Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 ALFABETIZAÇÃO -TEORIA E PROCESSO DE APRENDIZAGEM- MÓDULO II 2 ALFABETIZAÇÃO -TEORIA E PROCESSO DE APRENDIZAGEM- MÓDULO II 3 Sumário ESCOLA E PRÁTICA PEDAGÓGICA ......................................................................... 5 A TENDÊNCIA ESCOLA NOVA ................................................................................ 15 A TENDÊNCIA LIBERAL TECNICISTA .................................................................... 17 PEDAGOGIA PROGRESSISTA E CONSTRUTIVISMO ........................................... 19 A PEDAGOGIA PROGRESSISTA: EDUCAR PARA TRANSFORMAR .................... 20 PEDAGOGIA LIBERTADORA ................................................................................... 20 PEDAGOGIA LIBERTÁRIA ....................................................................................... 22 PEDAGOGIA CRÍTICO-SOCIAL DOS CONTEÚDOS .............................................. 23 TEÓRICOS ................................................................................................................ 26 O MÉTODO NATURAL ............................................................................................. 28 Texto livre .................................................................................................................. 32 Livro da vida .............................................................................................................. 32 A Aprendizagem ........................................................................................................ 52 CONSTRUTIVISMO .................................................................................................. 55 O Método de Paulo Freire ......................................................................................... 61 Algumas fases do método de Paulo Freire ................................................................ 62 A realidade em foco................................................................................................... 64 HENRI WALLON E A PSICOGÊNESE DA PESSOA COMPLETA ........................... 64 Vida e Obra de Henri Wallon ..................................................................................... 65 Psicogênese a Pessoa Completa .............................................................................. 65 O desenvolvimento do organismo ............................................................................. 66 Teoria da Emoção ..................................................................................................... 69 ARTICULANDO AS TEORIAS .................................................................................. 74 EVOLUÇÃO DA ESCRITA E DA LEITURA ............................................................... 76 Consequências Pedagógicas da Teoria de Emília Ferreiro ....................................... 78 Inteligência na Perspectiva de Howard Gardner ....................................................... 79 O desenvolvimento das inteligências ........................................................................ 84 EDUCAÇÃO PARA AS COMPETÊNCIAS – PHILIPPE PERRENOUD .................... 86 ARTICULANDO AS TEORIAS – UMA QUESTÃO DE MÉTODO ............................. 89 AS CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS ........................................................................... 89 As contribuições de Lev Vygotsky ............................................................................. 89 As contribuições de Jean Piaget ............................................................................... 92 4 As contribuições de Wallon ....................................................................................... 94 As contribuições de Perrenoud ................................................................................. 96 As contribuições de Howard Gardner ........................................................................ 97 DIVERGÊNCIAS E APROXIMAÇÕES ENTRE OS TEÓRICOS ............................... 99 Uma Questão de Método ........................................................................................ 103 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 108 5 ESCOLA E PRÁTICA PEDAGÓGICA Do ponto de vista prático, trata-se de retomar vigorosamente a luta contra a seletividade, a discriminação e o rebaixamento do ensino das camadas populares. Lutar contra a marginalidade, por meio da escola, significa engajar-se no esforço para garantir aos trabalhadores um ensino da melhor qualidade possível nas condições históricas atuais. O papel de uma teoria crítica da educação é dar substância concreta a essa bandeira de luta, de modo a evitar que ela seja apropriada e articulada com os interesses dominantes (SAVIANI, 1987). Na prática pedagógica deve-se desenvolver uma reflexão sobre a educação e identificar algumas das práticas que envolvem o processo de ensino e aprendizagem, assim como a construção do conhecimento, nos espaços formais e informais da educação. Não podemos deixar de lado nossa preocupação com a Educação Infantil; para tanto, é fundamental fazermos algumas observações sobre a prática pedagógica neste campo da educação. REFLEXÃO INICIAL A prática pedagógica é um dos elementos fundamentais na educação, contudo, não podemos resumi-Ia a partir de uma única concepção, muito pelo contrário, existem várias concepções da aprendizagem, teorias epistemológicas, 6 entendimentos sobre a educação que, de alguma maneira, embasam as diversas formas de práticas pedagógicas. Levando em consideração o que afirmamos anteriormente, é necessário buscar responder alguns questionamentos: Quais as práticas pedagógicas que você utiliza enquanto educador? Como se dá a construção das práticas pedagógicas? Qual a relação que podemos estabelecer entre as práticas pedagógicas e as teorias da aprendizagem? Podemos dizer que existe uma prática pedagógica específica da Educação Infantil? A PRÁTICA PEDAGÓGICA: COMO FAZER A EDUCAÇÃO Um dos grandes papéis da educação na atualidade é de efetivar-se enquanto instrumento fundamental de transformação da sociedade; isto é, a educação, por meio de suas ações, pode possibilitar a mudança das pessoas, dos grupos, das instituições em que está inserida. Dessa forma, não podemos conceber a educação como uma ação imobilizadora, muito pelo contrário, deve ser entendida em sua plena função mobilizadora, dinâmica, construtora de uma sociedade mais cidadã, em uma perspectiva de democratização de seus espaços. A prática pedagógica é uma prática social, uma prática política, pois não se pode conceber a educação sem um vínculo sócio-histórico. Segundo Aranha (1996), a educação não pode ser compreendida fora de um contexto histórico-social concreto, sendo a prática social o ponto de partida e o ponto de chegada da ação pedagógica. A educação é uma prática humana direcionada por uma determinada concepção teórica. A prática pedagógica está articulada com urna pedagogia, que nada mais é que uma concepção filosófica da educação. Tal concepção ordena os elementos que direcionam a prática educacional (LUCKESI, 1994, p. 21). A aprendizagem é um dos principais objetivos de toda prática pedagógica, e a compreensão ampla do que se entende por aprender é fundamental na construção de uma proposta de educação, também mais aberta e dinâmica, definindo, por 7 consequência, práticas pedagógicas transformadoras. Dessa forma, é fundamental pensar que: À medida que a sociedade se torna cadavez mais dependente do conhecimento, é necessário questionar e mudar certos pressupostos que fundamentam a educação atual. (...) A aprendizagem é uma atividade contínua, iniciando-se nos primeiros minutos da vida e estendendo-se ao longo dela. Isso significa expandir o conceito de aprendizagem: ele não deve estar restrito ao período escolar e pode ocorrer tanto na infância quanto na vida adulta. A escola será um - entre muitos outros - dos ambientes em que será possível adquirir conhecimento. Para tanto, ela terá que incorporar os mais recentes resultados das pesquisas sobre aprendizagem e assumir a função de propiciar oportunidades para o aluno gerar e não somente consumir conhecimento, desenvolvendo, assim, competências e habilidades para poder continuar a aprender ao longo da vida (VALENTE, 2000). O ato de aprender a aprender é, sem dúvida alguma, uma das principais funções do ato de ensinar, ou melhor, do ato de educar. A construção de uma pessoa mais autônoma, no processo de aprender, torna-a mais autônoma no processo de viver - de definir os rumos de sua vida. Mas, para que isso não se transforme em uma ação individualista, é fundamental tornar a prática pedagógica em uma prática ética, comprometida, coerente, ao mesmo tempo, consciente e competente. A ação educativa - evidenciada a partir de suas práticas - permite aos alunos darem saltos na aprendizagem e no desenvolvimento, é a ação sobre o que o aluno consegue fazer, com a ajuda do outro, para que consiga fazê-lo sozinho. Entretanto, é princípio de toda instituição de ensino (principalmente da escola) garantir a aprendizagem a todos, visto que todos são capazes de aprender. Nas relações entre filosofia e educação somente existem, realmente, duas opções: ou se pensa e se reflete sobre o que se faz e, assim, se realiza uma ação educativa consciente, ou não se reflete criticamente e se executa uma ação pedagógica a partir de uma concepção mais ou menos obscura e opaca, existente na cultura vivida do dia a dia - e, assim, se realiza uma ação educativa com baixo nível de consciência (LUCKESI, 1994, p. 32). O educador tem também função importante nesse processo, pois as práticas 8 pedagógicas devem permitir aos alunos não somente acessarem o conhecimento, mas também transformá-los, inová-los. O educador tem a função de mediador entre o conhecimento historicamente acumulado e o aluno. Ser mediador, no entanto, implica também ter apropriado esse conhecimento. Portanto, devemos pensar. Num novo professor, mediador do conhecimento, sensível e crítico, aprendiz permanente e organizador do trabalho na escola, um orientador, um cooperador, curioso e, sobretudo, um construtor de sentido. Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção (...) É preciso que, pelo contrário, desde o começo do processo, vá ficando cada vez mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se forma e reforma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado (...) Não há docência sem discência, as duas explicam-se e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender (FREIRE, apud. GADOTTI, 2000, p. 45). Podemos, assim, entender que não mais cabe uma educação na qual somente se pensa em uma onipotência do educador e da escola, mas é sempre preciso estar colocando em questão as práticas pedagógicas desenvolvidas por estes agentes da educação. A educação deve buscar novos parâmetros, novas perspectivas, e permitir-se inovar, transformar. Dessa maneira, Gadotti (2000) propõe: ... na era do conhecimento, a pedagogia tornou-se a ciência mais importante porque ela objetiva justamente promover a aprendizagem. A era do conhecimento é também a era da sociedade 'aprendente': todos se tornaram aprendizes. A pedagogia não está mais centrada na didática, em como ensinar, mas na ética e na filosofia, que se pergunta como devemos ser para aprender e o que precisamos saber para aprender e ensinar. E muda a relação ensino-aprendizagem. Humberto Maturana (1989) em sua Oração do estudante, diz: 'Por que me impôs o que sabes se eu quero aprender o desconhecido e ser fonte em minha própria descoberta?' Ambos, em sessões de trabalho, aprendem e ensinam com o que juntos descobrem (GADOTTI, 2000, p. 45-46). A escola, por sua vez, passa a ter uma nova função - ser espaço de 9 otimização dos processos de aprendizagem e dos processos de construção de cidadãos. Do contrário, ela está fadada a continuar reproduzindo os papéis definidos pelo sistema, cabendo somente a função de disciplinadora. Nessa perspectiva, Foucault afirma que "cada sistema de educação é um meio político para manter ou para modificar a apropriação do discurso (...). O que é um sistema educacional, afinal, senão a ritualização da palavra, a qualificação de alguns papéis fixos para interlocutores e a distribuição e a apropriação do discurso, com todas as suas aprendizagens e poderes?" Pode-se concluir que a educação produz suas práticas em virtude do projeto de sociedade a que está vinculada. Portanto, para que as práticas pedagógicas garantam o desenvolvimento de pessoas capazes de aprender, cidadãs, solidárias, produtoras de conhecimento, a educação deverá ser um instrumento importante de uma sociedade que acredite nessas características. PEDAGOGIA LIBERAL TRADICIONAL “Mandamos, em primeiro lugar, as crianças à escola, não na intenção de que nela aprendam alguma coisa, mas a fim de que se habituem a observar pontualmente o que se lhes ordena”. Kant As teorias pedagógicas desenvolvem-se em contextos diferenciados, com características e projetos político-pedagógicos próprios, mas com um objetivo comum: orientar as ações pedagógicas. Neste sentido, é fundamental estudarmos todas as teorias pedagógicas. E começaremos pela Pedagogia Liberal Tradicional. Portanto, nosso objetivo é demonstrar os princípios da Pedagogia Liberal Tradicional, assim como suas bases teóricas e práticas, que fundamentam uma concepção de educação conservadora. REFLEXÃO INICIAL É evidente que tanto as tendências quanto suas manifestações não são puras nem mutuamente exclusivas, o que, aliás, é a limitação principal de qualquer tentativa de classificação. Em alguns casos as tendências complementam-se, em 10 outros, divergem. De qualquer modo, a classificação e sua descrição poderão funcionar como um instrumento de análise para o professor avaliar a sua prática de sala de aula. (LIBÂNEO, 1999, p. 13) Portanto, não queremos classificar a Pedagogia Liberal Tradicional, mas sim, descrevê-Ia e analisá-Ia, com o intuito de melhor instrumentalizar nossa ação pedagógica. E, para isso, consideramos fundamental levantar algumas questões, para reflexão sobre esta teoria: Quais os princípios da Pedagogia Liberal? O como se dá a construção do conhecimento na Pedagogia Liberal Tradicional? Qual sua relação com o período histórico em que foi ou é implantada? Qual o papel desta teoria na construção da sociedade? O AUTORITARISMO COMO BASE DA APRENDIZAGEM Fundamentada nas ideias iluministas, a Pedagogia Liberal Tradicional foi à base da educação escolar por mais de quatro séculos, mantendo sua influência até hoje. Essa tendência surge por volta do século XVI, como uma alternativa à escola medieval, de base religiosa. Nesse período, vive-se um momento de exaltação da razão e da liberdade, a inversão e/ou superação da fé pela razão, da crença pela ciência. É neste contexto que John Locke desenvolve uma nova concepção da mente infantil e, consequentemente, de educação, enfatizando o papel do mestre em proporcionar experiências fecundas que auxiliem a criança a fazer uso correto da razão. Para isso, a escola devecentrar-se no ensino da História, da Geografia, das Ciências Naturais e, principalmente, da Contabilidade e das escriturações comerciais, visando à preparação mais ampla para a vida prática, seguindo as ideias iluministas que irão garantir o avanço dos ideais liberais capitalistas desta época. O termo liberal não tem o sentido de "avançado", "democrático", "aberto", como costuma ser usado. A doutrina liberal apareceu como justificação do sistema capitalista que, ao defender a predominância da liberdade e dos interesses individuais da sociedade, estabeleceu uma forma de organização social baseada na propriedade privada dos meios de produção, também denominada sociedade de 11 classe. A pedagogia liberal, portanto, é uma manifestação própria desse tipo de sociedade (LIBÂNEO, 1994, p.54) Com o avanço da industrialização, a escola passa a ter um papel importante na difusão das ciências. A influência positivista fica clara ao vermos a ênfase dada ao estudo de conteúdos enciclopédicos, na tentativa de tratar de assuntos que, direta ou indiretamente, ajudariam no desenvolvimento das Ciências Naturais. Para ARANHA (1996, p. 160), "essa tendência é responsável pelo cientificismo que marcou muitas vezes a escolha dos currículos escolares". Com o intuito de formar indivíduos capazes de desempenhar seu papel na sociedade (papel historicamente definido e imutável), a Pedagogia Liberal Tradicional baseia-se em três procedimentos básicos: o governo, a instrução e a disciplina. O governo consiste no controle da agitação infantil, aplicado inicialmente pelos pais e depois pelos mestres, visando submeter à criança às regras do mundo adulto e tornando possível o início da instrução. (...) A instrução é o procedimento principal da educação e baseia-se no desenvolvimento dos interesses (...). Formar moralmente uma criança é educar sua vontade, e isso somente pode ser feito por meio de maior clarificação das representações e do crescimento das ideias na mente da criança. (...) A disciplina é o procedimento pelo qual se mantém firme a vontade educada no propósito da virtude (ARANHA, 1996, p. 161). Para garantir o melhor desenvolvimento do conhecimento da criança, essa tendência propõe cinco passos formais: preparação- revisão do conteúdo anterior; apresentação o mestre repassa o novo conhecimento; assimilação- o aluno faz ligação do novo com o velho, percebendo semelhanças e diferenças; generalização- o aluno constrói concepções abstratas a partir de suas experiências; aplicações por meio de exercícios o aluno aplica o que aprendeu. Podemos perceber que este método está baseado no conhecimento do mestre/ professor, em um caráter "magistrocêntrico", isto é, o professor tem toda a 12 autoridade, pois é ele quem detém o conhecimento, e cabe a ele transmiti-lo aos alunos. É uma relação vertical, em que o aluno é o receptor, e o professor, o detentor de todo o conhecimento historicamente construído. O aluno é educado para alcançar sua plenitude, por meio de seu esforço próprio. Segundo Libâneo (1994): Os conteúdos, os procedimentos didáticos, a relação professor-aluno não têm qualquer relação com o cotidiano do aluno e muito menos com as realidades sociais. É a predominância da palavra do professor, das regras impostas, do cultivo exclusivamente intelectual (LIBÂNEO, 1994, p. 55). A Pedagogia Liberal Tradicional prega que a preparação dos indivíduos para o desempenho de seus papéis sociais, por meio de suas aptidões individuais, deve ser o objetivo da educação. Para tal, a mesma deve estar centrada no ensino de aspectos culturais sem que estes revelem as desigualdades sociais. Mesmo pregando a igualdade de oportunidades, essa tendência não revela a desigualdade de condições. Parafraseando Fleuri (1994), o objetivo de tal educação seria a formação do indivíduo como sujeito capaz de ter opiniões próprias, com o intuito de tirar proveito das oportunidades que a sociedade oferece. Assim, ao formar o indivíduo como sujeito livre e autônomo, os processos educacionais contribuiriam para adaptar sua satisfação individual, estabelecendo relações de competição que estimulariam cada um a se desenvolver ao máximo, de tal modo que a