento há, também, a justi- ficativa da disciplina, o programa de estudos, a metodologia de trabalho, os detalhes da avaliação e a bibliografia da disciplina. Aliás, é fundamental que você busque essa bibliografia, pois ela forma a essência teórica da disciplina. O livro que você tem em mãos foi pensado para ser didático e proporcionar os caminhos para o estudo sistemático da Educação Infantil. Os autores não pretendem que este seja o único livro sobre Educação Infantil a ser lido pelos alunos, ao contrário, desejam que ele seja a porta de entrada para um estudo mais amplo e complexo do fenômeno edu- cativo, pois os homens e a sociedade mudam continuamente. Diante disso, a pretensão de escrever algo definitivo sobre educação é perigosa, uma vez que fazer isso é assumir o risco de fornecer respostas para um futuro incerto, o qual somos capazes de planejar, mas não de prever. Portanto, o estudo da Educação Infantil, por meio desse livro, deve ser o início de uma jornada que, talvez, nunca termine, mas que precisa ser feita, sob pena de não desempenharmos nosso papel enquanto educadores das próximas gera- ções – o que significa uma obrigação profissional e moral. APRESENTAÇÃO TEORIA E PRÁTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL Nesse sentido, o material que agora apresentamos a você é composto de cinco uni- dades, cujos conteúdos são interdependentes. Na primeira unidade, debatemos os fundamentos da educação infantil na perspec- tiva de diversos pensadores. O conceito de infância e o cuidado com as crianças ao longo da história é o objeto da primeira unidade. Na segunda, nossa preocupação é com a discussão sobre o ensino e sobre a apren- dizagem na educação infantil. Enfatizam-se os aspectos lúdicos do processo edu- cativo e as principais teorias do ensino e aprendizagem que pautam a educação infantil na contemporaneidade. A linguagem é objeto da terceira unidade. Sendo um dos principais aspectos da educação infantil, a linguagem é aqui abordada mediante as lentes de autores e teorias consagradas, por meio das quais, podemos pensar e agir na promoção da linguagem no contexto da educação infantil. A quarta unidade contempla mais enfaticamente a relação necessária entre teoria e prática, pois é abordada a organização do trabalho pedagógico na educação in- fantil. O planejamento, o método e a avaliação são os elementos que perpassam o debate da quarta unidade. Por fim, na quinta unidade, enfatizamos os aspectos legais da educação infantil. Re- corremos à história e ao estudo dos principais documentos legais, tanto nacionais quanto internacionais, para desvelar os princípios que regem a educação infantil no Brasil. Como você pode perceber, o livro traz debates bastante importantes no estudo da educação infantil. Esperamos que esse material contribua positivamente para a sua formação, visto que ele foi especialmente pensado para esse fim. Trata-se de um livro didático, mas sem a pretensão de ser o único livro a ser lido. Entendemos que ele pode ser uma centelha, uma faísca capaz de despertar o gosto pelo estudo, pela ciência e pela educação infantil. Os autores APRESENTAÇÃO SUMÁRIO 09 UNIDADE I FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS E HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL 15 Introdução 15 O Surgimento do Conceito de Infância 18 As Creches no Brasil em uma Perspectiva Histórica 23 As Ideias Educativas de Erasmo de Roterdã 30 As Ideias Educativas de Rousseau 37 As Ideias Educativas de Frederico Froebel 41 Considerações Finais UNIDADE II ASPECTOS LEGAIS DA EDUCAÇÃO INFANTIL 49 Introdução 50 Da “Pré-Escola” à “Educação Infantil”: Mudanças Paradigmáticas e Institucionais na História da educação infantil 62 A Educação Infantil nos Documentos Internacionais 66 A Educação Infantil nos Documentos Nacionais 75 As Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Infantil 79 Considerações Finais SUMÁRIO UNIDADE III CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE A APRENDIZAGEM E O DESENVOLVIMENTO INFANTIL 85 Introdução 85 A Perspectiva Histórico-Cultural e o Processo de Aquisição de Conhecimento na Educação Infantil 89 Contribuições de Jean Piaget para o Desenvolvimento Infantil 99 O Brincar e o Desenvolvimento Infantil 105 Considerações Finais UNIDADE IV PRÁTICA PEDAGÓGICA DA EDUCAÇÃO INFANTIL 111 Introdução 111 Desenvolvimento das Linguagens para a Aquisição do Conhecimento na Infância 117 O Ensino da Matemática na Educação Infantil 124 Letramento e Alfabetização: Implicações para a Educação Infantil 134 Considerações Finais SUMÁRIO 11 UNIDADE V A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGiCO NA EDUCAÇÃO INFANTIL 141 Introdução 141 A Organização da Educação Infantil 155 Planejamento do Trabalho Pedagógico na Educação Infantil 167 Avaliação na Educação Infantil 173 Considerações Finais 177 Conclusão 179 Referências U N ID A D E I Professora Me. Adriene Santanna Professora Me. Ariane Camila Tagliacolo Miranda Professor Me. Rafael Henrique Santin FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS E HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Objetivos de Aprendizagem ■ Analisar a construção do conceito de infância na sociedade ocidental. ■ Refletir sobre a contribuição das ideias de Erasmo de Roterdã para a educação. ■ Entender como as proposições teóricas de Rousseau influenciaram a educação. ■ Analisar as contribuições de Frederico Froebel para um novo olhar sobre a infância. ■ Compreender o quadro histórico da formação da educação infantil no Brasil. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ O nascimento do sentimento de infância ■ O nascimento das creches no Brasil ■ As ideias educativas de Erasmo de Roterdã ■ As ideias educativas de Jean-Jacques Rousseau ■ As ideias educativas de Frederico Froebel INTRODUÇÃO Nesta unidade, procuramos mostrar a você como a infância foi discutida e vivenciada na história ocidental. Compreenderemos algumas ideias que funda- mentaram as concepções de infância, de criança e de família. Ao contrário do que muitos indivíduos pensam, a forma como compreende- mos a infância e também a educação é uma construção histórica. Veremos que, em certos momentos, a criança era vista como impura, sem alma e sem identi- dade e, em outros, ela foi elevada a categoria de ser superior e com uma bondade natural. Por isso, deveria ser preservada da sociedade corrompida. Assim, no decorrer desta unidade, serão apresentadas as principais ideias de autores que contribuíram para a construção de um novo olhar sobre a infân- cia e sobre a educação. Compreenderemos, também, que a história não está tão distante de nossa realidade, uma vez que as ideias construídas há séculos ainda podem ser observadas no discurso educativo atual. O SURGIMENTO DO CONCEITO DE INFÂNCIA Ao falarmos de infância, precisamos analisá-la como algo histórico e não natu- ral. Em diferentes períodos da história, ser criança ou estar no período da infância representava sentidos e valores diferentes. Para que a infân- cia seja entendida como construção humana, é preciso compreender a história, ou seja, a forma como a infância foi entendida ao longo dos tempos. Ariès (1981) foi um dos pio- neiros a estudar as características históricas da infância. Para esse 15 Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS E HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I autor, a infância é um produto do Mercantilismo, período em que se alteraram a forma de organização da sociedade e, consequentemente, os sentimentos e as relações estabelecidas,em especial, com as crianças, ou seja, estas se encontram como produto da história moderna. Assim, o estudo da infância reflete em como se dão as transformações do sentimento moderno de infância e de família, de acordo com as mudanças ocorridas na estrutura social, ou seja, podemos pen- sar que as necessidades, a forma de organização e o pensamento de uma dada sociedade influenciam na estrutura familiar em contexto. Antes, vista com indiferença, a criança não era entendida com necessidades diferentes das do adulto. Nesse sentido, o estudo que o autor apresenta mostra como se dão as transformações do sentimento moderno de infância e de famí- lia. Nascido no contexto burguês, esse sentimento sustenta-se na mudança da entrada da criança na sociedade, pois ela deixa de assumir um papel produtivo direto, passando a ser merecedora de cuidados e de educação, desde o momento em que consegue sobreviver. Vimos nascer aí um sentimento contraditório, que atribui à criança a ingenuidade e a inocência e, ao mesmo tempo, a imperfei- ção e a incompletude. Ariès (1978) concluiu que a criança nem sempre foi compreendida da maneira como a entendemos e que nem sempre recebeu os cuidados que dispensamos a ela atualmente. Na Idade Média, até aproximadamente o século XVI, era dada à infância pouca atenção, pois os adultos tinham consciência das grandes chances dos pequenos morrerem logo nos primeiros anos de vida, já que as condições de saneamento, higiene e saúde eram precárias. Como afirma Ariès (1978, p. 22), “As pessoas não se podiam apegar muito a algo que era considerado uma perda eventual”. Ao analisar as obras de artes, em especial as pinturas, Ariès (1978) observou o pouco espaço dado à infância na sociedade europeia medieval. As peculiarida- des das idades, isto é, as roupas, a aparência ou as ações infantis não eram levadas em consideração no momento da pintura. Essa afirmação baseou-se na retra- tação dos pequenos como adultos em miniatura, pois eles dificilmente seriam reconhecidos como crianças, se não fossem retratados em tamanho menor. Nessa época, as crianças eram entendidas como sujeitos sem identidade e sem alma, a qual seria construída quando essas crianças se tornassem adultas. 