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GONZALEZ, Lélia. Por un feminismo afrolatinoamericano. Mujeres, Crisis y Movimiento: América Latina y El Caribe, [S.L.], v. 9 , p. 133-141, jun. 1988. Por un feminismo afrolatinoamericano O texto data de 1988, ano em que completava-se 100 anos da Abolição da Escravatura no Brasil. No entanto, Lélia aponta que a data não era de comemoração para o Movimento Negro, e sim de reflexão, dado o caráter puramente de formalidade jurídica da Lei Áurea. A luta do povo negro começou muito antes da promulgação da referida lei e segue ainda hoje. A necessidade de que a sociedade brasileira reflita sobre a situação da população negra é basilar para a análise de suas contradições internas e da desigualdade racial e daí a importância de ter pessoas negras ocupando todos os espaços possíveis. Ao tratar de sua experiência enquanto mulher negra, Lélia aponta que trata-se de um doloroso processo de busca por sua identidade como tal, em uma sociedade que a oprime e discrimina justamente por isso. E mais que isso, configura-se como uma questão ético-política tratar disso não como uma experiência individual, mas coletiva, por ser uma dor comum a milhões de amefricanas e ameríndias. O feminismo trouxe contribuições inegáveis para o avanço na busca por um modelo alternativo de sociedade, posto que, ao demonstrar “el carácter político del mundo privado”, propiciou o debate de questões antes não discutidas, como direitos reprodutivos, sexualidade, violência. No entanto, na teoria e prática feministas parece ter havido um “esquecimento” de outra forma de discriminação, a de caráter racial. Sexismo e racismo partem do mesmo pressuposto: diferenças biológicas como justificativa para ideologias de dominação. Para Lélia, o que explica esse “esquecimento” por parte do movimento feminista seria o racismo por omissão, cujas raízes estariam em uma visão eurocêntrica e neocolonialista da realidade. Categoria infan: assim como uma criança que é, ao ser falada pelos outros em terceira pessoa, é excluída mesmo quando presente, mulheres não-brancas são excluídas ao serem faladas, definidas e classificadas por um sistema de dominação que as infantiliza. Processo de inferiorização e desumanização através da negação do próprios discurso e da própria história. “Que nada mais seja falado sobre nós sem nós.” Adaptação do lema que tem sido usado há mais de 20 anos, lançado em 1986 pela organização não-governamental Pessoas com Deficiência da África do Sul (Disabled People South Africa - DPSA). Categoria sujeito-suposto-saber: identificação imaginária com figuras as quais se atribui um saber que não possuem (mães, analistas, professores…). Mecanismo que possibilita o colonizado atribuir ao colonizador uma superioridade. O feminismo latinoamericano se enfraquece quando se isenta de discutir o racismo. Não há como discutir o feminismo de forma genérica, desconsiderando a realidade de milhões de mulheres que são discriminadas, oprimidas e invisibilizadas por não serem brancas. La cuestión racial en America Latina - neste subtítulo, Lélia reflete sobre a formação sócio-histórica de Espanha e Portugal a partir da luta entre mouros e cristãos, que até hoje tem o seu caráter racial apagado. As sociedades ibéricas eram extremamente hierarquizadas, onde cada um tinha seu lugar determinado em lei e não havia portanto, espaço para igualdade. As sociedades latinoamericanas como descendentes desse modelo de estratificação social, não poderiam ser diferentes. A segregação entre mestiços, negros e índios é imprescindível para a manutenção do branco como dominante. A ideologia do branqueamento faz com que o racismo latinoamericano seja extremamente sofisticado e os meios de comunicação e outros aparatos ideológicos tem um papel fundamental na consolidação da cultura ocidental branca como padrão. O desejo de embranquecer vem do mito da superioridade branca e faz com que o sujeito racializado entre em processo de negação da própria identidade e cultura. Estudos sobre a condição do negro no período escravista são abundantes, no entanto quando se trata do pós-abolição essa discussão é escassa na maioria dos países latinoamericanos, com exceção do Brasil. O mito da democracia racial articula-se com a ideologia do branqueamento pregando uma harmonia entre os grupos étnicos que inexiste na realidade concreta, tendo inclusive sido absorvida pelas esquerdas, cujas análises das contradições internas não vão além das questões de classe. Dos países latinoamericanos, apenas a Nicarágua fez um movimento concreto no sentido de abolir as desigualdades raciais: o Estatuto de Autonomía de las Regiones de la Costa Atlântica de Nicarágua, que assegura a participação comunitária na definição de projetos que beneficiem a região, reconhece o direito à propriedade de terras comunais e também os direitos religiosos e linguísticos de todas as etnias. As discriminações sexual e racial são fatores que atravessam duplamente as amefricanas e ameríndias, para além de sua posição de classe, o que as torna triplamente discriminadas. “Es importante insistir que, en el cuadro de las profundas desigualdades raciales existentes en el continente, se inscriben y muy bien articuladas, la desigualdad sexual. Se trata de una doble discriminación de las mujeres no-blancas de la región: las amefricanas y las amerindias. El doble carácter de su condición biológica -o racial y o sexual- hace que ellas sean las mujeres más oprimidas y explotadas de una región de capitalismo patriarcal-racista dependiente. Justamente porque ese sistema transforma las diferencias en desigualdades, la discriminación que ellas sufren asume un carácter triple, dada su posición de clase: ameríndias e amefricanas hacen parte, en su gran mayoría, del inmenso proletariado afrolatinoamericano” p.137-138 Sobre vertentes de novos movimentos sociais: popular, político-partidária e feminista. Seria na popular que as amefricanas e ameríndias majoritariamente se organizam e, nessa perspectiva, os movimentos étnicos são de grande importância (Movimento Negro e Movimento Indígena). O movimento negro brasileiro evidenciou as imbricações de raça, classe, sexo e poder, desmascarando as estruturas de dominação da sociedade e do Estado “que ven como “natural” el hecho de que cuatro quintos de la fuerza de trabajo negra sean mantenidas aprisionadas en una especie de cinturón socio-economico que les “ofrece la oportunidad” de trabajo manual e no calificado.” p. 138 Para nós, mulheres negras, a conscientização da opressão se dá primeiramente pela raça. Exploração de classe e discriminação de raça são os componentes básicos da luta comum entre homens e mulheres de uma etnia subordinada. É no movimento negro que nossa presença é visível, onde temos participação ativa e, por vezes, o protagonismo. Mas é justamente na construção desse movimento que nos conscientizamos da discriminação sexual, ao vivenciarmos práticas sexistas por parte dos companheiros negros. No entanto, ainda é a partir no movimento negro que nos organizamos, onde apesar dos pesares, nossas rebeldiae espírito crítico se dão em um clima de maior familiaridade histórica e cultural. Manifesto da Mulher Negra Peruana: “Se nos moldeó una imagen perfecta en todo lo que se refiere a actividades domésticas, artísticas, serviles, se nos consideró “expertas en el sexo”. Es de esta manera que se alimentó el prejuicio de que la mujer negra sólo sirve para estos menesteres.” Ao nos organizarmos nas duas frentes, contribuímos para o avanço tanto do movimento negro quanto do movimento feminista.
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