soma dos sucessos individuais resultasse "automaticamente" no progresso da sociedade como um todo. A Pedagogia Liberal desenvolve-se, ao longo da História, em várias tendências: tradicional, liberal renovada, renovada progressivista, renovada não diretiva e liberal tecnicista. Libâneo (1994) explica-nos resumidamente cada uma delas: A tendência liberal renovada acentua, igualmente, o sentido da cultura como desenvolvimento das aptidões individuais. Mas a educação é um processo interno, não externo; ela é parte das necessidades e interesses individuais necessários para a adaptação ao meio. A educação é a vida presente, é à parte da própria experiência humana. (...) A tendência liberal renovada apresenta-se, entre nós, em duas versões distintas: a renovada progressivista, ou pragmatista, principalmente na forma difundida pelos pioneiros da Educação Nova, entre os quais se destaca Anísio Teixeira (deve-se destacar, também, a influência de Montessori, Decroly e, de certa 13 forma, Piaget); a renovada não diretiva, orientada para os objetivos de autorrealização (desenvolvimento pessoal) e para as relações interpessoais, na formulação do psicólogo norte-americano Carl Rogers (LIBÂNEO, 1994, p. 55). E continua dizendo que: A tendência liberal tecnicista subordina a educação à sociedade, tendo como função a preparação de 'recursos humanos' (mão de obra para indústria). A sociedade industrial e tecnológica estabelece (cientificamente) as metas econômicas, sociais e políticas, a educação treina (também cientificamente) nos alunos os comportamentos de ajustamento a essas metas (LIBÂNEO, 1994, p. 55-56). No decorrer de sua implementação, a Pedagogia Liberal teve características diferenciadas, de acordo com o público a ser ensinado. No início, predominava o ensino dos homens, por meio das escolas de meninos, como os seminários e escolas integrais. Nessas escolas, o currículo era voltado para o ensino das ciências, para a preparação de líderes, intelectuais, administradores, doutores e assim por diante, seguindo as cinco regras já tratadas anteriormente. No decorrer dos anos, implementaram-se as escolas para moças, voltadas para o ensino religioso, para regras de conduta, as chamadas aulas de etiqueta, ensinava-se também economia doméstica. Em ambos os casos, os (as) alunos (as) eram filhos (as) da elite que, preocupada em dar as melhores oportunidades aos seus herdeiros, colocava seus filhos em escolas integrais, que seguiam as concepções da Pedagogia Liberal. Para os filhos dos trabalhadores, cabia a escola básica, de meio período, a qual reproduzia o modelo autoritário. Para Fleuri (1994, p. 56), "analogamente, o modelo liberal de educação somente se torna possível para uma minoria, quando para a maioria se aplica o modelo autoritário". PEDAGOGIA DA ESCOLA NOVA E TECNICISTA Restabelece-se, portanto, num primeiro momento da análise, aquela antiga distinção entre formação geral e formação técnica. É como se separássemos: formação geral para quem se dirige à universidade e formação técnica para quem vai seguir o caminho da fábrica. (FERRETI, 1998) Estudaremos duas tendências pedagógicas que foram implementadas no 14 Brasil no século XX, e que continuam influenciando nossa prática pedagógica: a Escola Nova, também conhecida como Liberal Renovada, que se divide em Renovada Progressista e Renovada Não diretiva, e a escola Liberal Tecnicista. O objetivo se consiste na análise de cada uma destas tendências, buscando relacioná-Ias com seu tempo histórico, seus princípios e características. REFLEXÃO INICIAL Como afirmamos anteriormente,cada tendência pedagógica está diretamente ligada ao seu tempo histórico e tem sua função na construção de ideários sociais que predominam nesse tempo. Portanto, cabe levantar algumas questões de relevância para melhor entender o papel de tendências pedagógicas como a Escola Nova e a Tecnicista, na formação de indivíduos ativos em seu tempo: Quais os princípios das tendências da Escola Nova e da Liberal Tecnicista? Quais as características destas tendências no que diz respeito à construção do conhecimento? (conteúdos, métodos, relação professor- aluno e práticas escolares). Qual sua relação com o período histórico em que foi ou é implantada? Qual o papel desta teoria na construção da sociedade? Para melhor responder a essas questões, vamos estudar separadamente 15 cada uma destas tendências. Iniciaremos pela Escola Nova, pois esta tem sua implementação antes da Tecnicista. A TENDÊNCIA ESCOLA NOVA No final do século XIX, o mundo passa por inúmeras crises. É o surgimento de novos valores sociais, do novo jeito de produzir, com base na produção setorizada e em grande escala, no fordismo. Este período histórico é caracterizado pela Segunda Revolução Industrial. É um momento de transformações sociais, políticas e econômicas, em que não cabe mais aquele modelo tradicional de educação. E é neste contexto que surge a Escola Nova. Segundo Aranha (1996): Escola Nova surge no final do século XIX justamente para propor novos caminhos à educação, que se encontra em descompasso com o mundo no qual se acha inserida. Representa o esforço de superação da pedagogia da essência pela pedagogia da existência. Não se trata mais de submeter o homem a valores e dogmas tradicionais e eternos nem de educá-Io para a realização de sua 'essência verdadeira'. A pedagogia da existência volta-se para a problemática do indivíduo único, diferenciado, que vive e interage em um mundo dinâmico (ARANHA, 1996, p. 167). Há uma inversão de valores; agora, a criança deve ser tratada como criança, e não como um pequeno adulto. Passa-se a valorizar o caráter psicológico, a respeitar o tempo da criança. O importante, para esta tendência, é atender às especificidades da natureza infantil. O objetivo é o homem integral, isto é, deve-se pensar no sujeito como um todo, valorizando não somente o aspecto racional, mas também os emocionais, sensoriais e físicos. Para cumprir seus princípios, a pedagogia escolanovista entende que, na relação professor-aluno, "não há lugar privilegiado para o professor; antes, seu papel é auxiliar o desenvolvimento livre e espontâneo da criança; intervém-se, é para dar forma ao raciocínio dela." (Libâneo, 1994, p. 58). Nesse sentido, o método de ensino está baseado no aprender a aprender, ou no aprender fazendo. Deve-se levar o 16 aluno a resolver problemas, a pesquisar, a estudar o meio social e natural. Dedica- se ao trabalho individual, enquanto o trabalho em grupo serve apenas para garantir a socialização das experiências. Os conteúdos a serem ensinados são estabelecidos de acordo com o interesse e a experiência que resultou do processo de resolução de problemas. O importante não é o que se aprende, mas aprender a aprender, segundo (Libâneo, 1994, p. 58) "é mais importante o processo de aquisição do saber do que o saber propriamente dito." Entendendo a Escola Nova em seu contexto, percebemos que ela vem para garantir o fortalecimento dos ideais liberais na formação dos indivíduos. Isso fica claro nas palavras de Aranha (1996): Compreende-se o ideário escolanovista a partir da situação social e econômica em que foi gerado. Nesse sentido, a escola nova é típica representante da pedagogia liberal. (...) A crescente industrialização da sociedade contemporânea, com suas rápidas transformações, requer a ampliação da rede escolar, bem como uma escola que prepara para o novo; além do mais, as esperanças de superação das desigualdades sociais encontram na adequada escolarização uma promessa de mobilidade social (ARANHA, 1996, p. 168). Essa tendência é implementada no Brasil no século XX, a partir da década de 20, mas encontramos seus princípios claramente expostos no Manifesto dos Pioneiros da Educação, publicado em 1932. Nessa época, a Escola Nova é fortemente criticada pelos católicos conservadores que, na época, detinham o monopólio da educação elitista e tradicional no país. Com o Estado Novo (1937 a 1945), a Escola Nova perde sua força, e somente volta à tona na década de 50, com o objetivo de ampliar os ideais do liberalismo brasileiro, como a ampliação da escolarização e a formação de trabalhadores para a indústria, em plena ascensão no Brasil. Mesmo pregando uma educação universal, gratuita e democrática, a Escola Nova mantém os ideais liberais jamais questionando a estrutura social. Reproduz, assim, a diferença na educação dos filhos de operários e na dos filhos da elite, com a maior elitização do ensino, pois, ao dar ênfase à alta qualificação dos professores e às altas exigências das escolas particulares, acabou desqualificando as escolas públicas, que eram impossibilitadas de introduzir as novidades didáticas, por falta de 17 estrutura e dinheiro. A TENDÊNCIA LIBERAL TECNICISTA A tendência Liberal Tecnicista surge no século XX, com o objetivo de implementar o modelo empresarial na escola, ou seja, aplicar na escola o modelo de racionalização típico do sistema de produção capitalista. Com forte influência das teorias positivistas e da psicologia americana behaviorista, o tecnicismo busca ensinar o aluno por meio do treinamento. Para Aranha (1996): Herdeira do cientificismo, a tendência tecnicista busca no behaviorismo, teoria psicológica também de base positivista, os procedimentos experimentais necessários para a aplicação do condicionamento e o controle do comportamento. Daí a preocupação com a avaliação a partir dos aspectos observáveis e mensuráveis da conduta e o cuidado com o uso da tecnologia educacional, não somente quanto à utilização dos recursos avançados da técnica, mas também quanto ao planejamento racional, que tem em vista alcançar os objetivos