17 O Surgimento do Conceito de Infância Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . Ao tornar-se independente fisicamente, a criança era inserida nas tarefas dos adultos, partilhando de seus trabalhos e da convivência social. Após os cuida- dos maternos, ofertados até os 7 anos, as crianças eram deixadas com outras famílias, a fim de que aprendessem as tarefas domésticas e as práticas relativas à vida adulta. A família, nesse momento histórico, é compreendida por historia- dores como “[...] aberta para a sociedade, que não se fechou em núcleo privado, que acolhe quase todos os eventos da vida social (desde o sexo até a morte)”. (CAMBI, 1999, p. 176). Outro estudioso sobre a infância foi Postman (1999). Ele descreve no livro O desaparecimento da infância (1999) a existência de um único modelo de infân- cia, que se originou na Renascença. A origem desse modelo se principiou com a invenção da prensa tipográfica, fato que proporcionou a modifição do enten- dimento sobre o homem e, consequentemente, a necessidade de se “construir” crianças diferentes, com suas particularidades. [...] a tipografia criou um novo mundo simbólico que exigiu, por sua vez, uma nova concepção de idade adulta. A nova idade adulta, por definição, excluiu as crianças. E como as crianças foram expulsas do mundo adulto, tornou-se necessário encontrar um outro mundo que elas pudessem habitar. Este outro mundo veio ser conhecido como in- fância (POSTMAN, 1999, p. 34). Ainda em seu livro, Postman (1999) expõe outras formas de se entender a criança, apresentadas após o século XVIII. Nesse período, houve a divulgação de novas ideias de infância, como as de Locke e as de Rousseau. A concepção Lockiniana acredita que a mente da criança assemelha-se a uma folha em branco. Por meio do processo educacional, essa folha será preenchida. Assim, o resultado, meta- foricamente, é comparado a um material impresso. Nesse sentido, a criança é entendida como uma tabula rasa que, por meio da escolarização, sofre um processo de adição de conhecimentos e valores sociais. Já para a concepção Roussoniana, a criança possui fatores biológicos inatos. Assim, a escola age sub- traindo esses comportamentos e moldando a criança aos limites da civilização. Postman (1999) salienta que a infância não existiu na antiguidade, pois, naquele momento, os menores eram como miniadultos, miniaturas de homens. Além disso, o autor expõe que o modelo de infância desenvolvido na Renacença está desaparecendo na contemporaneidade. Porém, ele entende que a infância não FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS E HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I se extinguiu, mas sim que há, hoje, a necessidade de se reelaborar um novo con- ceito de infância, considerando todo desenvolvimento ocorrido na humanidade. Ainda de acordo com Postman (1999), a ideia de infância, como fase parti- cular e peculiar da vida, construiu-se com o advento da modernidade. Contudo, como se trata de uma realidade em movimento, precisa ser continuamente ressignificada. Apesar de não ser possível confirmar que nas diferentes sociedades ocidentais a infância foi vista como uma fase preparatória para a vida adulta, assim como não é possível afirmar que a criança já foi compreendida como uma tabula rasa, os historiadores da infância nos proporcionam elementos históricos auxiliadores na compreensão da trajetória social da criança, permitindo-nos o entendimento mais claro e dinâmico a respeito dela. AS CRECHES NO BRASIL EM UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA A preocupação de uma educação para as crianças, com ênfase no desenvolvi- mento cognitivo, afetivo e motor, bem como no trabalho com suas habilidades e competências, para seu cres- cimento na vida escolar, é historicamente recente. A valorização e o sentimento atribuídos à infância nem sempre existiram da forma como são concebidos e difundidos atualmente, pois modificações aconteceram a partir de influências históri- cas, econômicas e políticas na estrutura social. 19 As Creches no Brasil em uma Perspectiva Histórica Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . Assim, estabeleceremos uma breve retomada ao histórico das chamadas cre- ches e pré-escolas, voltadas ao atendimento de crianças de 0 até 6 anos, etapa que esteve em constante mudança. A saber, a nomenclatura atual a reconhece por educação infantil e ela é obrigatória a partir dos 4 anos. Os escritos de Kuhlmann Junior (2000) fazem uso de fontes documentais para falar da historiografia infantil, como a revista Escola Municipal (1985), o jornal científico, literário e ilustrado Educação da Infância: higiene da família (1879), a Revista Brasileira de estudos pedagógicos. Esses autores fazem uso, também, de documentos oficiais, como o Livro de ouro: comemorativos do centenário da inde- pendência do Brasil e da exposição internacional do Rio de Janeiro, Organização e funcionamento de creche, Coordenadoria do bem-estar social (COBES), entre outros. Pensar a História da Educação Infantil no Brasil requer estabelecer relações com períodos históricos anteriores ao nosso e que estão estritamente relacio- nados com a família, a população, a urbanização, a sociedade (KUHLMANN JUNIOR, 2000), e acrescentamos ainda os interesses e a política. As crianças, no Brasil, em meados do século XVIII, eram tidas como escravas entre 6 e 12 anos e já começavam a fazer pequenas atividades como auxiliares. A partir dos 12 anos, eram vistas como adultas tanto para o trabalho quanto paraa vida sexual. A criança branca, aos 6 anos, era iniciada nos primeiros estudos de língua, gra- mática, matemática e boas maneiras, além de vestir os mesmos trajes dos adultos (KUHLMANN JUNIOR, 2000). Constatamos que as pré-escolas, ao longo do tempo, sofreram relevan- tes modificações. No século XVIII, na França e na Inglaterra, instituíram-se as primeiras pré-escolas guardiãs, estas, com um forte caráter assistencialista, visa- vam ao afastamento das crianças pobres do trabalho, ou seja, possuíam a função de guardar essa classe. Durante o século XIX, na Europa, desenvolveram-se as pré-escolas preparatórias, que favoreceram condições maiores e melhores ao processo de alfabetização (KUHLMANN JUNIOR,1998). Veremos que a origem das instituições pré-escolares foi marcada por receber forte influência dos interesses das esferas: religiosas, médio-higienista, jurídico-po- licial e, somente por volta de 1970, a educação infantil passou a ter preocupações educacionais (KUHLMANN JR,1998). Além de todas essas influências, a questão FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS E HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I econômica vigente, de base capitalista, de mercado industrial e de urbanização, era a base da formação da sociedade que estava emergindo. A partir de meados da década, a expansão na oferta de creches e pré-escolas deu-se, por um lado, em função da demanda, especial- mente aquela exercida por movimentos organizados da sociedade civil e, por outro, porque o governo militar que dirigia o país à época temia uma “explosão” das camadas populares, dado que o nível de pobreza se acentuava (CORREA, 2007, p.16). A criação das creches, destinadas a crianças de 0 até 3 anos, foi vista como um aperfeiçoamento das Casas de Expostos1 e apresentadas em substituição ou opo- sição a estas, para que as mães não abandonassem suas crianças” (KUHLMANN JR, 1998, p.82). No Brasil, a criação das institui- ções pré-escolares surgiu com forte caráter de oferecer assistência às crianças, na ausência das mães, que começavam a se inserir no trabalho das indústrias. Além disso, as creches eram uma proposta moderna, cientí- fica, para manter a ordem e progresso da nação que passava pela industria- lização, pois a política da época era assistencialista, de contenção de uma possível explosão das camadas populares. Assim, a educação seria o viés para o avanço da sociedade. Nesse sentido, as primeiras instituições pré-escolares estavam centradas no assistencialismo à criança, ou seja, no atendimento às crianças pobres e filhos de operários da indústria. Sua origem foi impulsionada a partir da fun- dação, em 1899, do Instituto de Proteção e Assistência à Infância (IPAI) do Rio 1 “O sistema de Rodas de Expostos foi inventado na Europa medieval. Seria ele um meio encontrado para garantir o anonimato do expositor e assim estimulá-lo a levar o bebê que não deseja para a roda, em lugar de abandoná-lo pelos caminhos, bosques, lixo, portas de igreja ou de casas de família, como era o costume, na falta de outra opção. Assim procedendo, a maioria das criancinhas morriam de fome, de frio ou mesmo comidas por animais antes de serem encontradas e recolhidas por almas caridosas (KUHLMANN JR, 1998, p.51-52). Quase por um século e meio a roda de expostos foi praticamente a única instituição de assistência à criança abandonada em todo o Brasil” (KUHLMANN JR, 1998, p.51). 