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MÓDULO 3 MÓDULO 03: DIREITOS HUMANOS Caro cursista, Na Unidade anterior tivemos a oportunidades de distinguir e caracterizar os conceitos de universalidade, igualdade e equidade. Encerramos essa unidade tendo em vista uma nova agenda para as Políticas Públicas. Agora vamos trazer para o debate as situações vivenciadas no contexto do sistema penal. Vamos analisar o cumprimento de pena e a ausência de atendimento e serviços que res- peitem as particularidades e múltiplas demandas dos indivíduos, em suas dimensões objetivas e subjetivas. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO Na tentativa de organizar a discussão, esta Unidade contemplará aspectos relativos às diferentes situações que tornam o indivíduo e grupos sociais vulneráveis no âmbito do sistema prisional. OBJETIVO Esperamos que você, ao final do estudo desta Unidade, seja capaz de: Compreender os marcos legais que fundamentam o atendimento adequado aos grupos populacionais atingidos pelo sistema penitenciário; Considerar a ampla diversidade humana na formulação de políticas penitenciárias e estruturação de serviços penitenciários; Reconhecer medidas que promovem os direitos dos diferentes grupos em cumprimento de pena e seus familiares. Para o desenvolvimento desse curso faremos uso do Ambiente Virtual de Aprendizagem Moodle e suas ferramentas de interação, que nos permitem compartilhar nossas dúvidas, saberes e expectativas referentes à questão dos aspectos conceituais e da trajetória dos direitos humanos centrado na promoção da dignidade humana. 1. VULNERABILIDADE FRENTE AO SISTEMA PENITENCIÁRIO As pessoas privadas de liberdade sob custódia do Estado brasileiro podem vivenciar situ- ações que as coloquem em risco ou maior vulnerabilidade, notadamente os grupos populacionais específicos. Como vimos nos capítulos anteriores, vivemos em sociedade que produzem e reproduzem valores baseados no preconceito e que acabam por refletir em práticas discriminatórias e até mesmo violações de direitos em razão do gênero, idade, orientação sexual, religião, origem, opinião ou deficiência. No ambiente de cumprimento de pena também são observados os reflexos do preconceito e estereótipos compartilhados na sociedade como um todo, atingindo negativamente a população assistida. Dessa maneira, as autoridades penitenciárias e o corpo funcional têm o compromisso de criar mecanismos e procedi- mentos a fim de evitar a discriminação inclusive institucional, e a que tratam dos direitos das pessoas presas ou em cumprimento de penas alternativas à prisão trazem aspectos relativos à diversidade e às medidas positivas a serem adotadas para de grupos específicos. são feitas em documentos como: Detenção ou Prisão Regras Mínimas para o Tratamento de Pessoas Presas Princípios e Boas Práticas sobre a Proteção de Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas, da responsabilização dos seus agentes quando identificados, sejam eles servidores públicos, indivíduos ou a própria população carcerária (COYLE, 2009). A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos é enfática ao estabelecer como princípio de proteção das pessoas privadas de liberdade a não discriminação em razão de origem, nacionalidade, cor, sexo, idade, idioma, religião, opiniões políticas, origem nacional ou social, posição econômica, deficiência, gênero, orientação sexual ou qualquer outra. De maneira afirmativa, recomenda a aplicação de medidas dirigidas a grupos ou temas específicos como: direitos das mulheres, notadamente das gestantes e nutrizes, das crianças, dos idosos, das pessoas com patologias infecciosas, como HIV/AIDS, e das pessoas com deficiências. Nesse caso, justificam estas práticas na legislação internacional de direitos humanos considerando a realidade local. No Brasil, o Artigo 5º da Constituição Federal, que elenca direitos e garantias fundamentais, buscou resguardar de abusos e arbitrariedades aquele que é processado penalmente e o que cumpre pena. Tanto um como o outro se encontram em posição de fragilidade social e jurídica, pois tem, contra si, uma pressão e pretensão exercida pelo Estado, parte inegavelmente mais forte nesta relação. Incluem-se neste grupo os presidiários, os submetidos à medida de segurança (Código Penal, art. 26) e, ainda, os penalmente processados. Infelizmente, predomina ainda em nossa sociedade a desconsideração do preso como cidadão e como pessoa humana, que deve ter todos os seus direitos resguardados e a sua dignidade preservada, bem jurídico absoluto, inalienável e intangível que é. A violência constante a que muitas vezes é submetido o preso nos superlotados estabelecimentos prisionais brasileiros, sem qualquer condição de reintegrá-los à vida social, acaba promovendo a reificação do preso, isto é, este não é mais tratado como ser humano, mas como objeto, coisa – o que causa a marginalização e exclusão, exatamente o problema que se quer evitar. Consequentemente, além de perder a liberdade, degrada-se a dignidade do preso, perpetuando um ciclo vicioso PARA REFLETIR Portanto, diante da ameaça à liberdade e dos prejuízos que o próprio processo penal pode gerar, garante-se, constitucionalmente, o direito ao devido processo legal, ao contraditório, à ampla defesa, ao juiz natural e a consequente vedação de juízos de exceção. Também, a todo aquele que é processado é garantida a presunção de inocência, devendo o Estado produzir a prova da materialidade (existência) do delito e da autoria. Todo aquele que é preso tem direito de permanecer em silêncio, sem que isso importe em qualquer tipo de prejuízo, e de ser assistido pela sua família e por advogado. Deve também ser informado dos responsáveis pela sua prisão. Proíbe-se, igual- mente, o uso de provas ilícitas, o que coloca limites, sobretudo ao modo de exercer a investigação policial, dentre outros. À pessoa condenada, assegura-se o direito a penas humanizadas, pois são vedadas as cruéis – assim entendidas as de banimento, de trabalho forçado, de caráter perpétuo e de morte, salvo no caso de guerra declarada. Garante-se, constitucionalmente, o direito ao respeito e à integridade física e moral, observando-se que a pena deve ser cumprida em estabelecimento distinto, de acordo com natureza do delito, da idade e do sexo. A Lei Federal nº 7.210, de 11 de julho de 1984, a Lei de Execução Penal – LEP –, também trouxe uma série de direitos, que devem ser observados. Inicialmente, cabe ressaltar que um dos objetivos principais da LEP é proporcionar condições para a harmônica reintegração social. A lei confere ao preso e ao egresso do sistema prisional o direito à assistência, em suas modalidades material, jurídica, educacional, social e religiosa (Art. 11), nos termos da lei. Não se duvida que um dos mais importantes fatores de coesão social, de elevação da autoestima, capaz de proporcionar o desenvolvimento da solidariedade e da disciplina, entre outros valores, é o trabalho. Este não serve apenas para se sustentar. Possui um escopo maior, que abrange a própria possibilidade de se autodeterminar. Por essa razão, a LEP tratou especificamente do trabalho do presidiário, com finalidade educativa e produtiva (Art. 28), devendo este ser remunerado em valor não inferior a ¾ do salário mínimo. É certo que este dinheiro possui, em parte, vinculação (como a reparação do dano causado, assistência à família e ressarcimento ao Estado com as despesas de manutenção do condenado), res- saltando-se o seu caráter social. O trabalho divide-se em interno e externo, de modo que o condenado a regime fechado só terá direito ao primeiro, exceto no caso de obras públicas realizadas pela administração pública ou a seu cargo. No caso de condenados que cumprem pena em regime fechado,poderão obter permissão para sair do estabelecimento prisional no caso de falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão, ou para tratamento médico, sempre mediante escolta. No caso de regime semiaberto, as hipóteses se ampliam para a visita à família, frequência a cursos supletivos e profissionalizantes, e à participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social. Para tanto, exige- se do preso bom comportamento, cumprimento mínimo de 1/6 da pena, se primário, ou ¼, se reincidente, além da compatibilidade do benefício com os objetivos da pena – por até sete dias, não podendo ser renovada mais que quatro vezes ao ano. Destaca-se, ainda, a possibilidade de remição, ou seja, da diminuição do tempo de pena a cumprir devido ao trabalho ou estudo feito pelo preso, nos termos da lei, bem como a possibilidade de livramento condicional, quer dizer, a colocação do preso em liberdade, depois de cumprida parte da pena e determinados pressupostos. É um período de teste. Na hipótese de descumprimento das condições impostas, volta ele a ser recolhido, para o cumprimento do restante da pena. Caso contrário, ficará livre, cumprindo o restante da pena em liberdade. Para adequado atendimento das pessoas sob custódia do Estado, assegurando cumpri- mento dos dispositivos legais nacionais e os pactos internacionais, é preciso identificar quais situações discriminatórias vivenciadas no cotidiano dos estabelecimentos e, de forma concreta, buscar corrigi-las. No Brasil, em 2011, foi adotado o Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que estabeleceu em sua Medida nº 05 a necessidade de ações objetivando o reconhecimento e respeito à diversidade no âmbito do sistema penitenciário brasileiro. O documento aponta a necessidade de se promover iniciativas para assegurar direitos de mulheres, idosos, populações