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Direito natural e direito positivo APRESENTAÇÃO O Direito Natural é a pedra fundamental da discussão por trás da reconstrução do Direito após as revoluções burguesas que deslocaram o poder da Igreja para o Povo. Para tanto, a filosofia iluminista debruçou-se sobre as origens do homem e das regras sociais, a fim de tecer uma nova lógica que suplantasse a vontade de Deus sobre os homens para justificar a figura do Estado, das leis e da sujeição do homem a este ordenamento jurídico. Nesta Unidade de Aprendizagem, você entenderá o Direito Natural e o Direito Positivo, duas fases importantes para o desenvolvimento do Direito como uma ciência autônoma. Para tanto, você conhecerá filósofos iluministas, suas influências na separação entre direito e moral e os impactos desta contribuição da Filosofia para a ciência jurídica. Bons estudos. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar o que é Direito Natural.• Analisar o Direito Positivo.• Avaliar as diferenças entre positivismo filosófico, social e jurídico.• INFOGRÁFICO No infográfico a seguir, você verá as principais distinções entre o Direito Canônico e o Direito Natural e Positivista. CONTEÚDO DO LIVRO Enquanto o Direito Natural representa uma ruptura com uma noção despótica de que as leis seguem uma vontade divina emanada ao monarca, que pode dispor de seus súditos como quiser, o Direito Positivo surge como uma forma de garantir a estabilidade dos direitos naturais frente ao Estado. No capítulo Direito Natural e Direito Positivo, da obra Introdução ao Direito, você conhecerá o conceito de Direito Natural, as características do Direito Positivo e suas repercussões na evolução do positivismo filosófico, social e jurídico. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO Magnum Eltz Revisão técnica: Gustavo da Silva Santanna Bacharel em Direito Especialista em Direito Ambiental Nacional e Internacional e em Direito Público Mestre em Direito Professor em cursos de graduação e pós-graduação em Direito Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin CRB-10/2147 G429i Giacomelli, Cinthia Louzada Ferreira. Introdução ao estudo do direito [ recurso eletrônico ] / Cinthia Louzada Ferreira Giacomelli , Magnum Koury de Figueiredo Eltz ; revisão técnica: Gustavo da Silva Santanna. – Porto Alegre: SAGAH, 2017. ISBN 978-85-9502-219-5 1. Direito – História. I. Eltz, Magnum Koury de Figueiredo. II.Título. CDU 340.111 Direito Natural e Direito Positivo Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Compreender o que é Direito Natural. � Analisar o Direito Positivo. � Avaliar as diferenças entre positivismo filosófico, social e jurídico. Introdução Neste capítulo, você vai ler sobre o Direito Natural e o Direito Positivo, duas fases importantes para o desenvolvimento do Direito como uma ciência autônoma, como o conhecemos hoje. Para tanto, estudaremos filósofos iluministas, a sua influência na sepa- ração entre Direito e moral e os impactos dessa contribuição da filosofia para a ciência jurídica. Conceituando e caracterizando o Direito Natural O Direito Natural é a pedra fundamental da discussão por trás da reconstrução do Direito após as revoluções burguesas que deslocaram o poder da Igreja para o povo. Para tanto, a filosofia iluminista se debruçou sobre as origens do homem e das regras sociais, a fim de tecer uma nova lógica que suplantasse a vontade de Deus sobre os homens para justificar a figura do Estado, das leis e da sujeição do homem a este ordenamento jurídico. É nesse sentido que Rousseau (1996, p. 70) afirma que “Se considerasse somente a força e o efeito que dela deriva, diria que quando um Povo é forçado a obedecer e obedece, faz bem; entretanto, quando pode sacudir o jugo e o sacode, faz ainda melhor, porque, recuperando sua liberdade pelo mesmo direito que lhe foi tirada, ou pode retomá-la, ou não podiam tê-la tirado”. O renomado filósofo iluminista assim afirma com base na teoria de Locke (2002, p. 15), que por sua vez ensina que: Para compreendermos corretamente o poder político e ligá-lo à sua origem, devemos levar em conta o estado natural em que os homens se encontram, sendo este um estado de total liberdade para ordenar-lhes o agir e regular-lhes as posses e as pessoas de acordo com sua conveniência, dentro dos limites da lei da natureza, sem pedir permissão ou depender da vontade de qualquer outro homem. [...] Estado também de igualdade, no qual qualquer poder e jurisdição são recí- procos, e ninguém tem mais do que qualquer outro; nada há, pois, de mais evidente que criaturas da mesma espécie e da mesma ordem, todas aquinhoadas aleatoriamente com as mesmas vantagens da natureza e com uso das mesmas faculdades, terão também de ser iguais umas às outras