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REVISTA TRIMESTRAL DE DIREITO ~ PUBLICO 34/2001 --MALHEIROS S~i:EDITORES t."'o"\ ~ ESTUDOS E GOlviENTAIIIOS O PROCESSO DE FORMAÇÃO DA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL A rejeição do Projeto de Lei e o princípio da inexauribilidade da lei orçamentária GABRIEL Ivo Mestre e Doutorando pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- PUC/SP. Professor Assistente da Universidade Federal de Alagoas. Procurador de Estado de Alagoas I -Introdução, li- As necessidades. li/- O Estado. IV- A Lei Orçamentá- ria. V- O sistema orçamentário da Constituição de 1988. VI- O processo legislativo vinculado e a vigência temporária. VII- A rejeição total do proje- to. VIII -A rejeição total do projeto e a suspensão da perda de vigência da lei ante rim: IX- A confirmação da interpretação. X- Conclusão. Bibliografia. I- Introdução Para que se tenha uma exata noção da impmiância da lei orçamentária anual, é pre- ciso que se leve em consideração não ape- nas o seu papel na vida jurídica do Estado, mas, também, sua relevância em sede econô- mica, social e política. Por não viveram enclausurados, intros- pectivos, os seres humanos buscam sempre estabelecer relações com os outros.1 Como ensina Lourival Vilanova, "A interação so- cial não é reflexiva. O indivíduo não se rela- ciona consigo-mesmo, mas com o outro. A intersubjetividade é, pelo menos, binária, quer dizer, dois, pelo menos, indivíduos em 1. A exposição sobre o Poder segue, em li- nhas gerais, as lições de Carlos Ari Sundfeld, ex- postas em seu excelente livro Fundamento.~ de Di- reito Público, 1992. recíprocacausação".2 É por isso que os ho- mens são dotados de uma linguagem, por- quanto esta consiste no exercício oriundo da faculdade possibilitadora da comunica- ção. Ao nascer, todo ser humano tem uma predisposição que faculta a aquisição de uma linguagern.3 A vida humana não ocor- re de fonna isolada, é sempre um processo comparti1hado.4 Os homens, nas suas inú- meras relações de intersubjetividade, parti- cipam de diversos grupos e dentro deles mantêm relações. 2. Causalidade e Relação no Direito, 2n ed., p. li. 3. "A linguagem tem uma face individual e uma face social; e não podemos conceber uma sem a outra" (Ferdinand de Saussure, Cur.w de Lingüís- tica Geral, p. 33). 4. Ver Carlos Ari Sundfeld, Fundamentos ... , cit., pp. 19 e ss. ESTUDOS E COMENTÁRIOS 165 A vivência dentro de grupos tem um fator essencial: a existência de regras fixan- do como devem ocorrer os comportamen- tos de cada integrante do grupo.5 Ou seja: haverá, sempre, uma organização. Com a instituição de regras, adverte Pontes de Mi- randa, "o homem diminui o arbitrário, o azar, o irrcgrado, a anomia da vida e das relações inter-humanas" f• Para que existam as regras, alguma força haverá de produzi-las. Confor- me Carlos Ari Sundfeld,1 a força capaz de produzir regras de conduta chamamos de poder. Assim podemos afirmar: em todo grupo um, ou vários membros, exerce so- bre os outros um poder. Segundo Karl Loe- wenstein "los trcs incentivos fundamentalcs que dominan la vida del hombre en la so- ciedad y rigen la totalidad de las relaciones humanas, son: e! amor, la fe y e! poder; de una manera misteriosa, estan unidos y en- trelazados".8 O poder, portanto, é essencial- mente um fenômeno humano. Presente o ho- mem, também estarão presentes relações de poder. O poder consiste num meio de comu- nicação. O homem comunica suas ordens por intermédio do poder. Tomemos o Estado. Sendo o Estado um grupo de pessoas, b poder que fixa as re- gras é o chamado poder político. A distin- ção do poder político dos demais poderes que também impõem regras podemos esta- belecer nas seguintes características: a) pos- sibilidade do uso da força física contra aque- les que não se conduzam conforme o coman- do estabelecido nas regras; h) a exclusivida- de no uso dessa força, não reconhecendo a ninguém um poder semelhante ao seu, de- correndo daí que o poder do Estado se im- 5. "A realidade social é, constitutivamente, realidade normada. É social porque implanta valo- res através de formas normativas dos usos e coslu- mes, da moral, de direito ele." (Lourival Vilanova, As E.çtruturas Lógicas e o Sistema do Direito Posi- tivo, p. 89). 6. Comentário.~ à Constituição de J 967, com a Emenda I, de 1969, t. I, } 1 ed., p. 33. 7. Fundamentos ... , cit., p. 20. 8. Teoría de la Cmatituciân, 2u ed., p. 23. põe e é superior aos demais poderes situa- dos dentro do Estado e, do ponto de vista externo, é igual, nunca inferior, aos demais poderes dos outros Estados(::::: soberania)Y A quem exerce o poder político den- tro do Estado damos o nome do Estado-po- der. Quanto ao destinatário do poder, chama- mos de Estado-sociedade. A função, ou mes- mo a razão da existência do Estado-poder, é realizar as necessidades do Estado-socie- dade, conforme síntese de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello: "O Estado-poder se acha em condições de levar a efeito o seu fim, razão de ser da sua existência, qual seja o bem comum do Estado-sociedade". w O Estado-poder é composto por aque~ les que fazem, mantêm e impõem, inclusive com o uso da força, as regras de convivên- cia. São eles: o Presidente da República, os Deputados, os Senadores, os Juízes, os Ser- vidores Públicos em geral etc. Esta é a li- ção de Carlos Ary Sundfeld. 11 O Estado-sociedade é composto por to- dos os habitantes de um determinado país. Aqueles que têm necessidades públicas c que devem ser realizadas pelo Estado-poder. O Estado-poder não é um ser humano. Ninguém vê, cheira ou toca o Estado. O Es- tado-poder é integrado por pessoas (Presi- dente, Deputados etc.), contudo, quando realizam suas funções, seus integrantes não o fazem como se cuidassem das atividades de suas vidas privadas. Não. No momento da função pública os agentes públicos agem corno se fossem outras pessoas. 12 Podemos dizer: as pessoas (agentes públicos) atuam em nome de outra pessoa (o Estado), que existe em nossa imaginação. Num jato: o Estado consiste numa pessoa jurídica. 9. Cf. Carlos Ari Sundfeld, Fundamentos ... , cit., pp. 21 e ss. I O. In Princípios Gerais de Direito Adminis- tJ·ativo, v. I, za ed., p. 4. ll. Fundamentos ... , ob. cit., p. 22. 12. Quando um servidor público troca uma lâmpada da rua, quem está realizando tal atividade é o Estado. 168 REVISTA TRIMESTRAL DE DIREITO PÚBLIC0-34 III- O Estado O Estado, do ponto de vista jurídico, não difere de seu ordenamento jurídico. 