Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 2020/02 Disciplina – Didática – Parte I Curso de Pedagogia Professora: Sandra Lúcia Magri Material de estudos organizado por: Sandra Lúcia Magri: professora do Curso de Pedagogia - Instituto Superior de Educação “Dona Itália Franco” UEMG- Barbacena – MG UEMG – Barbacena – 2020/2 2 I - As Tendências Pedagógicas no Desenvolvimento Educacional Brasileiro1 1. Educação: pode ser compreendida por processo de comunicação que envolve o intercâmbio de conhecimento entre os indivíduos. 2. Educação primitiva: assistemática, espontânea e por imitação. 3. Aparecimento dos primeiros colégios: a partir do século XVI. O fenômeno está relacionado a um novo sentimento: o da infância. Na Idade Média, crianças e adultos conviviam sem a separação por fases de aprendizagem: A fim de proteger as crianças de ‘más influências’, é proposta uma hierarquia diferente, submetendo- as a severa disciplina, inclusive a castigos corporais. A meta da escola não se restringe à transmissão de conhecimentos, mas a formação moral; O regime de estudo é rigoroso e extenso com programas de educação formal de gramática e retórica; No Brasil, com a chegada dos jesuítas liderados pelo padre Manuel da Nóbrega, os missionários fazem funcionar na recém-fundada cidade de Salvador, uma escola “de ler e escrever”. É o início do processo de criação de escolas, espalhadas pelo País; A principal estratégia dos jesuítas foi à criação de escolas religiosas para educar a juventude segundo os princípios do cristianismo católico, com grande influência, até hoje, no setor educacional brasileiro. PEDAGOGIA TRADICIONAL Pela primeira vez na história da humanidade, nos colégios fundados pelas ordens religiosas dos séculos XVI e XVII, há a formação de uma escola que visa observar totalmente a disponibilidade de tempo da criança. Ela passa a conviver com colegas da mesma faixa etária e é separada do mundo adulto a fim de não sucumbir aos vícios. O que está surgindo é o modelo da escola tradicional que não se baseia nos interesses da criança, mas procura combater os impulsos naturais inculcando-lhe virtudes morais. Características O homem é considerado, inicialmente, incompleto e imaturo, uma tábula rasa que precisa receber informações para tornar-se pronto e acabado, o adulto. A cultura constitui-se de normas e valores resultantes da tradição, um patrimônio que deve ser repassado às novas gerações. Assim, a função da educação consiste em transmitir e preservar o patrimônio cultural, incutindo no aluno conhecimentos, hábitos e valores morais compatíveis com o “modelo de homem ideal”. O conhecimento é o produto da incorporação das informações acumuladas ao longo dos tempos, a herança cultural que deve ser transmitida aos indivíduos, através da educação formal. 1 ARANHA, Maria Lúcia de arruda; Martins, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 6 ed. São Paulo: Moderna, 2016. 3 O ensino tradicional é autoritário e rígido. O processo tem como objetivo a transmissão do acervo cultural. Exige trabalho árduo, perseverança, aplicação e disciplina. O professor é elemento central do processo educativo, cabendo-lhe selecionar o saber sistematizado (educação “magistrocêntrica”: centrada no professor e na transmissão do conhecimento). O aluno nada mais é do que um “receptor” passivo. Os métodos de ensino devem possibilitar a reprodução correta dos conhecimentos. A exposição do professor (aula expositiva), a repetição e aplicação dos conteúdos de ensino, pelos alunos, são técnicas necessárias para garantir uma aprendizagem eficiente, tendo o quadro-de-giz e livro didático como principais recursos. A avaliação da aprendizagem, feita pelo professor, através de provas escritas e orais, torna-se importante e necessária, a fim de constatar se o conteúdo transmitido em aula foi reproduzido corretamente pelo aluno. Curiosidades A pedagogia tradicional concebe como objetivo final da educação: adaptar o indivíduo na sociedade em que vive. Não é a sociedade que deve moldar-se ao indivíduo, mas este é que deve curvar-se à sociedade, assimilando os conhecimentos, normas e valores, sem questionamentos. Os contos de fadas não eram, de início, destinados exclusivamente às crianças. Desde a Idade Média, eram contos folclóricos ouvidos sobretudo por adultos das classes mais pobres. Apenas no século XIX foram adaptados pelos irmãos Grimm, com a nítida intenção de transmitir os valores às crianças. “Os primeiros livros infantis foram produzidos no final do século XVII e durante o século XVIII justamente porque, antes dessa época, não existia propriamente ‘infância’. No Brasil, o interesse pelas histórias infantis se intensificam no final do século XIX, período em que começa aparecer a literatura infantil com adaptações de textos europeus". A escola tradicional, voltada para o passado, preocupava-se em transmitir a maior quantidade possível de conhecimento acumulado, valorizando, portanto, um ensino predominantemente intelectualista e livresco. Segundo o conceito etimológico, ensinar (do latim signare) significa “colocar dentro, gravar no espírito”. Assim, ensinar é gravar ideias na cabeça do aluno, transmitindo informações, marcando e tomando lições. Por mostrar-se cada vez mais ineficaz, esse tipo de ensino foi muito criticando, iniciando-se um processo de reivindicação por uma escola mais realista, adaptada ao mundo em transformação. Preocupando com o presente e com o futuro, o homem contemporâneo deve se preparar para uma sociedade dinâmica, em constante mutação. Para tanto, precisa “aprender a aprender”, indo além da mera fixação de conteúdos predeterminados. Daí o interesse por outros métodos e técnicas, enfatizando mais o processo de aprendizagem (e não, simplesmente, o produto). O movimento educacional conhecido como Escola Nova, surge no final do século XIX, justamente para abrir novos caminhos à educação que se apresentava incoerente com o mundo no qual estava inserido. A concepção escolanovista, voltando-se para o psicológico, considera a criança o centro do processo (pedocentrismo), destacando a importância da satisfação de suas necessidades, bem como a estimulação da própria atividade, segundo as especificidades da natureza infantil. 4 Escola Nova Características 1 – O homem é um ser que se transforma, incompleto, inacabado, “sujeito único”, diferenciado, que vive e interage com o mundo (que não é estático). 2 – “A cultura é uma aquisição sistemática da experiência humana que se constrói progressivamente, a partir das relações homem-meio”. Portanto, os valores criados pelos grupos e pelos indivíduos são no desenvolvimento cultural, relativos e passíveis de alterações. 3 – O conhecimento é essencialmente ativo, considerado um instrumento social, em construção contínua. 4 – O processo de ensino-aprendizagem na escola nova, deve apresentar programas diversificados, partindo dos interesses e das necessidades, com base nas aptidões e ritmos individuais. 5 – O aluno é considerado o centro do processo. O professor, na condição de facilitador da aprendizagem, tem como tarefa criar situações-problema que possibilitem o desenvolvimento de aptidões para o educando dirigir seu próprio processo de assimilação dos conhecimentos. 6 – Os métodos de ensino devem oferecer condições para que o aluno enfrente desafios cognitivos e situações problematizadores. Ex: dinâmicas de grupo, pesquisas, estudo do meio, atividades lúdicas etc. 7 – Na avaliação considera-se o processo de aquisição do saber (e não o produto ou o saber propriamente dito). Portanto, a verificação da quantidade de conteúdos aprendidos não tem sentido. Curiosidades O ideário escolanovistaprecisa ser compreendido a partir da situação econômica em que foi gerado. A crescente industrialização solicitava a ampliação da rede escolar; as transformações rápidas exigiam que a nova escola preparasse para o novo; as desigualdades sociais poderiam ser superadas pela adequada escolarização. Portanto, a escola nova propõe, como objetivo final da educação, o pleno desenvolvimento da personalidade do indivíduo. Agora, não são os indivíduos que devem curvar-se diante da sociedade, mas esta é que deve ser moldada e aperfeiçoada pelos indivíduos. Contrariamente, a escola nova contribui para uma maior elitização do ensino, pois dada à qualidade e a exigência de escolas aparelhadas e professores altamente qualificados, fez a escola pública se colocar inferiorizada, incapaz de introduzir novas didáticas. Por outro lado, é muito comum a assimilação inadequada de novas ideias e a tentativa de implantação sem critérios. Assim, por exemplo, a crítica ao autoritarismo da velha escola resulta em ausência de disciplina; a ênfase dada ao processo (e não ao produto) é confundida com o empobrecimento do conteúdo. Com isso a escola pública, destinada ao povo, é severamente prejudicada com o rebaixamento da qualidade de ensino. Ao invés de promover a democracia, colabora para o agravamento da marginalização do maior segmento da sociedade, tornando a educação mais elitista. Outro ponto a ser observado é o risco do puerilismo, ou seja, a supervalorização da criança e a depreciação do adulto. A consequência disso é a minimização do papel do professor, a sua quase ausência nas formas extremas do não-diretivismo. A escola nova é também conhecida como tendência renovada ou renovadora. No Brasil, o movimento da escola nova só começou no século XX, na década de 20, com diversas reformas no ensino público, expressando-se de maneira mais clara em 1932, no Manisfesto dos Pioneiros da Educação Nova. Como a escola tradicional, é politicamente neutra. 