propostos com economia de tempo, esforço e custo (ARANHA, 1996, p. 176). Nesse sentido, para essa tendência, a escola tem um papel fundamental na formação de indivíduos que se integrem à "máquina social". Para isso, a escola deve moldar o comportamento, organizar o processo de aquisição de habilidades e conhecimentos já historicamente descobertos. Descobrir o conhecimento é função da educação, mas isso cabe aos especialistas, o papel da escola é repassá-Io e aplicá-lo. Dessa forma, percebe-se a divisão entre trabalho intelectual e manual. Portanto, os conteúdos a serem ensinados já estão muito bem explicitados nos manuais, nos livros didáticos, nas apostilas, entre outros. Cabe ao professor buscar a melhor forma de controlar as condições ambientais que assegurem a transmissão/recepção de informações. A relação professor-aluno passa a ser estruturada e objetiva, cabendo ao professor transmitir a matéria e ao aluno receber, aprender e fixar. Essa tendência é implementada inicialmente nos Estados Unidos, o qual acaba impondo a implementação a todos os países da América Latina. No Brasil, ela 18 é implementada a partir do Governo Militar, por meio dos acordos MEC-USAID, em que a USAID (United States Agency for International Development), empresa de consultoria norte-americana, faz inúmeras pesquisas sobre a educação no Brasil, as quais acabam influenciando a implementação desta tendência por meio das Leis 5.540/68 (ensino universitário) e 5.692/71 (ensino de 1° e 2° graus). Para entendermos as consequências destas leis para a educação no Brasil, vamos ler o texto a seguir: A burocratização do ensino foi intensificada, afogando os professores em papéis nos quaisdeviam ser detalhados os objetivos de cada passo do programa. Houve inferiorização das funções do professor, que se tomou simples executor das ordens vindas do setor de planejamento, a cargo de técnicos em educação que, por sua vez, não pisavam em sala de aula. Nesse período, a educação elementar esteve bastante abandonada e a pretendida reforma do 2° grau, com a implantação do ensino profissionalizante, redundou em absoluto fracasso. A inclusão de disciplinas técnicas no currículo teve por consequência a exclusão de outras (como filosofia) e a diminuição da carga- horária de algumas (geografia e história, por exemplo). E continua mostrando os efeitos negativos dessas mudanças: A queda do nível de ensino repercutiu de forma mais drástica na escola pública. Obrigada a atender à lei ao pé da letra, enquanto as escolas particulares de certa forma "contornavam" as exigências oficiais, assumindo apenas a nomenclatura dos cursos e oferecendo os conteúdos tradicionais. Isso aumentou a seletividade de nossa educação, fazendo com que o ensino superior se destinasse cada vez mais aos filhos da elite. Quanto à escola pública, o que se conseguiu, de fato, foi a formação de mão de obra barata, não qualificada; pronta para engrossar o "exército de reserva" trabalhadores disponíveis para empregos de baixa remuneração (ARANHA, 1996, p. 177). 19 PEDAGOGIA PROGRESSISTA E CONSTRUTIVISMO O desenvolvimento humano está ligado à democracia integral, ou seja, educar-se contínua e ininterruptamente, na prática e na teoria, para o exercício de todas as dimensões do ser humano. Neste ponto, surge uma vinculação íntima entre desenvolvimento integral e educação (Marcos Arruda e Leonardo Boff, 1997). Falamos de várias tendências pedagógicas. Estaremos abordando aquelas vinculadas à Pedagogia Progressista, das quais destacamos: Pedagogia Libertadora, Libertária e Crítico-social dos conteúdos. Da mesma forma, falaremos do Construtivismo e de suas características fundamentais. Observe o seguinte texto e faça uma breve reflexão: A escola somente pode triunfar junto dos alunos do povo e fazê-Ios triunfarem, se for capaz de comunicar uma alegria atual àquilo que lhes ensina: o prazer de sentir a emoção de um poema seja ele composto por um escritor ou por eles, de desenvolver um raciocínio coerente, de construir e de compreender os mecanismos, o sentimento de ter uma visão mais segura dos próprios problemas. Os alunos do povo pedem que a escola lhes fale deles mesmos e do seu tempo, do seu mundo e das suas lutas - o que implica uma conexão direta entre o movimento social e o que se passa na escola: desse modo, vai-se muito longe na exigência de transformação (GEORGES SNYDERS, 1974). Não pretendemos classificar as Pedagogias Progressistas, mas sim, descrevê-Ias, analisá-Ias, com o intuito de melhor instrumentalizar nossa ação pedagógica. E, para isso, consideramos fundamental levantar algumas questões, para reflexão sobre esta teoria: Quais os princípios das Pedagogias Progressistas? Como se dá a construção do conhecimento na Pedagogia Progressista? Quais as diferenças entre as várias correntes dentro da Pedagogia Progressista? Qual o papel desta tendência pedagógica na construção da sociedade? 20 A PEDAGOGIA PROGRESSISTA: EDUCAR PARA TRANSFORMAR O termo progressista significa aquele que é favorável ao progresso, e este diz respeito ao desenvolvimento, avanço, ir para frente. Progressista pode ser considerado todo aquele que não está acomodado com a situação do momento, e busca melhores condições de vida - em seus aspectos sociais, políticos, econômicos, culturais entre outros. No caso da Pedagogia Progressista, o termo é utilizado pela primeira vez por Snyders, em 1974, em sua obra de mesmo nome - Pedagogia Progressista. Daí para cá, vários autores passaram a identificar toda pedagogia preocupada em transformar a realidade e não se acomodar com as desigualdades sócio-político- econômicas da sociedade capitalista como Pedagogia Progressista. Contudo, nem todos se identificam assim, mas, com certeza, existem características que aproximam a maioria deles. Dessa maneira, torna-se importante estarmos de forma sucinta, nesta aula, identificando e explicando algumas destas tendências progressistas da educação, sendo elas: Libertadora, Libertária e Crítico-social dos conteúdos. No sentido da educação integral, a pedagogia não se expressa apenas ao nível da produção e da escola. A constituição de cidadãos verdadeiramente autônomos e livres requer que o terreno da experiência pedagógica seja o conjunto da sociedade (NASCIMENTO, 1997). PEDAGOGIA LIBERTADORA Vinculada às propostas de educação de Paulo Freire. Esta tendência progressista de educação foi construída a partir dos trabalhos com educação popular, na maioria das vezes não amarrada ao ensino escolar. Contudo, muitas das propostas sugeridas por esta tendência tornaram-se referências para o processo de reflexão e crítica das práticas pedagógicas desenvolvidas pela educação formal. Por sua vez, é fundamental explicitar que a pedagogia libertadora entende que a educação tem um papel primordial de transformação da sociedade, iniciando já nas relações sociais estabelecidas em seu campo. A relação professor-aluno é 21 ressignificada, ou seja, "quando se fala na educação em geral, diz-se que ela é uma atividade pela qual, professores e alunos, mediatizados pela realidade que apreendem e da qual extraem o conteúdo de aprendizagem, atingem um nível de consciência dessa mesma realidade, a fim de nela atuarem, num sentido de transformação social (LIBÂNEO, 1994, p. 64). O método de Paulo Freire, referência da Pedagogia Libertadora, tem por princípio a certeza de que a educação é um ato político, de construção do conhecimento e de criação de outra sociedade - mais ética, mais justa, mais humana, mais solidária. A educação deve ser uma busca permanente em favor das classes oprimidas, luta pela liberdade e igualdade. Para isso, é fundamental entender que o aluno - cidadão - é o agente principal do processo pedagógico, sem com isto desconsiderar o educador, que também deve aprender a ser sempre aluno, pois ambos ensinam e aprendem nos espaços de construção do conhecimento. O diálogo entre os diversos agentes envolvidos nas ações educativas, assim como o processo de construção dos temas geradores, para permanente identificação dos problemas sociais e busca de sua superação é a essência do método freireano. Paulo Freire, reconhecido como pai da pedagogia crítica, compreende que a ação educativa tem que estar garantindo as mudanças da sociedade e, para tal, torna-se fundamental uma incorporação da perspectiva dialética na educação. Para Freire, segundo Shmied- Kowarzik (1983) existe: Uma relação originária entre dialética e diálogo e define a educação como a experiência basicamente dialética da libertação humana do homem, que pode ser realizada apenas em comum, no diálogo crítico entre educador e educando, e entende que a dialética exige não somente do educador uma ação criadora própria, mas, simultaneamente, na inclusão prática da atividade educativa na experiência continuada do trabalho educacional com os educandos (SHMIED-KOWARZIK, 1983, p. 69-70) Paulo Freire é sem dúvida alguma: Um educador humanista e militante. Em concepção de educação parte-se sempre de um contexto concreto para responder a esse contexto. Em Educação como prática da liberdade, esse contexto é o processo de desenvolvimento econômico e o movimento de superação da cultura colonial nas 'sociedades em trânsito'. O autor procura mostrar, nessas sociedades, qual é o papel 22 da educação, do ponto de vista do oprimido, na construção de uma sociedade democrática ou 'sociedade aberta'. Para ele, essa sociedade não pode ser construídapelas elites porque elas são incapazes de oferecer as bases de uma política de reformas. Essa nova sociedade somente poderá constituir-se como resultado da luta das massas populares, as únicas capazes de operar tal mudança (GADOTTI, 1996, p. 83-84). PEDAGOGIA LIBERTÁRIA Esta tendência tem por influência os estudos de crítica das instituições em favor de um projeto autogestionário, desenvolvidos por Maurício Tragtenberg (1929- 1998) mesmo não sendo um trabalho voltado diretamente à pedagogia. Contudo, ao propor um processo essencialmente de autogestão das instituições, busca superar os vários limites da burocracia institucional e, na maioria das vezes, também pedagógica. Temos como representantes dessa tendência alguns teóricos conhecidos, como: Freinet, Vasquez, Oury, Ferrer e Guardia, entre outros. Como princípios fundamentais da Pedagogia Libertária, podemos destacar a preocupação em transformar a personalidade dos alunos num sentido libertário e autogestionário. A educação, por meio da escola, deve estar baseada na participação grupal, favorecendo os processos de distribuição do poder, via assembleias, reuniões, conselhos, eleições, entre outros mecanismos antiautoritários. Este procedimento tem por intenção garantir a participação de todos os agentes, envolvidos no processo educativo, buscando estimular à autonomia dos alunos a solidariedade. As ações pedagógicas devem partir do princípio do não controle, isto é, os alunos não são obrigados a participar de nenhuma atividade que não queiram, contudo, é função do grupo e do professor compreender porque este aluno não quer estar incluído. O poder do professor, de forma alguma, deve ser referência nas ações pedagógicas, pois o professor deve ser um orientador, um catalisador, um membro a mais do grupo escolar, estimulando os processos de reflexão e aprendizado. São os alunos que definem o que se deve estudar, sem necessariamente haver um rol de disciplinas e conteúdos predefinidos. O 23 conhecimento é construído na fusão dos trabalhos intelectual e manual, buscando sempre uma resposta às necessidades e às exigências das questões vinculadas à vida de cada um, em seus aspectos sociais, políticos, econômicos, culturais, entre outros. Método de ensino da Pedagogia Libertária: é na vivência grupal, na forma de autogestão, que os alunos buscarão encontrar as bases mais satisfatórias de sua própria 'instituição', graças à sua própria iniciativa e sem qualquer forma de poder. Trata-se de 'colocar nas mãos dos alunos tudo o que for possível: o conjunto da vida, as atividades e a organização do trabalho no interior da escola (menos a elaboração dos programas e decisão dos exames que não dependem nem dos docentes, nem dos alunos)'. Os alunos têm liberdade de trabalhar ou não, ficando o interesse pedagógico na dependência de suas necessidades ou das do grupo. O progresso da autonomia, excluída qualquer direção de fora do grupo, dá-se num 'crescendo': primeiramente oportunidade de contatos, aberturas, relações informais entre os alunos. Em seguida, o grupo começa a organizar-se, de modo a que todos possam participar de discussões, cooperativas, assembleias, isto é, diversas formas de participação e expressão pela palavra; quem quiser fazer outra coisa, ou entra em acordo com o grupo, ou se retira. No terceiro momento, o grupo organiza-se de forma mais efetiva e, finalmente, no quarto momento, parte para a execução do trabalho (LIBÂNEO, 1994, p. 67-68). PEDAGOGIA CRÍTICO-SOCIAL DOS CONTEÚDOS As propostas desta tendência foram desenvolvidas, no Brasil, por Dermeval Saviani, o qual se baseia em vários autores, como: Marx, Grasmci, Kosik, Snyders, entre outros. Junto a Saviani, temos vários outros educadores que elaboram a favor desta corrente, dos quais destacamos José C. Libâneo, Carlos R. J. Cury e Guiomar N. de Mello. Como as outras tendências progressistas, a Crítico-social dos conteúdos também está preocupada com a função transformadora da educação em relação à sociedade, sem, com isso, negligenciar o processo de construção do conhecimento fundamentado nos conteúdos acumulados pela humanidade. Segundo Aranha 24 (1996), a Pedagogia Crítico-social dos conteúdos, ou, como também é conhecida, a Pedagogia Histórica-crítica, busca: Construir uma teoria pedagógica a partir da compreensão de nossa realidade histórica e social, a fim de tornar possível o papel mediador da educação no processo de transformação social. Não que a educação possa por si só produzir a democratização da sociedade, mas a mudança se faz de forma mediatizada, ou seja, por meio da transformação das consciências (ARANHA, 1996, p. 216). Pode-se perceber, na fundamentação desta tendência, uma preocupação com a transformação social, contudo, para tal, parte-se da compreensão da realidade, a partir da análise do mundo do trabalho, das vivências sociais, buscando entendê-lo não como algo natural, mas sim construído culturalmente - torna-se importante no processo de transformação social a mediação cultural. Da mesma maneira, é imprescindível conceber que a educação - via escola - trabalhe amplamente com os conteúdos. Neste caso, Libâneo (1994), a respeito do papel da escola, diz que: A difusão de conteúdos é a tarefa primordial. Não conteúdos abstratos, mas vivos, concretos e, portanto, indissociáveis das realidades sociais. A valorização da escola como instrumento de apropriação do saber é o melhor serviço que se presta aos interesses populares, já que a própria escola pode contribuir para eliminar a seletividade social e torná-la democrática. Se a escola é parte integrante do todo social, agir dentro dela é também agir no rumo da transformação da sociedade. Se o que define uma pedagogia crítica é a consciência de seus condicionantes histórico- sociais, a função da pedagogia 'dos conteúdos' é dar um passo à frente no papel transformador da escola, mas a partir das condições existentes (LIBÂNEO, 1994, p. 69). E continua afirmando: Assim, a condição para que a escola sirva aos interesses populares é garantir a todos um bom ensino, isto é, a apropriação dos conteúdos escolares básicos, que tenham ressonância na vida dos alunos. Entendida nesse sentido, a educação é 'uma atividade mediadora no seio da prática social global', ou seja, uma das mediações pela qual o aluno, pela intervenção do professor e por sua própria participação ativa, passa de uma experiência inicialmente confusa e fragmentada (sincrética) a uma visão sintética, mais 25 organizada e unificada (LIBÂNEO, 1994, p. 69). Para Libâneo, portanto, é fundamental que se entenda que: A atuação da escola consiste na preparação do aluno para o mundo adulto e suas contradições, fornecendo-lhe um instrumental, por meio da aquisição de conteúdos e da socialização, para uma participação organizada e ativa na democratização da sociedade (LIBÂNEO, 1994, p. 70). Entendo, pois, que o processo educativo: É passagem da desigualdade à igualdade. Portanto, somente é possível considerar o processo educativo em seu conjunto como democrático sob a condição de distinguir-se a democracia como possibilidade no ponto de partida e a democracia como realidade no ponto de chegada. Consequentemente, aqui também vale o aforismo: democracia é uma conquista; não um dado. (...) Não se trata de optar entre relações autoritárias ou democráticas no interior da sala de aula, mas de articular o trabalho desenvolvido nas escolas com o processo de democratização da sociedade. E a prática pedagógica contribui de modo específico, isto é, propriamente pedagógico para a democratização da sociedade, na medida em que se compreende como se coloca a questão da democracia relativamente à natureza própria do trabalho pedagógico (SAVIANI, 1987,80-82) Não se tem a pretensão de esgotar, a discussão sobre as tendências progressistas,muito pelo contrário, o intuito é o de fazer uma introdução a respeito de cada uma delas, para, a partir daqui, indicar um processo de aprofundamento posterior. Contudo, ainda abordar, de forma sucinta, características gerais do Construtivismo. O Construtivismo sintetiza as teorias que buscam vislumbrar os processos de construção do conhecimento, assim como discutir a complexidade do processo de aprendizagem. Vários autores dedicaram-se a estudos nesta linha, dos quais destacamos: Piaget (Epistemologia genética ou Construtivismo liberal piagetiano) e Vygotsky (Construtivismo sócio-histórico); mas também, é importante lembrar-se de Emília Ferreiro e Henri Wallon. Neste momento, é importante frisar que as teorias construtivistas buscam uma superação das teorias inatista e empirista, as quais buscam explicar as origens 26 AN02FREV001/REV 3.0 1 (fontes) do conhecimento, em que o inatismo afirma que o conhecimento é a priori (o sujeito nasce com os saberes) e, por outro lado, o empirismo acredita que o conhecimento é produzido a partir das sensações, das experiências (o sujeito é uma tábula rasa e suas experiências vão fornecendo os conhecimentos ao longo da vida). O conhecimento não pode ser concebido nem de uma forma (inata) nem de outra (conhecimento a posteriori) e, sim, o conhecimento necessariamente vai ser construído a partir das experiências (fatores externos ao indivíduo) e pelas características próprias do sujeito (fatores internos do indivíduo), ou seja, cada indivíduo passa por várias etapas, em que organiza o pensamento e a afetividade. Diante dessa perspectiva, Aranha (1996, p. 202) destaca a ideia de que, para os construtivistas, "a criança não é passiva nem o professor é simples transmissor de conhecimento. Nem por isso o aluno dispensa a atuação do mestre e dos companheiros com os quais interage. Mais propriamente, o conhecimento resulta de uma construção contínua, entremeada pela invenção e pela descoberta". As teorias de Jean Piaget e de Henri Wallon são as mais completas e articuladas teorias genéticas do desenvolvimento psicológico de