21 As Creches no Brasil em uma Perspectiva Histórica Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . de Janeiro. Depois, houve também a inauguração da Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado do RJ, sendo a primeira creche brasileira para filhos de ope- rários (KUHLMANN JR, 1998). Além disso, se instalaram, no Brasil, a partir de influências internacionais, os jardins de infância, com um discurso pedagógico para atrair as famílias abastadas e filhos de burgueses. Dentro de uma considerável industrialização e produção capitalista, essas instituições tinham a preocupação com o lucro. De um modo geral, as creches se caracterizavam pelo atendimento às crian- ças mais novas – 0 a 3 anos – embora muitas também atendessem à faixa dos 4 aos 6 anos, em período integral ou parcial. Estas surgiram como trabalho bene- ficente para o atendimento às populações de baixa renda e foram oferecidas pelo Estado. Já os jardins de infância e as pré-escolas voltaram-se para crianças de 3 ou 4 até os 6 anos. Eles foram vinculados a sistemas educacionais, embora hou- vesse, também, a oferta de igrejas e associações filantrópicas (KUHLMANN JR, 1998; CORREA, 2007). Sabe-se que as primeiras iniciativas de criação das creches, para crianças de 0 a 3 anos, se estabeleceram voltadas a uma Educação para os menores e tiveram um caráter higienista, cujo trabalho era realizado por médicos e damas benefi- centes contra o alto índice de mortalidade infantil. Esse índice era atribuído aos nascimentos ilegítimos da união entre escravas e senhores e à falta de educação física, moral e intelectual das mães (KUHLMANN JR, 2000). O movimento social, denominado higienista, representado por médicos e pela burguesia, visando atender a uma nova realidade da sociedade, representada por uma nova mulher, voltada agora ao mercado de trabalho industrial, influen- ciou a criação das creches. Assim, elas eram um campo laboratorial de pesquisa e cuidado com as doenças e bactérias, devido ao saneamento e à pasteurização do leite de vaca, permitindo o uso da mamadeira e promovendo, assim, o afas- tamento das mães para o trabalho. As ideias socialistas e feministas, neste caso, redirecionavam a questão do atendimento à pobreza para se pensar a educação de crianças em equipamentos coletivos, como forma de se garantir às mães o direito ao trabalho. A luta pela pré-escola pública, democrática e popular se con- fundia com a luta pela transformação política e social ampla (KUHL- MANN JR, 2000, p.11). FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS E HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I Outra influência foi a jurídico-policial, que incentivou a elaboração das legisla- ções trabalhistas, implementando medidas e benefícios de assistências voltadas aos pobres, como forma de mantê-los na indústria. Outra medida foi a contenção da criminalidade entre crianças e adolescentes, pois sendo as crianças assistidas, em creches e pré-escolas, evitar-se-ia a desordem social. Evaristo de Moraes, em seu livro Criminalidade da Infância e da Adolescência, expressa “a causa fami- liar para a criminalidade da infância, apondo a desorganização da família e a má influência diretamente exercida em certos meios familiares” (MORAES, 1916, p.94 apud KUHLMANN JR, 1998, p.94). As creches detinham a crença religiosa de forma notória, principalmente na criação das primeiras instituições de atendimento às crianças abandonadas, como a roda dos expostos, já descrita anteriormente. A igreja, de forma a incu- tir nos menores a educação cristã, tinha um caráter salvacionista e de caridade aos pobres – anunciando “sua contribuição para o controle das classes trabalha- doras” (KUHLMANN JR, 1998, p.95). O fato de as creches vincularem-se a órgãos assistenciais e os jardins de infân- cia e pré-escolas vincularem-se à educação não implica dizer que a primeira seria assistencial e as demais educacionais. O que se pode dizer é que todas as insti- tuições de educação infantil sempre tiveram um projeto educacional, fosse ele voltado à submissão, à repressão e à hierarquização ou ao atendimento e forma- ção das camadas médias ou das elites (CORREA, 2007). Esse mesmo autor salienta que, somente após 1970, a educação infantil no Brasil tomou novos rumos. Isso porque, em processo de democratização social e política, o governo lançou novas leis de proteção e reconhecimento àinfância. Vale ressaltar que um dos fatos históricos que muito contribuíram para o reconhecimento da relevância da educação infantil no sistema de ensino foi o Programa Educacional do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, de 1932, que buscava o “desenvolvimento das instituições de educação e assistência física e psíquica às crianças na idade pré-escolar e de todas as instituições pré-escola- res e pós-escolares” (FARIA apud KUHLMANN JR, 2000, p.9). Aos poucos, a dicotomia entre creches e jardim de infância, o primeiro destinado aos pobres, e o segundo aos ricos, foi sendo eliminada. Logo, as creches seriam destinadas às crianças de 2 até 4 anos e os jardins às de 4 até 6 anos de idade. 23 As Ideias Educativas de Erasmo de Roterdã Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . Data-se que, nas décadas de 1980 e 1990, as pré-escolas assumiram um caráter propriamente educacional, pois buscavam, nos objetivos próprios, nos currícu- los e na metodologia, o que deveriam ensinar às crianças. Assim, favoreciam um futuro processo de alfabetização (KUHLMANN JR, 2000). Esse viés da educação infantil se firmou na Constituição Federal de 1988, a qual evidencia a educação infantil no formato de lei, como mostra no “art. 208 - O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de (...) IV- educação infantil, em creches e pré-escola, à crianças de até 5 anos, aten- dimento em creches e pré-escolas às crianças de 0 a 5 (cinco) anos de idade” (BRASIL, 1988). A partir da LDB, lei 9.394/96, as pré-escolas sofreram importantes modi- ficações, a começar por sua nomenclatura, alternada para Centro de Educação Infantil. Passaram a compor um dos níveis básicos da educação. Seu novo papel ultrapassa o assistencialismo, pois se configura como um recinto instigante, edu- cativo, seguro, afetuoso, com educadores preparados para mediar a criança no processo intenso e cotidiano de descobertas e de desenvolvimento cognitivo, afetivo, e motor (KUHLMANN JR, 2000). Dessa forma, após a redemocratização política e social do país, a educa- ção destinada às crianças assume uma nova função: formar crianças capazes de aprender a aprender, aptas a pensar e estabelecer as bases para a formação de uma pessoa ética e adequada a conviver em um ambiente democrático. Desse modo, essa nova função propõe atividades que desenvolvam um conjunto de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores, apropriados a cada faixa etária. AS IDEIAS EDUCATIVAS DE ERASMO DE ROTERDÃ Refletir sobre os conceitos de educa- ção e de infância na modernidade passa, necessariamente, pelo entendimento das FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS E HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I conjunturas históricas que fomentaram uma mudança na mentalidade dos homens da época. O homem, no período medieval (século V a século XV), diferente- mente do renascimento, vinculava sua vida aos preceitos filosófico-religiosos do cristianismo, compreendendo sua existência e