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Março 2019 | ano XV | nº 175 MATÉRIA Exigência de experiência é restritiva à competitividade da licitação SAIBA COMO OPERAR O FATO GERADOR E CONTA VINCULADA NAS CONTRATAÇÕES TERCEIRIZADAS ARTIGO A QUEDA DE BRAÇO ENTRE A OAB E O TCU Editorial SAIBA COMO OPERAR O FATO GERADOR E CONTA VINCULADA Você sabe como deve funcionar o fato gerador nas contratações terceirizadas? E como lidar com a conta vinculada? Se não há, ainda, sistema que ajude nessa tarefa de implantação de gestão da conta vinculada e fato gerador, como fazer? Confira na matéria de capa desta edição! Boa leitura! Os editores. Associação Nacional das Editoras de Publicações Técnicas, Dirigidas e Especializadas Filiada à: RESTRIÇÕES AO USO DE MATERIAIS: Este produto, pertence e é operado pela Editora Negócios Públicos do Brasil, não pode ser, sob hipótese alguma, copiado, reproduzido, republicado, atualizado, enviado, transmitido, transmi- tido, distribuído, baixado ou impresso para fins comerciais. Modificar matérias ou usá-las para qualquer outro propósito é violação dos direitos autorais da Editora, bem como qualquer outro direito de propriedade, conforme normas e procedimentos da ABNT, além de crime previsto no art. 184 do Código Penal Brasileiro. Permissão para qualquer uso das matérias, incluindo reprodução e dis- tribuição, ou links de qualquer outra página que não seja a “homepage” www.negociospublicos.com.br, deve ser obtida por meio de autori- zação expressa documental, com solicitação formalizada por e-mail falecom@negociospublicos.com.br. Todas as marcas referidas nos websites das empresas do Grupo Negócios Públicos do Brasil são ou podem ser marcas registradas e protegidas por leis internacionais de copyright e propriedade in- dustrial e pertencem aos seus respectivos fabricantes e proprietários legais. A Editora não se responsabiliza pelos conceitos emitidos em artigos assinados. LEMBRE-SE: O seu papel é importante para o planeta. Trabalhamos para que a reciclagem seja o destino final mais adequado de todos os papéis já utilizados. PRESIDENTE: Rudimar Barbosa dos Reis VICE-PRESIDENTE: Ruimar Barboza dos Reis EDITORA-CHEFE: Aline de Oliveira - DRT 8796/PR aline@negociospublicos.com.br DIREÇÃO DE ARTE: Maetê Domanski - maete@negociospublicos.com.br CONSELHO DE PAUTA: Aline de Oliveira, Rudimar Reis, Ruimar Reis e Regina Célia Kühl. COLABORADORES: Joel de Menezes Niebuhr; Luciano Elias Reis; Luiz Alberto Blanchet Editora Negócios Públicos do Brasil: R. Lourenço Pinto, 196 - 2º andar, Centro l Curitiba/PR CEP: 80.010-160 l Tel. (41) 3778.1703/1700 ANO XV - MARÇO 2019 SUMÁRIO 5 Exigência de experiência é restitiva à competitividade da licitação 7 Mapa mental do RDC 10 12 SAIBA COMO OPERAR O FATO GERADOR E CONTA VINCULADA NAS CONTRATAÇÕES TERCEIRIZADAS 17 Como o recém decreto que flexibiliza a posse de armas no Brasil pode afetar as licitações? Sub-rogação de processos de compras e contratos com a nova estrutura no poder exetutivo 20 A QUEDA DE BRAÇO ENTRE A OAB E O TCU 27 Margem de preferência para microempresas e empresas de pequeno por- te local e regional 38 Descricionariedade do gestor público até onde vai sua liberdade? 40 Excesso de formalismo na licitação 5março 2019 MatériaMapa mental do RDC MAPA MENTAL DO RDC Imagem: Shutterstock O RDC TROUXE UMA NOVA SISTEMÁTICA PARA AS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS O ano de 2018 trouxe muitas mudanças para as licitações, em especial, para as Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista. A partir de 30 de junho de 2018, a aplicação da Lei 13.303/2016 passou a ser obrigatória para as Estatais. Uma lei bem polêmica que sofreu até mesmo Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e trouxe inovações na área das compras públicas, como a contratação semi-integrada e a pré-qualificação permanente. Matéria 6 março 2019 Mapa mental do RDC Decreto 8.024/13 - Regulamenta o funcionamento do FNAC. Decreto 8.251/14v - Regulamentador. Lei 13.190/15 - altera a Lei que institui o RDC Lei 12.980/14 - institui a contratação integrada. Lei 13.243/16 - inclui ações em orgãos e entidades dedicadas a ciência, à tecnologia e inovação. MAPA MENTAL DO RDC: LEI 12.462/11 - INSTITUI O REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS - RDC. Lei 13.173/15 - Dispõe sobre autorização para realização de obras e serviços necessários ao fornecimento de energia elétrica temporária para os jogos do Rio 2016. Lei 12.745/12 - inclui obras e serviços de engenharia no ambito do SUS Lei 12.688/12 - Inclui ações integrantes do PAC . Apresentamos o mapa mental do RDC: Lei 12.833/13 - É instituído o Fundo Nacional de Aviação Civil - FNAC. 7março 2019 MatériaAcórdão 2679/18 EXIGÊNCIA DE EXPERIÊNCIA É RESTRITIVA À COMPETITIVIDADE DA LICITAÇÃO ACÓRDÃO 2679/18 No Acórdão 2679/2018 