Buscar

Para além dor trilhos_ A representação da ferrovia em Sergipe (1915-1918) - Bruno de Abreu Oliveira

Prévia do material em texto

PARA ALÉM DOS TRILHOS: A REPRESENTAÇÃO DA FERROVIA EM SERGIPE 
(1915-1918) 
 
Autor: Bruno de Abreu Oliveira
1
 
 
Orientador: Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos (DHI/UFS) 
 
RESUMO 
 
A proposta desse trabalho é dissertar sobre a implantação da malha ferroviárias do Estado de 
Sergipe, durante o início do XX, relacionando as perspectivas políticas, econômicas e 
culturais que levaram às discussões sobre o simbolismo das linhas ferroviárias no imaginário 
sergipano. O presente estudo objetiva conhecer os discursos e o contexto histórico no 
processo de implantação das malhas ferroviárias e, também, entender como esses aspectos se 
relacionavam com o ideário progressista e desenvolvimentista corporificado em nosso objeto, 
as ferrovias sergipanas. As ferrovias é tema de análise de diversas pesquisas em diferentes 
campos científicos. Sob a visão da historiografia as linhas férreas sergipanas transpuseram 
diversas barreiras até conseguir, de fato, ser concretizada. Esta pesquisa visa expor o 
imaginário de modernização, dos representantes do grande poder político sergipano, como 
legitimador para os benefícios exigidos, no caso a construção da ferrovia. Mais uma vez, 
pretende-se contribuir nos estudos historiográficos acerca das ferrovias em Sergipe. 
 
Palavras-chave: Sergipe; Ferrovias; Trem; Progresso; Modernização. 
 
INTRODUÇÃO 
 
O fim do século XIX e início do XX colocaram a economia nacional frente ao 
desenvolvimento das superpotências europeias. Com isso, o Brasil, que havia poucos anos da 
saída do modo de produção escravista, precisava tornar-se um país atrelado ao sistema de 
produção mundial. Contudo, primeiro seria necessário desenvolver internamente. 
Um grande empecilho ao progresso brasileiro era a falta de meios de transportes 
eficientes que permitissem a ligação tanto com o mercado internacional, quanto com o 
nacional. Para atender a demanda de uma inteiração do mercado produtor brasileiro tomou-se 
como alternativa mais viável o sistema das ferrovias. Por isso, ainda no fim do século XIX, 
Sergipe vislumbra a construção da malha ferroviária capaz de beneficiar a si próprio e, 
também, a região Nordeste. O ideal seria um projeto ferroviário que cortasse o Estado de 
norte a sul e leste a oeste. Todavia as tentativas de aprovação do ―sonho sergipano‖ tornaram-
 
1
 Mestrando acadêmico (PROHIS/UFS) e Graduado em História (UFS). 
brunoabreuufs@gmail.com. 
mailto:brunoabreuufs@gmail.com
2 
 
se infrutíferas, há uma série de estudos historiográficos que apontam essas tentativas 
fracassadas. 
Fracassos e mais fracassos, esse foi o resultado das tentativas de implantação 
ferroviária em Sergipe, no século XIX. Entretanto, o que irá interessar nesse trabalho é a 
ferrovia de fato e, para isso, o início do século XX será o marco temporal a ser trabalhado. 
Esse recorte temporal ater-se-á entre os anos 1915 e 1918. O primeiro marca a inauguração do 
sistema ferroviário nas terras sergipanas. Já o segundo seria um ano em que a ferrovia 
encontrava-se consolidada e conhecida por boa parte da sociedade da época. 
Tomando conhecimento de que a implantação da rede ferroviária influenciou em 
vários outros fatores que extrapolam a função pragmática, é objetivado nesse artigo traçar 
análises para uma melhor compreensão sobre o que a ferrovia representou, inicialmente, para 
o povo sergipano. É necessário ver como a chegada do trem foi recebida pelos sergipanos, a 
fim de entender os outros aspectos que a ferrovia traz consigo. 
Para analisar todos esses aspectos que vão além da praticidade das ferrovias será 
imprescindível adentrar nos aportes teóricos e conceituais de alguns autores estudados durante 
a disciplina ―Cultura, Sociedade e Poder‖, do Programa de Pós-Graduação em História 
(PROHIS) da Universidade Federal de Sergipe (UFS). No que se refere ao referencial teórico, 
que irá permear todo o artigo, será adotado Roger Chartier. Desse faremos uso do conceito 
―Representação‖ e também o de ―Prática‖, no sentido de emprego da ―utensilagem mental‖ da 
época naquele local. 
Porém, para poder abordar todas as questões, também será necessário o uso de alguns 
conceitos de outros autores. Todavia, nesse caso, será de forma mais superficial e em pontos 
específicos. Por exemplo: a questão do progresso e da tendência civilizadora (de Nobert 
Elias), o intercâmbio cultural (de Braudel) entre as diferentes classes em um mesmo campo, 
os conceitos de cultura e subcultura (presente na obra de Márcia Abreu) ou ainda ao falar do 
poder simbólico imprimido pelas ferrovias (utilizando Pierre Bourdieu), dentre outros. 
O desenvolvimento do objeto se debruça através de fontes como as Mensagens de 
Presidentes de Estado e, juntamente a essas, textos jornalísticos que circulavam em Sergipe 
durante o processo de engatinhar das ferrovias no solo sergipano. Assim, faremos uso do 
processo metodológico de revisão bibliográfica acerca da temática e de leitura de documentos 
pertencentes ao período em evidência. 
Sobre o processo de revisão bibliográfica é importante ressaltar alguns estudos que 
versam sobre as ferrovias em Sergipe. O primeiro é um capítulo do livro Sergipe 
3 
 