19 As notas do poder estatal - norma e coa- ção- são as mesmas características atribuí- das ao ordenamento jurídico. Assim, quem- do afirmamos que uma certa sociedade é constituída de uma ordem normativa disci- plinadora da conduta das pessoas nas suas relações de intersubjetividadc, é importan- te deixar evidente que ordem e sociedade não significam, do ângulo jurídico, duas coi- sas apartadas uma da outra. Pelo contrário, consistem numa só e mesma coisa; que a sociedade consiste exatamente nesta ordem; e que, se a sociedade é qualificada como coletividade, o que é essencialmente comum a essas pessoas é precisamente a ordem que regula o seu mútuo comportamento. Conforme Santi Romano, "como toda instituição o Estado não tem, mas é uma or- denação jurídica", e adiante reafirma, "o Es- tado é, portanto, sempre e por definição, uma ordenação juridica" ,20 Assim, inexiste diacronia. Não há o Es- tado e depois o Direito, pois aquele não é separado da sua ordem jurídica. O que deno- minamos Estado é a sua ordem jurídica. Não existe poi· trás do Direito a sua personifica- ção hispostatizada, o Estado, a divindade do Direito. Consoante Lourival Vilanova, a hipóstase é processo lingüístico; psicológi- ca, e gramaticalmente (e, via disso, ontologi- camete) pensamos um ente e seus proces- sos, um sujeito e seus acidentes predicamen- tais.21 Não se dá Estado sem ordenamento jurídico. Supresso o ordenamento jurídico e não subjaz o Estado. 19. "Se a Constituição é o Estado, distintasConstituições, diferentes Estados", Lourival Vilanova, "Teoria jurídica da revolução (anotações à margem de Kelsen)", RT70!51, abr.-jun. 1984. 20. Princípios de Direito Constitucional Geral, pp. 73 e 77. 21. Relação e Cau.wlidade no Direito, 2a ed., p. 173. O Estado é, então, um fenômeno jurídi- co e chega até onde chega o Direito. Um Estado corno situação de fato, conforme Lourival Vilanova, despojada de qualquer ordenamento jurídico, é uma situação psico- lógica de domínio, é relação sociológica do que detém mais poder sobre os mais fra- cos.22 Não é Estado. Podem sobreviver o espaço físico, a coletividade, os usos c cos- tumes, normas dispersas, sem um foco co~ mum de referência. Diante da identidade entre Estado e Di- reito, os chamados elementos do Estado po- dem ser juridicamente traduzidos como vi- gência c domínio de vigência (validade) de uma ordem jurídica. 23 A população, constituída pelos indiví- duos que pertencem a um Estado, é o âmbi- to pessoal de validade da ordem jurídica es- tadual. Um indivíduo pertence ao povo de um dado Estado se estiver incluido na esfera pessoal de validade de sua ordem jurídica. O território do Estado não é senão o âmbito espacial de vigência da ordem jurídi- ca estadual. Ou seja, o espaço onde as nor- mas jurídicas vigoram. O poder do Estado ao qual o povo fixa- do em determinado território está sujeito, é a vigência c a eficácia da ordem jurídica, de cuja unidade resulta a unidade do territó- rio e a do povo. IV- A Lei Orçamentária Tendo em vista o teor normativo que o Estado necessariamente exibe, a importân- cia da lei orçamentária é vital. O orçamento é a lei que contém previsão de receitas c despesas, e programa a vida econômica e financeira do Estado, por um certo período. O Estado, confonne observa José Matias Pe- 22. O Problema do Objeto na Teoria Geral do Estado, p. 67. 23. Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito, p. 387. STF BlBUOTECA ESTUDOS E COMENTÁRIOS 169 rcira,24 para sobreviver, necessita dos meios indispensáveis ao atendimento de sua orga- nização c do cumprimento de suas finalida- des. Para sustentar-se c realizar seus objeti- vos, precisa de receitas, sem as quais não pode existir. É por isso que o mesmo autor ainda adverte: "O orçamento, depois da Constituição, apresenta-se como o ato mais importante da vida de qualquer nação". Sendo o Estado a sua ordem jurídica, é por intermédio da lei orçamentária que o Estado atinge as suas finalidades. Em uma palavra: por meio do orçamento o Estado realiza as necessidades públicas, que é a jus- tificação da sua existência." O Estado de Direito põe a idéia de uma paz garantida por meio do direito. Como ensina o insupc~ rável Professor Geraldo Ataliba, "toda ativi- dade do Estado é regida pelo direito. O Esta- do age na fonna do direito c segundo o direi- to. Portanto, também a atividade financeira do Estado se rege pelo dircito".26 Não seria exagerado dizer que o Esta- do se constitui na própria lei orçamentária. Sem orçamento não há Estado. Outra não é a conclusão de Alfredo Augusto Becker, quando ensina: "Os Estados, ao se constituí- rem, são livres de adotarem, ou não, a regra constitucional de, periodicamente, aprova- rem, por regra jurídica, o Orçamento Públi~ co. Quando a Constituição de um Estado não exigiu a aprovação periódica do Orçamen- to, o Estado está c-onstituído por tempo in- determinado. Porém, se um Estado, ao se constituir, estabeleceu a necessidade de, após o decurso de um tempo prefixado, criar-se regra jurídica para aprovar o Orçamento, en- tão, o Estado constituiu-se por tempo deter- 24. Finanças Públicas, p. 33. 25. "Para agir, a Política necessita de um ins- trumento e o Direito Positivo é único instrumento - cl'iado pela atividade artística do homem- que até hoje se mostrou eficaz e capaz de promover e manter o Bem Comum" (Alfredo Augusto Becker, Teoria Geral do Direito Tributário, 3a ed., p. 220). 26.Apon.tamen.tos de Ciências das Finanças, Direito Financeiro e Tributário, p. 33. minado: o período orçamentário. O Estado viverá o espaço de um Orçamento" .27 E continua o saudoso jurista: "Pela cria- ção da regra jurídica que aprova o Orçamen- to Público, o Estado toma, outra vez, cons- ciência de que existe c, para sobreviver, im- põe à relação constitucional um novo ritmo vital com o qual, no futuro, continuará exis- tindo''_2R Assim, é em face dessa imprescindibi- lidadc do orçamento, que a Constituição es- tabelece um processo legislativo fortemen- te vinculado. Fixa prazo para a iniciativa. No momento de discussão c votação, limita a apresentação de emendas. E determina o momento do retorno do projeto de lei para a sanção. Tudo isto para evitar o perecimen- to do Estado: um Estado sem orçamento. É que a lei orçamentária regula a con- duta dos administradores no modal permiti- do. Nenhuma despesa poderá ser realizada sem que haja permissão orçamentária, nem acima dos valores orçamentariamente pres- critos, conforme o inc. li, do art. 167, da Constituição Federal. 