de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros, e estrangeiros presos. Trata, ainda, do direito à livre manifestação religiosa. O texto apresenta recomendações e objetivos a serem alcançados em todas as unidades prisionais, bem como nas diferentes instâncias envolvidas no cumprimento de pena. Destacamos, a seguir, os pontos para serem alcançados pela administração dos serviços penitenciários: Assegurar as visitas íntimas para a população carcerária LGBTTT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e transgêneros). Garantir a assistência pré-natal e a existência de espaços e serviços específicos para gestantes durante a gestação e também no período de permanência dos filhos das mulheres presas no ambiente carcerário (conforme Resolução deste Conselho). Elaborar políticas de respeito às mulheres transexuais e travestis nos presídios estaduais. Estudar a possibilidade de unidades específicas para população LGBTT (acompanhar a experiência em andamento em Minas Gerais). Garantir a acessibilidade nas unidades prisionais, conforme a orientação da NBR 9050. Garantir as condições de manifestação e de profecia de todas as religiões e credos. Criar sistema de acompanhamento de estrangeiros presos no Brasil e implantar políticas de atendimento adequadas e unidades específicas para estrangeiros (quando necessário), garantindo o cumprimento das leis e dos tratados e acordos internacionais de que o Brasil é signatário. Aplicar a separação de pessoas presas por facção criminosa para aquelas que realmente estejam ligadas a grupos organizados do crime e que precisem de controle ou proteção, eliminando as separações por origem, isto é, por locais de moradia, que supostamente são comandados por determinados grupos, evitando assim a criação de unidades específicas por facções criminosas. Elaborar e implantar metodologia específica para cada público (CNPCP, 2011). Você já pensou em discutir com sua equipe de trabalho a situação vivenciada pelos diferentes grupos populacionais presos ou em cumprimento de prestação de serviço à comunidade? Nesse momento do curso é muito oportuno que você possa reunir e demandas de mulheres, idosos, transgêneros, entre outros. Uma dica útil: leiam, juntos, o Penitenciária, disponível no sítio eletrônico do Ministério da Justiça. recomendações apresentadas. No dia a dia da organização penitenciária podemos presenciar práticas ou atitudes discriminatórias por parte do corpo funcional ou autoridades penitenciárias e mesmo da população carcerária que podem impactar na realização de direitos ou acesso a serviços públicos. Por exemplo, verifica-se que em determinada locais homossexuais ou travestis não podem trabalhar na cozinha ou no setor de lavanderia. Relatos informam que estes grupos são muitas vezes obrigados a portar ilícitos de outros presos. Sabe-se também que determinados cultos ou rituais religiosos são proibidos em razão do preconceito. Ou ainda, que é vedada a manutenção de alguns hábitos religiosos como vestuário, indumentárias ou preparação de alimentos culturalmente referenciados. Outra situação discriminatória aponta para a aplicação de sanções disciplinares de alcance e intensidade diferentes em razão das características de cada grupo populacional específico. E mesmo ausência de locais adequados e serviços que respondam às demandas de cada indivíduo. A criança e o adolescente gozam de proteção especial, conferida infraconstitucionalmente pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. O correto atendimento das crianças e adolescente atingidos pelo sistema prisional requer da família, da sociedade e da administração pública um olhar atento. Nesse sentido, como exposto até aqui, a dimensão dos direitos humanos é a mais favorável para análise das diferentes dinâmicas sociais e os vínculos construídos entre filhos e pais, mesmo que estes últimos estejam privados temporariamente de sua liberdade. A Lei nº 12.962, de 18 de abril de 2014, alterou o Estatuto da Criança e Adolescente, inovando no atendimento a esta parcela de pequenos cidadãos brasileiros e mostrando que a exclusão dos descendentes do apenado não pode fazer parte da punição imposta pelo Estado. O texto sancionado reafirma o direito de convivência entre pais e filhos que agora podem ser feitos de forma periódica sem autorização prévia do poder judiciário, pelo responsável ou, em caso de acolhimento, pela instituição responsável. Isso requer um forte diálogo do estabelecimento penitenciário com o serviço público de assistência social em nível local, e outros setores públicos para efetivação da norma. Esta medida deve coibir casos em que as crianças eram apartadas de seus genitores na mais tenra idade, e suas famílias perdiam o contato, tendo dificuldade de localização mesmo depois de cumprimento da pena. A permanência da criança na família de origem enseja agora a obrigatoriedade de inclusão do menor em programas oficiais de auxílio. O cumprimento deste dispositivo pode produzir as mais potentes transformações sociais, na medida em que é possível, de forma criativa, contribuir para a emancipação e autonomia do indivíduo, favorecendo o fortalecimento do tecido familiar e social. Há, ainda, uma importante inovação do diploma no que se refere à perda do pátrio poder. Lembramos a letra da lei: a condenação criminal do pai ou da mãe não implicará a destituição do poder familiar, excetuando os casos em que o crime doloso foi praticado contra os próprios filhos. Na próxima seção, passamos a analisar a situação de cada grupo populacional em cumprimento de pena ou impactado pelo sistema penitenciário como familiares da pessoa presa ou prestação de serviço à comunidade, buscando articular aspectos conceituais, dimensões das conquistas sociais históricas e marcos legais existentes. 2. POLÍTICAS PARA AS MULHERES E IDENTIDADES DE GÊNERO As mudanças sociaise principalmente a atuação dos movimentos organizados em níveis nacionais e internacionais, vem impactando na elaboração e implantação de políticas públicas considerando uma perspectiva de gênero, ou seja, o entendimento sobre as diferenças entre homens e mulheres para além dos conceitos biológicos, que leva em consideração também os aspectos culturais, econômicos e políticos que produzem a desigualdade. Segundo o International Centre for Prision Studies o aprisionamento feminino cresce em todos os continentes. Em aproximadamente 80% dos países, as mulheres representam de 02% a 09% do total da população carcerária. Hoje, o retrato da população prisional brasileira tem mostrado o aumento do encarcera- mento feminino. Relatório disponibilizado no portal do Ministério da Justiça brasileiro, com dados referentes a 2012, aponta que o país possui uma população carcerária de mulheres de pouco mais de trinta e cinco mil, o que representa aproximadamente 06% do total de presidiários. Ao contrário da população masculina que está em sua maioria presa por crimes contra o patrimônio, sessenta por cento das mulheres presas cometeram crimes relacionados ao tráfico de drogas; o segundo tipo de crime mais cometido são crimes contra o patrimônio, com 23%. Quarenta e noves por cento possuem 29 anos ou menos e 61% são negras ou pardas A legislação e o sistema penitenciário têm avançado no reconhecimento das questões de gênero, apesar de que, ainda, muito se tem a fazer. Importante passo considerando as recomendações da I e II Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres, foi a criação, em 2007, de um grupo de trabalho interministerial para reorganização e reformulação do sistema prisional feminino, coordenado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República e o Ministério da Justiça, por meio do Departamento Penitenciário Nacional, para analisar a situação da mulher encarcerada em todo o país, notadamente nas cadeias públicas. O grupo reuniu representantes de diferentes ministérios e órgãos públicos, bem como organizações da sociedade civil e especialistas no tema. Os resultados do trabalho foram apresentados em eventos públicos e na publicação do Relatório Final, que representou um marco na construção de diretrizes para atenção às mulheres presas. Mais adiante, no âmbito do Ministério da Justiça, é criada a Comissão Especial do Projeto Efetivação dos Direitos das Mulheres Presas. O Projeto Mulheres merece destaque, uma vez que faz o acompanhamento das ações nos presídios femininos nos Estados, incentiva estudos e estatísticas sobre a mulher no sistema penal, busca ampliar as políticas de acesso aos direitos das presidiárias, entre outros. As propostas elaboradas neste projeto retratam ações que precisam ser enfrentadas na conjuntura atual da política penitenciária e das políticas sociais, como forma de garantir os direitos das mulheres em situação de privação de liberdade, egressas e seus familiares, rechaçando, assim, práticas institucionais violadoras dos direitos humanos. Após ampla consulta aos entes federados e representantes da sociedade civil, e discussão com demais órgãos que integram sistema de justiça, foi elaborado o II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres Presas, aprovado em 2007. Entre os principais desafios está a construção de planos operacionais locais e a constituição de comitês em cada ente federado para acompanhamento e monitoramento das ações previstas e pactuadas no plano. VOCÊ SABIA Veja a seguir alguns documentos da ONU que abordam o tema, consagrando a necessidade e urgência para promoção de tratamento digno às mulheres em conflito com a lei: Regras de Tóquio: contempla as especificidades de gênero das mulheres que entraram em contato com o sistema de justiça criminal, recomendando