Fundamentos de uma economia dependente, de Maria da Glória Santana de Almeida, que 
seria um trabalho inaugural a tocar no tema ferrovias em Sergipe, mesmo que seja bastante 
superficial. Outro trabalho que merece destaque, por ser pioneiro em trazer a ferrovia de 
forma específica, é a monografia de Dayse Lima de Menezes. Este traça os primeiros passos 
para a chegada dos trilhos em solo sergipano. 
A estrutura desse artigo será distribuída em dois tópicos. O primeiro irá permear os 
discursos de progresso acerca do pontapé inicial das ferrovias em Sergipe, observando a 
questão da representação desse ideal nos momentos das inaugurações dos trechos de linhas 
férreas. Em um segundo momento, vamos analisar a ferrovia na prática e o que, de fato, ela 
estava se tornando no imaginário dos sergipanos. Para isso será necessário o uso de fontes 
como jornais da época e o conteúdo presente nas Mensagens de Governo. Dessa forma, o 
trabalho visa contribuir para a disciplina ―Sociedade, Cultura e Poder‖, mas, principalmente, 
para as pesquisas acerca do tema ―Ferrovia‖. 
 
A INAUGURAÇÃO DO PROGRESSO 
 
O alvorecer do século XX traz consigo uma variedade de inovações para Sergipe, onde 
os discursos progressistas permeavam a sociedade da época. Houve uma forte tendência 
civilizadora que influenciava desde os costumes e práticas cotidianas até nos modelos 
arquitetônicos. Segundo o sociólogo Norbert Elias, essa tendência evolutiva nada mais seria 
do que um ―problema da inevitabilidade da evolução social‖. Assim, podemos entender que 
esse ideal progressista estava envolto na mentalidade dos indivíduos que viviam nesse 
determinado contexto histórico. 
Toda essa ―sede‖ pelo progresso tornou-se visível no movimento de modernização da 
capital sergipana, Aracaju. Aliás, essa modernização espalhou-se em todo o Estado, através de 
novas obras com arquitetura arrojada para a época. No entanto, Aracaju em especial, passou 
por intensos processos de saneamento, embelezamento e de políticas higienistas. O ideal 
republicano estava se afirmando e precisava ir a várias esferas sociais para ter o ar 
progressista enaltecido em contraposição ao ―atraso‖ do ideário imperial. 
 Essas circunstâncias corroboraram para o surgimento da chamada ―Belle Époque‖ 
sergipana. Na qual se pretendia difundir novas noções de civilidade e urbanísticas inspiradas 
nas grandes cidades europeias, contrapondo o regime antecessor e vangloriar o espírito 
republicano. O momento era galgado no processo de ruptura com o antigo regime e de 
4 
 
autoafirmação da República nascente. É nesse ar de modernização que as ferrovias foram 
implantadas em Sergipe. 
 