Plenário o relator Ministro Aroldo Cedraz afirmou que a exigência, para fins de habilitação, de experiência anterior com relação a serviços que serão subcontratados é restritiva à com- petitividade da licitação. O relator analisou a possibilidade de a Administração exigir, dos licitantes, comprovantes de experiência na execução de obras ou serviços com características semelhantes, desde que restritas às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto a ser contratado, nos moldes definidos no inciso I do §1º do art. 30 da Lei 8.666/93. Nesse sentido foi o Voto condutor da Decisão 574/2002, de relatoria do Exmo. Ministro Ubiratan Aguiar: Assim é que a analogia nos permite afirmar que os limites impostos à cobrança de atestados de com- provação da capacidade técnico-operacional são os mesmos relativos à comprovação da capacitação técnico-profissional definidos no inciso I do § 1º do art. 30 da Lei nº 8.666/93, ou seja, tal comprovação Imagem: Shutterstock Matéria 8 março 2019 Acórdão 2679/18 somente é possível em relação “às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto da licita- ção”. Observe-se atentamente que a lei utiliza a conjunção aditiva “e”. Assim, não basta o cumprimento de uma ou de outra condição; ambas as condições devem ser atendidas. Então, somente podem ser co- brados atestados em relação a itens que, simultaneamente, representem parcelas de maior relevância da obra e que possuam valor significativo em relação ao objeto da licitação. “Assim, esta Corte de Contas entende que é possível a exigência de atestado técnico-operacional, des- de que se refira apenas a itens de maior relevância e valor significativo”, disse o relator Cedraz. O referido entendimento foi consolidado com a súmula 263/2011 do TCU: Para a comprovação da capacidade técnico-operacional das licitantes, e desde que limitada, simul- taneamente, às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto a ser contratado, é legal a exigência de comprovação da execução de quantitativos mínimos em obras ou serviços com caracte- rísticas semelhantes, devendo essa exigência guardar proporção com a dimensão e a complexidade do objeto a ser executado. Outros sim, conforme leciona Marçal Justen Filho (Comentários à lei de licitações e contratos adminis- trativos. 14. ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 441) , a experiência prévia não precisa ser idêntica à do objeto que se pretende licitar: Em primeiro lugar, não há cabimento em impor a exigência de que o sujeito tenha executado no pas- sado obra ou serviço exatamente idêntico ao objeto da licitação. Parece evidente que o sujeito que exe- cutou obra ou serviço exatamente idêntico preenche os requisitos para disputar o certame e deve ser habilitado. Mas também se deve reconhecer que a idoneidade para executar o objeto licitado pode ser evidenciada por meio da execução de obras ou serviços similares, ainda que não idênticos. Em outras palavras, a Administração não pode exigir que o sujeito comprove experiência anterior na execução de um objeto exatamente idêntico àquele licitado – a não ser que exista alguma justificativa lógica, técnica oucientífica que dê respaldo a tanto. provação da capacidade técnico-operacional são os mesmos relativos à comprovação da capacitação técnico-profissional definidos no inciso I do § 1º do art. 30 da Lei nº 8.666/93, ou seja, tal comprovação somente é possível em relação “às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto da licita- ção”. Observe-se atentamente que a lei utiliza a conjunção aditiva “e”. Assim, não basta o cumprimento de uma ou de outra condição; ambas as condições devem ser atendidas. Então, somente podem ser co- brados atestados em relação a itens que, simultaneamente, representem parcelas de maior relevância da obra e que possuam valor significativo em relação ao objeto da licitação. “Assim, esta Corte de Contas entende que é possível a exigência de atestado técnico-operacional, des- de que se refira apenas a itens de maior relevância e valor significativo”, disse o relator Cedraz. O referido entendimento foi consolidado com a súmula 263/2011 do TCU: Para a comprovação da capacidade técnico-operacional das licitantes, e desde que limitada, simul- taneamente, às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto a ser contratado, é legal a exigência de comprovação da execução de quantitativos mínimos em obras ou serviços com caracte- rísticas semelhantes, devendo essa exigência guardar proporção com a dimensão e a complexidade do 9março 2019 MatériaAcórdão 2679/18 objeto a ser executado. Outros sim, conforme leciona Marçal Justen Filho (Comentários à lei de licitações e contratos adminis- trativos. 14. ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 441) , a experiência prévia não precisa ser idêntica à do objeto que se pretende licitar: Em primeiro lugar, não há cabimento em impor a exigência de que o sujeito tenha executado no pas- sado obra ou serviço exatamente idêntico ao objeto da licitação. Parece evidente que o sujeito que exe- cutou obra ou serviço exatamente idêntico preenche os requisitos para disputar o certame e deve ser habilitado. Mas também se deve reconhecer que a idoneidade para executar o objeto licitado pode ser evidenciada por meio da execução de obras ou serviços similares, ainda que não idênticos. Em outras palavras, a Administração não pode exigir que o sujeito comprove experiência anterior na execução de um objeto exatamente idêntico àquele licitado – a não ser que exista alguma justificativa lógica, técnica ou científica que dê respaldo a tanto. Imagem: Shutterstock Matéria 10 março 2019 Decreto que flexibiliza a posse de armas no Brasil COMO O RECÉM DECRETO QUE FLEXIBILIZA A POSSE DE ARMAS NO BRASIL PODE AFETAR AS LICITAÇÕES? O presidente Jair Bolsonaro assinou o Decreto 9.685, de 15/01/2019, que flexibilizou a posse de armas no Brasil, e que promete esquentar a disputa entre as grandes fabricantes globais de armas no país. O Advogado e consultor jurídico de licitações e contratos públicos, Felipe Ansaloni, conta como o recém Decreto que flexibiliza a posse de armas no Brasil pode afetar o mercado e os fabricantes de vendas de armas. “O Decreto 9.685/19, que flexibilizou a posse de armas no Brasil poderá afetar o mercado de vendas de armas. Apesar das exigências previstas no Decreto, é de se esperar que haja um aumento anual e gra- dativo na quantidade de pessoas proprietárias de armas de fogo. Isso irá aquecer o mercado como um todo, afetando os fabricantes. Imagem: Shutterstock 11março 2019 MatériaDecreto que flexibiliza a posse de armas no Brasil Não acredito que irá haver uma procura em massa e um aumento significativo no curto prazo. Porém, ao longo dos anos, acredito sim que a venda de armas irá aumentar, assim como o nú- mero de escolas e clubes de tiro que ofereçam a capacitação para a habilitação, tal como exigido pelo Decreto”, afirma. Mas como e por que esse novo Decreto pode afetar as licitações e concorrências? Ansaloni acredita que o mercado das licitações pode ser parcialmente afetado pelos efeitos do Decreto 9.685/19. “Aqui, aplica-se a conhecida ‘Lei da Oferta e da Procura’. Acredito que haverá uma maior procura por armas de pequeno porte por cidadãos e comerciantes. Segundo a norma, cada pessoa possa ter até quatro armas (artigo 12, §8º do Decreto 5.123/2004, com a redação dada pelo Decreto 9.685/2019). Assim, é provável que haja a elevação dos preços deste tipo de arma, em razão do aumento da quantidade de interessados em adquiri-las. E isso pode ocasionar a elevação dos preços pagos pela Administração Pública, já que haverá um maior número pessoas procurando pelo mesmo produto. Acredito que esta concorrência não deve ocorrer no caso das armas mais sofisticadas, de maior calibre e de uso exclusivo por agentes públicos, militares e das forças ar- madas, que têm a posse mais restrita. Por isso, creio que os efeitos do Decreto 9.585/2019 não serão homogêneos sobre o mercado. Alguns fabricantes serão mais afetados ou beneficiados do que outros”, avalia. Cuidados A partir do novo Decreto é possível que eleve o interesse de outros fabricantes e revendedores de armas que ainda não estão instalados no Brasil ou que comercializam menores volumes. “Neste caso, o Governo deve aparelhar e capacitar adequadamente os órgãos e agentes públicos responsáveis por autorizar o comércio desses produtos”. Ansaloni ainda destaca que os mesmos cuidados de sempre sejam tomados para se fazer uma boa licitação. “O novo Decreto não criou condições diferenciadas para as licitações públicas. No entanto, vale reforçar a importância de se fazer uma pesquisa de preços bem estruturada e precisa. Como disse antes, acredito que os valores de algumas armas podem sofrer variações nos próximos meses ou anos”. Possíveis novidades Para o especialista se houver o ingresso de novos fabricantes no mercado, creio que isto será positivo para as compras públicas. “Penso que o aumento dos players, neste caso, será salutar e permitirá que a Administração Pública tenha um leque maior de produtos e fornecedores. Além disso, os militares e agentes públicos das forças armadas precisarão se atualizar em relação aos novos produtos disponíveis no mercado, para que realizem contratações vantajosas. Acho que essa é uma tendência e uma dica para aqueles que já atuam neste segmento”, conclui. Matéria Ordem cronológica de pagamento nas licitações SAIBA COMO OPERAR O FATO GERADOR E CONTA VINCULADA Você sabe como deve funcionar o fato gerador nas contrata- ções terceirizadas? E como lidar com a conta vinculada? Se não há, ainda, sistema que ajude nessa tarefa de implantação de gestão da conta