sem subordinação ou sujeição; a menos que o senhor de todas, através de uma declaração explícita de sua vontade, dispusesse uma mais alta que a outra, conferindo-lhe, por indicação evidente e clara, direito indiscutível ao domínio e à soberania. Assim, uma vez que o homem, no seu estado de natureza, atua com ampla liberdade, somente por ela ele também pode se submeter ao domínio de outros seres humanos. Nesse sentido, Locke (2002, p. 81) reflete que: Todo homem, como vimos, é naturalmente livre, e como nada pode sujeita-lo a qualquer poder terreno senão sua própria vontade, é preciso esclarecer o que deve ser entendido pode declaração suficiente do consentimento de alguém em tornar-se súdito das leis de qualquer governo. É comum que se faça uma distinção entre consentimento expresso e tácito, que se aplica ao caso presente. Ninguém põe em dúvida que o consentimento expresso de alguém ao entrar para uma sociedade torna-o perfeitamente membro dessa sociedade e súdito do respectivo governo. A dificuldade reside no que deve ser considerado como consentimento tácito, e até que ponto este vincula — isto é, até que ponto pode considerar-se que alguém tenha consentido, e por isso mesmo tenha aceito qualquer governo, uma vez que não tenha feito nenhuma declaração explícita. Sobre isso opino que qualquer um que tenha posses ou goze de qualquer parcela do território de um governo, por isso mesmo dá seu consentimento tácito e está obrigado a obedecer às leis desse governo, enquanto durar o desfrute, como qualquer seu dependente. Quer sua posse consista em terras, para ele e para seus herdeiros, quer seja uma moradia efêmera, ou ainda apenas o viajar livremente pelas estradas; e de fato, chega a abarcar a própria existência de qualquer um dentro dos territórios deste governo. Direito Natural e Direito Positivo88 É por meio dessa ficção jusnaturalista que Rousseau (1996, p. 70) elabora a sua tese do contrato social, em que afirma que: A mais antiga de todas as sociedades, e a única natural, é a família. Os filhos só permanecem ligados ao pai, enquanto tem necessidade dele para sua ma- nutenção. Quando essa necessidade cessa, a ligação natural se dissolve. Os filhos, isentos da obediência que devem ao pai e este isento das obrigações que tem para com os filhos, voltam igualmente à independência anterior. Se continuam unidos, não é mais naturalmente e sim voluntariamente, mantendo- -se a família apenas por convenção. [...] Essa liberdade comum é uma consequência da natureza do próprio homem. Sua primeira lei consiste em cuidar da sua própria conservação, suas primei- ras preocupações dirigem-se a si mesmo, e quanto atinge a idade da razão torna-se seu próprio senhor, uma vez que é o único juiz dos meios adequados para se conservar. [...] Pode-se dizer então, que a família é o primeiro modelo das sociedades políticas: o chefe é a imagem do pai, o povo é a imagem dos filhos, e tendo todos nasci- dos iguais e livres, só alienam sua liberdade em proveito próprio. A diferença toda está em que, na família, o amor do pai por seus filhos recompensa-o peloscuidados que lhes dedica, enquanto que no Estado o prazer de comandar supera esse amor que o chefe não tem pode seu povo. A ideia de um Estado que reflete a proteção dos direitos primários da humanidade de Rousseau (1996, p. 70) combina-se com a submissão voluntária de Locke (2002), como um contraponto à antiga noção de que: [...] a espécie humana dividida em rebanhos de animais, onde cada um tem seu chefe que o guarda para devorá-lo. [...] O raciocínio de Calígula conduz ao de Hobbes e ao de Grotius. Antes deles, também Aristóteles afirmou que os homens não são em absoluto naturalmente iguais, sendo que uns nascem para a escravidão e outros para dominar. Aristóteles tinha razão, mas tomava o efeito pela causa. Todo homem nascido na escravidão nasce para a escravidão, nada é mais certo. Os escravos tudo perdem sob seus grilhões, inclusive o desejo de se livrarem deles; amam seu cativeiro como os companheiros de Ulisses amavam seu embrutecimento. Se há então escravos por natureza, é porque houve escravos contra a natureza. A força fez os primeiros escravos, seu conformismo perpetuou-os. 89Direito Natural e Direito Positivo Dessa forma, pode-se dizer que o Direito Natural é uma contraposição ao império das normas impositivas e despóticas que restringem a liberdade humana. O Direito Natural busca uma origem comum da humanidade que garanta direitos fundamentais para a sua existência e reflete a noção de Kant (2000) de que, se um organismo natural é dotado de vida, este deve manter a sua saúde e liberdade para que possa satisfazer a sua finalidade. Como surgiu o Direito Positivo Enquanto o Direito Natural representa uma ruptura com uma noção despótica de que as