a necessidade de aplicar prioritariamente medidas não privativas de liberdade. Resolução 61/143, de 19 de dezembro de 2006: reconhece a urgência dos Estado assumirem medidas para enfrentar causas estruturais de violência contra mulheres, bem como práticas e normas sociais discriminatórias, incluindo aquelas voltadas às mulheres que necessitem de atenção especial, tais como mulheres reclusas em instituições ou encarceradas. Resolução 63/241, de 24 de dezembro de 2008: chama atenção sobre impacto da detenção e o encarceramento de crianças e sugere adoção de boas prá- ticas em relação às necessidades e ao desenvolvimento físico, emocional, social e psicológico de bebês e crianças afetadas pela detenção ou encarcera- mento de pais. Declaração de Viena sobre Crime e Justiça: os Estados-membros reconhecem a importância de implantação de ações políticas baseadas nas necessidades especiais da mulher, na condição de presa. Em janeiro de 2014, foi instituída a Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional – PNAMPE –, por meio de uma porta- ria interministerial. O propósito do Ministério da Justiça e da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República é reformular as práticas do sistema prisional brasileiro, visando a garantia dos direitos das mulheres, nacionais e estrangeiras, presas em estabelecimentos penitenciários e delegacias em todo o Brasil. Voltada também para os funcionários que atuam nos estabelecimentos penitenciários, a Política também prevê alterações e orientações para as rotinas carcerárias, com atenção às diversidades e especificações das mulheres, no que diz respeito à idade, escolaridade, etnia, maternidade e outros aspectos, além de condições adequadas de cumprimento de pena, garantindo o direito à saúde, educação, proteção à maternidade e à infância, atendimento psicossocial e demais direitos humanos. Em 2011, a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas aprovou resolução para os Estados-membros contendo regras de atenção às mulheres presas e em cumprimento de medidas alternativas, conhecidas como Regras de Bangkok. O texto reitera as dimensões aprovadas nas Regras Mínimas de Tratamento de Presos, considerando agora as especificidades da condição do gênero feminino. . SAIBA MAIS LEI nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 – cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. O leitor poderá conhecer e compreender mais sobre esta lei e toda sua sistemática por meio do endereço eletrônico: No Brasil, a Lei de Execução Penal – LEP –, desde 1984, garantiu determinados direitos à presidiária, a saber: que seja recolhida, separadamente, em estabelecimento próprio adequado a esta condição e que sejam disponibilizadas exclusivamente funcionárias mulheres. Igualmente, garantiu o acompanhamento médico à mulher, especialmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido. O estabelecimento deve, também, ser um ambiente preparado para abrigar a mulher presa, nas suas peculiaridades como o caso da maternidade, com berçários e espaços para amamentação de seus filhos. Como forma de proteção aos filhos das mulheres presas, a condenada ao regime aberto que esteja grávida ou amamentando poderá permanecer em residência particular. Chama atenção, nesse sentido, a Resolução CNPCP nº 3, de 15 de julho de 2009, que versa sobre a estada, permanência e posterior encaminhamento das (os) filhas (os) das mulheres encarceradas. A publicação estabeleceque deva ser garantida a permanência de crianças no mínimo até um ano e seis meses para as (os) filhas (os) de mulheres encarceradas junto às suas mães. Após este período, há necessidade de se construir processo gradual de separação a partir da fixação de etapas conforme quadro psicossocial da família, que podem durar até 06 (seis) meses. A normativa possibilita que crianças até 07 (sete) anos possam permanecer junto às suas mães nas unidades prisionais, mas desde que o estabelecimento reúna as condições para atender melhor o interesse do menor nesta fase de desenvolvimento. Deve-se destacar, ainda, a relevante atuação da Defensoria Pública, que tem constituído núcleos de assistência à mulher, possuem o direito de vistoriar os presídios para verificar o cumprimento da lei. Espera-se que uma atuação conjunta do poder público propicie condições adequadas para a reintegração social da presa, como preconizado na lei de execução penal, o que dependerá da articulação e integração de políticas públicas e do apoio da comunidade. Filmes: O cárcere e a rua (BRA, 2004, 80 min) diretora: Liliana Sulzbach. Sinopse: Cláudia é a presidiária mais antiga e respeitada da Penitenciária Madre Pelletier. A que dá ordens e protege. Protege, por exemplo, a jovem Daniela, que corre risco de vida por ser acusada de ter matado o próprio filho. Mas Cláudia, assim como Betânia, deve deixar a penitenciária em breve. Daniela terá que se defender sozinha. Cláudia sai em busca do filho. Betânia sente a tentação de deixar de lado as regras do regime semiaberto para viver a liberdade em companhia de um novo amor. Leite e ferro (BRA, 2009, 70 min) diretora: Cláudia Priscilla Sinopse: O documentário mostra histórias, dramas e emoções de prisioneiras que pariram e amamentam seus bebês no Centro de Atendimento Hospitalar à Mulher Presa (CAHMP), uma instituição em São Paulo que abrigava mulheres em fase de aleitamento. 3. A QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL E O SISTEMA PRISIONAL 3.3.1. Populações indígenas A população indígena brasileira, segundo resultados preliminares do Censo Demográfico realizado pelo IBGE em 2010, é de 817.963, representando 305 diferentes etnias dos quais 502.783 vivem na zona rural e 315.180 habitam as zonas urbanas brasileiras. Este censo revelou que em todos os Estados da Federação, inclusive no Distrito Federal, existem populações indígenas, sendo que a região Norte é aquela que concentra o maior número de indivíduos, 305.873 mil. A Fundação Nacional do Índio (FUNAI), órgão vinculado, ao Ministério da Justiça também registra 69 referências de índios ainda não contata- dos, além de existirem grupos que estão requerendo o reconhecimento de sua condição indígena junto ao órgão federal indigenista. O povo Tikuna, residente no Amazonas, em números absolutos foi o que apresentou o maior número de falantes e, consequentemente, a maior população. Em segundo lugar, em número de indígenas, ficou o povo Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul e, em terceiro lugar, os Kaingang da região sul do Brasil. O citado Censo registrou, também, 274 línguas faladas, sendo que 17,5% da população indígena não fala a língua portuguesa. Esta população, em sua grande maioria, vem enfrentando uma acelerada e complexa transformação social, necessitando buscar novas respostas para a sua sobrevivência física e cultural e garantir às próximas gerações melhor qualidade de vida. As comunidades indígenas vêm enfrentando problemas concretos, tais como invasões e degradações territoriais e ambientais, exploração sexual, aliciamento e uso de drogas, exploração de trabalho, inclusive infantil, mendicância, êxodo desordenado causando grande concentração de indígenas nas cidades. A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007) traz no Artigo 2º que “os povos e pessoas indígenas são livres e iguais a todos os demais povos e indivíduos e têm o direito de não serem submetidos a nenhuma forma de discriminação no exercício de seus direitos, que esteja fundada, em particular, em sua origem ou identidade indígena”. A Constituição Federal, por sua vez, assevera que a realização de direitos dos povos indígenas passa pela garantia de sua autodeterminação, o respeito à sua cultura, práticas sociais e políticas. Os povos indígenas detêm o direito originário e o usufruto exclusivo sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Nesse sentido, é central a discussão sobre as terras indígenas. Nos termos da legislação vigente (CF/88, Lei 6001/73 – Estatuto do Índio– Decreto n.º1775/96), as terras podem ser classificadas nas seguintes modalidades: Terras Indígenas Tradicionalmente Ocupadas: são as terras indígenas de que trata o art. 231 da Constituição Federal de 1988, direito originário dos povos indígenas, cujo processo de demarcação é disciplinado pelo Decreto nº 1775/96. Reservas Indígenas: são terras doadas por terceiros, adquiridas ou desapropriadas pela União, que se destinam à posse permanente dos povos indígenas. São terras que também pertencem ao patrimônio da União, mas não se confundem com as terras de ocupação tradicional. Existem terras indígenas, no entanto, que foram reservadas pelos Estados- membros, principalmente durante a primeira metade do século XX, que são reconhecidas como de ocupação tradicional. Terras Dominiais: são as terras de propriedade das comunidades indígenas, havidas por qualquer das formas de aquisição do domínio, nos termos da legislação civil. Interditadas: são áreas interditadas pela Funai para proteção dos povos e grupos indígenas isolados, com o estabelecimento de restrição de ingresso e trânsito de terceiros na área. A interdição da área pode ser realizada concomitantemente ou não com o processo de demarcação, disciplinado pelo Decreto nº 1775/96. As fases do procedimento demarcatório das terras tradicionalmente ocupadas, abaixo descritas, são definidas por Decreto da Presidência da República e atualmente consistem em: Em estudo: realização dos estudos antropológicos, históricos, fundiários, cartográficos e ambientais, que fundamentam a identificação e a delimitação da terra indígena. Delimitadas: terras que tiveram os estudos