5 Curiosidades históricas A década de 20 e o advento da escola nova – A década foi marcada por uma série de fatores (industrialização; crescimento dos centros urbanos; descontentamento do operariado; classes médias e oficiais de baixa patente; crise econômica de 1929; decadência política cafeeira). Os grupos mais conscientes das classes dominantes perceberam que não podiam mais conter a necessidade de se formar as estruturas caducas da República Velha “façamos a revolução, antes que o povo a faça”, dizia o Governador de Minas, Antônio Carlos Ribeiro Andrada. O desfecho desse processo foi a chamada Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, que assumiu o poder abriu o espaço para a manifestação de novas forças políticas econômicas que se formaram no país: os empresários industriais, os militares, as classes médias urbanas e o proletariado industrial. Paralelamente às transformações que se desenvolviam na vida nacional da década de 20, um grupo de intelectuais brasileiros, preocupados com problemas da educação, introduziram no país o ideário do movimento Escola Nova (Lourenço Filho, Anísio Teixeira, Francisco Campos, Fernando de Azevedo e outros). A Era Vargas (período histórico de 15 anos, marcado pela liderança Getúlio Vargas) pode ser divido em três fases distintas: governo “revolucionário” (1930-1934), governo constitucional (1934-1937) e governo ditatorial (1937-1945). Foi caracterizada por significativas mudanças (aumento gradual de poder da burguesia empresarial, supremacia da indústria sobre a agricultura, dos centros urbanos sobre o meio rural, acirramento do conflito ideológico entre as forças políticas de direita e de esquerda, criação do Ministério da Educação e da Saúde Pública (1930), com a reforma educacional de Francisco Campos (foi o primeiro Ministro). Em 1932, foi lançado, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, pelos intelectuais que defendiam a escola pública, gratuita e leiga e os ideais pedagógicos escolanovista. Durante o período de 1934 a 1937, intensificou-se o confronto político-ideológico entre as forças da esquerda e da direita, e Getulio Vargas fazendo grande alarde sobre o “perigo comunista”, preparou o golpe de estado que levou a nação à ditadura do Estado Novo (1937-1945). Impondo severa repressão aos intelectuais e censuras ao meio de comunicação, a ditadura Vargas impediu a livre expressão do pensamento. Com o patrulhamento do Estado, diversos setores da cultura nacional, entre eles o campo pedagógico, sofreram um processo de estagnação. Em 1942 o Brasil ingressa na Segunda Guerra Mundial. O país ainda vive em regime de ditadura. Em 1945, Vargas é deposto e o Brasil entra num período de redemocratização (o novo presidente é o General Dutra). A Assembleia Nacional Constituinte elabora a quarta Constituição da República, que substituiria a de 1937, imposta à Nação pela ditadura. Em meio ao revigoramento da vida partidária, de reestruturação das instituições, as atenções dos educadores foram absorvidas principalmente pelos rumos da política educacional que estava sendo definida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a qual tramitou no Congresso entre 1948-1961. Finalmente durante sua vigência a lei revelou-se “inoperante diante da realidade brasileira, não tendo conseguido realizar transformações substanciais”. Os graves problemas da educação foram ignorados: a falta de vagas nas escolas, as dificuldades na educação popular (o analfabetismo, a evasão e a repetência), a melhoria da formação do professorado. Havia uma visível preocupação dos intelectuais em promover a crescente participação do povo no processo político do país. Para isso, era necessário fomentar os movimentos de cultura popular, organizar e fortalecer as entidades sindicais, impulsionar as entidades comunitárias. Nesse contexto histórico é que surgiu e desenvolveu o pensamento de um dos mais importantes educadores brasileiros: Paulo Freire. 6 Educação como Prática Pedagógica – Pedagogia Libertadora Papel da escola – quando se fala na educação em geral, diz-se que ela é uma atividade onde professores e alunos, mediatizados pela realidade que aprendem a da qual extraem o conteúdo de aprendizagem, atingem um nível de consciência dessa mesma realidade, a fim de nela atuarem, num sentido de transformação social. Tanto a educação tradicional, denominada “bancária” – que visa apenas depositar informações sobre o aluno -, quanto a educação renovada – que pretendia uma libertação psicológica individual – são domesticadoras, pois em nada contribuem para desvelar a realidade social de opressão. A educação libertadora, ao contrário, questiona concretamente a realidade das relações do homem com a natureza e com outros homens, visando a transformação – daí ser uma educação crítica. Conteúdo de ensino – Denominados “temas geradores”, são extraídos da problematização da prática de vida dos educandos. Métodos de ensino – Educador e educandos numa relação de autêntico diálogo em que os sujeitos do ato de conhecer se encontram mediatizados pelo objeto a ser conhecido. “O diálogo engaja ativamente a ambos os sujeitos do ato de conhecer: educador-educando e educando-educador”. Assim sendo, a forma de trabalho educativo é o “grupo de discussão”. Relação professor-aluno – No diálogo como método básico, a relação é horizontal, onde educador e educandos se posicionam como sujeitos do ato de conhecimento. Pressupostos de aprendizagem – A problematização revela a força motivadora da aprendizagem. Tendência Tecnicista No século XX, a escola tradicional acaba sendo alvo de críticas por demonstrar-se, para muitos, ineficaz. Nesse contexto, a partir da década de 60, surgem propostas de inspiração tecnicista, fundamentadas na convicção de que a escola só se tornaria mais eficaz, caso adotasse o modelo empresarial. Isso significa inserir na educação o modelo de racionalização típicos dosistema capitalista. A tendência tecnicista surge nos EUA, cujos teóricos e técnicos passam a influenciar os países latino- americanos em desenvolvimento. No Brasil, com o golpe militar de 1964, rompeu-se o diálogo do Governo com as classes trabalhadoras e populares. No plano político, as mudanças impostas pelo movimento militar nos diversos segmentos sociais, culturais e educacionais, esfacelaram a vida democrática e lançaram o País no autoritarismo. O regime militar promoveu forte repressão policial contra várias entidades de bases populares (sindicatos, União Nacional dos Estudantes, movimentos de inspiração socialista etc.); extinguiu todos os partidos políticos, instituindo o bipartidarismo (ARENA – partido do governo e MDB – partido reunindo oposições) e exerceu severa censura as atividades culturais e os meios de comunicação de massa. O pensamento pedagógico preocupado em promover a emancipação popular foi sufocado. Inúmeros intelectuais brasileiros, educadores, sociólogos, cientistas e artistas, foram perseguidos e condenados ao exílio. O regime militar tratou de moldar a educação brasileira segundo suas diretrizes ideológicas. Após o golpe de 64, foram feitos diversos acordos, inicialmente sigilosos e tornados públicos apenas em 1966: eram os acordos MEC – USAID (Ministério da Educação e Cultura; United States Agency for Internacional Development). O Brasil passou, então, a receber assistência técnica e cooperação financeira que resultaram nas Leis 5.540/68 (ensino universitário) e 5692/71 (ensino de 1° e 2° graus). Como a tradicional e a escolanovista, é considerada uma pedagogia liberal (pedagogia própria da sociedade capitalista). O liberalismo é uma teoria política econômica que exprime os anseios da burguesia. Defende os direitos da iniciativa privada, restringindo as atribuições do Estado. 7 Características da Tendência Tecnicista 1- O homem é considerado um produto do meio, sendo o seu comportamento dirigido por leis científicas podendo, assim, ser previsto, descrito, explicado e controlado. O mundo ao seu redor já está pronto e sua consciência é formada nas relações (casuais ou controladas) com o meio. 2- A cultura é constituída por um conjunto de comportamentos previstos que são mantidos e reforçados através de planejamentos rigorosamente elaborados. 3- O conhecimento é fundamentado na experiência ou experimentação planejada. 4- O processo de ensino-aprendizagem dever ser planejado, controlado e avaliado cientificamente, por meio de objetivos que expressam mudanças comportamentais desejáveis, formando indivíduos eficientes no desempenho de diferentes papéis e necessários ao funcionamento do sistema social. Portanto, a escola, agência modeladora de comportamentos, deve oferecer condições estimuladoras, mediante o uso de procedimentos e técnicas específicas que assegurem tais mudanças comportamentais. Para isso é necessário que o ensino seja, organizado de forma sistemática e controlada que resulte numa aprendizagem eficaz. 5- O professor é um técnico que, assessorado por outros técnicos e intermediado por diferentes recursos, transmite o conhecimento técnico e científico. Deve controlar cientificamente o processo para garantir a aquisição dos comportamentos desejados previstos nos objetivos de ensino, executando na sala de aula tudo que foi projetado fora dela. 6- Os métodos de ensino devem basear-se na aplicação da tecnologia educacional através do uso de diferentes estratégias que possibilitem a aprendizagem ao maior número de alunos, com economia de tempo, esforço e custos. Os meios didáticos de avançada tecnologia (filmes, slides, telensino - “ensino a distância”), computador, etc., são bem valorizados. 