que dispomos. Diferentemente desses dois estudiosos, Vygotsky não chegou a formular uma concepção estruturada do desenvolvimento humano, a partir da qual pudéssemos interpretar o processo de construção psicológica do nascimento até a idade adulta. (...) Por sua vez, Vygotsky busca compreender a origem do desenvolvimento dos processos psicológicos ao longo da história da espécie humana e da história individual (OLIVEIRA, 1997, p. 56) TEÓRICOS CÉLESTIN FREINET O homem é produto e produtor do meio em que vive. E, se assim o é, a educação, enquanto meio essencial de produção do conhecimento, deveria ser uma prática colada à vida imediata e cotidiana, de forma que o homem se percebesse como sujeito histórico que, ao construir o mundo, constrói a si mesmo. A escola 27 precisa recuperar a relação trabalho-educação, para que o mundo seja entendido como resultado do pensar e do agir humano: o homem precisa entender-se como escultor e mentor de sua própria vida, de sua própria história. Há que se construir uma educação na qual o homem não se distancie de sua essência de ser que faz e ser que pensa, pela qual o homem perceba o mundo como obra de sua prática humana, construída na necessária relação dialógica com os outros homens, seus iguais. O objetivo deste é resgatar os fundamentos da Pedagogia do bom-senso, de Cèlestin Freinet. Pedagogia essa que se baseia na necessidade natural do homem de sobreviver e interagir com os outros, para satisfazer suas necessidades e, consequentemente, construir a si e ao mundo. A pedagogia de Freinet recupera a necessidade de uma educação da vida enquanto um construto humano, que se faz pelo trabalho nas relações sociais. VIDA E OBRA DE CÈLESTIN FREINET Cèlestin Freinet mostrou, dia a dia, o mundo e a sociedade mais justa que sonhou construir. Nascido em 15 de outubro de 1896, numa aldeia francesa de Gars, nos Alpes Marítimos, onde o pastoreio predominava. Um homem de família humilde e de pouca cultura, que revolucionou a educação na França. A primeira atividade de Freinet foi o pastoreio; já na adolescência, mudou-se para a cidade de Nice, onde iniciou o curso magistério na escola normal. A Primeira Guerra eclodiu e a exigência de alistar-se o impediu de continuar estudando. Da Guerra, Freinet trouxe uma infecção pulmonar, causada por gases tóxicos, que o acompanhou pelo resto da vida. Em 1920, começa a lecionar em uma pobre escola de Bar-Sur-Loup, mesmo sem diploma. Terminada a guerra, Freinet volta a estudar e, enquanto tenta obter o diploma inicia suas experiências didáticas. Na observação direta de seus alunos, começa a questionar as rígidas normas da escola, a forma de ensinar, o ambiente da sala e a natureza lá fora, que encantava os alunos. Dessas observações, surgem suas primeiras experiências: a aula-passeio, a imprensa escolar e o livro da vida. Em 1927, edita o livro A imprensa na Escola, cria a revista La Gerbe (O ramalhete) em 28 que publica poemas infantis e funda a Cooperativa de Ensino Leigo. Nos anos seguintes, Freinet muda-se para a Vila Saint-Paul de Vence, onde cria as "Técnicas de Avaliação" e o "Plano de Trabalho". Por ser um grande crítico das cartilhas convencionais, Freinet propõe os "Fichários de Consulta e de Autocorreção". As realizações feitas na escola, à criação da cooperativa e o intenso movimento postal provocaram desconfianças e hostilidades políticas, que culminaram na sua exoneração do cargo de professor. Mesmo tendo abandonado a escola de Saint-Paul, Freinet continua administrando a cooperativa. Em 1935, consegue construir sua própria escola na cidade de Vence. No mesmo ano, por ocasião do Congresso Internacional de Ensino, iniciou um movimento em defesa da criança chamado "Frente da Infância". Esse movimento foi aderido pela recém-formada "Liga da Educação Francesa", inspirando a reforma do ensino francês. As perseguições políticas continuaram. Em 1940, Freinet foi preso como perigoso editor clandestino. Ainda preso, foi mandado para o campo de concentração alemão em Var. Um ano mais tarde, foi libertado e passou a lutar na Resistência Francesa, até o fim da Guerra. Terminada a segunda Guerra, Freinet volta à cidade de Vence, onde organiza a "Cooperativa e o Manifesto pela Modernização da Escola". Em 1956, inicia uma campanha intitulada "25 alunos por classe", a qual foi aprovada pela opinião pública e aderida pela maioria das escolas francesas. Neste mesmo período, escreveu “Conselho aos Pais, Ensaio de Psicologia Sensível e Educação pelo Trabalho”. Em 1957, funda a "Federação Internacional dos Movimentos da Escola Moderna" (FIMEM), que hoje é reconhecida pela UNESCO como importante ONG do campo da educação. O MÉTODO NATURAL Um aspecto central da pedagogia freinetiana é o trabalho como mola mestra das atividades educativas. Preocupado com as relações capitalistas de seu tempo, que geravam desigualdades sociais e o domínio de uma classe sobre a outra, Freinet buscou na Escola Ativa, de Adolphe Ferrière, os pressupostos necessários para a criação de uma pedagogia do trabalho, direcionada especialmente às crianças de famílias operárias, para as quais ele pretendia transmitir o valor de uso 29 do produto do trabalho (WHITAKER, 1989). Que as crianças aprendam os gestos, os sinais e os mecanismos exigidos pela função de estudantes e, mais tarde, pela de empregados, camponeses ou operários, é uma necessidade como a que obriga o pastor a cuidar do rebanho e o jardineiro a produzir frutos e flores (...). Mas que não se limitem a ser estudantes. Que ultrapassem já essa profissão, para chegar aos gestos e aos atos que talvez nunca possam converter-se em dinheiro, mas que, nem por isso, deixam de ser um aspectoexaltante de uma exigência de cultura - cunho nobre da educação a serviço do "Homem" (FREINET, 1985, p. 133). Ao perceber o interesse das crianças por atividades práticas, Freinet estabeleceu o trabalho como motor da ação educativa. Para ele, uma vez que a ação é o prolongamento natural da vida e o meio pelo qual o homem transforma o mundo, a aprendizagem deve ser uma construção ativa. O trabalho como princípio educativo deve ser essencialmente cooperativo. Todas as atividades, coletivas e/ou individuais, devem ser organizadas como plano de trabalho para não perder o caráter de coisa comum. Na pedagogia freinetiana, o professor deve ser gerenciador das atividades e o intermediário das relações, garantindo as condições de trabalho, informando, sugerindo e estimulando o aprendizado (WHITAKER, 1989). A Pedagogia do Bom-senso baseia-se na necessidade natural do homem de sobreviver e, consequentemente, de interagir por meio do trabalho para suprir suas necessidades. Se for da natureza do homem a utilização de suas habilidades intelectuais e manuais para, na interação com o outro, modificar o meio suprindo suas necessidades e perpetuando sua espécie, é, também, da natureza humana, o ato de aprender e de ensinar por meio do trabalho, que garante a sobrevivência humana. (FREINET, 1985; WHITAKER, 1989). Foi como autodidata na educação e na ciência que Freinet iniciou suas observações da prática escolar, atentando especialmente para o desenvolvimento intelectual das crianças. Com base nessas observações, Freinet construiu, sem muito embasamento científico, uma prática peculiar de ensino. Os princípios que norteiam o processo educativo freinetiano são: a confiança e o respeito mútuo entre os seres humanos; a necessidade de uma escola aberta e flexível; a livre expressão; o cooperativismo; a coletividade; o trabalho enquanto 30 agente central do processo educativo e formador (WHITAKER, 1989). Para construir sua pedagogia, o autor baseou-se na cotidianidade e na importância fenomenológica que as interações sociais têm para o processo de aprendizagem do homem. Para ele, ficou claro que o interesse das crianças estava lá fora, nos bichinhos que subiam pelo muro, nas pedrinhas redondas do rio, pois percebia que, nos momentos de leitura dos livros de classe, o desinteresse era total. Nessas ocasiões, os olhares dos meninos atravessavam as janelas e acompanhavam o voo dos pássaros ou das abelhas zumbindo e batendo nos vidros das janelas empoeiradas (WHITAKER, 1989, p. 15). Para o autor, a criança aprende pela experimentação concreta no mundo real, na relação com o mundo, com as pessoas, enfim, com o meio social, pois Freinet acreditava que um experimento, qualquer que seja, deixa uma marca indelével e é com essas marcas que a criança constrói seu conhecimento (FREINET, 1979). A Pedagogia do Bom-senso deve importar-se principalmente com a observação da criança na construção de suas próprias opiniões. Nesse processo, o erro deve ser considerado uma fase fundamental da produção do conhecimento. O ato de errar é um elemento-chave na aprendizagem, já que é um desafio, um estímulo para o conhecer e para o descobrir, que são, por sua vez, impulsos inatos ao homem (FREINET, 1985; WHITAKER, 1989). Freinet criticou a escola convencional e seus métodos por acreditar que esta não respeitava a natureza do aprendizado, uma vez que se baseava na repetição e na memorização. Para o autor, o aprendizado infantil deve partir de ideias e coisas sensíveis que tenham significado real à criança. A partir do tripé Pedagogia do Bom- senso, Trabalho e Êxito, Freinet defendeu uma educação na qual: a criança fosse respeitada como sujeito construtor de conhecimento, a livre expressão fosse valorizada, a satisfação das necessidades vitais fosse motivada. Por meio de trabalhos úteis, criativos e organizados. Todo esse processo educativo, para ser revolucionário, deve resultar na formação de cidadãos autônomos e cooperativos. Na pedagogia de Freinet, a