aprovados pela Presidência da Funai, com a sua conclusão publicada no Diário Oficial da União e do Estado, e que se encontram na fase do contraditório administrativo ou em análise pelo Ministério da Justiça, para decisão acerca da expedição de Portaria Declaratória da posse tradicional indígena. Declaradas: terras que obtiveram a expedição da Portaria Declaratória pelo Ministro da Justiça e estão autorizadas para serem de marcadas fisicamente, com a materialização dos marcos e georreferenciamento. Homologadas: terras que possuem os seus limites materializados e georreferenciados, cuja demarcação administrativa foi homologada por Decreto Presidencial. Regularizadas: terras que, após o decreto de homologação, foram registradas em Cartório em nome da União e na Secretaria do Patrimônio da União. Interditadas: áreas interditadas, com restrições de uso e ingresso de terceiros, para a proteção de povos indígenas isolados. A União também poderá estabelecer Reservas Indígenas em qualquer parte do território nacional, áreas destinadas à posse e ocupação pelos povos indígenas, onde possam viver e obter meios de subsistência, com direito ao usufruto e utilização das riquezas naturais, garantindo-se as condições de sua reprodução física e cultural. Seguindo os procedimentos próprios definidos na legislação em vigor. É necessário destacar que a legislação vigente reconhece o respeito às formas de organização própria dos povos indígenas, além de suas crenças, costumes, usos e tradições, bem como os direitos originários dos povos indígenas sobre suas terras. Dessa forma, o Decreto nº 5051/04 (Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho– OIT) reafirma o reconhecimento desses direitos constitucionais e ressalta o direito de autonomia dos povos indígenas, no sentido de garantir o respeito às formas diferenciadas de vida e organização de cada povo indígena, seus anseios e planos de vida, de gestão e de desenvolvimento de seus territórios, afastando- se antigos ideários de assimilação, superioridade ou dominação frente a povos indígenas. O cidadão indígena goza do direito inalienável de participação na vida política nacional com direito a voto, acesso a documentação, não-discriminação e direitos de cidadania; e reconhece-se que os povos indígenas também se apresentam como coletividades singulares frente à sociedade nacional. Isso significa dizer que os povos indígenas se organizam por meio de usos, costumes, tradições dentro de sociedades indígenas – inclusive com regras internas próprias – e que, como coletividades distintas, também participam das decisões políticas de Estado. O desafio do Estado brasileiro hoje é implementar uma política indigenista não assimilacionista, que supere relações de dominação ou de dependência impostas pelo modo de vida não-indígena. Esta política deve observar as singularidades dos diferentes povos indígenas e respeitar as manifestações de vontades autônomas destes povos no que diz respeito às suas opções de vida. Assim, a administração pública deve atuar em resposta às demandas das comunidades indígenas no que se refere ao fortalecimento interno e respeito externo das dinâmicas sociais singulares dos diferentes povos indígenas sobre diferentes temas, como, por exemplo, assuntos de gênero e geracionais, formas de resolução internas de conflitos, gestão territorial e ambiental. Para isso, os agentes públicos precisam conhecer as regras de organização dos povos indígenas, pontos de vistas, valores, anseios e o tipo de relação que eles querem estabelecer com a sociedade nacional, para uma relação respeitosa e, consequentemente, para a elaboração de leis e implementação de políticas que atendam à construção de um Estado verdadeiramente pluriétnico. Em algumas situações, em razão de sua autodeterminação, muitos povos optam por fazer prevalecer dinâmicas coletivas próprias. Este é o caso de diversos povos de recente contato e dos povos indígenas isolados, que em razão de sua especial condição de vulnerabilidade exigem uma atuação ainda mais diferenciada dos diferentes órgãos, notadamente aqueles voltados a políticas indigenistas. A seguir, seguem relacionados os princípios que orientam a atuação voltada a atender as demandas das populações indígenas: Garantia de um diálogo intercultural respeitoso. Respeito e fortalecimento da autonomia e formas de organização próprias dos povos indígenas com reconhecimento de suas decisões. Acompanhamento diferenciado para povos indígenas de recente contato e/ou em terras com presença de índios isolados. Garantia de informação adequada aos povos indígenas e de acordo com a legislação em vigor. Fundamentação das decisões de governo que afetam povos indígenas, considerando suas formas próprias de organização e os direitos de participação e de consulta livre prévia e informada. Há 100 anos, o Estado brasileiro criou o Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais – SPILTN –, a primeira estrutura organizacional responsável por uma política indigenista oficial. A Fundação Nacional do Índio – Funai –, hoje vinculada ao Ministério da Justiça, tem suas origens relacionadas com a criação do extinto SPILTN, mais tarde denominado apenas Serviço de Proteção aos Índios – SPI. Criado pelo Decreto-Lei nº 8.072, de 20 de junho de 1910, o SPI teve como objetivo ser o órgão do Governo Federal encarregado de executar a política indigenista. Sua principal finalidade era proteger os índios e, ao mesmo tempo, assegurar a implementação de uma estratégia de ocupação territorial do país. A criação do SPI modificou profunda- mente a abordagem da questão indígena no Brasil. A primeira Constituição, de 1824, ignorou completamente a existência das sociedades indígenas, prevalecendo uma concepção da sociedade brasileira como sendo homogênea. Consequentemente, não reconheceu adversidade étnica e cultural do país e estabeleceu como sendo de competência das Assembléias das Províncias a tarefa de promover a catequese e de agrupar os índios em estabelecimentos coloniais, o que acarretou impactos significativos sobre as terras ocupadas. Mais de meio século depois, a Funai foi criada por meio da Lei nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967, em substituição ao SPI. Esta decisão governamental foi tomada num momento histórico em que predominavam, ainda, as ideias evolucionistas sobre a humanidade e o seu desenvolvimento através de estágios. Esta ideologia de caráter etnocêntrico influenciou a visão governamental, sendo que a Constituição vigente naquela época estabelecia a figura jurídica da tutela e considerava os índios como “relativamente incapazes”. Mesmo reconhecendo a diversidade cultural entre as muitas sociedades indígenas, a Funai tinha o papel de integrá-las, de maneira harmoniosa, na sociedade nacional. Considerava-se que essas sociedades precisavam “evoluir” rapidamente, até ser integradas, o que é considerado na prática como uma negação da riqueza da diversidade cultural. Posteriormente, com a edição da Lei nº 6.001 de 19 de dezembro de 1973, conhecida como Estatuto do Índio, se formalizaram os procedimentos a serem adotados pela Funai para proteger e assistir as populações indígenas, inclusive no que diz respeito à definição de suas terras e ao processo de regularização fundiária. O Estatuto do Índio representou um avanço em relação à política indigenista praticada, estabelecendo novos referenciais no que diz respeito à definição das terras ocupadas tradicionalmente pelos índios. Entretanto, a nova política indigenista continuou ambígua no que se refere ao reconhecimento da especificidade cultural dos índios, pois se propunha a proteger as diferentes culturas indígenas ao mesmo tempo em que objetivava sua integração na sociedade brasileira. Mesmo com os avanços alcançados na abordagem da questão indígena, a função de tutela continuou sendo exercida pelo Estado, reforçando a relação paterna- lista e intervencionista deste para com as sociedades indígenas, mantendo-as submissas e dependentes.’ O processo de democratização do Estado brasileiro, durante a década de 1980, permitiu e incentivou a ampla discussão da chamada “questão indígena” pela sociedade civil e pelos próprios índios, que começaram a se conscientizar e a se organizar politicamente, num processo de participação crescente nos assuntos de seu interesse. Nas discussões e atividades políticas que envolveram o período de elaboração da Constituição, promulgada em 1988, foi intensa a atuação de entidades civis dedicadas à causa indígena, bem como de entidades constituídas pelos próprios índios. A Constituição de 1988 instaurou um novo marco conceitual, substituindo o modelo político pautado nas noções de tutela e de assistencialismo por um modelo que afirma a pluralidade étnica como direito e estabelece relações protetoras e promotoras de direitos entre o Estado e comunidades indígenas brasileiras. Além disso, estabeleceu o prazo de cinco anos para que todas as terras indígenas do país fossem demarcadas. Assim, estas mudanças de visão, de abordagem e dos princípios que devem orientar a ação do Estado exigiram uma reformulação dos seus mecanismos de ação relativos às populações indígenas. Um dos maiores desafios da política indigenista brasileira é melhorar a integração e sinergia das ações do governo federal em parceria com estados, municípios e sociedade civil, com vistas a maior eficiência e eficácia das políticas. Passados mais de 20 anos da promulgação da Constituição, aindapersistem situações de conflito que tornam vulneráveis os povos indígenas e suas terras, invadidas por madeireiros, garimpeiros, atividades agropecuárias ilegais, entre