29 Comentando a Constituição anterior, assim se pronuncia- va Pontes de Miranda: "Sem lei que as fixe, não se admitem dcspcsas".30 A permissão decorre da proibição da inexistência doEs- tado. Negar a realização de despesas signifi- ca o mesmo que-' obrigar a inexistência do ;,1 Estado. V- O sistema orçamentário da Constituição de 1988 Fi~] à importância orçamentária, a Constituição de 1988 estabeleceu uma com- plexa estrutura financeira. Inicialmente esta- 27. 1eoria Geral do Direito Tributário, ob. cit., p. 232. 28. Idem, ibidem, p. 232. 29. "At1. 167. São vedados:( ... ) li- areali- zação de despesas ou a assunção de obrigações di~ retas que excedam os créditos orçamentários." 30. Comentário,ç à Constituição ... , cit., L. III, 3• ed., p. 205. 170 REVISTA TRIMESTRAL DE DIREITO PÚBLIC0-34 belece a criação de uma lei complementar, de vigência nacional, que terá como elemen- to material finanças públicas e disporá so- bre o exercício financeiro, a vigência, os pra- zos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentá- rias e da lei orçamentária anual; é o que se nota da conjugação dos arts .. 163 e 165, § 911, da Constituição Federal. Embora o art. 30 da Emenda Constitu- cional 19/1998 tenha determinado o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da sua promulgação, para que a União, por meio do Poder Executivo, apresente o proje- to de lei da mencionada lei complementar, esta ainda não ingressou no sistema jurídi- co brasileiro. Na ausência da lei complementar, que terá superior hierarquia formal e material em relação às leis orçamentárias, a própria Constituição prescreve alguns comandos no Ato das Disposições Constitucionais Transi- tórias que deverão ser observados. Não só. No plano infraconstitucional a matéria é re- gulada pela Lei 4.320/1964, de natureza or- dinária, mas que ganhou estatura de lei com- plementar, porquanto o assunto que veicula foi recepcionado pela atual Constituição co- mo tema de legislação complementar. Além da mencionada lei complemen- tar, a Constituição estabelece três leis orça- mentárias: a) o plano plurianual; b) a lei de diretrizes orçamentárias; e, c) a lei orça- mentária anual. Não resta dúvida, portan- to, da importância que a Constituição confe- tiu ao processo orçamentário, quando confe- re um encadeamento·lógico e sistemático ao planejamento da ação do governo, envol- vendo as três etapas. Tanto é que as emen- das ao projeto de lei do orçamento anual somente podem ser aprovadas se forem compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias. Já as emen- das ao projeto de lei de diretrizes orçamentá- rias não poderão ser aprovadas quando in- compatíveis com o plano plurianual. O plano plurianual tem sua definição no art. 165, § tu, da Constituição Federal. Em face da ausência da lei complementar, tem seu processo legislativo disciplinado, em parte, pelo art. 35,§ 2', I, do ADCT. Assim, deve ser encaminhado, pelo Poder Executivo ao Poder Legislativo, até4 (qua- tro) meses antes do encerramento do primei- ro exercício financeiro e devolvido para san- ção até o encerramento da sessão legislativa. Sua vigência, que decorre na análise siste- mática da Constituição, será de 4 (quatro) anos. Sendo o mandado do Chefe do Poder Executivo de 4 (quatro) anos, ex vi do art. 82 da CF, a lei que institui o plano plurianual terá vigência a partir do segundo ano de mandato até o final do primeiro exercício financeiro do mandato subseqüente. A lei de diretrizes orçamentárias tem conteúdo determinado pelo art. 165, § 2.íl, da Constituição Federal. O art. 35, § 2', 11, do ADCT determina que o projeto deverá ser encaminhado até oito meses e meio an- tes do encerramento do exercício financei- ro e devo I vi do para sanção até o encerra- mento do primeiro período da sessão legis- lativa. Sua vigência é anual, devendo exis- tir uma lei de diretrizes orçamentárias para cada exercício financeiro. A sessão legisla- tiva não será intenompida sem a aprovação do projeto de lei de diretrizes orçamentá- rias, decorrendo que o projeto de lei de dire- trizes orçamentárias não pode ser rejeitado. A lei orçamentária anual tem como fi- nalidade discriminar a receita e despesa de forma a evidenciar a política econômico-fi- nanceira e o programa de trabalho do Gover- no. Segundo o art. 35, § 2°, III, do ADCT, o projeto deverá ser encaminhado até 4 (qua- tro) meses antes do encerramento do exercí- cio financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa. Sua vigência é anual. VI- O processo legislativo vinculado e a vigência temporária Dada a imprescindibilidade do orça- mento, a tramitação do projeto de lei de to- das as leis orçamentárias sofre uma rígida I I :i ,, 'I I i ESTUDOS E COMENTÁRIOS 171 previsão constitucional, no escopo de evi- tar a situação de inexistência orçamentária. Sem lei orçamentária fica o Estado impos- sibilitado de realizar qualquer despesa, e im- pedido de atender às necessidades públicas. Nada pode ser pago sem autorização orça- mentária, nem além dos valor orçamentaria- mente limitados, ex vi do art. 167, II, da Constituição Federal. O orçamento condi- dona a conduta do administrador no modal perm.itido. Ou seja, autoriza a efetuação de despesas. É ato-condição. Sem orçamento não pode haver despesa, e sem efetuardes- pesas a Administração Pública não presta serviços, não atende às necessidades públi- cas. Nega sua própria existência, perece. Sem a permissão para a realização das des- pesas fica quebrada a proibição da inexis- tência do Estado. Assim, a vigência temporária das leis orçamentárias, especialmente a lei orçamen- tária anual, deve ser entendida dentro do ar- ranjo contextual que impõe o processo le- gislativo vinculado, tendo em vista a impos- sibilidade de ausência de lei orçamentária. A temporariedade da lei orçamentária não pode ser analisada isoladamente, mas em conformidade com o processo legislativo vinculado. A Constituição tece um sistema em que a lei orçamentária anual, ao perder sua vigência pelo decurso de tempo, imedia- tamente é substituída por outra que passa a incidir nos fatos previstos a partir de então. Não háanomia. 31 Em nenhum instante oBs- tado deixa de existir, porquanto cessada a vigência da lei anterior, logo se instaura a vigência da nova lei. A vidajurídicado Esta- do n?ío sofre colapso. Vigência, segundo a lição sempre rigo- rosa de Paulo de Barros Carvalho, significa "ter força para disciplinar, para reger, para regular as condutas inter-humanas sobre as quais a norma incide, cumprindo, desse mo- do, seus objetivos finais". 32 Assim, vigên- cia significa a possibilidade de incidência 31. Ausência de normas. 