A ferrovia anunciava e realizava o novo, aomesmo tempo em que nele inseria o 
velho e tradicional. Era como se descosturasse a trama das velhas relações sem 
destruí-las inteiramente, recosturando-as no sistema de significados e funções do 
primado do capital e de sua reprodução ampliada. Não atuava apenas no âmbito da 
economia, mas também no do reajustamento e refuncionalização das relações 
sociais, dos valores, das concepções. Juntava e separava as classes sociais, os 
passageiros da primeira classe e os passageiros da segunda classe. 
Reestamentalizava o novo transporte de massa ao pôr em circulação os 
moderníssimos, luxuosos, caros e segregadores trens a diesel, o Cometa, o Estrela e 
o Planeta, nos anos 20. A nova ordem – a ordem das separações que se juntavam 
sem se dissolver – legitimava as diferenças, os que tinham estilo e os que não o 
tinham (MARTINS, 2004, p. 12). 
 
Outro fator que se tornou decisivo para a aprovação da ferrovia em Sergipe foram as 
mudanças no desenvolvimento econômico do Estado. Este, até então, possuía uma economia 
de base rural muito ligada ao consumo interno e criação de gado, em relação as zonas do 
interior sergipano. Já no litoral a produção açucareira era o carro chefe, porém ainda estava 
muito ligada ao sistema canavieiro baiano. É claro que a adoção de Aracaju como capital e 
saída portuária ajudou a um equilíbrio no escoamento das produções sergipanas, contudo, 
internamente, Sergipe não possuía boas vias de acesso para a exportação de seus produtos e 
ainda continuava refém da Bahia para poder escoar as suas produções. 
Essa situação ainda piora a partir das implantações das primeiras fábricas, sobretudo 
em Estância e Aracaju, onde o ramo têxtil obteve um domínio hegemônico. Todavia, as 
dificuldades já iniciam desde a comunicação com os centros produtores de insumos, 
sobretudo o algodão. A outra grande dificuldade é a escoação do produto final propriamente 
dito. Sergipe estava ilhado em meio ao desenvolvimento, pois não havia estradas de rodagens, 
linhas férreas ou quaisquer outros meios. A partir de tudo isso, a implantação de vias férreas 
tornou-se, na visão da época, imprescindível para o desenvolvimento econômico. 
 
Expandindo-se como o sistema mais moderno e rápido de comunicação terrestre, a 
via férrea podia representar alternativa válida para tornar os centros econômicos de 
maior importância mais eficientemente comunicantes com o porto de exportação. 
Como zonas algodoeiras do Norte (Propriá-Aquidabã) e do Centro (Itabaiana-N. S. 
das Dores) e a zona agrícola mais interior (Simão Dias-Itabaianinha), produtora de 
café e cereais, não dispunham de facilidades para o escoamento de sua produção, as 
primeiras propostas de construção de linhas férreas pensaram em tomar a direção de 
Propriá e Simão Dias (ALMEIDA, 1984, p. 238). 
 
5 
 
Apenas em 1907 é que se iniciaram as obras da construção da malha Ferroviária em 
Sergipe. Os primeiros trechos ferroviários começam a ser inaugurados em 1913, cerca de 10 
anos após a criação do Decreto n° 1.126/1903
2
, que assegurou a construção de vias férreas 
sergipanas. A chegada desse mundo ferroviário tinha consigo uma espécie de imaginário da 
modernidade e, no caso de Sergipe, também representou uma ideia de progresso tão difundida 
pelo republicanismo. 
O processo de edificação das ferrovias em solo sergipano foi subdividido em três 
etapas: em um primeiro momento a linha férrea partiria do local no qual, hoje, se encontra 
Esplanada, município baiano, à capital sergipana; a segunda etapa saía de Aracaju em direção 
de Rosário do Catete; e o último trecho partiria desta e seguia em direção ao extremo Norte do 
Estado, o município de Propriá. 
O primeiro trecho foi concluído em 04 de abril e inaugurado em 26 de maio de 1913. 
A ferrovia sergipana, inicialmente, era dirigida pela empresa franco-belga Compagnie des 
Chemins de Fer de l’Est Brésilien. Durante a cerimonia de inauguração, uma comitiva baiana 
visitou várias estações sendo recepcionados pela população sergipana. É importante ressaltar 
que esses eventos eram frequentados, principalmente, pelos políticos e grandes personalidades 
da sociedade sergipana. A população pertencente às classes baixas ficava apenas admirando 
ou fazendo um coro de aplausos para a ―chegada da modernização‖. Esse será um aspecto 
primordial para compreender as ferrovias como um campo de relações sociais. 
Ainda sobre essa primeira inauguração, os jornais da época noticiavam detalhando, 
inclusive, o nome de todos os componentes da comitiva e seus respectivos cargos. Foi dado 
um grande destaque a presença do representante do Presidente da Bahia e a recepção por parte 
do Presidente do Estado de Sergipe, Antônio José Siqueira de Menezes. Mesmo com uma 
visão superficial é notória a confirmação de uma exclusividade de presença de pessoas mais 
abastardas ou que ocupassem cargos de relevância. Enquanto no discurso a ferrovia era um 
progresso para todos, na prática isso não acontecia. 
Podemos perceber, no evento de inauguração do primeiro trecho ferroviário, uma 
aplicação dos conceitos de cultura e subcultura, difundido por Márcia Abreu, com algumas 
ressalvas. Veja bem, enquanto na obra a Cultura Letrada os conceitos são aplicados nas 
questões relacionadas ao mundo das letras, aqui nos apropriamos para aplica-los nas relações 
sociais. A ideia modernizadora parte dos indivíduos da cultura dominante e parte, quase como 
um processo de osmose, para ser absorvido pela subcultura. 
 