outras, decorrentes do processo de expansão econômica do país nos últimos anos, sobretudo na Amazônia Legal. Para dar conta desses novos desafios, tem ocorrido uma reformulação da política indigenista com a reestruturação da Funai, a criação da Comissão Nacional de Política Indigenista – CNPI – e dos Comitês Regionais paritários, espaços políticos estratégicos do protagonismo dos indígenas junto ao governo. Nacionalmente, a CNPI constitui-se como um dos mais relevantes espaços de articulação e pactuação de políticas públicas voltadas aos povos indígenas, envolvendo vários órgãos do governo federal e representantes indígenas de todas as regiões do país. Mais recentemente foi criada a Secretaria Especial de Saúde Indígena no âmbito do Ministério da Saúde, de modo a conferir maior eficácia ao Subsistema de Saúde Indígena do SUS. Na área educacional, o tema passou a ser de competência do Ministério da Educação, que por meio de articulação com os Estados e Municípios é o responsável pelas ações destinadas à educação escolar indígena. A coordenação das políticas e ações é realizada pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Na perspectiva de ampliar a proteção e a promoção dos direitos dos povos indígenas centrada na superação de paradigmas conceituais de tutela e assistencialismo, que historicamente referenciaram as ações governamentais com os povos indígenas no Brasil, um conjunto de políticas e ações de longo prazo foi desenvolvido, com destaque para o Programa Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas, componente do Plano Plurianual do governo federal, coordenado pela Funai desde 2008, com uma perspectiva de articulação e transversalidade das políticas públicas e para Política Nacional de Gestão e Territorial e Ambiental de Terras Indígenas – PNGATI –, instituída pelo Decreto nº 7747, de 05 de junho de 2012. Aplicam-se aos cidadãos indígenas todas as leis do país, nos mesmos termos que se aplicam aos demais cidadãos brasileiros. Entretanto, como amplamente informado acima, o Estatuto do Índio e a Constituição Federal de 1988 previram que o respeito aos sistemas culturais e normativos dos povos indígenas, como garantia de sua sobrevivência e integridade, devendo ser reconhecido seus costumes, línguas, filosofias, concepções lógicas e ordenamentos jurídicos. Nesse sentido, destaca-se que o Estado tem o dever de respeitar e admitir coexistência de outros sistemas organizacionais ou ordens jurídicas fundadas em normas, usos, costumes e tradições que regulem a vida social de um povo indígena (pluralismo jurídico). Este respeito é imprescindível para a garantia de um tratamento justo a ser dispensado aos indígenas, seus familiares e suas comunidades, diante de um processo criminal. O princípio da igualdade com respeito à diferença fez com que o Estatuto do Índio, ao mesmo tempo em que antevisse a possibilidade de condenação dos indígenas, determinasse a obrigatoriedade da utilização de medidas diferenciadas em relação à penalidade a ser determinada e ao modo de seu cumprimento. Destarte, em caso de condenação, a lei indigenista brasileira prevê, em nome do princípio do respeito à diferença, a necessária atenuação da pena e o cumprimento em regime especial de semiliberdade no local de funcionamento do órgão indigenista, mais próximo da habitação do condenado, conforme o Artigo 56, único, Lei nº 6.001/73. Contudo, Lacerda (2010) chama atenção ao ideário criado pelo senso comum de que os índios são inimputáveis ou semi-inimputáveis. Corrige esta distorção apontando que o Código Penal, em razão do princípio da isonomia, estabelece igualmente as sanções aos indígenas assim como aos demais cidadãos brasileiros. O relatório preparado pelo Conselho Indigenista Missionário – CIMI– (2010), citando dados do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN –, revela que em dezembro de 2010 havia um total de 748 indígenas internos no sistema penitenciário, sendo destes 56 mulheres e 692 homens. Tais dados demonstram que os indígenas são um grupo social cada vez mais presente na população carcerária do país. Em dezembro de 2012, estes dados oscilaram, passando a 979 indígenas presos, sendo 924 homens e 55 mulheres. A tabela ajuda a mostrar a evolução dos números no período. Indígenas internos no Sistema Penitenciário Brasileiro Dezembro de 2005 a dezembro de 2010 Tabela: Rosane Lacerda. Fonte: InfoPen-Estatística, Tabelas diversas (Apud, 2010). É preciso lembrar, no entanto, que estes dados podem apresentar inconsistências, pois nem sempre os estabelecimentos prisionais preenchem adequadamente os sistemas de informações. Os dados não consideram as pessoas detidas em cadeias públicas aguar- dando julgamento. Entre os motivos destacam-se a posse de entorpecentes, furto, roubo, homicídios, latrocínios, estelionato, posse irregular de armas, receptação, crime contra os costumes, e outros. A realidade carcerária indígena continua imensamente desconhecida, não havendo dados relativos ao perfil dos indígenas submetidos ao sistema prisional em termos de faixa etária, grupo linguístico, tempo de contato com a sociedade envolvente não indígena, acesso à intérprete durante a instrução processual e a execução penal, condições de desenvolvi- mento de defesa, acesso à visita de familiares, entre outros. Assim, é muito importante que sejam produzidos estudos e informações que possam orientar a elaboração de políticas penitenciárias para este segmento populacional, bem como auxiliem a tomada de decisões de forma célere. Outro aspecto que requer atenção das autoridades penitenciárias com relação às populações indígenas presas diz respeito ao efeito que a privação de liberdade pode acarretar na saúde dos indígenas, mais vulneráveis às doenças infectocontagiosas e a mudança de hábitos alimentares, bem como à saúde mental, em razão da mudança de hábitos em um ambiente que impõe ausência de liberdade. Por esta razão, uma medida desejada é que os estabelecimentos penitenciários possam criar estratégias para implantação das diretrizes e medidas preconizada na Política de Saúde das Populações Indígenas, considerando as realidades e demandas locais e o incentivo à participação e o controle social. É oportuno ainda uma forte articulação com órgãos como a Funai para implantação de ações específicas, de modo assegurar a assistência prestada à população presa, em especial à orientação jurídica e acesso à justiça, garantindo também atendimento psicossocial aos familiares, minimizando os impactos negativos gerados pelo sistema prisional e as situações de vulnerabilidades. POPULAÇÕES NEGRAS Todas as formas de discriminação são prejudiciais para uma vida social plena e digna. Contudo, a discriminação em virtude da raça e cor é uma das mais difíceis de lidar em razão de um mito historicamente construído no Brasil, baseado em uma pretensa democracia racial, fundamentada na pluralidade da formação do povo brasileiro a partir do processo de aproximação entre as populações indígenas originárias, europeus e negros africanos trazidos em função da escravidão. O racismo está presente em nossa sociedade ainda hoje, lamentavelmente. Ele se caracteriza pela atitude depreciativa contra determinadas pessoas ou grupos em razão das suas características física ou culturais. Esta ação perpetrada busca delimitar uma distinção superior de certos grupos devido a sua raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica, a fim de manter ou fazer prevalecer seus interesses e impor relação hierarquia na sociedade. Os movimentos sociais e especialistas identificam diferentes formas de racismos. Chamamos atenção a umade suas modalidades: o racismo institucional, que consiste nas atitudes e medidas adotadas por instituições, Estados e governos em favor de algum grupo racial que lhe confere vantagens no acesso a programas, políticas e serviços. Essa visão racista, muitas vezes alicerçadas em preconceitos originados nas relações familiares, sociais e econômicas, acaba por fundamentar ações e comportamentos discriminatórios com a finalidade de obstaculizar outrem de usufruir de direitos e oportunidades no ambiente público ou privado. A discriminação racial está presente em nosso dia a dia e assume muitas formas, algumas bastante explícitas ou outras muito perversas, que são invisibilizadas e tornam-se naturalizadas na sociedade, e pode ser agravada quando associada a outras características como gênero, idade, orientação sexual, religião etc. Segundo dados do governo brasileiro, o país, possui instrumentos de monitoramento sobre detenção no sistema penitenciário, segundo o qual a população carcerária brasileira tem perfil preponderantemente jovem, masculino, negro e de baixa escolaridade. Em 2011, 53,6% da população no sistema penitenciário tinha entre 18 e 29 anos de idade, 93,6% eram homens, 57,6% eram negros e pardos e 34,8% eram brancos. Além disso, 45,7% da população do sistema penitenciário possuía ensino fundamental incompleto, enquanto apenas 0,4% possuía ensino superior completo. Percebe-se, portanto, a maior parte dos detentos são jovens e negros ou pardos, dispondo de baixa escolaridade. A partir disso, pode-se concluir a ligação que existe entre a pobreza, a vulnerabilidade dos grupos e a presença destes no sistema prisional. Por essa razão, conclui o estudo que “este quadro orienta as iniciativas multissetoriais para enfrentar o racismo institucional, reduzir a pobreza e estimular a educação e a inclusão produtiva de jovens”. Apesar de inexistir um sistema protetivo específico aos negros presos, é preciso levar em consideração todo o escopo de proteção jurídica que vem sendo reafirmado no âmbito dos três poderes, e que, evidentemente, são válidos dentro do presídio. Como já afirmado, o preso não perde a qualidade de ser humano, de cidadão, e mantém o direito a ser plenamente respeitado como pessoa e indivíduo, sendo cabível punição a qualquer ato discriminatório, racista ou preconceituoso. É preciso lembrar sempre que a Constituição de 1988 criminaliza quaisquer formas de discriminação em virtude da raça, de forma inafiançável e imprescritível. Esta é uma perspectiva importante. Mas tentemos agora pensar o atendimento das populações negras presas pela chave do cumprimento dos dispostos no Estatuto da Igualdade Racial – Lei nº 12. 