leis seguem uma vontade divina emanada a certo monarca, que pode dispor dos seus súditos como bem entender, o Direito Positivo surge como uma forma de garantir a estabilidade dos Direitos Naturais frente ao Estado. Nesse sentido, ensina Kelsen (1999, p. 68) que: Ao definir o Direito como norma, na medida em que ele constitui o objeto de uma específica ciência jurídica, delimitamo-lo em face da natureza e, ao mesmo tempo, delimitamos a ciência jurídica em face da ciência natural. Ao lado das normas jurídicas, porém, há outras normas que regulam a conduta dos homens entre si, isto é, normas sociais, e a ciência jurídica não é, portanto, a única disciplina dirigida ao conhecimento e à descrição de normas sociais. Essas outras normas sociais podem ser abrangidas sob a designação de Moral e a disciplina dirigida ao seu conhecimento e descrição pode ser designada como Ética. Na medida em que a Justiça é uma exigência da Moral na relação entre a Moral e o Direito está contida a relação entre a Justiça e o Direito. Assim, uma vez que se compreende o Direito como ciência e que o seu objeto são as normas que decorrem da natureza, assim como as demais ciências naturais, Kelsen propõe uma separação entre o sistema moral — que pode variar de acordo com a sociedade ou religião que o antecede — e o sistema jurídico — que deve ser independente de um sistema anterior que macule a sua pureza científica. Essa noção reflete a própria fundação do pensamento positivista, repre- sentado pela obra de Compte, (1996, p. 26), em que afirma o seguinte: O caráter fundamental da filosofia positiva é tomar todos os fenômenos como sujeitos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta precisa e cuja redução ao menor número possível constituem o objetivo de todos os nossos esforços, Direito Natural e Direito Positivo90 considerando como absolutamente inacessível e vazia de sentido para nós a investigação das chamadas causas, sejam primeiras, sejam finais. É inútil insistir muito sobre um princípio, hoje tão familiar a todos aqueles que fizeram um estudo um pouco a profundado das ciências de observação. Cada um sabe que, em nossas explicações positivas, até mesmo as mais perfeitas, não temos de modo algum a pretensão de expor as causas geradoras dos fenômenos, posto que nada mais faríamos então, além de recuar a dificuldade. Pretendemos somente analisar com exatidão as circunstâncias de sua produção e vinculá- -las umas às outras, mediante relações normais de sucessão e de similitude. Assim, prossegue Kelsen, (1999, p. 70) ao construir a sua teoria do Direito: O Direito e a Moral também não se podem distinguir essencialmente com referência à produção ou à aplicação das suas normas. Tal como as normas do Direito, também as normas da Moral são criadas pelo costume ou por meio de uma elaboração consciente (v.g. por parte de um profeta ou funda- dor de uma religião, como Jesus). Nesse sentido, a Moral é, como o Direito, positivo, e só uma Moral positiva tem interesse para uma Ética científica, tal como apenas o Direito positivo interessa a uma teoria científica do Di- reito. É verdade que uma ordem moral não prevê quaisquer órgãos centrais, isto é, órgãos funcionando segundo o princípio da divisão do trabalho, para aplicação de suas normas. Esta aplicação consiste na apreciação moral da conduta de outrem regulada por aquela ordem. Mas também uma ordem jurídica primitiva é completamente descentralizada e não pode, portanto, distinguir-se sob este aspecto de uma ordem moral. [...] A exigência de uma separação entre Direito e Moral, Direito e Justiça, significa que a validade de uma ordem jurídica positiva é independente desta Moral absoluta, única válida, da Moral por excelência, de a Moral. Se pressupusermos somente valores morais relativos, então a exigência de que o Direito deve ser moral, isto é, justo, apenas pode significar que o Direito positivo deve corresponder a um determinado sistema Moral entre os vários sistemas morais possíveis. Mas com isto não fica excluída a possibilidade da pretensão que exija que o Direito positivo deve harmonizar-se com outros sistemas de moral e com ele venha eventualmente a concordar de fato, contradizendo um sistema moral diferente deste. Se, pressupondo a existência de valores meramente relativos, se pretende distinguir o Direito da Moral em geral e, em particular, distinguir o Direito da Justiça, tal pretensão não significa que o Direito nada tenha a ver com a Moral e com a Justiça, que o conceito de Direito não caiba no conceito de bom. Na verdade, o conceito de “bom” não pode ser determinado senão como “o que deve ser”, o que corresponde a uma norma. Ora, se definirmos o Direito como norma, isto implica o que é conforme-ao-Direito é um bem. Finalmente, conclui Kelsen (1999, p. 84-85) que: Determinando o Direito como norma (ou, mais exatamente, como um sistema de normas, como uma ordem normativa) e limitando a ciência jurídica ao 91Direito Natural e Direito Positivo conhecimento e descrição de normas jurídicas e às relações, por estas consti- tuídas, entre fatos que as mesmas normas determinam, delimita-se o Direito em face da natureza e a ciência jurídica, como ciência normativa, em face de todas as outras ciências que visam o conhecimento, informado pela lei da causalidade, de processos reais. Somente por esta via e alcança um critério seguro que nos permitirá distinguir univocamente a sociedade da natureza e a ciência social da ciência natural. Assim, é possível afirmar que o Direito Positivo é uma tentativa de em- prego da lógica positivista à construção de um novo Direito. De acordo com essa lógica, como vimos, o Direito passa a desapegar-se das suas construções teológicas morais e a constituir-se por meio da noção de um Direito Natural, em que vontade e igualdade são fundamentais para o seu desenvolvimento, a partir de uma ordem democrática pós-revoluções burguesas e marcadamente banhada pelas ideias iluministas de Hobbes, Locke, Rousseau, Montesquieu e consolidada por Hans Kelsen em Teoria Pura do Direito. As diferenças entre positivismo filosófico, social e jurídico O positivismo é um movimento de objetivação das ciências naturais, caminho este pavimentado por Compte. Segundo o filósofo Compte (1996, p. 28) “Desde essaépoca memorável (de Aristóteles a Galileu) o movimento de ascensão da filosofia positiva e o movimento da decadência da filosofia teológica e metafísica foram extremamente realçados”. Assim, a corrente filosófica positivista se contrapõe à teologia e à meta- física, calçando as suas inferências na observação das leis e fatos naturais, e evitando, dessa forma, calçar as suas fundamentações em verdades ditadas por uma moral absolutista. Nas palavras de Compte (1996, p. 75): A verdadeira filosofia se propõe a sistematizar, tanto quanto possível, toda a existência humana, individual e sobretudo coletiva, contemplada ao mesmo tempo nas três ordens de fenômenos que a caracterizam, pensamentos, sentimentos e atos. Sob todos esses aspectos, a evolução fundamental da humanidade é neces- sariamente espontânea, e a exata apreciação de sua marcha natural é a única a nos fornecer a base geral de uma sábia intervenção. Mas as modalidades sistemáticas, que aí podemos introduzir, possuem, entretanto, extrema importância para muito diminuir os desvios parciais, os atrasos funestos e as graves incoerências, próprias a um vôo tão complexo, se permanecesse inteiramente abandonado a si próprio. Direito Natural e Direito Positivo92 Dessa forma, invocamos as palavras anteriormente mencionadas de Compte para caracterizar a filosofia positivista como o grande impulsionador desse movimento multidisciplinar, em que Compte (1996, p. 26): O caráter fundamental da filosofia positiva é tomar todos os fenômenos como sujeitos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta precisa e cuja redução ao menor número possível constituem o objetivo de todos os nossos esforços, considerando como absolutamente inacessível e vazia de sentido para nós a investigação das chamadas causas, sejam primeiras, sejam finais. É inútil insistir muito sobre um princípio, hoje tão familiar a todos aqueles que fizeram um estudo um pouco a profundado das ciências de observação. Cada um sabe que, em nossas explicações positivas, até mesmo as mais perfeitas, não temos de modo algum a pretensão de expor as causas geradoras dos fenômenos, posto que nada mais faríamos então, além de recuar a dificuldade. Pretendemos somente analisar com exatidão as circunstâncias de sua produção e vinculá- -las umas às outras, mediante relações normais de sucessão e de similitude. Segundo o pensamento de Compte, ainda, a filosofia positivista é a pedra fundamental do descobrimento da necessidade de exploração de uma ciência centrada nos fenômenos humanos. O autor afirma o seguinte: [...] Nas quatro categorias principais de fenômenos naturais, enumeradas há pouco, fenômenos astronômicos, físicos, químicos e fisiológicos, notamos uma lacuna essencial relativa aos fenômenos sociais que, embora compreendidos implicitamente entre os fisiológicos, merecem, seja por sua importância, seja pelas dificuldades próprias a seu estudo, formar uma categoria distinta. Essa última ordem de concepções, que se reporta a fenômenos mais particulares, mais complicados e mais dependentes de todos os outros, teve necessariamente, por isso, de aperfeiçoar-se mais lentamente que os outros. [...] Os métodos teológicos não são mais agora empregados por ninguém, quer como meio de investigação, quer até mesmo como meio de