32. Direito Tributário- Fundamentos Jurí- dicos da Incidência, 211 ed., p. 53. da norma válida, a qual ocorrerá, infalivel- mente, dada a concreção no mundo físico do suporte fáctico, surgindo o fato jurídico. Significa onde c quando começa ou cessa de incidir a nonna jurídica. Vigente, portan- to, é a norma capaz de irradiar eficácia legaL O conceito de vigência não se confun- de com o de validade nem com o de eficá- cia. Validade não consiste em atributo de nonna. Validade depende do relacionamento da norma produzida com as demais normas do sistema. Enfim, validade é relação de per- tinencialidade de uma norma com o siste- ma jurídico, conforme determinado critél'io de identificação. Por isso, uma lei que pro- clamar em seu texto sua auto-validade, de nada adiantará. Apenas será válida se o fato jurídico de sua criação for suficiente. Já a vigência é a propriedade de certas normas jurídicas que estão aptas para desen- cadear efeitos, assim que aconteça no mun- do fenomênico os fatos descritos em sua hi- pótese. A vigência, portanto, poderá estar determinada na própria norma_ Poderá, tam- bém, estar situada em uma outra norma. Ou seja, a norma de estrutura que determina a criação da norma que tem a vigência condi- cionada. A vigência da lei orçamentária anual é determinada pela Constituição Federal no inc. III c § 8', do art. 165, bem como pelo art. 35, § 2', Ill, do ADCT. Por falta da lei complementar já mencionada, o exercício financeiro coincide com o ano civil, tendo início em 1" de janeiro e terminando em 31 de dezembro, conforme prescreve o art. 34, da Lei 4.320/1964. Assim, terminado o exercício financei- ro, esgOta-se a vigência da lei orçamentária anual. Eis a regra geral. Agora, a aplicação da regra geral pressupõe a observância de todo o regime do processo legislativo vincu- lado. VIl- A rejeição total do projeto Diante do quadro jurídico menciona- do surge uma questão: havendo rejeição to- tal do projeto de lei orçamentária, qual será 172 REVISTA TRIMESTRAL DE DIREITO PÚBLIC0-34 a solução? Nessa hipótese, como afirma Ri- cardo Lobo Torres, ''não há solução jurídi- ca, por se haver eles bordado o próprio cam- po da Constituição, que, ao tornar obrigató- rio o orçamento anual, não poderia prever o impasse institucional".~3 Dizemos: hLí solu- ção, sim. Agora, precisa ser arrancada das pli- cas, das dobras, do ordenamento jurídico. No regime constitucional p·assado en- tendeu-se que a solução seria a de se enten- der não devolvido o projeto enviado ao Con- gresso Nacional, o que resultava na promul- gação do projeto como lei. 34 É que o art. 6635 daquela Carta Magna estabelecia que no caso da não devolução, para sanção, se- ria o projeto promulgado corno lei. Assim, a disposição se aplicava tanto para hipótese de não devolução, como para a de rejeição. Este era o entendimento de Pontes de Mi- randa: "A data do encerramento do exercf- cio financeiro é de grande relevância, por- que, trinta dias, antes dela, ou a) o Poder Legislativo remete o projeto, emendado, ou não, ao Presidente da República para que sancione (promulgue no todo, ou em parte, com veto, ou o vete), ou b) se tem como promulgado, automaticamente". 36 33. O Orçamento Tut Constituição, p. 183. 34. No regime constitucional de 1934 e 1946, a solução consistia na prorrogação do orçamento anterior. Eis os dispositivos, respectivamente: CF/1934: "Art. 50.(. .. ).§ 5ll. Será prorroga- do o orçamento vigente se até 3 de novembro, o vindouro não houver sido enviado ao Presidente da República para a sanção". CF/1946: "Art. 74. Se o orçamento não tiver sido enviado à sanção até 30 de novembro, prorro- gar-se-á para o exercício seguinte o que estiver em vigor". 35. "Art.- 66. O projeto de lei orçamentária anual será enviado pelo Presidente da República ao Congresso Nacional, para votação conjunta das duas Casas, até quatro meses antes do início da exercício financeiro seguinte; se, até trinta dias antes do encenamento do exercício fmanceiro, o Poder Legislativo não o devolver para sanção, será promulgado como lei." 36. Comentários à Constituiçclo ... , cit., t. 111, p. 217. A atual Constituiçãonão resolveu satis- fatoriamente o problema, embora se possa retirar do sistema uma solução adequada. O problema, contudo, poderá ter solução de lege ferenda por intctmédio da lei comple- mentar prevista nos arts. 163 c 165, § gu, da Constituição Federal. Na falta da lei, três correntes doutrinárias disputam a solução mais acertada para o problema. Em apertada síntese passaremos em revista as posições. 111 corrente- Promulgação como lei do projeto original Em face da herança do sistema consti- tucional anterior, é que hoje há uma corren- te doutrinária que defende a tese da promul- gação do projeto original. Parte do princí- pio da impossibilidade de rejeição total do projeto. Assim, defende que a única solu- ção para o caso de rejeição da proposta orça- mentária, será a promulgação como lei do projeto original. Promulgar, numa concep- ção ponteana significa a "atestação da exis- tência da lei". 37 Considera o ato de rejeição total como nulo. Dizem, então, que ato nulo não produz efeito. Assim, a rejeição não po- de valer como tal, pois se choca com a disd- plina constitucional do orçamento. Haven- do a rejeição, ela deve ser desconsiderada, como inexistente, supondo-se que o Legis- lativo (tendo a possibilidade de alterar algu- mas dotações, mas não o fazendo) tenha concordado com a proposta inicial. 38 Apesar da engenhosidade, a tese não encontra suporte empírico no direito consti- tucional brasileiro. Primeiro, parte de uma suposição inaceitável, de que o Poder Le- gislativo não tendo feito alterações parciais, concordou com a proposta original. A fic- ção apresentada briga com os fatos. Melhor: 37. Pontes de Miranda, Comentários à Cons- tituição ... , cit., t. IJI, p. 182. 38. Cf. artigos de Adilson Abreu Dallari, nos Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Po- litica 15 (abr.-jun. 1996) e 19 (abr./jun. 1997). 