288, de 20 de julho de 2010, por meio das seguintes ações do Estado: Inclusão nas políticas públicas de desenvolvimento econômico e social; Adoção de medidas, programas e políticas de ação afirmativa; Modificação das estruturas institucionais do Estado para o adequado enfrentamento e a superação das desigualdades étnicas decorrentes do preconceito e da discriminação étnica; Promoção de ajustes normativos para aperfeiçoar o combate à discriminação étnica e às desigualdades étnicas em todas as suas manifestações individuais, institucionais e estruturais; Eliminação dos obstáculos históricos, socioculturais e institucionais que impedem a representação da diversidade étnica nas esferas pública e privada; Estímulo, apoio e fortalecimento de iniciativas oriundas da sociedade civil direcionadas à promoção da igualdade de oportunidades e ao combate às desigualdades étnicas, inclusive mediante a implementação de incentivos e critérios de condicionamento e prioridade no acesso aos recursos públicos; Implementação de programas de ação afirmativa destinados ao enfrentamento das desigualdades étnicas no tocante à educação, cultura, esporte e lazer, saúde, segurança, trabalho, moradia, meios de comunicação de massa, financiamentos públicos, acesso à terra, à justiça, e outros. Com advento deste diploma legal, o Brasil reforça compromisso com termos da Convença Internacional sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, da ONU, aprovada ainda na década de 1960. No julgamento da ADPF 186, sobre ações afirmativas, em sede cautelar, o Ministro Gilmar Mendes ressaltou o ponto da necessidade de se tratar o diferente de forma diferenciada, especificamente relacionando este argumento com a questão étnica: De toda forma, é preciso enfatizar que, enquanto em muitos países o preconceito sempre foi uma questão étnica, no Brasil o problema vem associado a outros vários fatores, dentre os quais sobressai a posição ou o status cultural, social e econômico do indivíduo. Como já escrevia nos idos da década de 40 do século passado, Caio Prado Júnior, célebre historiador brasileiro, a “classificação étnica do indivíduo se faz no Brasil muito mais pela sua posição social; e a raça, pelo menos nas classes superiores, é mais função daquela posição que dos caracteres somáticos” (PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 2006, p. 109).” E continua: “Isso não quer dizer que não haja problemas raciais no Brasil. O preconceito está em toda parte”. Como dizia Bobbio, “não existe preconceito pior do que o acreditar não ter preconceitos” (BOBBIO, Norberto. Elogio da serenidade e outros escritos morais. São Paulo: Unesp, 2002, p. 122). O Ministro Levandowski, em seu voto, ressaltou o ciclo vicioso que o preconceito enseja: A histórica discriminação dos negros e pardos, em contrapartida, revela igualmente um componente multiplicador, mas às avessas, pois a sua convivência multissecular com a exclusão social gera a perpetuação de uma consciência de inferioridade e de conformidade com a falta de perspectiva, lançando milhares deles, sobretudo as gerações mais jovens, no trajeto sem volta da marginalidade social. Esse efeito, que resulta de uma avaliação eminentemente subjetiva da pretensa inferioridade dos integrantes desses grupos, repercute tanto sobre aqueles que são marginalizados como naqueles que, consciente ou inconscientemente, contribuem para a sua exclusão. Ao final, o ministro destacou o papel fundamental das ações afirmativas e, no caso, das universidades, para se quebrar esse ciclo. Agora é preciso indagar quais são os desafios para a implantação e o desenvolvimento destas políticas no âmbito do sistema penitenciário no sentido da reintegração social e promoção da cidadania. Um fator importante é a produção de dados e informações considerando os quesitos de raça e etnia. Eles são fundamentais para realização de diagnósticos o mais realista possível, assim como a elaboração, implantação e avaliação de políticas. O preenchimento dos campos relativos ao tema em muitas ocasiões não respeita a informação a ser declarada pelo indivíduo, falseando a dimensão e alcance do encarceramento da população negra e indígena, por exemplo. Da mesma forma, o constrangimento vivido neste ambiente policial ou de reclusão não oportuniza que o cidadão possa ser devidamente esclarecido sobre alternativas disponíveis para resposta, tornando-se este ato mera formalidade. Outro tema que merece atenção diz respeito à saúde das populações negras. Sabemos que a discriminação racial é um fator determinante para acesso e atendimento de qualidade. Os relatos registrados nos atendimentos da Defensoria Pública e dos serviços de saúde no sistema prisional, analisado em algumas pesquisas acadêmicas e organizações internacionais de saúde e de direitos humanos, apontam que as pessoas deixaram de receber atenção adequada ou foram dificultadas em seu acesso aos serviços de saúde em razão da sua raça ou etnia. Por outro lado, percebe-se a necessidade de ações em nível local, com adequado financiamento, considerando as doenças e agravos à saúdecom maior incidência e prevalência nas populações negras e indígenas. Há, ainda, um chamado para a convergência de esforços no sentido de promover atividades socioeducativas voltadas à população carcerária para estimular o convívio entre si, reconhecendo e valorizando os saberes e a diversidade cultural. Da mesma forma, é preciso propiciar a capacitação do corpo funcional e de agentes do sistema de justiça para assegurar o respeito baseado em metodologias apropriadas para adultos. Além disso, é necessário criar campanhas institucionais e demais estratégias para visibilização das situações de desigualdades raciais que possam ajudar a sensibilizar agentes público, provocando mudanças comportamentais. Por derradeiro, é valoroso registrar a promulgação da Lei nº 12.966, de 24 de abril de 2014, sancionada pela Presidenta Dilma Rousseff, que amplia aplicação da Ação Civil Pública, um instrumento processual em defesa de interesses difusos e coletivos, normatizado pela Lei nº 7.347/1995, passando a proteger também a honra e a dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos. Assim, a sociedade passa a contar com mais um mecanismo para garantir a realização de direitos, entendendo a dimensão integral dos indivíduos e suas relações comunitárias e culturais. 4. POPULAÇÕES ESTRANGEIRAS PRESAS E EGRESSAS DO SISTEMA PRISIONAL O consumo abundante e o mercado vêm estabelecendo novas formas de produção e trocas em níveis mundiais e novas relações sociais com base na circulação do capital. Esta realidade traz impactos na organização do Estado de bem-estar social, que cada vez mais consegue assegurar a garantia e inclusão de parcelas excluídas. O fenômeno da globalização e a maior interação com países do Mercado Comum do Sul – Mercosul – têm intensificado a mobilidade das pessoas ao redor do planeta. O Brasil tornou-se destino de muitas pessoas em virtude de redes internacionais de crime, notadamente o de drogas. No país, noventa por cento dos crimes relacionados por pessoas estrangeiras estão ligados ao tráfico de drogas. Segundo dados do InfoPen, em dezembro de 2012 o número de pessoas de origem estrangeira presa nos estabelecimentos prisionais brasileiros era de 3.392, sendo 2.563 homens e 829 mulheres, perfazendo aproximadamente 110 nacionalidades; entre estas destacam-se em maior quantidade os países das Américas, com 1.616 pessoas, e da África com 982. Há também pessoas apátridas. A Constituição Federal primou pela isonomia entre brasileiros e estrangeiros no que toca aos direitos e garantias fundamentais, sobretudo àqueles elencados no Art. 5º. Dessa forma, é necessário ter em mente que, uma vez preso, o estrangeiro deve ser tratado sem qualquer forma de preconceito ou distinção em relação aos brasileiros. Todos os benefícios que estão elencados na LEP aplicam-se, igualmente, ao estrangeiro, inclusive assistência judiciária gratuita pela Defensoria Pública, caso não possua advogado particular ou fornecido pela missão diplomática. Nos termos da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, de 1963, as pessoas de outros países reclusas no Brasil devem receber apoio do poder público em nível local caso não possam se comunicar em português. Este auxílio pode, ainda, ser prestado pelo corpo consular do país de origem. A distância de sua família e de sua comunidade pode provocar um sentimento de solidão, pois acabam não recebendo visitas de forma periódica ou mesmo correspondências e encomendas em virtude do alto preço dos serviços postais. Assim, é preciso estar atento às dificuldades que possam passa, evitando assim maiores prejuízos aos atendimentos prestados na área psicossocial e de saúde. O Conselho Nacional de Justiça– CNJ –, para instrumentalizar a citada Convenção de Viena, editou a Resolução nº 162, de 2012, regulamentando a necessidade de notificação da prisão de estrangeiro à missão diplomática do país