sua sociedade com base na cen- tralidade do poder divino. Com as mudanças políticas, culturais, econômicas e sociais presentes nos séculos XIV e XV, os homens da época passaram a enxergar sua existência de uma forma oposta e inovadora. Dos feudos para as cidades, a nova organização exigia novas formas de agir e compreender o mundo. Não cabiam mais os dita- mes rigorosos de preceitos religiosos que barravam os negócios e o progresso das navegações e das descobertas científicas. Diante disso, um novo homem precisava ser formulado e, para tanto, a antiga atividade educativa precisava dar lugar a uma nova maneira de instruir as futuras gerações. A fé inabalável foi lentamente substituída pela nova razão, que colocava homens no centro das ações temporais. Nesse momento, a razão não era mais vista como um elemento que auxiliava na compreensão ou nega- ção de Deus. Ela, agora, deveria ser utilizada de forma prática, ou seja, instituída na vida diária, nas relações concretas dos homens. Ao pensar o novo homem, a sociedade moderna buscou estabelecer novos paradigmas que orientavam a educação da infância. Diante desse novo momento, Erasmo de Roterdã escreve a obra De Pueris ou Dos meninos, na qual apresenta importantes contribuições para se pensar ou repensar a infância e a educação da época. Falaremos desse religioso nas páginas a seguir. Antes de entrarmos nessa questão, todavia, é importante relembrar o que foi tratado na primeira exposi- ção desta unidade. Ariès (1978), assim como outros historiadores que seguem sua corrente teó- rica, postulou que a infância inexistia no período que antecede a modernidade. Esse autor afirma que em De Pueris o sentimento de infância como conhecemos nos dias de hoje não existia nas relações sociais e familiares, ou seja, a infân- cia não era compreendida como uma fase específica e singular dos indivíduos. Assim, a forma como a conhecemos nasceu na idade moderna. Como as crianças eram vistas como seres inacabados e como um “vir a ser”, 25 As Ideias Educativas de Erasmo de Roterdã Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . as necessidades específicas dessa época e os modos próprios de comportamento e de educar não eram colocados em destaque. Essa visão estava carregada da ideia de que as crianças eram seres fraturados na sua natureza humana, incapazes de agir racionalmente e de atuar de forma decisiva na sociedade. Dessa maneira, a criança era desprovida de humanidade, sendo comparada a escravos, mulheres e deficientes. Não possuindo a racionalidade adulta, a criança não poderia exercer sua cidadania e, portanto, não possuía direitos. No entanto, acreditava-se que ela possuía, em sua constituição, o germe da racionalidade. Isso quer dizer que, embora no período da infância a criança agisse por impul- sos instintivos, ela possuía em sua estrutura uma potencial racionalidade. Essa potencialidade, acreditavam Sócrates, Platão e Aristóteles, precisava ser desen- volvida, atualizada e transformada pela educação. Platão, na obra A República, a qual apresenta o diálogo de Sócrates com diversos personagens, evidencia a preocupação com a educação e instrução da criança desde a tenra idade, visto que seriam os governantes da nova sociedade que se pensava. Embora distantes da racionalidade adulta, incapazes e depen- dentes, as crianças careciam de atenção. A educação era o instrumento capaz de transformá-las e inseri-las no mundo racional dos adultos, isto é, humanizá-las. Para Platão, a educação da criança deveria estar fundamentada nas virtudes necessárias à formação do bom cidadão da pólis. Esta seria, portanto, a fun- ção da educação: potencializar a racionalidade latente na criança, tornando-a um sujeito ativo na sociedade. No entanto, essa educação pensada por Platão e Sócrates não deveria envolver violência ou castigos físicos. “Assim, caríssimos, não uses de violência para educar as crianças, mas age de modo que aprendam brincando, pois assim perceberá mais facilmente as tendências naturais de cada uma.” (PLATÃO, 1997, p.331). Contrariando as afirmações de Ariès, é possível observar que, na antigui- dade, existia uma reflexão sobre a infância, não sistematizada como passamos a compreendê-la na modernidade, mas envolta de características próprias da etapa de vida do homem enquanto criança. No medievo, essa visão de criança incompleta permaneceu e ganhou como aliada a noção de pecado. A criança, segundo religiosos da época, por exemplo, Santo Agostinho, era portadora do pecado. Na obra As confissões, Santo Agostinho FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS E HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I refletia: “Quem me poderá lembrar o pecadoda infância, já que ninguém está diante de ti limpo de pecado, nem mesmo a criança cuja vida conta um só dia sobre a terra? Quem me recordará?” (AGOSTINHO, 2013, p.36). Com o Renascimento, o homem apresenta-se em um novo lugar dentro do universo. Superando o paradigma cristão, alterou sua função e preocupou-se em organizar sua existência, libertando-se do controle da Igreja. Nesse mesmo momento, o movimento humanista do qual Erasmo de Roterdã fizera parte divul- gava os ideais de liberdade e de autonomia, postulando aos homens sua ação transformadora da sociedade, bem como uma educação como saber e como prá- xis (DANELON; OLIVEIRA; RICHTER, 2012). Foi nesse momento que as primeiras reflexões humanistas se voltaram para a infância e para a educação da criança. Isso quer dizer que as primeiras preo- cupações sistematizadas com a infância ocorreram na modernidade. As novas conjecturas da sociedade moderna postulavam a necessidade de educar a criança desde pequena, uma vez que era nessa fase que o moldar e o educar eram facilmente realizados devido a sua flexibilidade. Comparando a criança aos animais, Erasmo afirmava: “Tal como o animal aprende, com faci- lidade, aquilo que lhe é natural, assim o homem capta, sem grande esforço, os parâmetros de virtude e da honestidade” (ERASMO, 2008, p. 50). E acrescen- tava: “A ti cabe o dever de moldar até a perfeição em todos os detalhes, aquela matéria [a criança] flexível e maleável” (ERASMO, 2008, p. 40). A centralidade do homem na modernidade desenvolveu a problemática da educação da criança, visto que, para uma boa sociedade, os futuros atores pre- cisariam de uma educação capaz de preparar essa criança para outras fases da vida. Nada melhor, para que isso acontecesse, do que entender as especificida- des da criança e a melhor maneira de educá-la. Assim, em Erasmo (2008), vemos as primeiras preocupações com a forma de educar a criança moderna, voltadas à virtude e piedade que, segundo o reli- gioso, eram as principais qualidades do verdadeiro homem cristão e pelas quais estaria apto a ser um cristão autêntico e envolvido na construção de uma nova sociedade. Assim, a criança, nos textos de Erasmo (2008), apresenta-se como indiví- duo incompleto, mas com uma substância racional que deveria ser desenvolvida 27 As Ideias Educativas de Erasmo de Roterdã Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . pela educação, fato que leva a formação de valores éticos e morais adequados à nova sociedade em desenvolvimento. A natureza humana, por meio da educação, gera a humanização e, consequentemente, promove uma sociedade civilizada e voltada para o progresso. Nesse caso, torna-se papel da educação efetivar essa passagem para a humanidade como realização da racionalidade. Como produto da edu- cação, o homem se faz pela bestialidade numa má educação. O modo de distanciar a criança da dimensão bestial e aproximar da condição da civilidade consiste no desenvolver a razão na criança. Se instruir é desenvolver o homem na criança, esse homem se faz necessariamente com a razão. Assim, a educação, para Erasmo, tem por objetivo último desenvolver a razão, que é pré-requisito para o convívio coletivo na civilização (DANELON; OLIVEIRA; RICHTER; 2012, p. 162). Assim, a educação deveria voltar-se para três dimensões: a física, a sentimental e a intelectual. A primeira dimensão consiste no ensinamento de princípios capa- zes de conter as paixões e os instintos primitivos presentes na natureza humana. A segunda dimensão deveria atuar na construção do amor mútuo por intermédio das obras de arte. A última dimensão, por sua vez, era um dos principais meios para o desenvolvimento das capacidades humanas, pois a ausência da reflexão e, portanto, da razão, comprometeria a participação social e a construção de uma sociedade civilizada (DANELON; OLIVEIRA; RICHTER, 2012). Segundo Erasmo (2008), a criança, desde os primeiros anos, está aberta à aprendizagem, boa ou má, por meio, principalmente, da imitação de compor- tamento. Caberia