vinculada e fato gerador, como fazer? Paulo Sérgio de Monteiro Reis, Advogado, Engenheiro Civil e professor de licitações e contratos, explica que tanto a Conta Vinculada - Bloqueada para Movimentação, como o Pagamen- to pelo Fato Gerador são consequências diretas do fato do art. 71 da Lei 8.666/1993 ter virado letra morta. “Embora a Lei disponha, de forma clara e insofismável, que a inadimplência do contratado com referência aos encargos tra- balhistas não transfere à administração pública a responsabi- lidade por seu pagamento, a justiça trabalhista resolveu se po- Imagem: Shutterstock CONTRATAÇÕES TERCEIRIZADAS 12 março 2019 13março 2019 MatériaOrdem cronológica de pagamento nas licitações sicionar de forma diferente, diametralmente oposta. Assim, através do Enunciado de Súmula 331, o TST colocou sobre a administração a responsabilidade subsidiária por esses encargos. Essa contradição entre uma lei formal e uma súmula, aparentemente simples de resolver através da aplicação do princípio da hierarquia das normas jurídicas, foi solucionada pelo STF, que, surpreendendo a muitos, decidiu pela prevalência das disposições da súmula, adicionando, apenas, que essa responsabilidade não é objetiva, mas sim decorrente da culpa da administração por não ter fi scalizado adequadamente o cumprimen- to dessas obrigações por parte do seu contratado”, afi rma. Segundo o professor, isso trouxepara a administra- ção pública um encargo para o qual, na maioria das vezes, ela, através dos fi scais de contratos de tercei- rização, não está preparada para exercer. Para elucidar este ponto, veja a transcrição do excer- to do Relatório referente ao Acórdão nº 1.214/2013- P, do TCU: “27. Nota-se que está ocorrendo uma transferência de responsabilidade pelas atividades de fi scalização. As que deveriam ser exercidas por órgãos específi - cos, tais como Receita Federal do Brasil, INSS, etc., estão fi cando a cargo do fi scalizador de contratos (realizadas por servidores de forma específi ca em cada contrato). Tal procedimento não parece ade- quado, pois tende a sobrecarregar o fi scal com di- versas análises complexas sem, entretanto, gerar maiores garantias aos trabalhadores terceirizados. 28. No caso da documentação previdenciária, é im- portante ressaltar que a Receita Federal do Bra- sil – RFB possui em seus quadros pessoal es- pecializado, selecionado em concurso público específi co, com a atribuição exclusiva para fi scalizar essa contribuição, além de uma estrutura opera- cional voltada especialmente para essa fi nalidade. 29. Do mesmo modo, com relação ao FGTS e demais vantagens trabalhistas, o Ministério do Trabalho pos- “Embora a Lei disponha, de forma clara e insofismável, que a inadimplência do contratado com referência aos encargos trabalhistas não transfere à administração pública a responsabilidade por seu pagamento, a justiça trabalhista resolveu se posicionar de forma diferente, diametralmente oposta. Assim, através do Enunciado de Súmula 331, o TST colocou sobre a administração a responsabilidade subsidiária por esses encargos. Essa contradição entre uma lei formal e uma súmula, aparentemente simples de resolver através da aplicação do princípio da hierarquia das normas jurídicas, foi solucionada pelo STF, que, surpreendendo a muitos, decidiu pela prevalência das disposições da súmula, adicionando, apenas, que essa responsabilidade não é objetiva, mas sim decorrente da culpa da administração por não ter fiscalizado adequadamente o cumprimento dessas obrigações por parte do seu contratado” Matéria 14 março 2019 Ordem cronológica de pagamento nas licitações sui em seus quadros, pessoal altamente especializado, selecionado mediante concurso público rigoroso que exige conhecimentos específicos, para fiscalizar os direitos do traba- lhador e uma estrutura operacional adequada às suas necessidades de fiscalização. Ade- mais, a Caixa Econômica Federal presta relevante apoio no que se refere à gestão do FGTS. 30. Igualmente, os sindicatos da categoria possuem uma estrutura adequada para exa- minar e fiscalizar os direitos de seus filiados.” Conforme Reis, dentre o arsenal de medidas que foram criadas com o objetivo de difi- cultar o inadimplemento do contratado em relação aos encargos trabalhistas, desta- cam-se as duas acima mencionadas. “Entendeu-se, com razão, que parcela do valor pago mensalmente às contratadas não se destina à utilização imediata por parte das mesmas. Como exemplo, pode ser citado o valor referente ao décimo terceiro salário dos empregados, que a administração paga à contratada mensalmente, mas que esta só deve repassar aos seus empregados em momentos fixados por Lei, ao longo do ano. Esses valores deveriam, então, ser guarda- dos pela contratada, para utilização nos momentos devidos. Observou-se, no entanto, que, no momento em que deveria efetuar