de origem do preso, ou, na sua falta, ao Ministério das Relações Exteriores e ao Ministério da Justiça, respectivamente, no prazo de cinco dias. Além disso, a autoridade judiciária deverá comunicar, no mesmo prazo, sempre que houver progressão ou regressão de regime, concessão de livramento condicional e extinção da punibilidade. Salutar foi o entendimento da Defensoria Pública do Mato Grosso do Sul, em conjunto com a Polícia Federal, que concedeu o direito do preso fazer ligações telefônicas, por meio da linha do presídio, para o exterior e, assim, conseguir comunicar-se com a sua família. No Estado de São Paulo, em medida recente, o governo estabeleceu termo de cooperação com o Reino Unido, assegurando aos presos ingleses a possibilidade de comunicação por meio do uso de aplicativo eletrônico (Skype). Uma particularidade do estrangeiro, que, em regra, não pode continuar morando no país, é a necessidade de aceleração de seu processo de expulsão, quando então poderá ser beneficiado com o livramento condicional, indulto e comutação pena A questão ainda é controversa: há diversos casos de progressão de regime antes da expulsão, ou seja, mesmo que o estrangeiro esteja irregular no país, como já decidiu o STJ (HC 123.329). Porém, isso pode levar, muitas vezes, a que o estrangeiro vá viver na rua, em situação precária, sem documentos ou condições de arrumar trabalho. Em decisão recente, o Conselho Nacional de Imigração publicou a Resolução Normativa nº 110, de 10 de abril de 2014, que autoriza a concessão de permanência de caráter provisório aos presos que estão em condições de progressão de regime, com fins ao estabelecimento de igualdade de condições para cumprimento de penas por estrangeiros no território nacional. Com base nesta Resolução, o Ministério da Justiça concederá, por determinação judicial, a permanência provisória para que o estrangeiro possa gozar do benefício da progressão de regime em situação de regularidade migratória. O estrangeiro ou seu representante legal deverá solicitar ao juiz que seja determinado ao Ministério da Justiça a concessão da permanência com base nessa resolução: Art. 1º - O Ministério da Justiça concederá, em virtude de decisão judicial, permanência de caráter provisório, a titulo especial, a estrangeiros em cumprimento de pena no Brasil. Parágrafo único - A permanência de que trata o caput deste artigo, será vinculada ao cumprimento da pena ou à efetivação de sua expulsão. O desafio, contudo, está na aplicação das assistências previstas na Lei de Execução Penal – LEP –, também precárias entre os brasileiros e as brasileiras. Podemos citar, por exemplo, a necessidade de garantir fluxograma de atendimento, cor responsabilizando diferentes agentes envolvidos, como o Judiciário, Ministério da Justiça, por meio da Polícia Federal e Departamento de Estrangeiros, estabelecimentos penitenciários, defensorias públicas da União e dos Estados, Centros de Referência Especializados de Assistência Social – CREAS –, entre outros. No esquema a seguir são apresentadas, de forma sistematizada, as ações desejáveis para adequado atendimento às pessoas presas e egressas de origem estrangeira: Item Ações Recomendadas Órgãos Envolvidos 01 Orientação sobre direitos e responsabilidades verbalmente e/ou por escrito, preferencialmente no idioma da pessoa presa. Unidade Prisional; Corpo Consular; Defensoria Pública. 02 Comunicação com familiares da pessoa estrangeira presa ou egressa após a sua anuência. Unidade Prisional; Corpo Consular. 03 Assistência Jurídica. Departamento de Estrangeiros do Ministério da Justiça; Defensoria Pública da União; Defensoria Pública do Estado. 04 Encaminhamento para atendimento psicossocial e de saúde. Unidade Prisional; Serviço de Saúde em nível local. 05 Inclusão em programasde geração de renda. Unidade Prisional; Governos locais. 06 Atenção à pessoa estrangeira egressa do sistema prisional (assistência em saúde, serviço social, alimentação e habitação). Centro de Referência em Assistência Social; Defensoria Pública Estadual. 07 Apoio para traslado ao país de origem. Corpo Consular; Polícia Federal; Departamento de Estrangeiros do Ministério da Justiça. Na expectativa de buscar esclarecimentos e estruturar os serviços de assistências para a população presa e egressa do sistema prisional, discussões e alguns eventos têm sido realizados. Julgamos pertinente citar, como exemplo, alguns encaminhamentos sugeridos a partir do debate promovido pelo Conselho Nacional de Justiça, nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, em 2012: Necessidade de criação de um cadastro de tradutores/intérpretes para viabilizar a comunicação dos presos estrangeiros, bem como a tradução das principais peças processuais. Deve ser assegurado ao preso estrangeiro o direito constitucional de contatar com sua família, além de seu advogado ou defensor. Criação de política pública para moradia ou casas de passagem para presos estrangeiros. O estatuto da expulsão é previsto na Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, que define a situação de estrangeiro no Brasil, sendo uma prerrogativa do Ministro de Estado da Justiça, conforme Decreto nº 3.447, de maio de 2000, definir a conveniência ou oportunidade, assim como a revogação da expulsão por meio de decreto. Compete ao Ministro da Justiça determinar a instauração de inquérito para a expulsão do estrangeiro. Citamos abaixo as condições em que não se aplica a referida medida: • se implicar extradição inadmitida pela lei brasileira; e quando o estrangeiro tiver: cônjuge brasileiro do qual não esteja divorciado ou separado, de fato ou de direito, e desde que o casamento tenha sido celebrado há mais de cinco anos; ou filho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa economicamente. É necessário que os diferentes agentes públicos envolvidos no atendimento ao preso e egresso estrangeiro conheça muito bem como funciona o processo de expulsão para que o indivíduo possa receber as informações corretas e tenha condição de acompanhar a sua tramitação: O Juiz, a Polícia Federal ou o Ministério Público deverão informar ao Ministério da Justiça a prisão ou a condenação de qualquer pessoa estrangeira que tenha cometido crime, para que providencie a autuação de processo administrativo. Por despacho do Diretor do Departamento de Estrangeiros, é determinada a instauração de inquérito administrativo para fins de expulsão. Os trâmites para instauração do inquérito estão regulamentados pelo Artigo 103 e parágrafos do Decreto nº 86.175/81. Trata-se de procedimento administrativo de coleta de informações para serem encaminhadas pela Polícia Federal, em relatório conclusivo, ao Ministério da Justiça. Nesta oportunidade, será concedido o direito constitucional da ampla defesa ao estrangeiro. Após o Ministério da Justiça receber o referido inquérito e for verificado que o mesmo se encontra devidamente instruído, será feita a análise de mérito, objetivando verificar se o expulsando não se encontra amparado pela legislação brasileira pelas causas excludentes de expulsabilidade, previstas no Artigo 75, I e II, “a” e “b” da Lei nº 6.815/80, alterada pela Lei nº 6.964/81. Caso se verifique que o estrangeiro seja passível de expulsão, será encaminhado um parecer conclusivo ao Ministro da Justiça, que determinará sobre a expulsão por portaria, por delegação de competência do Presidente da República. A Portaria expulsória é condicionada, via de regra, ao cumprimento total da pena ou à liberação do estrangeiro pelo Poder Judiciário. Para a expulsão ser efetivada, o estrangeiro deve cumprir a pena ou ser beneficiado com o livramento condicional da mesma e ser liberado pelo Juiz da Vara de Execuções Criminais 1 As despesas do traslado de regresso ao país de origem quando da expulsão são custeadas pelo Estado Brasileiro, o que não impede que o estrangeiro expulso se retire do país caso possua meios para pagamento de sua passagem. JUVENTUDES PRIVADAS DE LIBERDADE Para a Organização Mundial de Saúde – OMS – juventude é o período compreendido entre os 18 e 29 anos. O conceito juventude tem caráter sociológico. Contudo, considerando as diferentes características e práticas, pode-se dizer que existem, na prática, um conceito sobre juventudes. Segundo os dados do InfoPen, do Ministério da Justiça, a população jovem está em maior quantidade presa, segundo o sistema de informação: em dezembro de 2012 haviam 260 mil pessoas presas com até 29 anos, aproximadamente 47% da população prisional. Este fato nos impõe um desafio civilizatório quanto ao acesso dos jovens, notadamente das comunidades mais pobres, às políticas públicas, programas e serviços que dialoguem com as suas demandas e particularidades. Em 2013, foi promulgada Lei nº 12.852, de 05 de agosto, que dispõe sobre o Estatuto da Juventude e cria o Sistema Nacional de Juventude. Este diploma legal prevê os direitos que devem ser assegurados à população jovem por meio de implantação de políticas públicas. O estatuto tem como princípio a articulação das políticas, o diálogo institucional nos diferentes níveis de governo, e o protagonismo e participação da juventude na elaboração, implantação e avaliação das ações do poder público e da iniciativa privada. Dessa forma, estabelece a criação de órgãos específicos na administração pública como instância para desenvolvimento de programas e ações para a juventude. Apresenta como obrigatoriedade a existência de conselhos de juventudes para definir diretrizes para a formulação de políticas, fiscalizar e acompanhar a sua implantação. É importante verificar com gestores penitenciários e demais secretarias afetas