2
 https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1900-1909/decreto-1126-15-dezembro-1903-584978-
publicacaooriginal-107861-pl.html 
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1900-1909/decreto-1126-15-dezembro-1903-584978-publicacaooriginal-107861-pl.html
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1900-1909/decreto-1126-15-dezembro-1903-584978-publicacaooriginal-107861-pl.html
6 
 
No ano seguinte, 1914, é inaugurado o segundo trecho em 22 de março. Esse trecho 
abarcava as estações de: Cotinguiba (na cidade de Nossa Senhora do Socorro); Laranjeiras; 
Riachuelo; Caitetu; Maruim e Rosário do Catete, segundo informações do Guia Geral das 
Estradas de Ferro. 
Esta segunda inauguração não teve a mesma ―pompa‖ da primeira. Por esse mesmo 
motivo, não é possível achar fontes que apresentem detalhadamente o nome de cada 
componente da comitiva. Todavia os grupos que estiveram representados se norteiam, mais 
uma vez, de políticos, autoridades, funcionários públicos e senhoras da alta sociedade 
sergipana. O trem servia a determinados estamentos sociais, e tais grupos estavam ligados a 
cultura dominante. 
Por último, há a inauguração do derradeiro trecho, em 05 de agosto de 1915, que 
compreendia de Rosário do Catete a Propriá. Passava pelas localidades da atual cidade de 
Carmópolis, Japaratuba, Murta, Capela, Muribeca, Batinga e tinha como fim de linha o 
município de Propriá. Mais uma vez os membros da alta sociedade compunham a comitiva, 
além de jornalistas que ali estavam para cobrir o acontecimento e de componentes de banda 
marcial. O jornal ―O Estado de Sergipe‖, em seu editorial, publica em 05 de agosto de 1915 
faz a seguinte declaração: 
 
Da estação desta capital partirá hoje, às 10 horas, o trem inaugural conduzindo o Sr. 
Dr. Monteiro Almeida, Secretário do estado, que vai representando a Chemmis e da 
fiscalização e pessoas outras que vão inaugurar os dois últimos trechos da Timbó-
Propriá, já entregues ao governo Federal. Na Capella será a comitiva recebia com 
festas, pernoitando ali o trem, donde sairá pela manhã de 6 com destino a Propriá, 
onde preparavam-se estrondosas festas pelo motivo tão auspiciosa da abertura do 
tráfego deste trecho ferroviário. 
O regresso a esta capital será feito dia 7. O Alferes do corpo de policia Agrippino 
Muniz Barreto, seu ajudante de ordens Dr. Monteiro Alencar. Dr. Manoel Porfirio 
de Brito irá representando ―O Estadode Sergipe‖. [...] A inauguração do último 
trecho Rosário/Propriá, a convite chega a Propriá dia 06.08 às 14 horas e meia. Com 
delirante entusiasmo popular foi recebida à comitiva‖. A cerimônia inaugural, deu-
se acompanhado de duas filarmônica locais, e no salão especial da estação, lavrou-se 
o ato inauguração oficial do último trecho Timbó-Propriá (O Estado de Sergipe, 
1915, p. 01-02). 
 