o pagamento, a contratada informava à admi- nistração contratante que não mais dispunha do numerário suficiente, pois havia utili- zado de outra forma. Ora, diante do risco de ser responsabilizada subsidiariamente por esses encargos, a administração acabava tendo que pagar duas vezes. Desse modo, imaginou-se um procedimento que resguardasse o interesse público. Em resumo, a tese que viabiliza esses procedimentos é esta: se o valor deve ficar guardado, pois não será utilizado pela contratada imediatamente, que se crie uma forma de evitar que o mesmo acabe sendo desviado para outros pagamentos, só sendo efetivamente libera- do no momento adequado”, esclarece Reis. Para ele a ideia é bastante criativa. “Registre-se: a administração cumpre sua obriga- ção de pagar mensalmente esses valores; ao mesmo tempo, resguarda-se da possibi- lidade de utilização indevida dos mesmos, deixando-os bloqueados, sem possibilidade de serem desviados daquela que é sua finalidade precípua”, diz. Conta Vinculada O professor define que a Conta Vinculada - Bloqueada para Movimentação é, no fundo, uma conta bancária, aberta em nome da contratada. “Significa dizer que os valores ali depositados são efetivamente dela, cumprindo, as- sim, a administração contratante sua obrigação de pagar mensalmente. No entanto, 15março 2019 MatériaOrdem cronológica de pagamento nas licitações como o próprio nome identifica, apesar de ser a titular da conta bancária, a contrata- da não pode movimentá-la, a não ser com expressa autorização da administração. Os recursos ficam, então, na prática, “guardados”, com a garantia de que, no momento em que se tornarem necessários, eles existem e poderão ser utilizados exclusiva- mente com essa finalidade. A contratada notificará a administração sobre a necessi- dade de utilização dos recursos depositados na conta, apresentando a documentação hábil a comprovar essa necessidade. Após a devida conferência, a administração au- toriza a movimentação, a contratada faz a quitação de suas obrigações e apresenta os comprovantes. Não existirá mais, assim, o risco da contratada receber o valor, utilizá-lo indevidamente e, no momento da quitação de suas obrigações para as quais esses valores se destinavam, comunicar à administração não ter recursos para isso. A IN 05/2017 traz modelos a serem utilizados para abertura e controle dessa conta”, explica Reis. Trabalho adicional Mas Reis afirma que é claro que isso gera um trabalho adicional, pois a administra- ção precisa estabelecer um controle sobre a conta vinculada, calculando adequa- damente o valor a ser nela depositado mensalmente e controlando a liberação dos recursos, nos momentos devidos. “Mas, é muito melhor ter esse trabalho adicional do que correr o risco de pagar duas vezes. Acabar com esse trabalho seria simples: bastava que o STF dissesse que, em havendo contradição entre uma disposição expressa de lei ordinária e de súmula de um órgão do poder judiciário, prevaleceria sempre a lei. Acabaria o problema, pois, como ocorre nos países mais desenvolvidos, a relação entre uma empresa e seus empregados ficaria no âmbito de negócios privados, sem necessidade de interferên- cia do poder público. Acabaria a responsabilidade subsidiária da administração con- tratante, que tanto encarece os custos dos contratos de terceirização em nosso país. Mas, enquanto isso não ocorrer, a conta vinculada mostra-se como uma alternativa útil para evitar riscos de prejuízos maiores”, garante. Fato Gerador Segundo Reis, o Pagamento pelo Fato Gerador, que teve recentemente publicado pelo MP o seu caderno de logística, possibilitando sua efetiva utilização, é uma derivação da conta vinculada. “A grande diferença é que, em lugar de depositar os valores referentes a encargos fu- turos em uma conta bancária, esses valores ficam no erário, guardados para serem Matéria 16 março 2019 Ordem cronológica de pagamento nas licitações pagos nos momentos devidos, nos momentos em que realmente ocorrer o fato gera- dor dessa obrigação. Dois fatores parecem terem sido considerados para essa nova ideia. A uma, a incerteza de determinados valores constantes da planilha. Isso pode ser comprovado no momento em que, ao final, no encerramento do contrato, exista saldo na conta vinculada. Não deveria existir, pois, se são valores a serem utilizados nos momentos devidos, com a sua utilização a conta ficaria zerada. Mas, muitas vezes isso não ocorre, demonstrando que alguns desses valores são incertose, muitas vezes, a necessidade de sua utilização não se concretiza. A duas, porque o gerenciamento da conta vinculada traz mais trabalho à administração contratante do que só pagar quan- do houver a efetiva necessidade, pois o valor é mantido nos cofres públicos”, explana. Nesta hipótese do Pagamento pelo Fato Gerador, então, não haverá saldo a pagar no final do