aos pais e preceptores auxiliar no desenvolvimento das boas inclinações, ignorando os vícios e acostumando-a com as atitudes corretas. Efetivamente, aquela tenra idade é receptiva para tais atitudes. Por na- tureza, ela é maleável para todo o tipo de bom comportamento, desde que não seja infestada por vícios de espécie alguma. Aliás, ela se com- praz em imitar. Basta dar-lhe ocasião. Tal como ela se adapta aos vícios, já antes de saber do que se tratam, assim, com igual facilidade, a criança se afeiçoa com os hábitos corretos. Hábito, nascido em ânimo puro e tenro, é duradouro (ERASMO, 2008, p. 68). Assim, o desenvolvimento da razão pelo processo educativo é o elemento norteador da transformação do indivíduo. Tornar-se homem é desenvolver a potencialidade racional, preparando os indivíduos para o convívio social e para FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS E HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I o desenvolvimento de comportamentos apropriados ao novo estatuto da razão, e que, consequentemente, ignoram os instintos primitivos e animalescos. Superando a visão medieval que afirmava a necessidade do afastamento das crianças dos pais, Erasmo (2008) postulava que o contato maior com a criança deveria ocorrer pelos pais e, posteriormente, pelo preceptor. Os pais eram os pri- meiros autores da educação e a eles acarretava a responsabilidade de guiar seus filhos no caminho da retidão. Ser pai significava mais do que gerar filhos e dei- xá-los aos cuidados de amas de leite e preceptores. Para ser pai autêntico deves dar dedicação plena ao filho por inteiro, sendo que a primazia absoluta desse empenho recai sobre aquela parte que o sobrepõe aos animais e aproxima-o, bem de perto, da semelhança com a divindade (ERASMO, 2008, p. 68). Como é possível ver, caro(a) aluno(a), o papel da família assume novo status na modernidade. Reconhecer a proximidade da família na formação das crianças exige que os pais também sejam educados e preocupados com o futuro de seus filhos e de sua sociedade. A criança com maus hábitos não recebeu as instruções corretas de seus pais e preceptores, os quais deveriam ser exemplos exímios de bom comportamento e bons valores. Por isso, Erasmo (2008) responsabiliza os pais pela escolha de preceptores competentes e virtuosos, visto que as primeiras letras e os primeiros contatos com as virtudes do mundo são fundamentais para a formação do caráter da criança. Para ele, o costume de deixar a instrução delas sob a responsabilidade de escra- vos estaria deturpando as crianças desde pequenas. Desse modo, a escolha dos preceptores fazia-se fundamental quando se pensava na qualidade e finalidade da educação fornecida. Cabe lembrar que Erasmo (2008) afirmava que a educação deveria ser agra- dável, embora firme e disciplinadora. Afirmava também que, ao depositar na criança uma gama de exigências, os agentes educativos não poderiam ir além das capacidades da criança, ou seja, deveriam respeitar a natureza infantil, pois o grande esforço por parte da criança não promoveria uma educação agradável, mas sim, desconfortos e frustrações. 29 As Ideias Educativas de Erasmo de Roterdã Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . Para concluir nossa discussão, é importante ressaltar que Erasmo, como homem de sua época, apresentou ideias à frente de seu tempo, mas que tam- bém exprimiam os pensamentos da maioria da população, especialmente no que diz respeito à educação cristã. Assim, embora crítico das ações da Igreja, ele defendia que a ideia de bom cidadão fundia-se com o ideal de bom cristão. Os valores como a piedade e a virtude, característicos do ideal cristão, encon- travam-se intrínsecos à racionalidadee ao desenvolvimento das potencialidades humanas por via da educação. Em síntese, o pensamento de Erasmo (2008) possibilita que compreenda- mos as modificações desenroladas na sociedade moderna e, consequentemente, na educação e formação das futuras gerações. Pensar outra forma de educar a infância e os processos educativos, em uma época com sede de progresso e avan- ços, reflete nada mais que as transformações que clamam por modificações mais profundas na mentalidade da população. Por mais que os escritos desse autor fossem direcionados à classe nobre e culta, essas ideias também chegaram às camadas populares, modificando toda a estrutura da época. Assim, defender o desenvolvimento da razão como meio de tornar-se homem exprimiu um novo conceito de sociedade, que fugia dos padrões vinculados à Igreja e ao pensamento escolástico. Essa nova forma de entender o homem como agente modificador e trans- formador de seu meio permitiu que Erasmo (2008) defendesse uma educação voltada à ação, à razão e à virtude como meio de se conquistar uma nação civili- zada. Para isso, ele deixava claro que o homem virtuoso deveria ter sua educação iniciada em casa, por pais e preceptores dignos de serem exemplos de retidão e bons costumes. A criança, como um ser moldável, precisaria estar diante de situações de aprendizagem que desenvolvessem suas potencialidades para o bem e que fizessem seus instintos primitivos serem abafados pelo uso da razão e pelo ensinamento dos valores e dos bons costumes. FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS E HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I AS IDEIAS EDUCATIVAS DE ROUSSEAU Diante das modificações da sociedade moderna e das exigências que as con- junturas históricas geravam no seio familiar, Jean Jaques Rousseau (1712-1778) exprimiu, talvez como nenhum outro intelectual, as ideias que fundamenta- vam o nascimento e a consolidação da sociedade burguesa, via reforma ética e política do quadro social da época. Considerado como o pai da pedagogia con- temporânea, Rousseau deslocou a infância da periferia da vida adulta para o centro das discussões. Contrariando as propostas da Reforma e da Contrarreforma, Rousseau desen- volveu uma proposta pedagógica que, até nos dias atuais, interfere em nossa compreensão de criança e de infância. Conforme Oliveira (2008), o pai da peda- gogia contemporânea combateu o preconceito, a violência, o autoritarismo e a supressão da liberdade, criando concepções educacionais que visam à renatu- ralização do homem, ou seja, retornar o homem a sua condição natural. Iremos falar disso com mais tranquilidade. Embora ocupe um lugar de des- taque no campo político, uma vez que suas obras foram produzidas e apropriadas pelo ideário ilumi- nista e revolucionário francês, é em sua obra direcionada à educação que ampliamos a compreensão dos fundamentos que norteiam o pensa- mento liberal, visto que a educação e a política não se separam de seus escritos. Política e pedagogia estão estreitamente ligadas em Rousseau: uma é o pressuposto e o complemento da outra, e juntas tornam possível a reforma integral do homem e da sociedade reconduzindo-a – por vias novas – à recuperação da condição natural, ou seja, por vias totalmente artificiais e não ingênuas, ativadas através de um radical esforço racio- nal (CAMBI, 1999, p. 343). 31 As Ideias Educativas de Rousseau Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . Segundo a crença rousseauniana, o homem tem em sua constituição uma bondade natural, ou seja, sua natureza, por si só, é boa, mas no contato com a sociedade, ele é corrompido e destituído de sua liberdade. Ao conviver em sociedade, esse indivíduo formula um contrato que retira da população o que lhe é de legítimo e verdadeiro, ou seja, sua soberania enquanto povo. Ao criticar o absolutismo e defender a democracia, Rousseau afirmava que o pacto estabelecido entre o povo e o governo não deveria submeter o povo aos poderes dos governantes, mas sim instituí-los como oficiais que executam as leis ratificadas pelo povo. Portanto, o soberano é o povo incorporado, o corpo coletivo que ex- prime, na lei, a vontade geral. Segundo a teoria de Rousseau, a vontade geral não se confunde com a vontade da maioria, como o senso comum poderia pensar, porque as decisões não resultam da somatória das von- tades individuais, mas expressam o interesse comum, isto é, o interesse de todos, como participantes da comunidade (ARANHA, 2006, p. 177). Diante disso, a educação tem um papel fundamental de libertar os indivíduos das convenções sociais que limitam sua natureza e sua liberdade. Para ser um sujeito ativo e participativo da sociedade, é necessário que o homem se torne homem e não apenas um sujeito dividido em funções, como sacerdote ou camponês. Vale ressaltar que retornar à natureza não significa a volta aos comportamentos pri- mitivos, mas sim restituir a humanidade dos sujeitos. Nascemos fracos, precisamos de força; nascemos desprovidos