7- A avaliação baseada na verificação passo a passo do cumprimento dos objetivos propostos, deve estar diretamente relacionada a eles, com o devido destaque para critérios mensuráveis da avaliação “objetiva”. Diante do exposto, pode-se concluir que a escola tecnicista é autoritária e antidemocrática, planejada para o domínio e controle. O planejamento garante o domínio. Considerada uma versão moderna da escola tradicional, é conservadora: a mudança social não faz parte de seus propósitos. Seu compromisso é com a eficiência e produtividade. Baseada na teoria de aprendizagem S-R (estímulo-reação), vê o aluno como depósito passivo dos conhecimentos, que devem ser acumulados na mente através de associações. O especialista passa a ser considerado o único capaz de compreender a realidade e, mais ainda, de indicar diretrizes de ação. Essa noção de especialização desenvolve o mito da tecnocracia (cracia = poder). Passamos a viver num mundo em que a última palavra é sempre dada aos técnicos e aos administradores competente. Curiosidades A tentativa de aplicar na escola o modelo empresarial de racionalização típico do sistema de produção capitalista foi influenciada pelo taylorismo (Frederick Taylor – 1856-1951). Seu sistema visa aumentar a produtividade e economizar tempo, suprimindo o desnecessário. O taylorismo pretende ser uma forma de racionalização do trabalho porque permite melhor previsão e controle de todas as fases de produção. Desenvolve-se o setor de planejamento e intensifica-se a burocratização. Com a pedagogia tecnicista, o quadro educacional brasileiro apresentou as seguintes características: Intensificação burocrática – professores cheios de papéis, programas; Inferiorização da função do professor – mero executor de ordens vindas do setor de planejamento, a cargo de técnicos em educação; 8 Abandono da educação elementar; O 2º grau redundou em fracasso com a implantação de ensino profissionalizante (principalmente com a inclusão de disciplinas técnicas, exclusão da Filosofia e diminuição da carga horária de Geografia e História); Escolas particulares contornavam a lei, assumindo apenas a nomenclatura dos cursos e oferecendo os conteúdos tradicionais, aumentando a seletividade na educação, tornando o curso superior, um ensino apenas para a elite; O que a escola pública conseguiu foi uma formação de mão-de-obra barata, não-qualificada (de trabalhadores disponíveis para empregos de baixa remuneração); A administração e o planejamento “despolitizados” na verdade camuflam e fortalecem estruturas do poder, substituindo a participação democrática (tão fundamental em qualquer projeto humano, sobretudo pedagógico) pela decisão de poucos. Portanto, foi uma reforma fundamentalmente pública. Observações: - (a razão técnica, por atingir a essência dos fatos científicos, está acima da política e dos partidos, por isso o tecnicismo se considera puro neutro politicamente); - nunca houve, de fato, plena implantação da reforma porque os professores continuaram, de certa maneira, imbuídos da tendência tradicional ou das ideias escolanovistas. - a tendência tecnicista mereceu a crítica dos teóricos crítico-reprodutivistas e das pedagogias progressistas. No Brasil (anos 70), a situação é cada vez pior: de cada três crianças, uma não consegue entrar na escola, apesar de a lei dizer que o ensino é obrigatório. Nas áreas rurais, a metade das crianças fica de fora e no Nordeste a situação atinge cifras dramáticas, pois duas crianças em cada três ficam excluídas da vida escolar. Quanto aos que conseguem entrar, há um afunilamento muito grande. Nada menos do que seis em cada dez crianças que frequentam a primeira série não conseguem passar de ano. As reprovações e repetências continuam nos anos seguintes. Em São Paulo, o estado mais rico do Brasil, apenas 14 em cada 100 estudantes frequentam o 2º grau. Considerando o conjunto da população com mais de 5 anos de idade, veremos que no Brasil o número dos que ficam na escola menos do que um ano ou nem conseguiram entrar é de mais de 35 milhões. (dados do Censo de 1980). Teorias Crítico-reprodutivistas : O sentido de reprodutivismo Écomum as pessoas desejarem que seus filhos frequentem a escola para que “sejam alguém na vida”, sobretudo se pertencem às classes menos favorecidas. Essa visão otimista da escola como instrumento de equalização, ou seja, como meio de tornar iguais as chances para indivíduos que fazem parte de diferentes classes, também atraiu muitos teóricos da educação. Segundo eles, caberia à escola desfazer as injustiças sociais, tornando-se uma alavanca do progresso e da democratização, bastando para isso que as pessoas tivessem ânimo e talento. No entanto, os índices de repetência e de evasão escolar estão aí para comprovar que a esperada universalização do saber não se cumpriu. Nas décadas de 60 e 70, teóricos franceses passam a considerar essa visão da escola ingênua demais e, por diversos caminhos, chegam à mesma conclusão: em vez de democratizar, a escola reproduz as diferenças sociais, perpetua o status quo e, por isso, é uma instituição altamente discriminadora e repressiva. 9 Os principais teóricos Bourdieu e Passeron – Teoria do sistema de ensino enquanto violência simbólica – “(...) afirmam que, ao lado da violência material (dominação econômica) exercida pelos grupos e classes dominantes, há a violência simbólica (dominação cultural) que se exerce através dos meios de comunicação de massa, jornais, etc.; a pregação religiosa; a atividade artística e literária; a propaganda e a moda; educação familiar etc.” O mérito dos dois teóricos está em desfazer a ilusão da autonomia absoluta do sistema escolar. Para eles a escola não é uma ilha separada de um contexto social; ao contrário, o sistema escolar marca os indivíduos submetidos à educação de maneira inevitável e irreversível. Althusser – demonstra que a escola, ao mesmo tempo que ensina, reproduz a ideologia dominante. Afirma que a dominação social é exercida pelo Estado através dos aparelhos repressivos (órgãos administrativos, militares, policiais etc.) e aparelhos ideológicos (partidos políticos, veículos de comunicação de massa, entidades artísticas, escolas etc). A escola é vista como um dos mais importantes aparelhos ideológicos do Estado. Reproduz culturalmente os elementos necessários à continuidade das relações sociais exploradoras. A escola reproduzindo as desigualdades sociais No relacionamento com os alunos, a escola não leva em conta as diferenças: nas condições materiais de vida; no padrão cultural; de atitude dos pais em relação à vida escolar do filho. A escola não transmite apenas conhecimentos científicos mas, também, valores ideológicos: “cada um pra si”; sentimento de inferioridade; respeito pela ordem vigente. Repercussões É necessário reconhecer a importância da análise feita pelos teóricos para a compreensão dos mecanismos da escola na sociedade dividida em classes. No entanto, levar essa crítica às últimas consequências poderia resultar em um pessimismo imobilista. Se considerarmos a escola como mera produtora das desigualdades sociais, não teremos como exercer a ação pedagógica sem mistificações, a menos que a exploração da classe seja politicamente superada. Segundo o educador Georges Snyders, os teóricos exageram quando afirmam que todas as práticas escolares são de “inculcação” ideológica, não admitindo que os conhecimentos adquiridos na escola possibilitam a elaboração de uma sabedoria autêntica. Embora enfatizem a luta de classe, parecem descartar a possibilidade de tornar a escola um dos campos dessa luta, o que redunda descrença e impotência. Tendências ou Teorias Progressistas São aquelas que pretendem superar as limitações da escola tradicional, o otimismo exagerado da escola nova e o pessimismo das teorias crítico-reprodutivistas. No Brasil, identificamos duas como principais: a tendência libertadora (Paulo Freire) e a tendência crítico-social dos conteúdos (tendo Dermeval Saviani como principal articulador e José Carlos Libâneo como grande divulgador). Conhecida também como pedagogia dialética ou histórico crítica. Características comuns observadas nas duas tendências: Dialética como elemento essencial no processo ensino-aprendizagem; Busca a democratização escolar; Defende uma formação crítica e politizadora; Conhecimentos necessários à vivência em sociedade; contextualizados. 