livre expressão, em todas as manifestações da criança e do professor, define uma postura pedagógica que torna a escola um verdadeiro lugar da vida e da produção, onde se faz a aprendizagem da democracia 31 pela participação cooperativa. A livre expressão é acompanhada de responsabilidade; a criança exerce a liberdade, mas arca com tudo o que ela comporta: frustrações, limitações e necessidade de organização para o desenvolvimento do trabalho (WHITAKER, 1989, p. 210). O TRABALHO NA ESCOLA - AULA-PASSEIO A primeira atividade desenvolvida por Freinet foi a aula-passeio. Essa atividade deve ser articulada com outras atividades educativas. A organização deve ser coletiva, de forma que seja proporcionada a todos a livre expressão, o desenvolvimento da criatividade, da prática de pesquisa e da reflexão (WHITAKER, 1989; FREINET, 1979). Imprensa escolar A imprensa escolar foi desenvolvida por Freinet com o objetivo de divulgar e socializar os trabalhos infantis. Essa atividade pode ser usada desde as séries iniciais tendo como base os textos livres escritos pelas crianças a partir de atividades como a entrevista e a aula-passeio. Antes de serem divulgados, os textos passam por uma triagem coletiva. Após a seleção dos textos, inicia-se o processo de correção coletiva para que todas as crianças se sintam contempladas. A impressão dos textos também deve ser coletiva, a fim de que a aprendizagem da leitura e da escrita seja o mais natural possível. Para Freinet, o aprendizado da língua deve ser um processo natural, pois ela é um elemento fundamental nas relações homem-homem e homem-mundo. Parafraseando Freinet, numa necessidade psicológica e funcional de interagir com outros, o homem lança- se no aprendizado dos gestos, das expressões, dos gritos, dos sons, dos trejeitos, até que ele domine totalmente a fala. Nesse processo, porém, o homem não aprende sozinho, mas com o auxílio dos outros e na interação com os outros. Nesse sentido, a expressão oral, que leva à construção permanente de frases e da linguagem verbal como um todo, deve ser o fio condutor do processo de ensino-aprendizagem da leitura e da escrita (WHITAKER, 1989; FREINET, 1979). 32 Texto livre Partindo da premissa de que a expressão infantil deve ser respeitada e estimulada, Freinet propôs o texto livre como mecanismo viabilizador da criação, no qual a inspiração, forma, tema e tempo de realização são respeitados em cada criança. Na pedagogia freinetiana, o texto livre tem uma estrutura flexível, já que desenho e poemas também são considerados como tal. Respeitando o princípio de liberdade, o texto nunca deve ser exigido pelo professor, mas, sim, estimulado constantemente. Se a criança desejar que seu texto seja divulgado, ele precisará, necessariamente, passar pela correção coletiva (WHITAKER, 1989; FREINET, 1979). Livro da vida O livro da vida, que tem características de diário de classe, objetiva reunir os trabalhos desenvolvidos pelas crianças no cotidiano escolar. O livro da vida também é uma produção coletiva e tanto os alunos quanto os professores têm acesso a ele. Essa atividade é uma forma de registro muito primária, uma vez que é formada por contribuições pessoais e espontâneas de todo o grupo: qualquer trabalho é sempre bem-vindo, podendo ser incorporado ao livro sem passar pela correção coletiva (WHITAKER, 1989; FREINET, 1979). INTERCÂMBIO INTERESCOLAR Freinet acreditava que a troca de informações e o contato com realidades diferentes estimulam o aprendizado. Dessa forma, as produções escritas somente teriam sentido se fossem divulgadas para além dos que as produziram. Pela correspondência, a criança descobre um novo meio de comunicação. Interagindo, relacionando-se com outras pessoas e outras realidades, num contato direto com o mundo exterior, a criançaaprende e desenvolve novos comportamentos. Conhecendo culturas e pessoas diferentes, aprende a respeitar e admirar as especificidades dos outros e suas próprias particularidades (WHITAKER, 1989; 33 FREINET, 1979). Não há dúvida de que a Pedagogia do Bom-senso ou Método Natural, como queiram, tem muito de revolucionário, principalmente em relação à escola convencional. Freinet teve o mérito de estabelecer uma nova racionalidade na educação francesa; racionalidade essa que se estende pelos quatro cantos do mundo. A título de análise, é importante destacar o fato de que os pressupostos marxistas da relação homem-capital-trabalho que fundamentam a pedagogia freinetiana são secundarizados, à medida que as atividades práticas são efetivadas de forma descolada, alheia à realidade em que o processo educativo é desenvolvido. Em muitos casos, a aplicação do método natural tem reforçado, apenas, o teor técnico e psicológico da pedagogia de Freinet, sem a necessária relação do processo educativo com as condições sociais, econômicas e políticas da realidade dada. Outra questão relevante, que precisa ser posta em discussão, é a relação teoria versus prática na pedagogia de Freinet. Embora muitos o acusem de ter priorizado as atividades práticas em detrimento dos pressupostos teóricos, Freinet dá grande importância à sistematização do conhecimento, que vai sendo forjado na ação. O movimento ação-reflexão-ação está presente em todas as atividades propostas por Freinet, e, para que não haja uma relação dicotômica e/ou excludente entre teoria e prática, o planejamento do processo educativo é fundamental. Por fim, é importante lembrar que nenhuma pedagogia e base epistemológica podem ser tomadas como uma verdade cerrada, mas como uma dentre tantas alternativas de construção de uma educação emancipadora. A pedagogia de Freinet pode ser uma alternativa para o desenvolvimento de uma educação emancipadora, desde que o ensino-aprendizagem seja compreendido como processo histórico construído pelo homem por meio do trabalho, na relação com os outros homens e dentro de um contexto determinado. 34 MARIA MONTESSORI – A METODOLOGIA MONTESSORIANA Se a ciência começasse a estudar os homens, conseguiria não somente fornecer novas técnicas para a educação das crianças e dos jovens, mas chegaria a uma compreensão profunda de muitos fenômenos humanos e sociais, que estão ainda envolvidos em espantosa obscuridade. A base da reforma educativa e social, necessária aos nossos dias, deve ser construída sobre o estudo científico do homem desconhecido. (MONTESSORI, 1985) O objetivo é discutir os fundamentos teóricos da Pedagogia Montessoriana. Nesse sentido, trataremos de apresentar a filosofia, os princípios, o sistema e as implicações pedagógicas dos estudos desenvolvidos por Maria Montessori sobre o desenvolvimento da criança. Montessori concebe a educação como uma prática natural e que, portanto, deve ter como ponto de partida o mundo concreto, homem concreto. No contexto educativo, a criança é concebida como o elo entre as gerações, aquele que gera o desenvolvimento, que cria e recria a cultura e que possui a tarefa histórica de transmiti-la ao novo homem e à nova mulher. Maria Montessori nasceu em 31 de agosto de 1870, na pequena cidade de Chiaravalle, no leste da Itália. Filha única de Alessandro Montessori e Renilde Stoppani e neta de um famoso geólogo e naturalista, Antonio Stoppani. Aos 12 anos de idade, a modesta família de Montessori muda-se para Roma, a fim de oferecer- lhe oportunidades de uma educação mais completa. Montessori, a princípio, estudou em escola pública e, nesse período, não teve destaque como aluna. Por meio das relações estabelecidas na capital italiana, onde surgiam novas ideias fomentadas pelo movimento de Reunificacão da Itália e pelo desenvolvimento de novas instituições democráticas nesse país, Montessori foi dando mostras de sua personalidade revolucionária. Foi a primeira mulher a cursar uma universidade na Itália; a primeira médica da Itália; teve filho sem se casar. Seu caráter forte, seu senso de dever, sua natureza assertiva, suas convicções e sua forma vigorosa de defender suas ideias renderam-lhes muitos seguidores e muitos opositores. Maria Montessori construiu sua história pessoal, intelectual e científica 35 dedicando-se, por mais de meio século, ao estudo e à pesquisa do mais fundamental e difícil problema do homem - a sua formação: Montessori acreditava que somente por meio do entendimento da formação do homem seria possível intervir em questões decisivas - sua conservação e seu desenvolvimento. Montessori viveu de forma intensa a história de seu tempo, dedicou-se de forma integral a novos experimentos, descobertas e alternativas; contestou os dogmas, as tradições e buscou responder às novas necessidades de uma educação que pudesse formar homens mais humanos. Sistema Montessori A educação montessoriana não pode ser entendida como um método separado de sua concepção filosófica; mesmo constituindo-se de partes hierarquicamente organizadas e tendo fronteiras que demarcam a função de cada uma delas, somente é possível entender educação montessoriana na articulação de suas partes como um todo. Na pedagogia montessoriana, a criança é vista como um ser biológico que, na interação com o meio, torna-se social, e é exatamente por conta disso, diz (Montessori, 1985, p. 51), "que qualquer pessoa que se ocupa de ajudar a vida, na educação da criança, não pode prescindir de considerar a criança como um ser vivo e qual é o seu lugar na biologia; isto é, no campo total da vida". Para a autora, a criança estabelece uma relação muito particular com o meio, diferente da relação estabelecida pelo adulto: Segundo Montessori (1985): Os adultos admiram o ambiente, podem recordá-lo, mas a crianças absorve-o em si. Não recorda as coisas que vê, mas essas coisas vão