de tudo, temos necessidade de assistência; nascemos estúpidos, precisamos de juízo. Tudo o que não temos ao nascer, e de que precisamos adultos, é nos dado pela educação. Essa educação nos vem da natureza, ou dos homens ou das coisas (ROUSSEAU, 1995, p. 10-11). Para compreendermos as ideias educativas de Rousseau, sobretudo sua con- cepção de infância e de educação, nos fundamentaremos na obra Emilio ou da Educação elaborada em 1759 e publicada na França em 1762, especificamente em Paris. Cambi (1999) nos conta que essa obra teve uma forte repercussão nas altas camadas sociais parisienses e europeias em geral devido, principalmente, às críticas recebidas por parte do tribunal e do arcebispo em Paris, assim como à condenação em Genebra. Como nos conta detalhadamente: Rousseau sublinha ainda que ‘a publicação do livro não ocorre abso- lutamente com aquele objetivo de aplausos que acompanhava o apare- cimento de todos os meus escritos. Jamais uma obra encontrou tantos FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS E HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I elogios particulares e não escassa aprovação pública’. Muito cedo, po- rém, até mesmo pelas duras condenações sofridas pela obra de Rous- seau em Paris, por parte do tribunal e do arcebispo, e em Genebra, o Emílio teve larga circulação na Europa e tornou-se simplesmente um texto da moda, na medida em que conseguiu despertar a curiosidade para uma nova e revolucionária sensibilidade em relação à infância e aos problemas pedagógicos (CAMBI, 1999, p. 345). A obra Emílio ou da Educação divide-se em cinco partes que apresentam de forma particular a criança e a aprendizagem de cada etapa de seu desenvolvimento. Ao descrever desde o nascimento até os vinte e cinco anos do personagem fictício chamado Emílio, Rousseau (1995) elabora uma filosofia educacional que insere a criança em outro patamar social da época, dando-lhe direitos negados até então, além de buscar promover sua felicidade e sua liberdade natural. Cada parte é dividida por ondem cronológica e, apesar de nos determos nas duas primeiras partes – Livro I e II – é interessante compreender a divisão apre- sentada pelo autor. A primeira sessão ou Livro I – do nascimento até os 2 anos – retrata a fase considerada como a idade da necessidade. Nesse período, a preocupação maior de Rousseau consistia em explicar e orientar pais e preceptores quanto à educa- ção ideal da criança nessa fase, discursando sobre temas como: a amamentação, o banho, a escolha da ama, o choro do bebê, a linguagem, entre outros. A segunda sessão ou Livro II – dos 2 aos 12 anos – retrata a também conhe- cida como idade da natureza. Rousseau (1995) ressalta a necessidade de preparar, por meio de exercícios, o corpo e os sentidos da criança. Como um pensadoratraído pela natureza e pelos sentidos que nos são inatos, afirmava a necessidade do contato da criança com o meio que a rodeia, ou seja, os elementos presen- tes na natureza. Do mesmo modo, salientava a necessidade de exigir da criança somente as destrezas e habilidades específicas da sua idade. Para ele, sermões e discursos não promoviam efetivas mudanças, visto que, nesse momento, a criança não estava apta a raciocinar. No livro III – dos 12 aos 15 anos – denominada de idade da força – o autor expõe que a criança já estaria apta a desenvolver-se intelectualmente e tecnica- mente, preparando-se para as exigências da vida social e, consequentemente, para o mundo do trabalho, especialmente o trabalho manual. Gross e Graminho 33 As Ideias Educativas de Rousseau Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . (2007, p. 315) lembram que, nesse período, “[...] o aprendiz será despertado para a ideia da interdependência dos homens, da utilidade, da igualdade, da neces- sidade de trabalhar”. No livro IV – dos quinze aos vinte anos – Rousseau expôs a idade da razão e das paixões. Nessa fase, o indivíduo personificado em Emílio iniciaria o pro- cesso de harmonização entre paixão e razão. Assim, ele visava à unificação entre o corpo e o espírito, voltando-se para o mundo moral e religioso, mas sem ser levado a ser fanático e não respeitar as convicções alheias. Na última parte, o livro V – dos vinte aos vinte e cinco anos – Rousseau dis- corre sobre a idade da sabedoria e do casamento. Estando educado fisicamente e moralmente, Emílio estaria preparado para ser inserido em uma sociedade dege- nerada. Ao lado desse personagem, precisaria estar uma mulher formada nos mesmos moldes e, por isso, Emílio deveria dar maior atenção ao relacionamento conjugal, pois se não houvesse uma rigorosa disciplina nos seus sentimentos, ele poderia esquecer para que tinha sido educado. Além disso, nessa fase, o autor expõe a entrada de Emílio na sociedade, apresentando que a formação integral do indivíduo deve se dar por viagens, isto é, pelo conhecimento de outras culturas que vão além do país de nascimento. Para Rousseau, conhecer a civilização oci- dental era fundamental para formar o caráter do sujeito tanto no âmbito moral como no âmbito intelectual. Após esse breve relato, vamos focar nas considerações apresentadas no Livro I e II, ou seja, nas idades da necessidade e da natureza. Vale apontar o per- fil de Emílio, traçado por Rousseau (1995). Emílio era uma criança órfã, sadia e vigorosa que, vivendo na França, fora acompanhada pelo preceptor desde seu nascimento, passando pela infância até os vinte e cinco anos. Ao longo da obra, Rousseau (1995) destaca a necessidade de se repensar as condições de desenvolvimento da criança assim como as especificidades carac- terísticas dessa fase fundamental à formação de seu caráter. Não se pensa mais na criança como um ser em miniatura, mas o autor chama a atenção para as pró- prias bases constitutivas dela, ou seja, as particularidades infantis. Como afirmava: A natureza quer que as crianças sejam crianças antes de ser homens. Se quisermos perturbar essa ordem, produziremos frutos precoces, que não terão maturação nem sabor e não tardarão em corromper-se; te- FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS E HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I remos jovens doutores e crianças velhas. A infância tem maneiras de ver, de pensar, de sentir que lhe são próprias (ROUSSEAU, 1995, p. 75). Como vimos anteriormente, em meados do século XVII, as crianças eram vis- tas como adultos em miniatura e tal compreensão era culturalmente aceita pela grande maioria da população. Vimos também que essa compreensão evidencia lacunas e deficiências, se comparada a nossa visão de educação. É importante fazer uma ressalva para que não façamos juízo de valor sobre uma época em que, para aqueles sujeitos históricos, suas ações eram pertencentes ao quadro moral e às práticas que todos os homens realizavam. Por isso, é difícil fazer julgamento, ainda porque, nossa intenção é refletir sobre a forma e a visão da educação. Vamos, no entanto, retornar ao quadro histórico da infância no século XVII. Por mais que tenhamos visto que, na época de Erasmo de Roterdã, alguns intelectuais pensavam sobre uma nova forma de educar a criança, ainda nos depa- ramos, no século XVIII, com práticas que ignoravam as especificidades infantis. Rousseau, contrário a quaisquer privações da liberdade humana, propunha que as práticas da época sofressem modificações. Ao criticar os pais que deixavam seus filhos com preceptores ou amas de leite desqualificados e a preocupação em tornar o filho um adulto em miniatura, Rousseau (1995) propunha que a criança fosse respeitada e criada em um ambiente que privilegiasse o seu desen- volvimento natural, longe dos preconceitos e das injustiças presentes no mundo. Nesse sentido, o autor escreveu Emílio ou da Educação com o objetivo de auxiliar pais e preceptores a refle- tirem sobre o papel da educação e, ao mesmo tempo, contribuir para que a criança não se cor- rompesse no contato com a vida social. Pela criança ser boa por natureza, Rousseau (1995) bus- cou, nesse ensaio pedagógico, prepará-la para a conservação de sua bondade natural, por meio de uma educação capaz de cultivar a essência da natureza humana 35 As Ideias Educativas de Rousseau Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . e preparar os sujeitos para a inserção em uma sociedade corrompida, sem que com isso, perca sua condição. Para isso, retornar à natureza significa pensar a educação do homem enquanto tal, ou seja, enquanto sujeito integral, com necessidades específicas em cada momento da vida. Assim, o autor colocava como fundamental o respeito ao ritmo de crescimento infantil, sendo que o desenvolvimento deveria ocorrer de modo “natural” em todas as idades e sem as influências