'I ESTUDOS E COMENTÁRIOS 173 nega-os! É que o Poder Legislativo discor- dou totalmente do projeto. Como presumir que de uma rejeição total possa advir uma aprovação total? Além disso a proposta da promulga- ção agride o art. 211 da Constituição Federal, que cuida da independência e harmonia en- tre os poderes. A promulgação do projeto como lei faz tábula rasa do Poder Legislati- vo e eleva o Poder Executivo a uma posi- ção sobranceira não admitida pela ordem constitucional. Ainda entra em testilhas com o princípio democrático, porquanto ames- quinha o poder emanado do povo por meio de seus representantes, ex vi do parágrafo único, do art. Jll, da Constituição Federal. Afirma Adilson de Abreu Dallari: "A rejeição do projeto de lei orçamentária não deixa outra possibilidade, senão a promulga- ção do projeto original. Não existe alternati- va, pois a rejeição encerra o processo 1egis- lativo".39 A afirmação contém uma grave contradição. Se a rejeição encerra o proces- so legisferante, como então possível a pro- mulgação, já que esta se trata de um ato, forma1,40 do processo legislativo? Encerra- do o processo legislativo, impossível a práti- ca de qualquer ato que pressupõe a sua exis- tência. E mesmo que não se considere a pro- mulgação como integrante do processo le- gislativo, mas um ato de natureza executi- va, não se pode promulgar "lei inexistente" (não-lei). A promulgação, como afirma José Afonso da Silva, "não passa de mera comu- nicação. Aos destinatários da lei, de que uma 39. "Lei orçamentária- Processo legislativo -Peculiaridades e decorrências'', Cadernos de Di- reito Constitucional 19/62, abr.-jun. 1997. 40. Segundo Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, a promulgação "consiste em formalidade in- dispensável para torná-la executória, ao declarar o seu valot· coercitivo, pelo qual encerra a obra legislativa, que compreende matéria legislada e ordem legal, dando-lhe força de lei, emitindo a or- dem de obediência, ao verificar e atestar a sua exis- tência. Com ela termina a elaboração da lei" (Prin- cípios Gerais de Direito Administrativo, v. I, ob. cit., p. 264). lei foi criada com detenninado conteúdo".41 Promulga-se lei. Da rejeição total do proje- to de lei não pode surgir lei a ser promulga- da. O ato de promulgação sem lei subjacente usurparia todo o processo de formação da lei. Não tem qualquer fundamento jurídi- co relegar o comportamento do Poder Le- gislativo ao rejeitar o projeto de lei orçamen- tária. Se há a rejeição é porque o Poder Le- gislativo discorda da política do Poder Exe- cutivo. Seria um sem sentido a tramitação do projeto de lei orçamentária pelo Legisla- tivo sem que este pudesse rejeitar o projeto. Mirado nas lições sempre rigorosas de Eurico Marcos Diniz de Santi,42 e trazen- do-as para o presente estudo, a rejeição da proposta orçamentária consiste num fato. Mais, é fato jurídico documentado nos anais e arquivos dos debates ocorridos no Poder Legislativo. Não se trata de um aconteci- mento da ordem do intangível, insuscetível de ser traduzido em linguagem jurídica. Por isso deve ser sopesado. O silêncio também comunica. Atividade ou inatividade, pala- vras ou silêncio, tudo isso tem seu valor de mensagem. O silêncio, a imobilidade ou qualquer forma de renúncia ou negação é, em si, uma comunicação, pois, é impossí- vel não se comunicar. Não se pode, portanto, olvidar a negati- va do Poder Legislativo ao projeto de lei orçamentária. 2a corrente- Leis específicas para abertura de créditos especiais Uma segunda corrente parte de uma in- terpretação literal do § 8•, do art. 166, da Constituição Federal. "Art. I 66. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamen- 41. Princípios do Proce~·.w de Formação das Leis no Direito Constitucional, p. 217. 42. "Imunidade tributária como limite obje- tivo e a diferença entre 'livro' e livro eletrônico", in Imunidade Tributária do Livro Eletrônico, p. 58. 174 Rl;lVISTA TRIMESTRAL DE DIREITO PÚBLIC0-34 tárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Caw sas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum. "( .. ) "§ 8!.!. Os recursos que, em decorrênw cia de veto, emenda ou rejeição do projeto de lei orçamentária anual, ficarem sem des- pesas correspondentes poderão ser utiliza- dos, conforme o caso, mediante créditos es- peciais ou suplementares, com prévia e es- pecifica autorização legislativa." Propugna que qualquer despesa só po- derá ser efetivada quando devidamente auto- rizada pelo Poder Legislativo, caso a caso, mediante leis de abertura de créditos espe- ciais. Esta parece ser a opinião de José Afon- so da Silva, quando afirma: "A conseqüên- cia mais séria da rejeição do projeto de lei orçamentária anual é que a Administração fica sem orçamento, pois não pode ser apro- vado outro. Não é possível elaborar orça- mento para o mesmo exercício financeiro. A Constituição dá a solução possível e plau- sível dentro da técnica do direito orçamentá- rio: as despesas, que não podem efetivar-se senão devidamente autorizadas pelo Legis- lativo, terão que ser autorizadas prévia e es- pecificamente, caso a caso, mediante leis de abertura de créditos especiais'' ,43 A abertura de créditos especiais pressu- põe uma lei orçamentária. Os créditos que ficam sem despesas são créditos orçamentá- rios, o que torna indispensável a existência de uma lei orçamentária. Os créditos s6 po- dem ser abertos em um orçamento. Arejei- ção total do projeto de lei orçamentária, sem uma outra lei orçamentária, desemboca na inexistência de recursos disponíveis, por- quanto não haveria recurso. Recurso consiste num conceito legal. Só há recurso, do ponto de vista jurídico, quando previsto numa lei orçamentária. Re- curso apartado de uma lei não consiste em 43. Curso de Direito Constitucional, 51 ed., p. 623. recurso para efeitos orçamentários. Portan- to, inteiramente inaceitável esta corrente. Aliás, é a própria Constituição Fede- ral que no inc. V, do art. 167, prescreve que é vedada a abertura de crédito especial ou suplementar sem prévia autorizaçãolegisla- tiva e sem indicação dos recursos correspon- dentes. Tais recursos s6 podem advir de supe- rávit financeiro apurado em balanço patri- monial do exercício anterior, de excesso de arrecadação, de anulação parcial ou total de dotações orçamentárias ou de créditos espe- ciais e, por fim, de operações de crédito. Todas as situações pressupõem um orça- mento. 