paulatinamente fazendo parte de sua inteligência, ou seja, a criança internaliza as coisas como elas são (MONTESSORI, 1985, p. 55). Nesse sentido, Montessori acredita que a autoconstrução, quer dizer, a formação da estrutura psíquica da criança, desenvolve-se a partir de uma força interior, numa relação de influência recíproca entre o meio. Dito de outra forma, o amadurecimento intelectual da criança dá-se na relação com o mundo, à medida que sua maturação biológica evolui. Esse processo fica mais claro a partir dos 36 períodos de desenvolvimento da criança criados por Montessori. Primeiro período: do nascimento aos seis anos de idade Nesse período, a criança realiza sua própria construção por meio da exploração e da absorção do meio ambiente que a circunda. Sua inteligência funciona em função do mundo externo e das relações superficiais entre os objetos e suas qualidades e significados: o que orienta a ação intelectual da criança nesse período são suas necessidades imediatas - comer, dormir etc. Por conta disso, esse período é concebido como sendo essencialmente sensorial (MONTESSORI, 1985). Segundo período: dos seis aos doze anos de idade. Nesse período, as ações da criança já não são mais comandadas por suas necessidades imediatas; suas atitudes têm relação direta com o mundo concreto, com aquilo que vê, ouve e sente. A criança já é capaz de relacionar e entender os fatos que acontecem ao seu redor à luz da razão; reflete e questiona sobre o mundo. Portanto, nessa fase, há uma busca incessante dos "como" e dos “porquês" das coisas. É à entrada da criança no mundo das abstrações (MONTESSORI, 1985). Terceiro período: dos doze aos dezoito anos de idade. Nesse período, o adolescente interessa-se de forma mais aberta pelas causas e efeitos dos problemas que lhe são postos. Os fatos da vida começam a ser vistos como consequências de determinada ação e/ouatitude; a capacidade de abstração já está totalmente desenvolvida (MONTESSORI, 1985). Em sua obra Educação como ciência, Montessori defende que a educação pode ter uma pedagogia científica, desde que respeite as leis de desenvolvimento da criança em suas fases evolutivas. Em outra obra, Educação Cósmica, a autora diz que a educação deve respeitar as leis que regem a relação entre natureza, vida e sociedade humana. Segundo a autora, a tarefa cósmica de cada ser humano é que mantém a harmonia da vida e torna possível a evolução do homem. Nesse sentido, a natureza, o ritmo da vida é que deve reger a prática educativa. Somente a natureza, que estabeleceu algumas leis e determinou algumas necessidades no homem em via de desenvolvimento, pode ditar o método educativo 37 determinado pelo fim, que é o de satisfazer as necessidades e as leis da vida. Tais leis e necessidades a criança mesma deve indicar, nas suas manifestações espontâneas e no seu progresso: na manifestação da sua paz e da sua felicidade; na intensidade dos seus esforços e na constância das suas livres escolhas. (MONTESSORI, 1985, p. 67-68) A Metodologia Montessoriana Maria Montessori considerava as crianças um grupo social de grandes dimensões. Para a autora, a criança é a verdadeira potência do mundo e somente por meio dela é possível alimentar a esperança de construção de um mundo melhor. Nesse sentido, cabe ao homem a tarefa de continuar, coletivamente, o trabalho da criação, descobrindo a inteligência, as infinitas possibilidades que a natureza oferece e, dessa forma, recriar e proteger o meio cultural. Em função disso, Montessori buscou criar métodos que dessem condições e permitissem às crianças a manifestação de suas ações e de sua inteligência, de acordo com as necessidades internas. A autora defende que o objetivo da educação deve ser buscar dentro da criança a força que impulsiona e sustenta seu processo de autoformação e de construção. Á educação, então, cabe a tarefa de favorecer, no seu sentido mais completo, o desenvolvimento do potencial criativo, da iniciativa, da independência, da disciplina interna e da confiança em si mesmo (MONTESSORI, 1985). Todos esses aspectos da educação montessoriana estabelecem uma diferença fundamental entre essa pedagogia e a educação tradicional. O método tradicional interfere diretamente no desenvolvimento da criança, buscando modelá-la de acordo com o que está preestabelecido. O método de Montessori, ao contrário, parte do princípio de que a matéria-prima do desenvolvimento da criança está dentro dela mesma e que, por isso mesmo, a escola somente precisa estimular na criança a descoberta de suas potencialidades (MONTESSORI, 1985). Dessa forma, o papel do educador é de extrema importância, cabendo a ele estimular na criança o desenvolvimento de seus sentidos, por meio do contado direto com objetos materiais e com o próprio mundo. Como diz Montessori (1985, p. 38 153), "os sentidos, sendo os exploradores do ambiente, abrem caminhos a consciência. Os materiais para educação dos sentidos são dados como uma espécie de chave para abrir uma porta à exploração das coisas e pormenores que, na escuridão (no estado inculto), não se poderiam ver". O educador deve, também, considerar o ritmo de cada criança, respeitar seu desenvolvimento natural e buscar o caminho do respeito à diversidade e não homogeneização. Por conta disso, na pedagogia montessoriana, o processo educativo torna-se mais produtivo, quando se viabiliza as crianças a convivência e a troca de conhecimentos com crianças de idades e ritmos de aprendizagem diferentes. Esses ambientes estimulam a solidariedade, o companheirismo, o crescimento mútuo, a ajuda ao próximo (MONTESSORI, 1985). Para a autora, a educação deveria ser capaz de atender, na mesma classe, crianças com idades e ritmos diferentes, transformando a escola num ambiente de exercício do equilíbrio entre a liberdade individual e a necessidade do grupo. Assim, Montessori pretendia construir uma educação, capaz de formar adultos responsáveis, solidários, generosos, competentes, críticos e independentes. A Filosofia Montessoriana A filosofia de Montessori deve ser entendida como um começo, uma busca constante de respostas à educação e à vida da criança. Nesse sentido, a base da educação montessoriana são as experiências da própria criança e não as do mundo adulto (MONTESSORI, 1985). A partir de suas observações diretas sobre o mundo infantil, estabeleceu os seguintes princípios: É agindo que a criança adquire conhecimentos. Por meio de uma ordenação de atividades gradativamente crescentes, a aprendizagem pode ser desenvolvida com maior possibilidade de sucesso. A autoconfirmação imediata dos resultados do trabalho garante uma aprendizagem mais eficiente. Intervenções indevidas dos adultos podem comprometer a aprendizagem. Cada criança tem um ritmo próprio que deve ser rigorosamente respeitado. A observação direta pode facilitar a aprendizagem de novas ações e atitudes a serem adquiridas. A aprendizagem de muitas ações, hábitos e atitudes podem ocorrer mais cedo que o 39 habitualmente previsto. Fornecer à criança a consciência do homem no planeta, na história, fazer com que ela se sinta responsável pela vida na sua totalidade e introduzi-la no mundo são objetivos centrais da pedagogia montessoriana. A criança precisa ter a possibilidade de explorar, de descobrir, de entusiasmar-se com as descobertas e de sentir um desejo incessante pela busca de coisas novas. Montessori acreditava que, à medida que a educação oferecesse às crianças um ambiente escolar que refletisse seu próprio mundo, respeitando seu ritmo, suas possibilidades e suas limitações físicas e intelectuais, a aprendizagem poderia tornar-se um ato prazeroso. Para tanto, a escola precisaria garantir, também, relações interpessoais (entre educadores e educandos) nas quais prevalecesse o respeito e a confiança mútua, em que cada criança pudesse sentir-se peça fundamental no processo de seu próprio desenvolvimento. Na pedagogia montessoriana, a educação é uma extensão da natureza humana. Portanto, nada mais natural que a educação aflore da criança, de suas necessidades e de suas habilidades naturais. Nesse sentido, a escola deve tomar a vida como o ponto de partida para a construção de seres humanos capazes de reconstruir um mundo onde o homem, enquanto expressão viva da natureza seja orientando no sentido de construir-se como criatura autônoma, solidária, criativa e verdadeiramente humana. JEAN PIAGET E A EPISTEMOLOGIA GENÉTICA Não há dúvida de que os educadores são imagens que se reproduzem e refletem-se nos novos homens e nas novas mulheres que ajudamos a formar; cada ação, cada gesto, cada palavra, cada valor é uma peça fundamental que se soma na construção histórica de um novo ser humano. Nesse sentido, o conhecimento das bases psicológicas de desenvolvimento da aprendizagem pode contribuir para o forjar de uma nova prática educativa; uma prática educativa que seja mais humana, democrática e conduzida no sentido da emancipação do novo homem e da nova mulher. 40 Somente é possível conduzir o processo educativo no sentido de uma prática afetiva, crítica e libertadora à medida que assumimos o desafio de irmos além do repasse mecânico de conhecimento e abraçamos o compromisso de entender o processo educativo como um processo construído por homens e mulheres, enquanto sujeitos históricos, produtores e produtos da sociedade. A Epistemologia Genética de Jean Piaget pode ser o ponto de partida para a compreensão do processo educativo enquanto construção humana. Nesse sentido, busca-se explicitar a base teórica piagetiana que serve de fundamento para o desenvolvimento de práticas alternativas de educação. Vida e Obra de Jean Piaget
Compartilhar