corruptoras da sociedade. Quando falamos em “retorno à natureza”, precisamos ter em mente quais os significados de natureza nessa obra de Rousseau (1995). Cambi (1999, p. 346) nos lembra que [...] ‘natureza’ no texto de Rousseau assume pelo menos três significa- dos diferentes: 1. Como oposição àquilo que é social; 2. Como valori- zação das necessidades espontâneas da criança e dos processos livres de crescimento; 3. Como exigência de um contínuo contato com um ambiente físico não urbano e por isso considerado mais genuíno. Conhecendo as definições de natureza, podemos compreender um dos concei- tos fundamentais da teoria rousseauniana: a ideia de educação negativa, a qual consiste naquela educação diretamente ligada à natureza, ao contato com os elementos físicos, com os animais e plantas, distanciando-se das relações estabe- lecidas entre os homens e que causam interferências no desenvolvimento livre e autônomo dos sujeitos. Procuramos sempre proteger as crianças de suas experi- ências, o que as torna frágeis e despreparadas para agir autonomamente. Acerca do direcionamento dos adultos sobre a criança, Rousseau afirma: Nossa mania pedante de educar é sempre a de ensinar às crianças o que aprenderiam melhor sozinhas e esquecer o que somente nós lhes poderíamos ensinar. Haverá coisa mais tola do que o cuidado que to- mamos para ensinar-lhes a andar como se tivesse visto alguém que, por negligência de sua ama, não soubesse andar quando grande? E, ao contrário, quanta gente vemos andando mal porque lhe ensinaram mal a andar? (1995, p. 59). Por essa fala, podemos ver a visão negativa do referido autor quanto à inter- ferência dos adultos no desenvolvimento natural da criança. Ao interferirmos diretamente, retiramos dela a possibilidade de desabrochar suas potencialida- des humanas e, ao mesmo tempo,a enchemos de preconceitos e hábitos que FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS E HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I limitam seu entendimento. Nossa constante interferência e a preocupação de educar a criança produ- ziriam “frutos precoces”, ou seja, teríamos “jovens doutores e crianças velhas”. Fazia-se necessário deixar a infância amadurecer naturalmente nas crianças, sem que, para isso, fosse necessário a todo momento focar sempre a “razão nas coisas”, razão essa que somente seria desenvolvida após os 12 anos (ROUSSEAU, 1995). Essa fala, caro(a) aluno(a), não significa que pais e preceptores devam dei- xar as crianças à mercê de suas vontades. Isso seria contraditório se pensássemos na importância que esses agentes possuem. O que Rousseau (1995) propaga é a ideia de preservar na criança a sua natureza boa, para que, após os 12 anos, por meio da razão, ela possa compreender, cuidadosamente, as tramas sociais, as paixões e os vícios humanos. Desse modo, a criança precisa ter preservada a sua natureza. Ao não ensi- nar o que é errado ou o que é certo, devemos preservar o “coração do vício e do erro”. Assim é a educação negativa: “Sem preconceitos, sem hábitos, nada teria ele em si que pudéssemos contrariar o resultado de vossos cuidados” (ROUSSEAU, 1995, p. 80). Assim, para preservar a natureza infantil e permitir que a criança seja efeti- vamente uma criança, Rousseau afirma: Fazei o contrário do uso e fareis quase sempre bem. Como não se quer fazer de uma criança uma criança e sim um doutor, pais e mestres nun- ca acham cedo demais para ralhar, corrigir, repreender, lisonjear, ame- açar, prometer, instruir, apelar para a razão. Fazei melhor: sede sensato e não raciocineis com vosso aluno, principalmente para fazerdes que aprove o que lhe desagradáveis é tornar-lha aborrecida, é desacreditá-la desde cedo num espírito que ainda não está em estado de compreen- dê-la. Exercitais seu corpo, seus órgãos, seus sentidos, suas forças, mas deixais sua alma ociosa enquanto for possível (1995, p. 80). Assim, a educação negativa não é aquela que proclama o ensinamento da vir- tude, mas sim que preserva as características naturais da fase infantil: a pureza e a inocência da criança. Cada idade consegue assimilar aquilo que lhe é pos- sível de ser compreendido. Estimular ações que estão além da compreensão da criança, ou seja, acelerar o seu crescimento, impede que ela seja feliz durante essa fase. Ao mesmo tempo, ensinar-lhes o que está além de seu entendimento 37 As Ideias Educativas de Frederico Froebel Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . possibilita que ela aprenda ações e comportamentos que não são convenientes à construção de sua personalidade e do conhecimento. AS IDEIAS EDUCATIVAS DE FREDERICO FROEBEL Frederico Augusto Guilherme Froebel nasceu em 21 de abril de 1782, na Alemanha, na aldeia Swartzburg-Rodulstadt. Crescendo em uma família Evangélica, Froebel conviveu, desde cedo, com a morte de sua mãe e com a pouca atenção de seu pai, pastor, que não teve muito tempo para atender os filhos. Vivendo em uma época de conflitos de classe, na qual a burguesia e a velha nobreza se confrontavam, uma para permanecer no poder e a outra para con- solidar a sua ascensão, Froebel disseminou as novas exigências da sociedade da época, na qual a valorização da infância, da mulher e da família compunha o ideário burguês. Encontramos, em seus estudos, a influência das relações que estabeleceu desde a infância com o processo de conhecimento. Por possuir dificuldades na compreensão dos estudos, Froebel buscou articular um pensamento que estimu- lava a autoeducação e o aperfeiçoamento das faculdades humanas pelo próprio indivíduo, visando sempre intercessão entre o homem, Deus e a natureza. O aprender fazendo era o pilar do pensamento froebeliano. Assim, para Froebel, as ideias presentes somente no mundo teórico precisavam ser articula- das à prática, (ARCE, 2009, 2014). Tal pensamento se justificava nas dificuldades enfrentadas pelo educador alemão enquanto criança e, pensando em proteger as crianças de uma infância tumultuada e introspectiva, como havia sido a dele, refletiu sobre uma maneira de educar que privilegiasse o contato com a natu- reza, a essência divina e as relações amorosas e harmoniosas entre os homens. Froebel compreendia que o processo educativo ocorreria a partir da ação, uma vez que conceitos e atividades abstratas não permitiriam que a criança internalizasse o mundo externo de forma clara e expusesse suas ideias interio- res, concretizando assim o que lhe era natural. O foco, portanto, estava nas ações, FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS E HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I no agir e no pensar sobre a ação. Nesse processo, a criança conheceria sua natu- reza divina e compreenderia que faz parte do princípio de Deus e da natureza. O funcionamento de suas ideias educativas baseava-se na ideia de intuição e de espontaneidade infantil. O jogo e a cooperação atingiriam todas as crianças, promovendo tanto progressos intelectuais e morais como físicos. A sua proposta educativa conta com canções, brinquedos e jogos direcionados às crianças, além de conversas, poesias e cultivos de hortas por elas. Todas essas atividades tinham por objetivo possibilitar que “[...] o mundo interno da criança se exteriorizasse, a fim de que ela pudesse, então, ver-se objetivamente e modificar-se, observando, descobrindo e encontrando soluções” (OLIVEIRA, 2008, p. 68). As ideias educacionais de Froebel influenciam a educação até os dias atuais, pois, como o primeiro edu- cador a pensar sobre a educação das crianças pequenas, trouxe a ideia da criança como uma planta que se desenvolve a partir dos cuida- dos e nutrientes necessários ao seu crescimento. Dessa ideia, nasceu o que conhecemos como Jardim de Infância – Kindergartens. O jardim é um lugar onde as mais variadas plantas se desenvolvem, conforme os cuidados ofertados por um jardineiro atento às necessidades de cada espécie. Ao “ouvir” das próprias plantas os nutrientes que são fundamentais para o seu crescimento, o jardineiro possi- bilita esse crescimento e o desenvolvimento a partir das especificidades de cada fase. Isso quer dizer que os cuidados provenientes do jardineiro são fundamen- tais para promover o desenvolvimento e também evitar que as ervas daninhas sufoquem essas plantas. Mas, por mais que o jardineiro contribua nesse pro- cesso, ele tem a clareza de que suas orientações mantêm-se atreladas às definições naturais da espécie. Transpondo essa concepção para a infância, os educadores da primeira infân- cia precisariam comportar-se como os jardineiros. Ao prover as necessidades das 39 As Ideias Educativas de Frederico Froebel Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . crianças, eles deveriam