10 Características Crítico-social dos conteúdos O homem é um ser situado num mundo material, concreto, social, econômico, contraditório e ideologicamente determinado, o qual lhe cabe transformar. A cultura sofre influências históricas e os valores nascem das relações recíprocas entre o homem e a realidade. O conhecimento é uma atividade inseparável da prática social onde são estabelecidas trocas entre sujeito/ meio / cultura. Não consiste em acúmulo de informações, mas sim reelaborações constantes. A difusão de conteúdos é tarefa primordial. A educação se relaciona dialeticamente com a sociedade, formadora da consciência política (considerada meio importante de transformação). A escola deve ser considerada instrumento de luta das camadas populares pela compreensão e conscientização das realidades sociais na qual o aluno se insere. O processo de ensino-aprendizagem consiste em reflexão constante sobre o homem e a realidade social na qual ele vive. O professor deve ser um mediador num processo de interação (diálogo constante) com o aluno. Os métodos de ensino devem partir da prática social, através de situações problematizadoras e dialéticas. A avaliação consiste num instrumento de reflexão, comprovação de crescimento e reelaboração para novas possibilidades. Princípios básicos da dialética e coordenadas gerais para uma pedagogia dialética Tudo se relaciona: A relação Educação e Sociedade – a escola não é encarada como a agência poderosa capaz de redimir todos os males do mundo, muito menos como o comitê permanente das classes dominantes. É vista como um espaço de luta da sociedade. Tudo se transforma: A transformação da realidade educacional – cabe ao pensamento dialético refletir sobre as condições reais da escola a fim de compreender o “seu movimento”, tentando captar e influir sobre sua direção. Mudanças qualitativas: Mudanças qualitativas e educação – a pedagogia dialética jamais perde de vista seu papel na questão da transformação social. Mas considera a luta pedagógica apenas como um dos aspectos das lutas sociais globais. A função específica da escola consiste em promover a transmissão-compreensão dos conhecimentos e o desenvolvimento do senso crítico. Luta dos contrários: Luta dos contrários e educação – recebendo o saber dominante, as classes dominadas terão a chance de reelaborar criticamente este saber, contrastando-o com a realidade concreta de suas vidas. A escola está repleta de contradições internas que podem ser expostas e analisadas pelas forças progressistas. 11 Características básicas da Pedagogia Dialética Conceito de educação escolar: a escola é um lugar de conflitos e contradições que pode ser utilizado pelas forças progressistas em prol das transformações sociais. A luta pedagógica é um aspecto da luta social global. Em termos específicos, a educação escolar tem como função: promover a transmissão- compreensão de conteúdos extraídos do saber científico; desenvolver o senso crítico, questionando os conteúdos ideológicos. Valores cultivados na educação: a visão histórico-social do mundo; a solidariedade pelo fim da opressão social; a autonomia de consciência e o senso crítico; a liberdade historicamente situada e a responsabilidade como compromisso social pela emancipação popular. Centro do ato pedagógico: o professor e os alunos, em respeito recíproco. Principais métodos de ensino e de avaliação: exposição aberta, dialogada do professor; leitura crítica de textos; problematização de temas, etc. A avaliação dialética procura verificar as diversasfacetas do processo pedagógico, ocupando-se, por exemplo, da assimilação lógica dos conteúdos, do desenvolvimento de senso crítico, da criatividade, etc. Utilizando-se variadas formas de avaliação: prova escrita, dissertativa, interpretação de textos, dinâmica de grupos, seminários, etc. II - Síntese das características frente à prática tradicional Observe o quadro e destaque as características observadas na escola (seja a que atua ou a do seu filho, vizinho, a que está estagiando, enfim, a mais próxima). ESCOLA TRADICIONAL ESCOLA PROGRESSISTA Prevalece a hegemonia, a unidade absoluta; Heteronomia: as regras e normas são cumpridas servindo como instrumento de controle; Trabalha-se com a obrigação; Objetivos descontextualizados; Centrada na informação; Professor onisciente; A escola dita o ritmo, determina o espaço e tempo de aprendizado; Não há lugar para as diferenças – os diferentes são excluídos; O trabalho é padronizado, rígido; A interação indivíduo-realidade, por meio da ação, resulta em constantes transformações; Defende a ideia da autonomia, da liberdade e flexibilidade; da criatividade e da criticidade; Estimula-se a tomada de decisões e as escolhas; Objetivos reais, de acordo com as necessidades dos alunos; Centrada na formação; Exige preparo constante do professor; Considera o ritmo de aprender como fenômeno individual; Luta pela inclusão; O trabalho é diversificado, flexível; 12 Determina o ritmo, o que leva à reprovação; O conhecimento é concebido como um processo de acumulação de informações; O professor é o transmissor do conhecimento, quem detém o saber; O aluno é o recebedor, passivo; Os conhecimentos prévios do aluno não são considerados; Avaliação: fim em si mesmo, classificatória. A nota é instrumento de controle da aprendizagem e da disciplina; Prova: principal recurso avaliativo, vinculada à nota. Usada, muitas vezes como instrumento de ameaça, disciplinador, realiza-se em períodos pré- determinados; O erro é penalizado; Conselho de Classe: discute notas e o destino do aluno; A escola “molda” o aluno conforme seus princípios e sistema vigente. Respeita o ritmo individual, o que leva à aprovação; O conhecimento é concebido como um processo de sucessivas construções; O professor é o mediador, interage com o aluno; O aluno é o construtor; ativo; Articulação entre o conhecimento que o aluno traz e o conhecimento científico; Avaliação diagnóstica e formativa; A nota é referência para análise das produções; Avaliações diversificadas, sendo a prova um dos recursos para reflexão da aprendizagem; O erro faz parte do processo natural de construção do conhecimento; Conselho de Classe: procura analisar e interpretar a produção do aluno e do professor; A escola estimula a formação constante do aluno para atuar como cidadão participativo e transformador. 13 III - EPISTEMOLOGIA: AS TEORIAS DO CONHECIMENTO Do grego episteme, “ciência”, estudo do conhecimento científico do ponto de vista crítico, isto é, do seu valor; teoria do conhecimento. Informações Gerais - Homem ser racional, capaz de modificar seu ambiente para melhor adaptar-se. Possuidor da consciência reflexiva, é considerado Homo sapiens sapiens = homem que sabe que sabe; capaz de comunicar-se ainda enquanto bebê. Etapas do processo de comunicação: 1º gestos 2º fala 3º escrita - Sua consciência reflexiva, individual, torna-se coletiva, por meio da comunicação; - Possui personalidade, características próprias e individuais; - A aquisição do conhecimento acontece através da comunicação educativa (informal ou formal), pela instrução e pelo ensino. “(...) a realidade é vista como um problema no sentido em que passa a ser necessário investigar primeiro a respeito da origem do conhecimento (qual é a fonte do conhecimento?). Dessa indagação derivam duas linhas que permitem o exame a respeito do ato de conhecer: racionalismo e o empirismo. RACIONALISMO - Conceito teoria das ideias inatas (inato indica “o que nasce com o sujeito”); - Valoriza a razão ou o pensamento como fonte do conhecimento; - Principal representante: René Descartes (1596-1650); - Para Descartes, as ideias claras e distintas são ideias gerais que não derivam do particular, mas já se encontram no espírito, como instrumentos de fundamentação para a apreensão de outras verdades; - “São ideias inatas e, portanto, não estão sujeitas a erro, pois vem da razão, independentes das ideias que ‘vem de fora’, formadas pelos sentidos ou pela imaginação”. - “(...) A realidade está sempre primeiramente no espírito, isto é, no sujeito, e se apresenta na forma de ideias. (...)” - Assim, é a tendência que, diante dos pólos sujeito-objeto, privilegia o sujeito; 14 - “O inatismo, que se correlaciona com o racionalismo, coloca o centro da produção intelectual no próprio sujeito. O conhecimento ou é pré-formado nele ou é fruto primordialmente ou exclusivamente do seu pensamento”. - Para o racionalismo, o conhecimento já está na razão, bastando ser explicitado. Representação: O sujeito confere ao objeto o conhecimento que já possui (vem de dentro para fora). EMPIRISMO - Conceito termo cuja origem é a palavra grega empeiría, que significa experiência; - Considera o conhecimento como algo que vem de fora; - Principal representante: Locke (1632-1704) - “Para Locke, há duas fontes possíveis para nossas ideias: a sensação e a reflexão”; - “A sensação é o resultado da modificação feita na mente por meio dos sentidos, enquanto a reflexão é a percepção que a alma tem daquilo que nele ocorre”; - “Portanto, a reflexão se reduz apenas à experiência interna do resultado da experiência externa produzida pela sensação”; - Assim, a mente da criança é um tabula rasa (uma tábua que ainda não recebeu inscrições, nada contém: é passiva e receptiva); - O empirismo não despreza a razão, mas a subordina ao trabalho anterior da experiência; - O Positivismo de Comte, e o behaviorismo (de behaviour ou behavior, conduta) ou teoria comportamentalista e o princípio do condicionamento estímulo-resposta de Skinner (1904- 1990), são herdeiros do empirismo. - O empirismo vê a realidade exterior ao sujeito que aprende como a fonte de todas as suas explicações; - Ao longo da vida, o meio, a experiência, os estímulos vão depositando os conhecimentos na mente do sujeito. Representação Sujeito Objeto Sujeito Objeto 15 O sujeito recebe passivamente o conhecimento que vem do objeto, isto é, de fora para dentro, através das sensações ou experiências. Kant, no século XVIII, preocupou-se em buscar uma compreensão mais elaborada do problema relativo às posturas antagônicas das duas tendências: racionalista e empirista. Solução: a teoria interacionista. INTERACIONISMO - Conceito abordagem na qual o conhecimento é concebido como resultado da ação que se passa entre o sujeito e um objeto; - O conhecimento, portanto, resulta da interação entre sujeito – objeto; - Assim, no conhecimento de qualquer coisa, entram em ação duas classes de elementos: os que dependem do próprio objeto (a matéria do conhecimento) e os que dependem do sujeito (a forma do conhecimento). - O sujeito entra com a forma e o objeto com a matéria; - Os pólos sujeito-objeto, homem-mundo, professor-aluno, que se acham dicotomizados, nas perspectivas racionalista e empirista, encontram-se integrados, inter-relacionados, sem ênfase a um dos lados, já que ambos têm relevante importância no processo; - Na relação, tanto o sujeito, quanto o objeto, são ativos eindispensáveis; - As teorias pedagógicas cujos pressupostos epistemológicos pretendem superar o racionalismo e o empirismo são as conhecidas tendências interacionistas e construtivistas. Entre elas destacamos as inspiradas em Piaget, Paulo Freire, Vygotsky, Gramsci, Wallon e outros. Representação O sujeito e objeto constituem uma só estrutura pela interação recíproca. 