3a corrente- Prorrogação do orçamento anterior Urna outra corrente defende a prorro- gação do orçamento do ano anterior. Seria uma ultra-atividade da lei orçamentária que no caso da rejeição total do projeto não per- deria a sua vigência ao final do exercício financeiro. Esta solução é a adotada para o caso da não devolução, pelo Parlamento, do projeto no prazo para a sanção. Geralmente as leis de diretrizes orçamentárias contêm em seu texto dispositivos que permitem a prorrogação do orçamento anterior, na pro- porção de 1/12 das dotações, até que a nova lei orçamentária seja promulgada e publi- cada, conforme informa Ricardo Lobo Tor- res: "Silente a CF 1988, veio a Lei de Diretri- zes Orçamentárias (Lei 7.800, de I 0.7.1989 -art. 5!!) optar pela primeira solução, que é a mais democrática, admitindo a prorrogação do orçamento anterior, na razão de 1/12 das dotações, até que o novo seja publicado".44 Os não seguidores dessa corrente esgri- mem contra ela o argumento da impossibili- dade da prorrogação de uma vigência que 44. Curso de Direito Financeiro e Tributá- rio, sn ed., p. 154. ' ' STF BIBLIOTECA ESTUDOS E COMENTÁRIOS 175 não mais existe. Expirado o exercício finan- ceiro, a lei orçamentária perde a sua vigên- cia, sendo impossível a sua ultra-atividade. Ou seja, inteiramente impossível suas nor- mas continuarem a incidir sobre fatos futu- ros, a'té porque como realizar, outra vez, des- pesas que já foram realizadas? Sem razão a crítica. A perda de vigên- cia da lei orçamentária anual só pode ser entendida, aliás, como tudo no direito, den- tro do sistema normativo. Só o método siste- mático é idôneo para conduzir ao adequado significado, conteúdo e alcance das expres- sões do direito. Não podemos fazer nenhu- ma abstração do sistema, nenhuma norma poderá ser analisada fora dele. Não há nor- ma sozinha,. isolada. Não se interpreta a Constituição repartidamente. Como obser- va Eros Roberto Grau, "não se interpreta a Constituição em tiras, aos pedaços. A inter- pretação de qualquer norma da Constitui- ção impõe ao intérprete, sempre, em qual- quer circunstância, o caminhar pelo percur- so que se projeta a partir dela- da norma -até a Constituição".45 Toda análise é sis- temática. Retomando. Só tem sentido a procla- mação da vigência anual da lei orçamentária quando cotejada com o seu processo legis- lativo vinculado. Violado o processo legis- lativo vinculado, afastada a vigência anual. VIII- A rejeição total do projeto e a suspensão da perda de vigência da lei anterior Rigorosamente não há prorrogação da vigência da lei orçamentária anterior e, sim, a suspensão da perda da sua vigência, caso haja a rejeição total do projeto de lei orça- mentária anual. A prorrogação pressupõe a perda da vigência. No caso de rejeição total do projeto de lei orçamentária não há a per- da da vigência, porquanto o lapso de tempo que leva ao termo da vigência não se esgota. 45. A Ordem Ecmu)mica da Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica), p. 181. Não é a vigência de toda a lei que conti- nua e, sim, de algumas normas por ela veicu- ladas. Assim, é preciso que se estabeleça a distinção entre: a) instrumento introdutor de normas; b) enunciados prescritivos; e, c) norma jurídica. O legislador, entendido no sentido lar- go, para regular a conduta humana se vale de instrumentos introdutórios de normas. Por intermédio desses instrumentos ingres- sam no sistema jurídico enunciados. A pm·- tir dos enunciados são construídas as nor- mas jurídicas. Constituição, lei complemen- tar, lei ordinária, medida provisória, decre- to, sentença, ato administrativo etc., são veí- culos introdutórios de nonnas jurídicas. Pro- pagam enunciados prescritivos. Dos enun- ciados (suportes físicos), extraímos a signifi- cação: as normas jurídicas correspondentes àqueles enunciados. Cabe aqui a advertência de Eurico Marcos Diniz de Santi: "Não há de se con- fundir norma e instrumento introdutor. Este é veículo individual e concreto, suporte físi- co dos enunciados normativos, introduzido por um fato jurídico: seu conteúdo é que pode ser abstrato ou concreto, genérico ou individuaL Aquela (norma), a significação desses enunciados é a proposição jurídica na sua forma implicacional que corresponde àqueles enunciados". 41í A norma jurídica, portanto, consiste na significação. A estrutu- ra sintático-gramatical é o enunciado da nor- ma jurídica. As normas, porém, têm uma es- trutura lógico-sintática de signitlcação. São juízos hipotéticos em que se enlaça certa conseqQência à realização condicional de de- termitütdo evento previsto no antecedente. Pois bem, na hipótese de rejeição total de projeto de lei orçamentária anual algu- mas normas jurídicas construídas a partir dos enunciados prescritivos que ingressam no sistema por meio da lei orçamentária an- terior, continuam vigentes. Ocorrendo os fa- tos previstos no seu antecedente, incidem e 46. Lançamento Tributário, p. 54. 176 REVISTA TRIMESTRAL DE DIREITO PÚBLIC0-34 desencadeiam os efeitos jurídicos estabele- cidos no conseqüente. Elas subsistem. Subsistir, conforme o ch\ssico Caldas Aulete,47 significa "existir na sua substân- cia, existir individualmente". Segundo ain- da o mesmo filólogo, subsistir tem sentido de "persistir, manter-se, conservar a sua for- ça ou ação; não ser abolido, suprimido ou destruído". Em sua compleição etimológica, segundo Antônio Geraldo da Cunha,4R ovo- cábulosub:-iistirvem do latim ''subsistere, e significa ser, existir na sua substância". E ainda, com relação à palavra subsistir, den- tro de um contexto filosófico, pode-se en- contrar em Nicola Abbagnano49 o significa- do de existir como "substância, ou existir independentemente do espírito ou do sujei- to pensante". Rejeitado o projeto, persiste, mantém- se, conserva-se, subsiste a "existência"50 de algumas normas da lei orçamentária ante- rior. Subsistir é manter ou conservar algu- ma coisa. Mantém-se algo que já existe. É verbo intransitivo. A ação não vai além do verbo. Tem sentido completo, não precisa de complemento. Sozinho constitui o pre- dicado. O projeto de lei foi rejeitado, mas algumas normas da lei orçamentária ante- rior subsistem. A lei anterior subsiste. Per- siste existente. Daí já se percebe que nem todos os fa- tos poderão ser regidos pelas normas conti- das na lei orçamentária anterior. Só aqueles que ocorrem continuadamente. Situação que se mantém no tempo e que é mensurada em cortes temporais. Ou seja, que se desdobram na dimensão do tempo. São fatos que ocor- rem ordinariamente em qualquer execução orçamentária. Assim, as normas jurídicas que conti- verem na sua hipótese de incidência a descri- 47. Dicionário Contemporâneo da Língua Porutguesa, v. 5, 411 ed., p. 4.882. 48. Dicionário Etimológico da Língua Por- tuguesa, 2u ed., p. 740. 49. Dicionário de Filo.1·qfia, p. 890. 