Os discursos calorosos por parte de membros representativos do quadro político, não 
pouparam palavras vitoriosas quanto a grandiosa realização para o Estado, que seria o 
―sonho‖ de todos os sergipanos, possuir um a Estrada de Ferro. Mesmo que somente a partir 
desse momento as ferrovias estivessem funcionando em sua totalidade, ela já havia se tornado 
presente, há 02 anos, no cotidiano sergipano. 
7 
 
O ideal progressista continuava forte. Junto ao trem era chegado o desenvolvimento e 
esse era o principal ponto nos discursos da classe política da época. Depois de anos de 
tentativas o ―sonho sergipano‖ estava concretizado. É possível perceber no discurso proferido 
pelo Presidente de Estado, Manoel Oliveira Valadão
3
, o saudosismo diante da personificação 
do progresso, afinal era isso que a ferrovia representava. Para finalizar essa etapa, vejamos: 
 
Entre os dias de maior júbilo de minha vida, contarei este — 5 de Agosto de 1915 — 
em que, a testa do governo do Estado, tive a grata satisfação de ver partir desta 
Capital, ao som de estrepitosas aclamações, o trem inaugural do último trecho da 
Estrada de Ferro do Timbó a Própria e do seu importante ramal da Murta a Capela. 
Na História de Sergipe, aquela data ficará, sendo uma das mais memoráveis e ao 
mesmo tempo um traço inextinguível do patriótico empenho com que os nossos 
representantes no Congresso Nacional, em 1903, se esforçaram pela conquista de tão 
grande melhoramento; e justo é que, como preito de homenagem a esses 
representantes, aqui fiquem registados os seus nomes: Senadores, Olímpio de Souza 
Campos, José Luiz Coelho e Campos e Martinho Cezar da Silveira Garcez; 
Deputados. José Rodrigues da Costa Dória, Joviniano Joaquim de Carvalho, 
Felisbelo Firmo de Oliveira Freire e, por último, o signatário da presente Mensagem, 
que, presando a verdade, afirma, como testemunho de sua consciência, que na 
consecução da Estrada de Ferro do Timbó a Própria, nós, os Sergipanos, muito e 
muito elevemos à pertinácia do falecido Senador Olímpio Campos, à solicitude do 
Deputado Rodrigues Dória e à cooperação do então Presidente do Estado, Dr. Jozino 
Menezes, que facilitou o adiantamento pelo Tesouro estadual da importância precise 
para os estudos do traçado. Dito isto, e por se tratar de um acontecimento 
extraordinário, de alto valor para o futuro de nosso estremecido torrão, fecharei esta 
parte dos informes [...] (VALADÃO, 1915, p. 22-23). 
 
DISCURSOS E PRÁTICAS POR TRÁS DOS TRILHOS 
 
Nunca pensei ver o Aracajú tão adiantado. Temos bondes, estrada de ferro, 
eletricidade, água encanada, sorveterias, bastantes boticas, bons jornaes, tudo enfim, 
que se possa dar o nome de uma penca de progresso. Em recreio não se falta, temos 
até um permanente! E diga que isso não são fumaças?! Fumaças sempre fumaças. 
Ora, ahí esta! (Jornal A Rua, p. 02, 1914). 
 
Mesmo não sendo feito, em sua maioria, por pessoas das classes menos abastardas os 
jornais acabam retratando discursos que simbolizavam um ponto de vista um pouco mais 
ligado ao olhar do povo e, até mesmo, corriqueira no dia a dia da sociedade comum da época. 
A inevitabilidade da evolução social, como diria Nobert Elias, estava aplicada ao contexto da 
chegada dos trens juntamente a todas as melhorias advindas com a pujança 
 
3
 Manuel Prisciliano de Oliveira Valadão nasceu no município de Vila Nova (SE) em 4 de janeiro de 1849 e 
acabou falecendo, em 10 de novembro de 1921. Por Sergipe foi deputado, senador e presidente de estado. Além 
disso, atuou na Guerra do Paraguai, motivo pelo qual recebeu diversas condecorações. Foi sócio benemérito do 
Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGS) e recebeu um monumento em sua homenagem e a praça 
batizada com o seu nome. Fonte: (http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/VALADÃO,%20Manuel.pdf). 
http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/VALADÃO,%20Manuel.pdf
http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/VALADÃO,%20Manuel.pdf
8 
 