16 PRESSUPOSTOS EPISTEMOLÓGICOS DA PRÁXIS PEDAGÓGICA Na fala de um professor a respeito do que ele considera importante fazer para que seu aluno aprenda de fato, é possível perceber a ligação intrínseca existente entre as questões epistemológicas analisadas e a sua práxis em sala de aula. Vejamos os exemplos para reflexão e discussão. 1. O bom professor deve preocupar-se com os pré-requisitos, a prontidão do aluno para o desenvolvimento da aprendizagem. 2. É importante que o professor transmita bem o conhecimento acumulado na cultura a que pertence. 3. O professor deve investigar o estágio de desenvolvimento intelectual do educando com o qual vai trabalhar, a fim de crias situações para que ele aprenda por si próprio. A ESPIRAL DO CONHECIMENTO Para Piaget, a inteligência é uma das formas que assumiu a adaptação do homem ao mundo exterior. Essa adaptação se dá de forma progressiva e resulta da equilibração majorante de estruturas que vão se constituindo ao longo do desenvolvimento. Este pode ser representado pela forma espiralar onde uma estrutura é sempre base de uma outra que a sucederá, bem como foi a ampliação de uma estrutura que antecedeu. Desde que o equilíbrio seja atingido num ponto, a estrutura é integrada num novo equilíbrio em formação, até chegar a um novo equilíbrio cada vez mais estável aberto ao infinito. Três tipos de conhecimento O trabalho de Piaget nos mostra como a criança, em virtude não só de seu amadurecimento, mas também da experiência com seu meio físico e social, chega gradualmente ao conhecimento lógico-matemático. Piaget distingue três tipos de conhecimentos: o conhecimento físico, o conhecimento lógico-matemático e o conhecimento social. O conhecimento físico O conhecimento físico é construído pela ação contínua da criança sobre os objetos de sua realidade. Essa construção se inicia logo após o nascimento, no estágio sensório-motor (0 a 2 anos), pelo contato com o meio por intermédio dos órgãos dos sentidos e da manipulação dos objetos. O conhecimento das propriedades dos objetos – sua cor, forma, tamanho, peso, material de que são feitos, etc. – constitui um conhecimento físico. Esse tipo de conhecimento resulta da abstração empírica ou abstração simples ou direta, isto é, da percepção que a criança vai tendo de algumas características do objeto, sem relacioná-las entre si. O conhecimento físico resulta da observação direta. 17 O conhecimento lógico-matemático Ao evoluir para estágios superiores (pré-operatório e operatório-concreto), a criança começará a “operar” sobre a realidade, isto é, a relacionar seus diversos elementos (tanto concretamente como mentalmente). Esse estabelecimento de relações entre os elementos da realidade, ou essas “operações” sobre os objetos, é resultante de um outro tipo de abstração: a abstração reflexiva. O ato de relacionar objetos por suas propriedades, comparando-os e agrupando-os, é um trabalho mental e abstração reflexiva (que é uma construção feita pela mente). Ambos os tipos de abstração são interdependentes. Não podemos realizar abstração reflexiva independente de construções feitas anteriormente pela criança. Entre dois objetos, por exemplo, podemos criar, por abstração reflexiva, relações tais como diferentes ou parecidos, mais leve mais pesado e iguais. Ao relacionarmos dois objetos, estamos criando, mentalmente, a “diferença” ou “semelhança” entre ambas. A “diferença” (ou a “semelhança”) não é diretamente observável; não existe nem em um objeto nem no outro. Essa relação entre os objetos é construída por abstração reflexiva, enquanto o conhecimento do peso, da cor e do tamanho dos objetos, por exemplo, é construído pela observação direta, ou abstração empírica (ou simples). A coordenação de relações entre os objetos nos possibilita o conhecimento lógico-matemático. Por exemplo, ao coordenar as relações de “igual”, “diferente” e “mais”, a criança se torna apta a deduzir que há mais contas no mundo que contas vermelhas e que há mais animais do que vacas. Da mesma forma, é coordenando a relação entre “dois” e “dois” que ela deduz que 2 + 2 = 4, e que 2 x 2 = 4. O conhecimento social O conhecimento social resulta das convenções construídas pelas pessoas. A principal característica do conhecimento social é que sua natureza é arbitrária, podendo ser ensinado por meio da transmissão social (pela linguagem). Por exemplo: devemos ficar de pé ao ouvirmos o hino nacional; geralmente os homens tiram o chapéu ao cumprimentarem as pessoas. Uma xícara é chamada de “xícara”; dia 25 de dezembro é o dia do Natal, etc. “As palavras um, dois, três, quatro são exemplos de conhecimentos social. Cada idioma tem um conjunto diferente de palavras que serve para o ato de contar. A ideia subjacente de número, contudo, pertence ao conhecimento lógico-matemático, que é universal”. O conhecimento lógico-matemático não pode ser ensinado diretamente, por meio da transmissão social ou pela linguagem. Cada criança tem que construí-lo por si mesma. Piaget: em busca de sujeitos ativos Sintetizando concepções empiristas e racionalistas, Jean Piaget tenta explicar o conhecimento como um processo de interação entre o que está fora do indivíduo e o que ocorre dentro dele. Do grego EPISTEME (Ciência) + LOGOS (Tratado) + IA: em sentido amplo, é a teoria do conhecimento e crítica do conhecimento e tem por objeto de estudo o problema do conhecimento, sua origem, sua natureza, seu valor e seus limites. ESQUEMAS: “São estruturas mentais com que os indivíduos intelectualmente se adaptam e organizam o ambiente”. ASSIMILAÇÃO: “Consiste em encaixar um novo objeto num esquema mental ou sensório motor já existente. É o processo cognitivo de colocar novos objetos em esquemas já existentes”. ACOMODAÇÃO: Atividade cognitiva que envolve a modificação dos esquemas para corresponderem aos objetos da realidade. Pessoa “forçada” a mudar ou criar novos esquemas para acomodar novos estímulos. 18 Por uma teoria do conhecimento O professor que utiliza os princípios de Piaget em seu trabalho considera o aluno como um sujeito ativo, capaz de estabelecer relações lógicas, isto é, capaz de pensar, raciocinar, construir internamente o seu conhecimento, o que requer experiências, vivencias, interação da criança com tudo aquilo que ela deseja conhecer. Suas ações devem estar voltadas para a necessidade lógica de antecipar ideias (formular hipóteses), comparar, comprovar percepções, tirar conclusões. Para isso, não basta manipular objetos! Além da experiência com o concreto, é preciso que a criança pense sobre suas ações, estabeleça relações lógicas. Ao seriar, classificar ou agrupar objeto, por exemplo, ela pode ser incentivada a explicar como pensou, o que fez, o que aconteceu. Assim a prática construtivista está voltada para a operatividade do aluno, isto é, para o desenvolvimento de seu raciocínio. É o mecanismo por meio do qual o sujeito incorpora um conhecimento novo a seus conhecimentos anteriores, utilizando-se de esquemas mentais já construídos e que vão sendo modificados pela assimilação de novos conhecimentos. Ao interagir com um novo objeto do conhecimento, o indivíduo modifica-se, acomodando suas estruturas, isto é, transforma conceitualmente os objetos e transforma a si mesmo (porque altera seu esquema mental). Uma criança que ainda não sabe ler, por exemplo, aointeragir com textos não discrimina os sinais gráficos. Todos lhe parecem iguais, ela não relaciona os símbolos com a fala. Conforme vai assimilando percepções e estabelecendo relações lógicas, porém, começa a ver o texto de forma diferente. Agora, o significado do texto é outro, isto é, o objeto foi modificado em seu ponto de vista, e a criança também se modificou, porque tem um novo esquema mental em relação a ele. Já é capaz de estabelecer relações entre sinais gráficos e sons da fala, já dar significado ao texto – já sabe ler. Importância da psicogênese Para chegar a esse processo de adaptação em relação ao conhecimento do texto, a criança passa por muitos momentos de dúvida, incerteza, confusão – momentos que Piaget define como conflitos. A psicogênese serve como ponto de partida, como indicador de interferências e mediações do professor, e não para classificar crianças segundo sua capacidade de desempenho, centrando o trabalho pedagógico quase exclusivamente no desenvolvimento intelectual. Uma preocupação excessiva com o cognitivo, com o crescimento individual do sujeito, pode desqualificar aspectos fundamentais como a afetividade, a criatividade, o desejo, o prazer, a fantasia e a necessária relação do conhecimento com o contexto sociocultural do sujeito A teoria de Piaget oferece ao professor uma compreensão do processo de formação do conhecimento científico e dos limites e possibilidades individuais da criança, mas é preciso levar em conta que as condições de vida, a cultura e o meio social também interferem na forma de perceber e de interpretar a realidade e, portanto, na relação com o conhecimento. 