50. O pleonasmo é proposital. ção de um fato que se desdobra no tempo, não terão decretada a perda da sua vigência com o fim do exercício financeiro. Manter- se-ão em vigor, em face da incidência de outras normas constitucionais que impedem a anomia orçamentária. Do conjunto dessas normas emerge o princípio da inexauribili- dade da lei orçamentária que impede o fe- necimento do Estado. As normas que com- põem o direito financeiro são construídas e só adquirem sentido quando informadas pe- lo princípio da inexauribilidade da lei orça- mentária. Sempre haverá uma lei orçarnent.:"i- ria, porquanto sempre haverá Estado. O que significa dizer que continuará vigente a auto- rização para a cobrança de todas as receitas previstasnaquela lei, assim como o orça- mento das despesas. Tais normas de despe- sas geralmente referem-se às correntes, aquelas que se repetem em todos os anos e se referem à rotina dos serviços públicos, tais como as de custeio c de transferência, as que remuneram os serviços e os bens ne- cessários ao desempenho do serviço públi- co, o pagamento efetuado aos funcionários públicos, contraprestação de serviços ou de bens etc_, ex vi elo art. 12 ela Lei 4.320/1964. Segundo JoséJuan FeiTeiro Lapatza,51 "( ... ) se pueden definir los gastos de funcionamen- to o cm·rientes como los gastos normales, necesarios para la marcha de los servidos públicos y para la marcha ele! Estaelo; pago del pesonal, conservación de material, etc.". Não implicam, consoante o mesmo autor, "( ... ) ninguma transferencia de capital dei sector público ai sector privado ni dentro dei scctorpúblico. Sólo afectan, pues, ai em- pleo de las rentas ele! Estaelo u ele laNación". Destarte, a lei orçamentária do ano an- terior, cujo termo para a perda da vigência foi suspenso, vigorando, portanto, para além elo prazo normal, poelerá ser objeto das, alte- rações que se apresentem necessárias. E evi- dente que as alterações deverão ser efetiva- das por meio ele lei, posto que lei só se alte- ra por meio de outra lei. 51. Curso de Derecho Financeiro &pafíol, 19" ed.,.p. 142. ESTUDOS E COMENTÁRIOS 177 As normas do orçamento anterior cuja perda de vigência seja peremptória, até mes- mo pelo exaurimento de seu objeto, não po- dem ser aplicadas. Geralmente tais normas referem-se às despesas de capital. Nessa se- de, para que o Poder Executivo possa reali- zar suas competências constitucionais, deve recorrer aos créditos especiais ou suplemen- tares, 52 e extraordinários, estes últimos em virtude da emergência manifestamente ca- racterizada. É que os créditos extraordiná- rios dispensam autorização legislativa pré- via, cabendo ao Poder Legislativo verificar apenas a existência dos requisitos formais que permitem a utilização daqueles crédi- tos, conforme§ 3º, do art. 167, da Constitui- ção Federal. Cabe aqui urna advertência. O dispositivo constitucional fala em medida provisória. No caso dos Estados-membros, que não dispõem de tal instrumento norma- tivo, aplica-se o art. 44 da Lei 4.320/1994. Os créditos extraordinários serão abertos por decreto do Poder Executivo, que eleles dará imediato conhecimento ao Poder Le- gislativo. Consiste num decretos ui gene ris, tendo em vista a especialidade da matéria orçamentária, que não se submete ao regi- me previsto no art. 81 da CF. Não é regula- mentar; c deve ser aprovado pelo Poder Le- gislativo. A ausência da lei orçamentária anual, devido à rejeição total do projeto, não im- porta na simples permanência de vigência da lei orçamentária anterior porque não hou- ve a sua revogação, na forma do art. 21153 da Lei de Introdução ao Código Civil. Tal solu- ção não se hannoniza com a Constituição Federa] que prescreve a temporariedade (anualielade) da lei orçamentária. A vigên- cia da lei orçamentária deve ser cotejada com o processo legislativo vinculado, o princípio da legalidade da despesa pública 52. Conforme§ 8", do art. 166, da CF/1988, combinado com o art. 41, da Lei 4.320/1964. 53. "Art. 2ll. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifi- que ou revogue." e o Estado de Direito, tudo estabelecido na Constituição FederaL Sem a conjugação desses elementos é impossível a suspensão da perda de vigência da lei orçamentária an- terior. Ou seja, a projeção da lei orçamentá- ria de um exercício financeiro no outro sub- seqüente. Assim, a não perda de vigência de algu- mas normas implica que as receitas são as mesmas estimadas do orçamento anterior, que passam a ser atuais. Quanto às despe- sas, só as normas· que prevêem despesas re- ferentes ao funcionamento normal, repeti- do, do Estado, permanecem em vigor. Ou seja, as normas que descrevem, em suas hipóteses, fatos possíveis que podem serre- produzidos no futuro, permanecem em vigor. Agora, tendo em vista que outras nor- mas perderam vigência, especialmente as re- ferentes às despesas de capital e despesas que não podem ser repetidas, ficaram recur- sos sem as respectivas despesas. Aqui entra o sentido do art. 166, § gn, da Constituição FederaL Tais recursos, para serem aplica- dos, necessitam da autorização legislativa especifica por meio de crédito especial. Os recursos só são recursos, e só por isso po- dem ser usados, mediante leis autorizativas, porque estão orçados na lei orçamentária anual. Inexistente lei; inexistentes recursos. IX- A confirmação da interpretação A interpretação dos textos prescritivos não se constitui num ato arbitrário c sem controle.lnterpretar é ir além do texto sem sair do texto. Inocêncio Mártires Coelho ob- serva com rigor essa característica e expli- ca: "( ... ) ao aplicador da lei - por maior que seja a sua necessária liberdade de inter- pretação- não é dado atribuir significado arbitrário aos enunciados nonnativos, indo além elo sentido literallingüistieamenle pos- sível, que, aqui, funciona como ]imite da in- terpretação" .54 A interpretação jurídica não 54. Intei]Jretaçâo Constitucional, p. 56. 178 REVISTA TRIMESTRAL DE DIREITO PÚBLIC0-34 pode desembocar na desconstrução do tex- to. Embora haja uma ilimitação de toda e qualquer interpretação, ela não corre auto- nomamente, solta. A função do intérprete do direito é, contextualmente, buscar o senti- do do objeto ou da obra; o direito positivo. Tal atitude não significa uma redução à pre- tensa intentio auctoris. Não. Absolutamen- te. A intenção do legislador ou do autor é pré-textual. É momento metajurídico; políti- co c psicológico. A intentio operis, o senti- do contextual, funciona como uma fonte de significados que se põe entre o legislador e o intérprete, impondo uma restrição à liber- dade da intentio lectoris. O intérprete cons- trói o sentido do texto; não o texto. O texto é função legislativa. A interpretação que indica a suspen- são da perda de vigência da lei orçamentá- ria anterior é a única que mantém fidelida- de com sua base empírica: o texto constitu- cional. O caminho escolhido e seguido para a busca do sentido c alcance dos dispositi- vos que cuidam da lei orçamentária anual consiste numa interpretação inteiramente possível. Não escapa do cerco do texto cons- titucional. O trajeto descritivo mantém rela- ção de nexidadc com a Constituição. A interpretação se harmoniza com o Estado de Direito. Estado de Direito enten- dido dentro da identidade estado e direito, conforme chama a atenção Lourival Vilano- va: "Em rigor, inexiste tecnocracia, gover- no