argumentação, são ainda utilizados, nesta ou naquela direção, em tudo o que concerne aos fenômenos sociais, a despeito de essa insuficiência já ser percebida por todos os bons espíritos, cansados de vãs contestações intermináveis entre o direito divino e a soberania do povo (COMPTE, 1996, p. 28). Assim, pode-se dizer que, ao lado do positivismo filosófico, a criação de um positivismo sociológico é a fundação de um ramo científico autônomo e preocupado com as relações humanas, como consequência do afastamento das influências religiosas, evidenciando o crescente antropocentrismo científico da modernidade. E é desde esse movimento filosófico e científico que o po- sitivismo jurídico surge como uma ciência autônoma dentro dos fenômenos sociais, conforme distingue Kelsen (1999, p. 68): 93Direito Natural e Direito Positivo Ao definir o Direito como norma, na medida em que ele constitui o objeto de uma específica ciência jurídica, delimitamo-lo em face da natureza e, ao mesmo tempo, delimitamos a ciência jurídica em face da ciência natural. Ao lado das normas jurídicas, porém, há outras normas que regulam a conduta dos homens entre si, isto é, normas sociais, e a ciência jurídica não é, portanto, a única disciplina dirigida ao conhecimento e à descrição de normas sociais. Em resumo, se a filosofia positivista prega uma separação entre a ciência e os fundamentos teológicos e metafísicos, a sociologia surge como ciência autônoma por meio do positivismo próprio, em que os fenômenos sociais passam a importar como novo fundamento às relações humanas e aos seus comportamentos. Finalmente, o positivismo jurídico surge como uma resposta a determinado tipo de regramento social, ao lado de outras condutas sociológi- cas, para estabelecer um vínculo objetivo entre determinados sujeitos em um Estado organizado por leis que obedecem aos seus fundamentos jusnaturais. COMPTE, A. Curso de filosofia positiva: discurso preliminar sobre o conjunto do posi- tivismo. São Paulo: Nova Cultural, 1996. KANT, I. Fundamentos da metafisica e dos costumes. São Paulo: Ediouro, 2000. KELSEN, H. Teoria pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999. LOCKE, J. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Martin Claret, 2002. ROUSSEAU, J. J. Discurso sobre a economia política e do contrato social. Petrópolis: Vozes, 1996. Leitura recomendada BOBBIO, N. Teoria geral da política. Rio de Janeiro: Campus, 2000. Direito Natural e Direito Positivo94 Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. Conteúdo: DICA DO PROFESSOR Na Dica do Professor, você verá a história por trás do Direito Natural e do Direito Positivo, como as revoluções burguesas e o mercantilismo. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! NA PRÁTICA Os direitos naturais são os precursores da declaração internacional de Direitos Humanos; e foram responsáveis pela criação da ONU como um órgão protetor desses direitos comuns à toda a humanidade. Também foram criados para essa finalidade tribunais especializados na proteção desses direitos como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, a Corte Europeia de Direitos Humanos e o Tribunal Penal Internacional. Na prática, os Direitos Naturais podem ser encontrados na forma de Direitos Humanos previstos em convenções internacionais que dependem de ratificação pelos países signatários para serem aplicados, ou na forma de Direitos Fundamentais, como ocorre em nossa Constituição Federal de 1988 no art. 5 e seus incisos. Quando os direitos naturais são "positivados", ou seja, escritos na forma de uma lei, sua eficácia passa a ser imediata. Já quando sua previsão é tácita, esta depende da interpretação judicial para serem aplicados como "princípios gerais do direito". SAIBA MAIS Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: Notas sobre o Iluminismo em Kant Este trabalho tem como objetivo apresentar o pensamento do filósofo Immanuel Kant, cuja tese acerca do conhecimento está presente na pergunta sobre o esclarecimento (aufklärung). Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Interpretação do debate continental entre jusnaturalismo e juspositivismo: as refutações de Michael Villey às críticas de Hans Kelsen do Direito Natural Este artigo interpreta as refutações de Michel Villey às críticas de Hans Kelsen ao Direito Natural. O objetivo é, primeiramente, apresentar as críticas de Kelsen às teses jusnaturalistas para, em seguida, apresentar as refutações de Villey defendendo o Direito Natural. Conteúdo interativodisponível na plataforma de ensino! ONU No site das Nações Unidas, você pode aprender muito mais sobre a prática dos direitos naturais no campo internacional. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!
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