19 ESPIRAL DO CONHECIMENTO Do ponto de vista piagetiano, o desenvolvimento intelectual pode ser compreendido como o processo pelo qual as estruturas da inteligência se constroem, progressivamente, pela contínua interação entre o sujeito e o mundo exterior. Conceitualmente, o desenvolvimento intelectual é subdividido em estágios. Um estágio corresponde a um nível de equilíbrio alcançado pela inteligência. Nunca é um nível estático, mas em evolução, em mudança. Por isso, embora os estágios obedeçam a uma ordem sequencial psicologicamente necessária, o aparecimento imediato das estruturas anteriores. Um novo conjunto de estruturas da inteligência tem sempre um caráter integrativo, ou seja, novas estruturas são preparadas por aquelas que as precedem e se integram às que as sucedem. Estruturas dos esquemas sensório-motores são seguidas pelas estruturas pré-operatórias ou intuitivas, que por sua vez são seguidas pelas estruturas operatórias concretas ou lógico-matemáticas e depois pelas operatórias formais. A evolução cognitiva se dá por meio de equilibrações, que resultam dos processos de assimilação, acomodação e adaptação. Para Piaget, a inteligência é uma das formas que assumiu a adaptação do homem ao mundo exterior. Essa adaptação se dá de forma progressiva e resulta da equilibração majorante de estruturas que vão se constituindo ao longo do desenvolvimento. Este pode ser representado pela forma espiralar onde uma estrutura é sempre base de uma outra que a sucederá, bem como foi a ampliação de uma estrutura que antecedeu. Desde que o equilíbrio seja atingido num ponto, a estrutura é integrada num novo equilíbrio em formação, até chegar a um novo equilíbrio cada vez mais estável aberto ao infinito. OS ESTÁGIOS DE PIAGET Estágio da inteligência Sensório: motora (o a 2 anos) Estágio Pré - operatório (2 aos 7 anos) Estágio da inteligência Operatória: concreta (2 a 11/12 anos) Estágio da inteligência Formal (a partir de 12 anos) Cada estrutura anterior serve de base para a posterior: Evolução Cognitiva = Equilibrações = Processos de Assimilação, Acomodação e Adaptação. Dúvida, incerteza, confusão = CONFLITOS. Para chegar ao processo de adaptação a criança passa por momentos de conflitos. 20 Período sensório– motor (0 a 2 anos) A conduta da criança, ao nascer, é determinada hereditariamente. A criança desenvolve os reflexos inatos por meio de exercícios funcionais, que são exercícios de repetição de seus atos. Ao interagir com o objeto a criança assimila sua própria reação e não o objeto como tal. Representa a situação em atos. Por meio da ação a criança se refere aos acontecimentos, recorda-os e pode reproduzi-los. O universo que inicialmente está centrado no corpo e na ação vai sendo descentrado de tal forma que a criança acaba por situar-se como um objeto entre os outros, num universo de objetos permanentes. Período pré-operatório (2 a 7 anos) Neste período, a criança reconstrói conceitualmente tudo o que construiu como ação no período anterior. Representação dos objetos ausentes pode ocorrer por meio de significantes. De 2 aos 7 anos, o pensamento da criança é egocêntrico. As crianças pré-operatórias permanecem centradas em seu ponto de vista, incapazes ainda de considerar o ponto de vista do outro. A capacidade de representação se manifesta por meio de diferentes formas de expressão. Ao final do estágio pré-operatório, a criança começa a querer checar seu simbolismo que permite a transição para o pensamento operatório. Permanece as características do egocentrismo como o animismo, antificialismo e o finalismo. Período operatório-concreto (7 a 12 anos) Diminuição do egocentrismo intelectual. Manifestação do pensamento lógico. Realidade passa a ser estruturada pela razão. Necessidade de explicar logicamente suas ideias e ações. Fantasia é substituída por atitude mais crítica. O exercício de operações mentais já pode ser realizado. A criança ainda não é capaz de raciocinar baseando-se apenas em hipóteses ou enunciados verbais. Cognitivo operação pode ser invertida, o que implica noção de conservação ou invariância. Julgamento deixa de ser dependente da percepção e se torna conceitual. Criança relaciona as informações que recebe, toma consciência de seu próprio pensamento em comparação com os pensamentos alheios. Corrige ou modifica seu pensamento pelo processo de acomodação e assimilação do pensamento de outras pessoas. Jogo simbólico é substituído pelos jogos construtivos e pelos jogos baseados em regras. 21 Período operatório-formal (a partir de 12 anos) Consegue entender o poder do pensamento. Torna-se capaz de raciocinar sobre a realidade sem o concreto. O adolescente pensa no passado e no futuro a partir de preposições verbais. Não fixa apenas no imediato, presente. Consegue formar esquemas conceituais abstratos e relacioná-los de modo lógico. (noções, justiça, teoria, democracia) Aprende a lidar com as incertezas e a reestruturação constante do conhecimento. Sobre os estágios de Piaget... Os estágios de desenvolvimento, segundo Piaget, são os mesmos para todos os indivíduos e ocorrem sempre na mesma ordem. Em cada estágio o mais importante são os esquemas mentais já adquiridos, e não a idade cronológica da criança. Todas as estruturas construídas em um estágio vão integrar as estruturas do estágio seguinte. Assim, um estágio não é isolado do outro nem é totalmente diferente dele. Cada estágio representa um nível já alcançado, mas também é uma preparação para o estágio seguinte. Há uma continuidade entre os estágios, isto é, sempre parte do processo de desenvolvimento, e essa progressão ocorre por meio da equilibração, resultante dos processos de assimilação, acomodação e adaptação. Ajudando o desenvolvimento do aluno - Brincadeira de casinha: estímulo aos alunos na idade da representação. A obra de Piaget leva à conclusão de que o trabalho de educar crianças não se refere tanto à transmissão de conteúdos quanto a favorecer a atividade mental do aluno. Conhecer sua obra, portanto,pode ajudar o professor a tornar seu trabalho mais eficiente. Algumas escolas planejam as suas atividades de acordo com os estágios do desenvolvimento cognitivo. Nas classes de Educação Infantil com crianças entre 2 e 3 anos, por exemplo, não é difícil perceber que elas estão em plena descoberta da representação. Começam a brincar de ser outra pessoa, com imitação das atividades vistas em casa e dos personagens das histórias. A escola fará bem em dar vazão a isso promovendo uma ampliação do repertório de referências. Mas é importante lembrar que os modelos teóricos são sempre parciais e que, no caso de Piaget em particular, não existem receitas para a sala de aula. 22 Jean Piaget (1896 – 1980) Jean Piaget nasceu na Suíça, em 1896. Em sua infância e adolescência demonstrou uma rara precocidade intelectual. Graduou-se em Ciências Naturais, pelas quais mostrava grande interesse desde pequenino, mas lia também sobre outros assuntos: Sociologia, Religião e Filosofia. Durante suas leituras sobre Filosofia, Piaget interessou-se pelo estudo de como o conhecimento é adquirido (Epistemologia). Decidiu, então, entrar no mundo da Psicologia. Com esse fim, deixou a Suíça e procurou diversos laboratórios, clínicas e universidades da Europa. Nessa época trabalhou em Paris, no laboratório de Binet, onde aplicava testes de inteligência em crianças das escolas públicas. Ele se sentia fascinado não com as respostas corretas que as crianças davam aos testes propostos, mas com as respostas incorretas. Estudou obstinadamente as respostas incorretas na esperança de aprender sobre a extensão e a profundidade das ideias e dos processos mentais infantis. O objetivo de Piaget era compreender como as crianças de várias idades obtêm o conhecimento do mundo a seu redor. Descobrir como elas adquirem conhecimento tornou-se, para ele, o trabalho de sua vida inteira. Mais tarde, de novo na Suíça, anotou minuciosamente o crescimento mental de seus filhos: Jacqueline, Laurent, Lucienne. Essas observações, cuidadosamente interpretadas, constituem suas obras. O nascimento da inteligência na criança (1936) e A construção do real na criança (1937). Piaget publicou inúmeros livros e artigos sobre o desenvolvimento cognitivo da criança. Seu trabalho foi muito influenciado pela sua formação em Ciências Naturais. Para Piaget, a habilidade de pensar resulta de uma base filosófica. A criança nasce biologicamente equipada para realizar uma grande variedade de respostas motoras, que constituem a armação para os posteriores processos de pensamento. Até seu falecimento, em setembro de 1980, Piaget se manteve trabalhando ativamente. Sua pesquisa não visava diretamente servir de base à educação. Sua principal finalidade era descobrir como o homem adquire conhecimento. Por isso, dizemos que a principal finalidade das pesquisas de Piaget era epistemológica e não educacional. Mesmo assim, os educadores têm encontrado, nas descobertas de Piaget, muitos ensinamentos valiosos para seu trabalho. O grupo de colaboradores de Piaget, conhecido como a Escola de Genebra, continua ainda suas pesquisas. Mesmo fora da Suíça, a teoria de Piaget tem servido de inspiração tanto a pesquisas como a trabalhos na área da educação. 