desenvolvimentista do século XX. A ferrovia era o maior símbolo de desenvolvimento e de 
tecnologia na época. E isso se torna mais forte ao levarmos em conta de que o principal meio 
de transporte ainda eram cavalos, carros de boi, etc. 
Aos poucos o público comum foi se familiarizando com o trem, ainda que essa relação 
fosse inserida no local destinado a segunda classe. Os passageiros foram se tornando 
diversificados, porém com a força da dialética entre cultura e subcultura impregnada no dia a 
dia. Como um bom exemplo o Historiador André Jesus nos apresenta o seguinte: ―as tarifas 
de passagens tinham preços diferenciados, consequentemente, os usos dos vagões pelos 
passageiros e os serviços dentro dos vagões dos trens também eram diferenciados‖. É possível 
perceber que, por mais acessível que parecesse ser, havia mecanismos capazes de garantir e 
legitimar esses espaços de diferenciação social. 
Dessa maneira, no campo da representação as ferrovias traziam a personificação do 
progresso e desenvolvimento, ou de qualquer outra coisa que queiram chamar. Mas, na 
prática, não era bem assim. Há o que podemos conceber, segundo preceitos conceituais do 
historiador Roger Chartier, como internalização simbólica das lutas pelo poder e dominação 
entre os grupos. Ou ainda, nesse caso, entre os indivíduos participantes desses grupos sociais. 
Uma vez que tocamos em Roger Chartier, vamos trazê-lo para conversar. Podemos 
pensar na aplicação do conceito de Representação para percebermos algo que não está tão 
aparente ou para analisar a exibição da presença de um objeto, em nosso caso a ferrovia. 
Essas representações são, quase sempre, produzidas e comandadas pelos interesses de grupos 
dominantes, ou que forjam àquelas. 
Ao mesmo tempo em que a chegada da ferrovia representou uma série de mudanças 
ligadas ao progresso social e desenvolvimento econômico, ela também significava a 
construção de um campo repleto de tensionamentos entre grupos sociais. Uma elite 
culturalmente dominante que ditava as regras de usos da ferrovia e um público comum que 
estava ali, em sua maioria, para servir. A imprensa da época, por exemplo, tratavam os 
acidentes ocorridos no processo de construção da ferrovia como um ―mal necessário‖. As 
vidas dos operários pareciam pouco importar. Segundo Jesus (2017, p.74), ―as mortes foram 
justificadas como um ‗sacrifício‘ em prol do progresso, nesse caso, da conclusão daquele 
trecho da estrada de ferro, para o ‗conforto‘ das pessoas que por ela trafegariam no futuro‖. Se 
de um lado a expectativa da chegada dos trilhos era a civilização, o progresso e o 
desenvolvimento. De outro, ela atuava na prática como um campo de conflito social e símbolo 
desigualdade social. 
9 
 
Os primeiros anos que sucedem a inauguração da ferrovia (1916-1917), integrantes do 
marco temporal deste artigo, mostram a questão de como se deu na prática o discurso 
progressista. É inegável que houve inúmeros avanços, principalmente no que tange a 
mobilidade, o escoamento de mercadorias, etc. Todavia, aqui nos interessa a percepção da 
idealização do progresso no imaginário sergipano. Vejamos os trechos a seguir, extraído da 
Mensagem do Presidente do Estado dirigida a assembleia dos deputados, que ajuda a ilustrar 
um pouco mais esse ponto: 
 
Dentre as causas que mais tem concorrido para a melhoria da nossa situação, devo 
assinalar a facilidade de transporte que nos proporcionam a Estradade Ferro de 
Timbó a Propriá, e, ultimamente, as Empresas de Navegação Lloyd Brasileira e 
Costeira, aumentando e regularizando as viagens de seus paquetes. A Estrada de 
Ferro, principalmente, é hoje um poderoso fator de nosso progresso—e bem haja 
àqueles que pugnaram por tão grande melhoramento para Sergipe (Valadão, 1916, p. 
04). 
Com o aumento da população da nossa Capital, cuja cifra cresce Publica de dia para 
dia, mormente com a facilidade da comunicação ferroviária, mais palpitante se torna 
a necessidade de melhorarmos o serviço de Assistência Publica, de que já me ocupei 
na mensagem de 07 de Setembro do ano findo, serviço este já em parte criado, 
carecendo apenas de sistematização e mais amplos recursos que o tornem apto a 
preencher os fins a que é destinado. Espero que habiliteis o Governo a atender a essa 
necessidade‖ (Valadão, 1917, p. 48-49). 
 