contrato. “Quitadas todas as obrigações, se determinados valores que estavam previstos não forem utilizados, eles ficam em poder da administração, nada podendo ser reclamado pelo contratado. Essa previsão legal mostra, de um lado a efetiva incerteza em relação a determinados percentuais constantes da planilha, e, de outro lado acaba por repre- sentar uma vantagem desta hipótese em relação à conta vinculada, pois, naquela, o saldo da conta é liberado, embora tenha ficado comprovado que os valores não eram devidos”,aponta Reis. Aliás, em relação a essa liberação ao final do contrato, Reis lembra da liberação do CNJ: “Respaldado em parecer da Secretaria de Controle Interno do CNJ, o conselheiro-rela- tor, Gustavo Alkmim, indicou que caso reste valor na conta-depósito após o pagamento das verbas trabalhistas, inclusive as rescisórias, o montante só poderá ser transferido para a contratada após cinco anos da data de encerramento da vigência do contrato ad- ministrativo. O cálculo do tempo está respaldado no fato de que o funcionário dispen- sado poder acionar a Justiça do Trabalho em até dois anos para reclamar os últimos cinco anos do contrato de trabalho.” “Enfim, enquanto não resolvermos adequadamente em nosso país essa questão do relacionamento trabalhista entre patrão e empregado, utilizando-se os órgãos compe- tentes para fiscalizar, sem transferir essa responsabilidade para a administração pú- blica tomadora de contratos de serviços terceirizados, a Conta Vinculada - Bloqueada para Movimentação e o Pagamento pelo Fato Gerador mostram-se como alternativas úteis para resguardar o erário, cabendo a cada órgão/entidade contratante optar por uma das duas alternativas, adotando aquela que lhe parecer mais factível”, conclui Reis. 17março 2019 MatériaSub-rogação de processos de compras e contratos SUB-ROGAÇÃO DE PROCESSOS DE COMPRAS E CONTRATOS COM A NOVA ESTRUTURA NO PODER EXECUTIVO Sub-rogação, no direito das obrigações, é um instrumento jurídico pelo qual será substituído o sujeito da obrigação, permanecendo os direitos obrigacionais até sua completa execução. Isso é o que explica Paulo Sérgio de Monteiro Reis, advogado e consultor jurídico em licitações. “Em um contrato, significa a substituição de um dos contratantes por outra pessoa, que assume in- tegralmente as obrigações e os direitos do substituído, continuando vigente o contrato anteriormente firmado. Em um processo de aquisição, é a substituição do adquirente ou do vendedor, permanecendo sem qualquer alteração a obrigação inicialmente assumida”, afirma. Reis conta que costuma-se utilizar a sub-rogação em processos de contratação no direito privado quan- do alguém toma para si obrigação assumida por um dos contratantes, podendo existir essa figura em qualquer dos lados da relação contratual. “Ou alguém assume a obrigação de fazer o fornecimento/ prestar o serviço em lugar do fornecedor original; ou, alguém assume a obrigação de receber o bem/ serviço em lugar do comprador de origem. No caso do contratos administrativos, a sub-rogação pode ocorrer no lado da administração pública, quando o órgão ou entidade contratante é substituído por outro órgão/entidade que venha a incorporá-lo ou legalmente assumir genericamente suas obrigações. No lado do fornecedor contratado, a sub-rogação é, como regra, vedada, constituindo, inclusive, motivo suficiente para rescisão contratual unilateral, salvo se expressamente admitida no instrumento convo- catório”, destaca. A sub-rogação porém não é um procedimento comum, usual. “Ao revés, diríamos que se trata de situação excepcional, que precisa estar muito bem justificada para que possa ser admitida. Neste momento, estamos passando em nosso país por uma renovação do qua- dro de dirigentes do poder executivo, em nível nacional e em nível estadual. Novo Presidente da Repú- blica, novos Governadores de Estados, significa a implantação de novas ideias. E, muitas vezes, essas Matéria 18 março 2019 Sub-rogação de processos de compras e contratos novas diretrizes passam pela extinção, incorporação ou fusão de órgãos e entidades da administração. Quando o órgão é substituído, de alguma forma, por outro, é comum termos presente a figura da sub- -rogação, para evitar a solução de continuidade nos processos de contratação. Assim, o novo órgão/ entidade aproveita os processos de contratação já iniciados pelo órgão substituído, sub-rogando-se no direito de realizar as contratações dele decorrentes”, avisa Reis. Ministério do Planejamento emite orientações No dia 21 de dezembro de 2018, o Ministério do Planejamento fez publicar instruções para a sub-ro- gação de processos de compras e contratos, tendo em vista a nova estrutura que seria implementada pelo governo empossado no dia 1º de janeiro deste ano. “As orientações publicadas foram genéricas, abrangendo, inclusive, os