cuidar para que os vícios não corrompessem o aperfeiço- amento e o desenvolvimento pleno. Entretanto, nessa relação baseada no afeto e no respeito, os educadores deveriam ter claro que não poderiam tentar modi- ficar a natureza da criança. Segundo as ideias froebelianas, os Kindergartens2 deveriam ser locais onde sementes desabrochariam e apresentariam sua bondade e potencialidades, por meio de uma prática educativa cuidadosa e que respeitaria e acompanharia o desenvolvimento infantil. Para que esse desabrochar pudesse ocorrer de forma harmônica e natural, o ambiente no qual a criança se encontrava deveria con- vergir para o amor, a compreensão e a liberdade. Envolta nesse ambiente estimulante, a criança poderia desenvolver suas poten- cialidades, reconhecendo sua conexão com Deus e com a natureza. Interiorizandoas relações vivenciadas, a criança se tornaria consciente e, portanto, teria auto- conhecimento, o que culminaria na formação de uma sociedade melhor. Outros fatores, além do Jardim de Infância, contribuíam, no entanto, para a formação plena da criança. A família era fundamental, sobretudo a mãe. As ideias de Froebel (ARCE, 2009, 2014) ligavam-se diretamente à religiosidade na qual fora criado e, por isso, ele compreendia que o meio familiar deveria ser fundamentado pela filosofia cristã, criando um ambiente harmonioso, livre e cuidadoso para a criança. Os pais, portanto, como mediadores entre as crianças e Deus, deveriam ter relações harmoniosas e respeitosas com seus filhos, assim como Deus estabelecia conosco. A maneira como os pais se relacionavam com os filhos iria determinar a forma como os filhos, quando adultos, relacionar-se-iam com Deus. No ambiente familiar, a mãe constituía a peça fundamental na educação dos filhos. A maternidade coloca a criança como o centro da vida da mulher, que deixa de lado sua individualidade para tornar-se mãe, tendo a criança como razão de sua vida. Como presente de Deus, a criança deveria ser orientada pela 2 Embora Froebel tenha sido a expressão de seu tempo, no qual a liberdade parecia-lhe necessária, o governo alemão proibiu a instalação e permanência de jardins de infância. Para o poder alemão, a promoção da liberdade ameaçava as bases do sistema autoritário da nação, e, em 1851, ordenou o fechamento dessas instituições. Ainda que a proibição de novos jardins de infância vigorasse em solo alemão, a influência desse pensador e de sua criação ganhou força em outros países, chegando a ser instalada no Brasil. FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS E HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I mãe de forma harmônica, conforme os preceitos divinos. Agraciada com essa benção, a mulher, como educadora nata, deveria auxiliar na formação infantil: Assim, sob o comando da mãe, a família deve ser conduzida em um ambiente pleno de amor e religiosidade. Aos pais cabe viver por suas crianças. Elas são o centro da vida familiar e têm muito a ensinar, pois trazem dentro de si os germes do divino, do que existe de mais puro no ser humano. ‘Venham, deixemo-nos viver com as nossas crianças!’ (ARCE, 2009, p. 115). Ao acompanhar o desenvolvimento da criança, a família e os educadores procura- riam estimular as manifestações internas e externas dela, ou seja, a aprendizagem do mundo e as atividades concretas – jogos, a arte – que exteriorizariam o pensa- mento infantil, integrando a criança de forma consciente no mundo em que vive. Segundo o pensamento froebeliano, o papel do professor é estimular a curio- sidade naturalmente despontada na criança. Partindo do desejo infantil de aprender e integrar-se ao mundo, o educador deverá começar pelo que a criança já conhece, ouvindo suas ideias e relacionando todo esse processo com amor, respeito e liberdade. Assim, os jardins de infância buscaram propor uma nova visão de educa- ção, capaz de mudar a visão tradicional da criança como uma folha em branco à espera de preenchimento. Tal instituição deveria “[...] guiar, orientar e culti- var nas crianças suas tendências divinas e sua essência humana, através do jogo, das ocupações e das atividades livres, tal como Deus faz com as plantas na natu- reza” (ARCE, 2009, p. 118). Ao respeitarem a natureza do aluno e subordinarem a educação às etapas de seu desenvolvimento, os educadores tornar-se-iam aptos a conhecer direta- mente a aprendizagem (ARCE, 2004). Partindo das observações sobre as ações dos conhecimentos das crianças, o educador proporia intervenções que iriam do concreto ao abstrato, do simples ao complexo, o que permitiria que a criança relacionasse a sua vivência ao mundo exterior. 41 Considerações Finais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . CONSIDERAÇÕES FINAIS Caro(a) aluno(a), você chegou ao final da leitura de uma unidade e pôde observar como os diferentes autores, em diferentes períodos históricos, compreenderam a educação como um fator de transformação individual e social. A infância foi compreendida pelos autores estudados como período fun- damental para o desenvolvimento da criança e para a preparação de um adulto comprometido tanto com seu crescimento quanto com a participação na sociedade. Do mesmo modo, pudemos analisar a construção da educação infantil no Brasil como um reflexo das exigências históricas do movimento capitalista que, direcionando-se ao aumento da produção de riquezas, passou a implementar políticas higienistas e educativas condizentes com a criação de sujeitos ativos e produtivos, sem, em diversos momento, buscar a construção de indivíduos ple- nos e envoltos na totalidade social. Desse modo, compreenderemos, nas próximas unidades, como os funda- mentos históricos e filosóficos embasam as políticas públicas e a forma como a educação infantil é organizada. UM POUCO SOBRE A HISTÓRIA DA RODA DOS EXPOSTOS Percebe-se que o poder religioso perdurou ao longo da colônia, império e república, quando a sociedade incorporou os valores cristãos e instituiu as primeiras Rodas de Ex- postos como forma de praticar a caridade, a misericórdia e remitir seus pecados. Criada na colônia teve seu auge no período imperial. Possuía um importante papel de prestar assistência às crianças abandonadas, mesmo com uma escassa infraestrutura e verbas. Seu atendimento era limitado à assistência do bebê, por isso as casas de mi- sericórdias, nas quais alocavam a roda, disponibilizava apenas a estas crianças. Havia amamentação feita pelas amas-de-leite, mulheres pobres, solteiras, casadas e algumas viúvas, que recebiam um salário de ama para cuidar do menor (MARCÍLIO, 1997). A roda era um meio para que as crianças rejeitadas não fossem abandonadas na mata, lixo, estradas e morressem sem alento, com fome e frio. Utilizada como um mecanismo de amparo caritativo, recebia estes bebês e, na primeira oportunidade, batizava a crian- ça a fim de salvar sua alma. No batismo buscava-se um nome para o exposto, muitas vezes retirado dos nomes santos da religião cristã (MARCÍLIO, 1997). Esta autora explica que a roda consistia em um dispositivo cilíndrico, dividido ao meio com um tabuleiro inferior e abertura externa, no qual a pessoa colocava a criança. Esta roda na maioria das vezes ficava no muro ou janela das instituições, e ao escutar o sino os religiosos andavam até a roda para recolher o exposto. Diferentemente deste perí- odo, a roda no medievo era principalmente utilizada em mosteiros e conventos como meio para se receber objetos, alimentos e mensagens. Facultativamente, os mosteiros achavam crianças deixadas na roda pelos seus pais, pois estes acreditavam que a educa- ção dos monges iria garantir aos seus filhos uma melhor vida e se tornariam oblatos. Daí decorreu-se a cultura de abandono de bebês em rodas de expostos (MARCÍLIO, 1997). No Brasil a referida tradição da roda de expostos iniciou-se por volta do século XVIII, quando foi pedida à coroa portuguesa permissão para a instalação da primeira roda, na cidade de Salvador-BA. Para convencer o rei a permitir tal realização, foi utilizado o ar- gumento que somente uma roda de expostos poderia evitar tanta impiedade humana. Argumento aceito, em 1726 inaugura-se a primeira roda no Brasil. Em 1738 foi criada a segunda roda na cidade do Rio de Janeiro. A terceira e última roda do período da colônia foi instalada em Recife, na Santa casa de misericórdia; no primeiro ano de funcionamen- to foram atendidos 40 meninos, que recebiam amamentação e cuidados necessários (MARCÍLIO, 1997). A tarefa de assistir os expostos não era nada fácil, destaca Marcílio (1997), ao contrário, se constituía como um trabalho árduo e custoso para as Santas Casas de Misericórdias. Estas, no
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