23 V - VYGOTSKY: O Teórico Social da Inteligência 2 A obra do psicólogo russo que ressaltou o papel da sociedade no processo de aprendizado ganha destaque com as comemorações do centenário de seu nascimento e a expansão do socioconstrutivismo. No interior da Rússia pós-revolucionária, nos anos 20, um professor de ginásio que amava as artes se fazia uma pergunta fundamental: como o homem cria cultura? Dono de uma inteligência brilhante, ele buscou a resposta na Psicologia e acabou por elaborar uma teoria do desenvolvimento intelectual, sustentando que todo conhecimento é construído socialmente, no âmbito das relações humanas. O nome do professor era Lev Vygotsky e sua obra é hoje a fonte de inspiração do socioconstrutivismo, uma tendência cada vez mais presente no debate educacional. A repercussão que o pensamento de Vygotsky vem obtendo possui a força de uma redescoberta. Nascido há um século, morreu em 1934, aos 37 anos. Sua obra enfrentou décadas de silêncio imposto pelo regime stalinista. Apenas em meados dos anos 60 seus livros chegaram ao Ocidente. Só então o psicólogo suíço Jean Piaget (1896-1980), lamentando que os dois não tivessem se conhecido, leu e comentou os elogios e as críticas que Vygotsky lhe fizera em 1932. Natureza social No Brasil, Vygotsky é estudado há pouco mais de uma década. Segundo a pedagoga Maria Teresa Freitas, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFMG), que pesquisou a difusão do trabalho dele por aqui, suas ideias chegaram no fim dos anos 70, trazidas por estudiosos que as conheceram no exterior. Mas sua obra só começou a ser divulgada, de fato, nos anos 80, ao mesmo tempo em que a linha educacional construtivista se expandia, impulsionada pela psicóloga Argentina Emília Ferreiro, discípula de Piaget. Embora não tenha elaborado uma pedagogia, Vygotsky deixou ideias sugestivas para a educação. Atento à “natureza social” do ser humano, que desde o berço vive rodeado por seus pares em um ambiente impregnado pela cultura, defendeu que o próprio desenvolvimento da inteligência é produto dessa convivência. Para ele “na ausência do outro, o homem não se constrói homem”. Conhecimento é sempre intermediado Para Vygotsky, a vivência em sociedade é essencial para a transformação do homem de ser biológico em ser humano. É pela APRENDIZAGEM nas relações com os outros que construímos os conhecimentos que permitem nosso desenvolvimento mental. Segundo o psicólogo, a criança nasce dotada apenas de FUNÇÕES PSICOLÓGICAS ELEMENTARES, como os reflexos e a atenção involuntária, presentes em todos os animais mais desenvolvidos. Com o aprendizado cultural, no entanto, parte dessas funções básicas transforma-se em FUNÇÕES PSICOLÓGICAS SUPERIORES, como a consciência, o planejamento e a deliberação, características exclusivas do homem. 2 KOLL, Marta de Oliveira. Vygotsky: Aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 2010. 24 Essa evolução acontece pela elaboração das informações recebidas do meio. Com um detalhe importantíssimo, ressaltado pela psicóloga Cláudia Davis, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP): “As informações nunca são absorvidas diretamente do meio. São sempre intermediadas, explícita ou implicitamente, pelas pessoas que rodeiam a criança, carregando significados sociais e históricos”. Isso não significa que o indivíduo seja como um espelho, apenas refletindo o que aprende. “As informações intermediadas são reelaboradas numa espécie de linguagem interna”. Explica o pedagogo João Carlos Martins, diretor pedagógico do Colégio São Domingos, de São Paulo. “É isso que caracterizará a individualidade”. Por isso a linguagem é duplamente importante para Vygotsky. Além de ser o principal instrumento de intermediação do conhecimento entre os seres humanos, ela tem relação direta com o próprio desenvolvimento psicológico. Maria Teresa Freitas resume: “Nenhum conhecimento é construído pela pessoa sozinha, mas sim em parceria com as outras, que são os mediadores”. Aprendizado é contínuo Segundo Vygotsky, a evolução intelectual é caracterizada por saltos qualitativos de um nível de conhecimento para outro. A fim de explicar esse processo, ele desenvolveu o conceito de zona de desenvolvimento proximal, que definiu como a “distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboraçãocom companheiros mais capazes”. Trocando em miúdos, Cláudia Davis diz: “A zona proximal é a que separa a pessoa de um desenvolvimento que está próximo, mas ainda não foi alcançado”. Desenvolvimento Real - É determinado por aquilo que a criança é capaz de fazer sozinha porque já tem um conhecimento consolidado. Se domina a adição, por exemplo, esse é um nível de desenvolvimento real. Zona de desenvolvimento proximal - É a distância entre o desenvolvimento real e o potencial, que está próximo mais ainda não foi atingido. O mediador - É quem ajuda a criança a concretizar um desenvolvimento que ela ainda não atinge sozinha. Na escola, o professor e os colegas com mais experiências são os principais mediadores. Desenvolvimento Potencial - É determinado por aquilo que a criança ainda não domina, mas é capaz de realizar com auxílio de alguém mais experiente. Por exemplo, uma multiplicação simples, quando ela já sabe somar. 25 Por que o nome socioconstrutivismo? Esse termo (ou, como preferem alguns especialistas, sociointeracionismo) é usado para fazer distinção entre a corrente teórica de Vygotsky e o construtivismo de Jean Piaget. Segundo Maria Teresa, ambos são construtivistas em suas concepções do desenvolvimento intelectual. Ou seja, sustentam que a inteligência é construída a partir das relações recíprocas do homem com o meio. Os dois se opõem tanto à teoria empirista (para a qual a evolução da inteligência é produto apenas da ação do meio sobre o indivíduo) quanto à concepção racionalista (que parte do princípio de que já nascemos com a inteligência pré-formada). Para o ser humano, segundo Vygotsky, o meio é sempre revestido de significados culturais. Por exemplo, o objeto armário (meio) não tem sentido em si Só tem o sentido (cultural) que lhe damos, como ser útil ou inútil, valioso ou não, rústico ou sofisticado e assim por diante. E os significados culturais só são aprendidos com a participação dos mediadores. O fator cultural, básico para Vygotsky, e pouco enfatizado por Piaget, é a diferença central entre os dois teóricos construtivistas. Ambos divergem também quanto à sequência dos processos de APRENDIZAGEM e de DESENVOLVIMENTO MENTAL. Para Vygotsky, é o primeiro que gera o segundo. Em suas palavras. “O aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis”. Piaget, ao contrário, defende que é o desenvolvimento progressivo das estruturas intelectuais que nos torna capazes de aprender (fases pré-operatória ou lógico-formal). A escola é inútil se fica só no que o aluno sabe Além do fato de ser professor, a preocupação de Vygotsky com a educação tinha também motivos políticos, pois era um de seus compromissos revolucionários. “Ele queria acelerar, pela educação, o desenvolvimento da Rússia, então atrasada e iletrada”, comenta Cláudia Davis. Coerentemente, sua teoria explica a evolução intelectual como um processo constante que pode ser impulsionado também com a ajuda externa. “Nessa perspectiva, a educação não fica à espera do desenvolvimento intelectual da criança”, diz João Carlos. “Ao contrário, sua função é levar o aluno adiante, pois quanto mais ele aprende, mais se desenvolve mentalmente”. Segundo Vygotsky, essa demanda por desenvolvimento é característica das crianças. Se elas próprias fazem da brincadeira um exercício de ser o que ainda não são, a escola que se limita ao que elas já sabem é inútil. Priorizando as interações entre os próprios alunos e deles com o professor, o objetivo da escola, então, é fazer com que os CONCEITOS ESPONTÂNEOS, que as crianças desenvolvem na convivência social, evoluam para o nível dos CONCEITOS CIENTÍFICOS. “Nesse sentido, o educador assume o papel de mediador privilegiado na formação do conhecimento”, explica Cláudia. O Professor conduz o aprendizado: O educador vygotskyano desempenha um papel ativo dentro da classe As posições de Vygotsky sobre o papel da escola e dos educadores são a base das principais diferenças pedagógicas e didáticas entre o socioconstrutivismo e o construtivismo de inspiração piagetiana. Pouco preocupados com fases do desenvolvimento mental, os vygotskyanos propõem uma jessi Destacar 26 escola que “puxe pelo aluno, que o faça avançar. E traçam claramente o papel do professor como condutor do processo”. Já no construtivismo, o educador tem uma atuação mais discreta, agindo principalmente como um animador e apresentador de contraexemplos para as descobertas que os alunos realizam à medida que atingem as sucessivas fases de desenvolvimento. Algumas distinções entre as duas correntes já foram bem mais claras, principalmente nos anos 80, época da rápida difusão das ideias construtivistas. É que, num processo quase inevitável na popularização de teorias complexas, muitas interpretações simplistas, que não podem ser atribuídas a Piaget ou Emília Ferreiro, acabaram aparecendo como princípios construtivistas. Isso resultou numa visão de que a construção do conhecimento é um processo isolado e espontâneo por parte da criança. O amadurecimento do construtivismo, mas também a crítica socioconstrutivista, contribuíram para uma correção de rumos em vários desses aspectos. Como a Teoria é aplicada na sala de aula: Alguns exemplos de práticas didáticas baseadas nos estudos vygotskyanos Alfabetização: Não se pauta por fases (como pré-silábica ou silábica, que orientam o construtivismo). O objetivo é ampliar o universo de expressões da criança para facilitar a incorporação da escrita. A ênfase é na elaboração da fala, da escrita e da leitura como instrumentos simbólicos que repercutem no desenvolvimento mental. Cópia: O aluno deve contar com um ponto de partida para realizar suas próprias descobertas. Nesse sentido o oferecimento de modelos de texto, por exemplo, é uma estratégia válida – desde que resulte numa atividade criativa, não numa cópia mecânica. O construtivismo rígido exclui o trabalho com cópias. O erro: Faz parte do processo de aprendizado, mas o professor deve apontá-lo sempre para que a criança corrija. “Não se pode esperar que o aluno descubra sozinho que errou”, diz João Carlos. O construtivismo também faz correções, mas sempre considerando o desenvolvimento da criança. Papel do professor: Ele é o condutor do processo, atuando na zona de desenvolvimento proximal. Sua intervenção é direta, pois deve ajudar a criança a avançar. “Os alunos acham muitas coisas, mas não podem ficar no achismo”, diz João Carlos. O professor sabe mais e deve sistematizar os conhecimentos. Prática investe nas parcerias: Trabalhos em pequenos grupos facilitam o aprendizado, mas cabe ao educador acompanhar individualmente o aluno No colégio São Domingos, da rede particular, a orientação socioconstrutivista não determina uma didática rígida. “Vygotsky não dá receitas, mas propõe reflexões que orientam algumas práticas”, diz o diretor pedagógico João Carlos Martins. O objetivo geral é promover as intermediações do conhecimento e estimular o avanço do aluno. Os conteúdos valorizam o universo social e histórico da criança, buscando- se a transformação de seus conceitos espontâneos em conceitos científicos. Veja alguns exemplos de atividades desenvolvidas na escola. 