processos de dispensa e inexi- gibilidade de licitação e os contratos vigentes. São orientações bem detalhadas, contendo até mesmo um passo a passo do processo. Situação da mesma ordem está sendo vivenciada em alguns Estados da Federação, onde os novos governantes também implementaram alterações na estrutura de go- verno. Para que não haja solução de continuidade nas ações em andamento, a sub-rogação deve ser implementada como aplicação fática do princípio constitucional da eficiência”, garante Reis. Cautelas Conforme o professor, as cautelas a serem observadas estão bem discriminadas no documento pu- blicado pelo MPDG. “Licitações em andamento, por exemplo, assim como os processos de dispensa/inexigibilidade, não podem ser objeto de sub-rogação, devendo-se aguardar a respectiva homologação/ratificação”, con- clui Reis. Pontos de atenção 1º - Licitações em andamento: Não é possível realizar a sub-rogação das licitações em andamento, mas somente ao final do processo licitatório, ou seja, quando a licitação estiver homologada. 2º - Contratos: É possível realizar a sub-rogação dos contratos. 19março 2019 MatériaSub-rogação de processos de compras e contratos 3º - Dispensas e inexigibilidades: É possível realizar a sub-rogação das dispensas e inexigibilidades (encerradas/publicadas) 4º - Compras e Contratos Sub-rogados com numeração já existente no órgão Sub-rogante: Caso alguma compra ou contrato seja sub-rogado e na UASG sub-rogante já exista uma compra ou contrato com o mesmo número, a UASG sub-rogante sempre deverá referenciar a UASG de origem da compra ou do contrato, ou seja, a UASG sub-rogada. 5º - Criação de novas UASG: A solicitação de criação de novas UASG dos órgãos integrantes do Sisg no Sistema Siasg/Com- prasnet, somente poderá ser realizada após a criação da Unidade Gestora – UG no Sistema Siafi. 6º - UASG inativas: Quando da solicitação da criação das novas UASG, sugere-se que as UASG antigas não sejam inativadas imediatamente, para que todos os contratos e compras sejam sub-rogados para a nova UASG e que pelo menos um servidor esteja vinculado a UASG antiga. 7º - Emissão de Empenho: Para efetivar a emissão de empenho, o usuário deverá informar a UASG responsável pela licitação. 8º - UASG de atuação: O usuário deverá verificar qual a sua UASG de atuação durante o procedimento de Sub-rogação. Acesse as orientações nos completos desta matéria. 20 março 2019 Artigo A QUEDA DE BRAÇO ENTRE A OAB E O TCU A QUEDA DE BRAÇO ENTRE A OAB E O TCU NOTAS SOBRE O ACÓRDÃO N. 2.573/2018, DO TCU O TCU decidiu que a OAB é uma autarquia, pelo que se sujeita à sua jurisdição e deve-lhe prestar contas, da mesma forma que os demais conselhos profissionais, como os dos engenheiros,médicos, administradores etc. (Acórdão n. 2.573/2018, de 07/11/2018, relatado pelo Ministro Bruno Dantas). O Presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, em nota oficial, afirmou que o Acórdão do TCU não tem “validade constitucional” e, embora não diga com todas as letras, dá a entender que não se curvará. Armou-se um salseiro institucional. * * * A OAB é realmente uma autarquia. O artigo 44 do Estatuto da Advocacia (Lei Federal n. 8.906/1994) prescreve, sem qualquer sutileza, que ela é “serviço público”, dotada de poderes de po- lícia sobre a atividade profissional da advocacia. Se fosse de natureza privada, como defendida por alguns, não poderia protagonizar o exercício de poderes de polícia. Soma-se que a OAB é sustentada por recursos de origem tributária, como são todas as contribuições sociais instituídas em favor de categorias profissionais, nos termos do preceituado no artigo 149 da Constituição Federal. A OAB também não se livra do TCU com a tese de que é entidade especial, não comparada aos demais conselhos profissionais porque tem missão institucional e porque foi prestigiada com referências a si no texto da Constituição Federal. Não há conexão lógica causal entre a inquestio- nável relevância institucional da OAB e uma pretensa imunidade ao controle do TCU. Claramente, uma coisa não leva à outra. A autonomia necessária para o desempenho da missão institucional da OAB não é prejudica- da com o controle do TCU, que não assume status de poder hierárquico ou algo que o valha. A OAB não tem que prestar contas sobre o mérito das suas ações. Tem que prestar contas apenas da apli- J JOEL DE MENEZES NIEBUHRAdvogado, Doutor em Direito PUC/SP MARGEM DE PREFERÊNCIA PARA MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE LOCAL E REGIONAL UMA ESTRATÉGIA DE REGULAÇÃO ESTATAL 21março 2019 ArtigoA QUEDA DE BRAÇO ENTRE A OAB E O TCU cação dos seus recursos, angariados em razão da força do Estado, que obriga a todos os advogados. Tanto isso é verdade que o Poder Judiciário e o Ministério Público se sujeitam ao controle do TCU e isso jamais afetou as suas autonomias, garantidas