 Houve, de fato, inúmeros avanços sejam eles de demanda populacional ou de 
mercado. A ferrovia servia, não somente para o transporte da população, mas, também, nos 
deslocamento de mercadorias, matéria-prima, animais de carga ou corte, etc. Ao mesmo 
tempo os locais que estavam à margem da tiveram efeitos na valorização, na povoação e na 
urbanização. A vizinhança da ferrovia obteve um dinamismo em seu processo de construção. 
Se de um lado houve esse desenvolvimento acelerado nos arredores da linha férrea, de outro, 
locais antes utilizados para deslocamento passam por um processo de definhamento ou 
atrofiamento, diante de toda a força da ferrovia. 
A aplicação do progresso nesses primeiros anos após a conclusão da implantação da 
rede ferroviária pode ser sentida na pele. Para além do campo das representações contidas nos 
discursos e no imaginário da sociedade sergipana, na prática o progresso também se mostrava 
cruel, diríamos até, real. Essa percepção de evolução social é a mesma que traz consigo 
espaços de desigualdade social, que cria espaços de separação, etc. 
Todavia, o principal propósito que as ferrovias tinham que atender foi alcançado com 
sucesso. No caso de Sergipe, permitiu uma completa ligação interna (Norte-Sul) e com as 
divisas com os estados da Bahia e Alagoas. Também foi efetivada uma ligação em relação a 
saída portuária, uma vez que as mercadorias produzidas no interior começam a circular com 
10 
 
maior facilidade até o principal ponto de exportação. E, por último, há o fato de que o Estado 
passa a fazer parte de uma linha de encadeamento nacional, ao menos no que se refere a zona 
mais próxima ao litoral. 
Portanto, o trem era visto como fator de integração nacional. A partir da sua chegada, 
Sergipe sairia do isolamento e poderia participar, de fato, do cenário macroeconômico 
nacional. Ao tomar conhecimento dos discursos presentes em jornais e mensagens de 
governo, é possível perceber interesse do grande Poder de ―inventar‖ a chegada do trem 
como uma representação de modernidade para Sergipe. Esse discurso modernizador se alastra 
por todo Estado, principalmente nas regiões cortadas pela linha férrea. O trem, segundo as 
teses postuladas ao longo da história, filho da modernidade, vinculado ao progresso e a ideia 
de contínuo processo civilizador, passou a praticar os mesmos significados para o Estado de 
Sergipe. 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
A ferrovia que, outrora, permeava o dia a dia dos sergipanos hoje não passa de um 
amontoado patrimonial completamente abandonado. O tempo das ferrovias em Sergipe se foi 
Hoje nos trilhos da memória restam saudades daquilo que um dia representou a corporificação 
do progresso na terra dos caciques. 
As ferrovias compõe um rico objeto de análise em vários campos de estudo. 
Infelizmente, o desinteresse tanto público quanto privado destruíram as ferrovias sergipanas. 
Junto a criação das linhas férreas nasce um ideário de modernidade. Na questão prática se 
apresenta a circulação de bens, mercadorias, pessoas, etc. Em uma análise cultural a ferrovia 
se apresenta como representação de valores ligados ao progresso, mas também de afeição a 
um objeto que representava um promovedor de encontros e despedidas, dentre vários outros 
aspectos. A ideia nacional de que o progresso chegaria a partir das ferrovias também se 
aplicou em Sergipe, conforme o que foi exposto até aqui. 
―O Brasil só começará a andar quando estiver cortado por estradas de ferro‖, trecho 
citado por Hardman, resume o ideário da época. Esse mesmo ideal foi concretizado em 
Sergipe e, por isso, o principal objetivo desse trabalho foi apresentar, mesmo que de maneira 
panorâmica, como esse ideário se manifestou nos momentos de implantação e dos primeiros 
anos de funcionamento das linhas férreas em solo sergipano. Assim, propusemos não uma 
11 
 
análise, mas um levantamento ou investigação historiográfica a partir dos recursos de fontes 
dos quais tivemos acesso. 
Por fim, gostaríamos de ressaltar mais uma vez que esse imaginário entranhado na 
mente dos sergipanos não condiz totalmente à realidade. Há a ―ferrovia representação‖ e a 
―ferrovia prática‖. Onde, para arrematar com uma bela descrição, faremos uso do cientista 
social Francisco Foot Hardman: 
 
Do espaço da exhibitio urbana e cosmopolita para o espetáculo na selva: sucederão, 
a seguir, algumas imagens sobre ―o mínimo e o escondido‖ num desses cenários. 
Exibições do supérfluo e ferrovias da ruína: operários sonham com o ultraleve de 
Santos Dumont, viajam em navios negreiros a vapor, constroem trilhos e trens no 
fim da linha, são também consumidos em meio ao desmoronamento precoce da 
paisagem e, nesse passo, colecionam bilhetes de entrada para o avesso do céu 
(Hardman, 1988, p. 96). 
 