27 Trabalho em duplas O professor explica um assunto e os alunos fazem discussões ou trabalhos em pequenos grupos. O tamanho reduzido das equipes amplia as interações, facilitando o processo de aprendizado. Essas equipes podem ser formadas espontaneamente, mas podem também ser determinadas pelo professor. “O que se busca é exatamente o confronto de diferenças que levem a novas descobertas”, diz João Carlos. “Não se trata de fazer trabalho em grupo para que todo mundo pense igual e produza a mesma coisa”. Outro aspecto positivo do estudo em parcerias é o estímuloà autonomia. “Em cada trabalho com seus colegas os alunos caminham claramente de um nível de alta dependência do professor para a completa independência na formulação de hipóteses”, afirma o direto. Assistência individual O professor acompanha cada aluno para auxiliá-lo na superação de dificuldades. “É quando se trabalha diretamente com o conceito de desenvolvimento proximal”, explica João Carlos. “O professor precisa conhecer o desenvolvimento real da criança, mas não pode parar aí”. É pelo auxílio direto, com explicações, pistas e sugestões, que o aluno avança, consolidando o desenvolvimento que era apenas potencial. No trabalho individual de cada um, pois ela não é homogênea para todo o grupo. Atividade de linguagem Se a linguagem é o principal instrumento de intermediação do conhecimento de intermediação do conhecimento e corresponde ao desenvolvimento de uma linguagem interna, as atividades de fala, escrita e leitura ganham a maior importância. Os professores buscam então diversificar técnicas que enfatizem essas ações. Uma delas são os textos sugeridos, em que o professor desafia o aluno a escrever a partir de diferentes modelos. “Pela análise das características estruturais de um texto, as crianças devem criar suas histórias seguindo aquele padrão”, diz João Carlos. Mas os textos livres também são estimulados. Outra atividade é a roda da leitura, em que as crianças debatem suas interpretações. Uma das estratégias é o “conto e reconto”, em que os estudantes ouvem uma história e devem recontá-la do seu ponto de vista. Grande obra numa vida curta Tuberculose interrompeu trabalho iniciado com estudos multidisciplinares Quando Vygotsky era adolescente, seus colegas o chamavam de “o pequeno professor”, pois ele já gostava dos estudos intelectuais que marcariam sua vida. Conheça um pouco de sua trajetória. 1896 - Nasceu em 17 de novembro em Orsha, mas cresceu em Gomel. Desde cedo mostrou-se apaixonado por Teatro, Literatura, Poesia e Filosofia. Estudou Francês, Alemão, Inglês, Hebraico, Latim e Grego. Teve um tutor particular até entrar na escola, para fazer o curso secundário, graduando-se com medalha de ouro. 1914: Matriculou-se em Medicina na Universidade de Moscou, mas acabou cursando Direito. Paralelamente, estudou Filosofia, Psicologia, Literatura e História na Universidade Popular de Shanyavskii. 1917: Formado voltou a Gomel. Lecionou Literatura, Estética e História da Arte e fundou um laboratório de Psicologia na Escola de Professores local. 28 1924: Casou-se com Rosa Smekhova, com quem teve duas filhas. Apresentando-se de improviso no Congresso Panrusso de Psiconeurologia, foi convidado a trabalhar no Instituto de Psicologia de Moscou, onde uniu-se a Aleksandr Luria (1902-1977) e Aleksei Leontiev (1904-1979), seus principais colaboradores. 1925: Conclui A Psicologia da Arte, tese baseada em Hamiet, de Shakespeare. Já com tuberculose, iniciou um período de intensa produção de conferências, textos e pesquisas, principalmente com crianças portadoras de deficiências visuais e auditivas. 1927: Seu interesse pela arte mantinha-o afinado com intelectuais russos. Entre seus admiradores estava, por exemplo, o cineasta Sergel Eisenstein (1898-1948), que o considerava “um dos psicólogos mais brilhantes de nossa era, capaz de ver o mundo com claridade celestial”. 1932: Prefaciou a tradução russa de A Linguagem e o Pensamento da Criança de Jean Piaget, de 1923. O texto integra seu livro póstumo Pensamento e Linguagem. 1934: Morreu em 11 de junho, vítima da tuberculose. 1936: Acusada de “idealista” por Josel Stalin (1879-1953), sua obra foi proibida por vinte anos. Bibliografia é extensa: A obra de Vygotsky, que reúne cerca de setenta textos, só voltou a ser publicada na antiga URSS em 1956, mesmo assim parcialmente. Atualmente prepara-se a edição integral de todos os seus trabalhos. Além de dois de seus principais livros, o mercado brasileiro dispõe de dezenas de títulos, nacionais e estrangeiros, a respeito de suas teorias. Indicações bibliográficas - A Formação Social da Mente, Lev Vygotsky, Martins Fontes, - Pensamento e Linguagem, Lev Vygotsky, Martins Fontes. - Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem, Vygotsky, Luria e Leontiev, Ícone Editora e Editora da USP. - A Linguagem e o Outro no Espaço Escolar – Vygotsky e a Construção do Conhecimento, Ana Smolka e Maria Cecília Góes, Papirus. - O Pensamento de Vygotsky e Bakhtim no Brasil, Maria Teresa de Assunção Freitas, Papirus. - Psicologia na Educação, Cláudia Davis e Zilma Oliveria, Cortez. - Vygotsky: Aprendizado e Desenvolvimento – Um processo Sócio-Histórico, Marta Kohl de Oliveira, Scipione. - Vygotsky e a Educação, Luis Moll, Artes Médicas. - Vygotsky – Uma Perspectiva Histórico-Cultural da Educação, Teresa Cristina Rego. Vozes. - Vygotsky – Uma Síntese, René Van Der Veer e Jaan Valsiner. 29 2020/02 Disciplina - Didática - Parte II Curso de Pedagogia Professora: Sandra Lúcia Magri Material de estudos organizado por: Sandra Lúcia Magri: professora do Curso de Pedagogia - Instituto Superior de Educação “Dona Itália Franco” UEMG- Barbacena – MG UEMG – Barbacena – 2020/2 30 I - O FAZER DIDÁTICO A ação didática constitui um conjunto de atividades destinadas a dirigir e orientar o processo de aprendizagem. Para o bom desempenho de sua função é necessário que o professor conheça: a quem ensina (alunos); o que ensina (conteúdo); para que ensina (objetivos); como ensina (procedimentos e recursos metodológicos). O ciclo docente divide-se em três etapas: planejamento, execução e avaliação. “Planejar significa definir que, como e para que realizar determinada atividade”. A atividade prevista será provocadora de conflitos, de desequilíbrio, caracterizando-se como desafio cognitivo. Será a mediação do propósito educativo, a relação estabelecida entre sujeito cognoscente (o aluno) e objeto conceitual (o conteúdo). No âmbito escolar, o planejamento está relacionado à organização do trabalho pedagógico, pois se refere “aos princípios e procedimentos relacionados à ação de planejar o trabalho da escola, racionalizar o uso de recursos (materiais, financeiros e intelectuais) e coordenar e avaliar o trabalho das pessoas, tendo em vista a consecução de objetivos” (LIBÂNEO, 2003) Ao mesmo tempo, o planejamento precisa corresponder aos documentos que orientam a prática escolar, como as propostas curriculares3 dos estados, os projetos político-pedagógicos, os RCNs4 e os PCNs5. Assim, todo professor precisa tomar conhecimento desses documentos orientadores para planejar e organizar suas atividades e prática docente. A leitura desses documentos pode revelar aspectos passíveis de crítica, os quais podem nortear reflexões e discussões. Há atualmente uma tentativa de ampliar o conceito de conteúdo e passar a usá-lo para tudo quanto se tem que aprender, não apenas as capacidades cognitivas, como também as demais capacidades. Pode-se assim incluir de forma explícita nos programas o que antes estava apenas no currículo oculto. (ZABALA, 1998) Conteúdos = conhecimentos, habilidades, hábitos, valores e atitudes, organizados pedagógica e didaticamente. Revisão do conceito de conteúdo ampliando-o para todas as capacidades além da cognitiva (Zabala, 1998). Planejar é organizar, sistematizar a ação docente mediadora da interação S – O (Sujeito – objeto conceitual). Para organizar, sistematizar, executar e avaliar a ação docente, o professor precisa: 1. Conhecer o aluno em seus aspectos cognitivo, afetivo e social, isto é, entender como o aluno aprende, o que pensa e sente, como vê e se coloca no mundo; 2. Conhecer o objeto conceitual, suas relações e inter-relações; 3. Estabelecer princípios de organização grupal
Compartilhar