dos negócios de Estado por peritos es- pecializados, sem direito. Como, em rigor, não se dá Estado, por mais acusado que seja o seu quantum despótico, sem ordenamento jurídico". E adiante complementa: "Nin- guém governa com o Evangelho na mão, ou com o tratado de ciência política. Governa com normas, mediante elas. O que se contes- ta não é a juridicidade do poder, mas é a fonte de sua legitimação, isto é, à procedên- cia das nornlas que delineiam as órbitas de competência, e, mais, o conteúdo de tais nor- mas, a parcela de vida humana e a porção de vida social onde elas incidem. O Estado dessacraliza a misericórdia, institucionali- zando a assistência como serviço público".55 Sem lei orçamentária não há Estado. Importante retomar a lição de Alfredo Au- gusto Becker, quando afirma: "O Estado vi- verá o espaço de um Orçamento". Só com urna lei orçamentária é que o Estado pode- rá desempenhar as suas competências cons- titucionais e assim atender às necessidades públicas. A anomia orçamentária impede a efetividade do Estado. O Estado proíbe-se de ser Estado. Nega-se, portanto. Encontra fundamento no princípio constitucional da separação dos poderes. Respeita a participação do Poder Legislativo no processo de produção normativa quere- sultou na rejeiçãodo projeto de lei orçamen- tária. É impossível que se olvide a participa- ção do Poder Legislativo. No mesmo senti- do anotam Régis Fernandes de Oliveira e Estevão Horvarth: "Não tem sentido, à luz dos novos preceitos e princípios constitucio- nais, que se ignore o comportamento do Le- gislativo. Se rejeita o orçamento, é porque discorda da política do Executivo. Tem tal direito. Não se pode relegar o Legislativo a segundo plano, a ponto de ignorar sua parti- cipação no processo de discussão da lei or- çamentária. Se não pode rejeitar, para que ouvi-lo? Se deve discutir, pode rejeitar". 56 A subsistência da lei orçamentária an- terior prestigia a autonomia legislativa, por- quanto se trata da permanência de um docu- mento normativo aprovado pelo Parlamen- to. O que, inclusive, se harmoniza com o princípio democrático. A solução ainda foge da interpretação literal do § 8• do art. 166 da Constituição Federal, já que os créditos especiais devem ser abertos dentro do contexto de um orça- mento, com as adaptações necessárias. 55. "Fundamentos do Estado de Direito", RDP 43-44/24-25. 56. Manual de Direito Financeim, 2ll ed., p. 91. STF BIBLIOTECA ESTUDOS E COMENTÁRIOS 179 X- Conclusão É preciso encontrar-se um ponto de ponderação e equilíbrio entre situações que de início apresentam-se contraditórias. O princípio constitucional da anualidade orça- mentária impõe que o Poder Legislativo de- ve exercer o controle político sobre o Po- der Executivo pela renovação anual da per- missão para a cobrança dos tributos e a reali- zação dos gastos. Por outro lado, não pode o Poder Legislativo in viabilizar a prestação dos serviços públicos pelo Poder Executi- vo, bem corno a realização das funções cons- titucionais dos outros órgãos: a própria exis- tência do Estado. Destarte creio que a solução consiste na ponderação dos bens que a Constituição buscou preservar. A fiscalização do Legis- lativo sobre os atos do Executivo tem a fina- lidade de legitimá-los e torná-los eficazes. Jamais de negá-los. Por isso que a rejeição total do projeto de lei orçamentária não pode ser entendido como o fim do Estado. Pelo contrário, é a continuação do outro Estado, o do orçamento anterior. Não todo, apenas em relação às despesas corriqueiras que po- derão continuar a ser efetivadas, inclusive com as adaptações necessárias que deverão ser promovidas por meio de lei. As demais despesas, a própria Constituição fixa a solu- ção: créditos especiais, suplementares ou ex- traordinários. Assim: a) A vigência temporária da lei orça- mentária anual deve ser entendida dentro do contexto do processo legislativo vinculado, conforme prescreve o art. 35, § 2' da ADCT; b) No caso de rejeição total do projeto de lei orçamentária anual, para que o Esta- do não fique sem orçamento, é de entender- se como suspensa a perda de vigência de algumas normas da lei orçamentária ante- rior, porquanto não obedecido o processo legislativo vinculado; c) As despesas que não puderem ser realizadas com base na lei orçamentária an- terior, devem ser efetivadas por intermédio de créditos especiais ou suplementares, com prévia e específica autorização legislativa, na forma do§ 8.!!, do art. 166, da Constitui- ção Federal. Bibliografia ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filoso- fia, São Paulo, Mestre Jou, 1992. ATALIBA, Geraldo. Apontamentos de Ciências das Finanças, Direito Financeiro e Tributá- rio, São Paulo, Ed. RT, 1969. AULETE, Caldas. 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Conclu.~ão: requisitos formai.~ para a adoção do sistema proporcional per.wnalizado no Brasil. 6. Bibliografia. 1. Delimitação da discussão Mais urna vez nos vemos diante de pro- postas de mudanças em nosso sistema de eleição para a Câmara dos Deputados e, no- vamente, as discussões giram em torno do chamado sistema eleitoral misto, ou seja, do sistema eleitoral adotado na Alemanha. Muito já se discutiu a respeito das caracterís- ticas, vantagens e desvantagens desse siste- ma, e nãose quer aqui fazer mais um arrola- mento de argumentos contrários ou favorá- veis à mudança, nem tomar uma posição quanto ao sistema desejável para o Brasil. A proposta aqui é outra, um pouco mais teó- * Este artigo foi feito com base nos resulta· dos da pesquisa sobre sistemas eleitorais, feita pelo autor, sob orientação da Professora Femanda Dias Menezes de Almeida, com o auxflio de uma bolsa da FAPESP ~Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, entre abril de 1994 e junho de 1995. rica do que os debates entusiastas que ora endeusam ora massacram o sistema germâ- nico. O que se fará aqui será uma crítica à própria categoria sistema eleitoral misto e, também, a terminologias que considero ain- da mais errôneas, como sistema distrital misto. Mas a predominância do aspecto teó- rico-tennino1ógico não significa, obviamen- te, ignorar os resultados práticos que, no caso em questão, são altamente relevantes. 2. Sistem~ distrital misto: carência de significado A crítica começa pelo tetmo sistema distrital, do qual deriva a expressão siste- ma distrital misto. Criação, ao que parece, da doutrina brasileira, a expressão sistema distrital é absolutamente carente de valor distintivo entre os sistemas eleitorais, pois se refere apenas ao local onde a eleição será realizada -no distrito-, mas não por qual