REFERÊNCIAS 
 
 FONTES 
 
MENSAGENS DE GOVERNO 
 
VALADÃO, Manoel Prisciliano de Oliveira. Mensagem apresentada à Assembleia 
Legislativa de Sergipe [...] pelo Presidente do Estado Manoel Prisciliano de Oliveira Valadão. 
Aracaju: Tipografia do ―O Estado de Sergipe‖, 1915. In: BRASIL. Relatórios dos presidentes 
dos estados brasileiros – 1891 a 1930. Disponível em: http://hemerotecadigital.bn.br, acesso 
em: 20 mai. 2019. 
 
JORNAIS 
 
Jornal O Estado de Sergipe, n° 91, Aracaju, 05 de agosto de1915. 
Jornal A Rua, n° 15, Aracaju, 25 de junho de 1914. 
 
LEGISLAÇÃO 
 
BRASIL. Decreto nº 1.126, de 15 de dezembro de 1903. In: Diário Official, 15 de dezembro 
de 1903. Disponível em: http://legis.senado.gov.br/legislacao. Acesso em: 10 mai. 2019. 
 
 BIBLIOGRAFIA 
 
ABREU, Márcia. Cultura Letrada. Literatura e leitura. São Paulo: UNESP, 2004. 
ALMEIDA, Mª da Glória Santana. Sergipe: Fundamento de uma economia Dependente. 
Petrópolis: Vozes, 1984. 
BARROS, José D'Assunção. História política, discurso e imaginário: aspectos de uma 
interface. Sæculum - REVISTA DE HISTÓRIA: João Pessoa, jan./ jun. 2005. 
BOURDIEU, Pierre. ―Sobre o poder simbólico‖. In: BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998, pp. 7-16. 
http://hemerotecadigital.bn.br/
http://legis.senado.gov.br/legislacao
12 
 
BRAUDEL, Fernand. La historia y las ciencias sociales. Madrid: Alianza Editorial, 1970. 
CARDOSO, Amâncio. Ferrovias em Sergipe: Nota Histórica. Revista do IHGSE, n°. 41, 
pp. 375-391. Aracaju. 2011. Disponível em: 
http://ihgse.org.br/arquivos_pdf/revista_41/revista_41_sumario.pdf. Acesso em: 25 de abril de 
2019. 
CHARTIER, Roger. El presente del pasado. Escritura de la historia y historia de lo 
escrito. Ciudad del Mexico: Universidad Ibero Americana, 2005. 
ELIAS, Norbert. Introdução à sociologia. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 1990. 
HARDMAN, F. Foot. Trem Fantasma: A Modernidade na Selva. São Paulo: Companhia das 
Letras, 1988. 
JESUS, André Luiz Sá de. A primeira Estação Ferroviária de Sergipe (1913-1950): Fontes 
para a sua história. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 2012. (Monografia de 
Graduação em História). 
____________. Uma história da primeira estação ferroviária de Aracaju (1910-1976).São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 2017. (Dissertação de Mestrado em 
História). Disponível em: http://ri.ufs.br/jspui/handle/riufs/6799. Acesso em: 20 de maio de 
2019. 
MARTINS, José de Souza. A ferrovia e a modernidade em São Paulo: a gestação do ser 
dividido. Revista USP, São Paulo, n. 63, 2004, p. 6-15. 
MENEZES, Dayse Lima de. “Os trilhos que chegam (...):” O aparecimento do trem em 
Sergipe nas mensagens dos governos e nos jornais locais. (1898-1915). São Cristóvão: 
Universidade Federal de Sergipe, 2000. (Monografia de graduação em História). 
OLIVEIRA, Bruno de Abreu. O Trem que não chegou: Os projetos ferroviários para o 
Centro-Sul sergipano (1872-1915). São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 2018. 
(Monografia de graduação em História). Disponível em: 
https://ri.ufs.br/jspui/handle/riufs/9550. Acesso em: 20 de abril de 2019. 
http://ihgse.org.br/arquivos_pdf/revista_41/revista_41_sumario.pdf
http://ri.ufs.br/jspui/handle/riufs/6799
https://ri.ufs.br/jspui/handle/riufs/9550

Continue navegando