ao tema, como educação, saúde, assistência social, emprego, entre outros, de que maneira é possível fomentar o protagonismo dos jovens presos e egressos do sistema prisional. Algumas metodologias favorecem a identificação de medidas que podem ser desenvolvidas para promover a cidadania e dignidade desta população, como rodas de conversas, oficinas socioeducativas, teatro etc. A experiência acumulada por setores da sociedade civil organizada e por entidades representativas da juventude podem auxiliar no diálogo para construção de projetos e iniciativas. ATENÇÃO ÀS PESSOAS IDOSAS PRESAS Também o idoso, como foi citado, tem garantida proteção especial pela LEP, devendo ser recolhido em estabelecimento separado. Há previsão, inclusive, para que tenha direito a um trabalho compatível com as suas capacidades (Art. 32, §2º). É muito importante que seja prestada a assistência jurídica ao idoso considerando, por exemplo, as disposições do Código Penal, que considera atenuante quando o agente que comete o crime é maior de 70 (setenta) anos. Na hipótese de condenação ao regime aberto, admite-se o recolhimento em residência particular do maior de 70 (setenta) anos (Art. 117 da LEP). Há, também, o recurso chamado sursis humanitário, que é a suspensão condicional da pena, que ao idoso se aplica quando a pena não é superior a quatro anos (para os demais é não superior a dois anos), podendo ser suspensa de quatro a seis anos (Art. 77, §2º, do Código Penal). Além disso, os prazos prescricionais correm pela metade ao maior de 70 (setenta) anos (Art. 115 do Código Penal). Torna-se oportuno apontar ainda outros aspectos no sentido de qualificar a atenção à pessoa idosa presa, aquela com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. A Organização Mundial de Saúde – OMS –, frente ao processo de transição demográfica vivido em todo o globo, formulou o conceito de envelhecimentoativo, amparado no tripé saúde, proteção social e participação social. Nessa perspectiva, é urgente que os estabelecimentos prisionais possam desenvolver ações coordenadas a fim de atender as necessidades destes indivíduos, assegurando, por exemplo: local de moradia e atendimento adequados; adaptação dos espaços de circulação para as pessoas de baixa mobilidade; fornecimento de alimentação com base em dieta específica quando prescrita pela equipe de saúde. Não se pode perder de vista a necessidade de envolvimento das pessoas idosas em atividades que estimulem o diálogo intergeracional como esforço para criação das condições favoráveis ao convívio social quando em liberdade. Para isso, as equipes técnicas nas unidades prisionais precisam propiciar sempre que possível a aproximação dos idosos aos demais sentenciados, evitando a segregação e exclusão das atividades de trabalho, educação, cultura e lazer ou dos afazeres comuns dos presos no estabelecimento prisional. O Estatuto do Idoso, instituído pela Lei nº 10.741 de 1º de outubro de 2003, estabelece que a pessoa idosa tenha prioridade na formulação e implantação das políticas públicas e requer atendimento preferencial. Dessa maneira, o idoso preso pode solicitar, inclusive de próprio punho, para o juiz celeridade no processo. Havendo manifestação favorável deverá ser realizada marcação nos autos para o cumprimento da medida. Outrossim, é prevista a gratuidade de transporte rodoviário interestadual, tendo as companhias a obrigatoriedade de disponibilizar duas vagas em cada veículo. Isto pode auxiliar muito o idoso egresso do sistema prisional que queira retornar à sua cidade de origem em outro Estado onde pode contar com apoio familiar, ou mesmo o idoso que tenha um ente preso em outro estado que queira realizar uma visita social. por um crime que não cometeu em 1946 na prisão mais temida dos EUA. Lá ele vai ter que conviver com agente penitenciário corrupto e com presos que organizam e Figura 9 – Ilustração do material informativo Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo. Darabont. no sistema prisional. Disponível em: http://www.reintegracaosocial.sp.gov.br. Clicar no botão Ações de reintegração social e, em seguida, documentos para baixar. http://www.reintegracaosocial.sp.gov.br/ O documento coíbe, proíbe e pune todas e quaisquer formas de violência e maus-tratos contra o idoso. A administração pública e, por conseguinte, o agente público tem a obrigatoriedade de criar mecanismos para proteção dos direitos dos idosos. PESSOAS COM DEFICIÊNCIA FÍSICA OU MOBILIDADE REDUZIDA Em nível internacional, após ampla mobilização, consagrou-se a terminologia pessoas com deficiência. As diferentes conquistas dos movimentos de pessoas com deficiência e seus familiares sinalizam para a necessidade de implantação de direitos e políticas focalizadas. Com isso, o tema ganhou centralidade na agenda pública, deixando de ser tratado apenas no ambiente privado como responsabilidade exclusiva das famílias. No Brasil, a Lei Federal nº 7.853/89 trata de direitos básicos das pessoas com deficiência, eive dos direitos à educação, saúde, trabalho, lazer, previdência social, amparo à infância e à maternidade e outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico (Art. 2º). Toda a lei deve ser interpretada considerando-se “os valores básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social, do respeito à dignidade da pessoa humana, do bem-estar, e outros, indicados na Constituição ou justificados pelos princípios gerais de direito” (Art. 1º, §1º). Cabe lembrar que o deficiente mental não cumpre pena em estabelecimento prisional, mas está sujeito a estabelecimento próprio, onde se submete a medidas de segurança. As pessoas presas com deficiência podem ter iniciado sua condenação nesta condição ou adquirido a deficiência em razão de tentativa de evasão, violência institucional, conflitos internos ou mesmo negligência quanto aos tratamentos de saúde de forma preventiva. Nesse sentido, cabe lembrar o disposto no Art. 13, 2, da Convenção de Nova York sobre o direito das pessoas com deficiência, de hierarquia constitucional. A norma citada dispõe que “a fim de assegurar às pessoas com deficiência o efetivo acesso à justiça, os Estados-partes promoverão a capacitação apropriada daqueles que trabalham na área de administração da justiça, inclusive a polícia e os funcionários do sistema penitenciário”. Um ponto central que não vem sendo observado pelo Estado é a adequação dos meios de mobilidade nos presídios, através da eliminação de barreiras e da adaptação arquitetônica para que o deficiente possa ter sua autonomia preservada. É preciso que se ofereça aos deficientes, conforme a deficiência, condições para que, sendo possível, possam, sozinhos e autonomamente, tomar banho, se deslocar, se exercitar, enfim praticar as ações que todos os demais praticam. A Lei nº 10.098/2000 dispõe claramente, em seu Art. 24, que incumbe ao poder público destinar, anualmente, dotação orçamentária para as adaptações, eliminações e supressões de barreiras arquitetônicas existentes nos edifícios de uso público de sua propriedade e naqueles que estejam sob sua administração ou uso. Assim, o STF já reconheceu a repercussão geral do tema, passo para que seja examinada a constitucionalidade da pretensão de que o poder judiciário determine que sejam feitas obras para adaptação nos presídios. As deficiências podem ser agrupadas segundo a sua natureza em: física ou motora mental ou intelectual sensorial (visual ou auditiva) As equipes das unidades prisionais e as autoridades penitenciárias devem progressivamente incorporar em sua prática profissional o atendimento especializado considerando cada uma das deficiências. Quanto às pessoas surdas é fundamental a compreensão da cultura surda e do comportamento da sua comunidade, estratégias de comunicação e direito à intérprete em situações oficiais, e outras como a apuração de faltas, orientações em direitos e atendimentos psicossociais, adotando como referência a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS. Não havendo quem possa atender em LIBRAS é importante buscar falar de forma bem articulada e com tranquilidade, ou também tentar se comunicar por escrito. Da mesma forma, as pessoas com deficiência visual total e parcial devem obter auxílio para garantia de acessibilidade na locomoção e ter acesso ao uso de material em Braille. A LEP garante às pessoas com deficiência o trabalho adequado às suas condições, lembrando que o trabalho é elemento fundamental para garantir a reintegração social do preso e sua dignidade. Além disso, o Art. 117 da LEP admite o regime aberto em residência particular na hipótese da presa possuir filho com deficiência física ou mental, como forma de proteção a ele. Apesar de não haver decisão nesse sentido nos tribunais superiores, é possível considerar que, na hipótese da pessoa com deficiência, ainda que presa, tenha sua dignidade ferida por falta de adequação técnica do presídio aos requisitos previstos por lei para a sua autonomia, seja indenizada por danos morais. Em caso análogo, por não adequação de agência de banco – que, diga- se de passagem, é apenas visitada pelo deficiente e, ainda que com frequência, não é o local onde ele passa o seu dia a dia –, o Superior Tribunal de Justiça considerou adequada a indenização por danos morais. Consequentemente, em local que o deficiente preso é obrigado a ficar é de se imaginar que o dano moral pelo descumpri- mento da lei por parte do Estado seja ainda maior. É salutar relembrar que as pessoas com deficiências têm prioridade no atendimento em órgãos da administração pública, empresas públicas
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