constitucionalmente com igual ou maior intensidade do que a da OAB. Se a tese da OAB fosse verdadeira, o Poder Judiciário e o Ministério Público não poderiam responder ao TCU, algo que sequer se cogita. * * * Há, no entanto, uma questão técnico-processual, que se desvela como o grande argumento da OAB. A alegação é que o TCU, no Acórdão n. 2.573/2018, desobedeceu o STF, mais especifica- mente o julgado na ADI 3.026/DF, de 08/06/2006, cujo teor reconheceu que a OAB não é autarquia. Pois bem, a ADI 3.026/DF teve por objeto a constitucionalidade do caput e do § 1º do artigo 79 do Estatuto da Advocacia (Lei n. 8.906/1995), acerca do regime dos empregados da OAB. O Minis- tério Público pretendia a aplicação do Direito Público sobre o pessoal da OAB. A decisão do STF foi pela improcedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade. Sem embargo, na motivação do Acórdão da ADI 3.026/DF, os ministros do STF compreenderam que a OAB não integra a Admi- nistração Pública, que ela é “serviço público independente, categoria ímpar no elenco das perso- nalidades jurídicas existentes no direito brasileiro”, diante de suas missões institucionais. Então, concluíram que ela “não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada”. O TCU, no Acórdão n. 2.573/2018, atribuiu à OAB a natureza de autarquia e, assim sendo, deu de ombros para as razões jurídicas deduzidas pelos ministros do STF na ADI 3.026/DF, seguindo linha diametralmente contrária. Em suma, o Acórdão do TCU não ofendeu a parte dispositiva do Acórdão da ADI 3.026/DF, do STF, que prestigia, repita-se, a constitucionalidade do caput e do § 1º do artigo 79 do Estatuto da Advocacia. Ofendeu, indisfarçadamente, a sua motivação. Via de regra, consoante o inciso I do artigo 504 do Código de Processo Civil, o dispositivo da 22 março 2019 Artigo A QUEDA DE BRAÇO ENTRE A OAB E O TCU sentença faz coisa julgada e não “os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença”. Entretanto, o inciso III do artigo 988 do Código de Processo Civil admite a reclamação para “garantir a observância [...] de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade”. O § 4º do mesmo artigo esclarece que a hipótese do inciso III abrange “a aplicação indevida da tese jurídica e sua não aplicação aos casos que a ela correspondam”. O supracitado § 4º do artigo 988 do Código de Processo Civil consagra a teoria da trans- cendência dos motivos determinantes, de acordo com a qual as decisões proferidas em ações de controle concentrado de constitucionalidade vinculam juízes e tribunais em relação às suas partes dispositivas e também aos seus motivos determinantes. Registre-se que, nada obstante as dispo- sições do Código de Processo Civil, a jurisprudência do STF vacila em admitir a teoria. (contra: Rcl 30.367/TO, de 11/09/2018, da relatoria do Ministro Dias Tofolli; a favor: Rcl 22.328/RJ, de 06/03/2018, da relatoria do Ministro Roberto Barroso). O TCU afastou a aplicação da teoria da transcendência dos motivos determinantes em relação ao Acórdão da ADI 3.026/DF, sob a escusa de que as considerações externadas pelo STF naquela oportunidade sobre a natureza jurídica da OAB seriam obter dicta, incidentais e feitas de passagem, e não constituiriam a sua ratio decidendi, a sua verdadeira razão de decidir. O entendimento do TCU é equivocado. A natureza jurídica da OAB foi a discussão central e de- terminante para o julgamento da ADI 3.026/DF. Ainda que se discorde, a pedra de toque do Acórdão da ADI 3.026/DF é que a OAB não é autarquia, não se insere no universo da Administração Pública, sendo-lhe autônoma e independente. Essa foi a razão lógica para a improcedência do pedido, que visava à aplicação do regime de Direito Público ao pessoal da OAB. * * * O TCU, na tentativa discursiva de escapar da ADI 3.026/DF, ressaltou que o próprio STF, no julgamento do RE 595.332/PR, de 31/08/2016, da relatoria do Ministro Marco Aurélio, teria reconhe- 23março 2019 ArtigoA QUEDA DE BRAÇO ENTRE A OAB E O TCU cido a natureza autárquica da OAB. Nesse Recurso Extraordinário, discutiu-se a competência da Justiça Federal para processar os feitos envolvendo a OAB. A ratio decidendi foi que a natureza jurídica da OAB é de autarquia cor- porativista federal. Por isso a competência da Justiça Federal. Ressalva-se que, no julgamento, o Ministro Luís Roberto Barroso confessou que tinha dúvi- das sobre a natureza jurídica da OAB, em que pese não discordar da competência da Justiça Federal para processar os seus litígios. Não foi acompanhado pelos demais ministros e não teceu qualquer tipo de explicação sobre as razões pelas quais a competência seria da Justiça Federal se a OAB não fosse qualificada como autarquia federal. O TCU utilizou o RE 595.332/PR para reforçar a tese de que, na ADI 3.026/DF, os debates so- bre a natureza jurídica da OAB foram obter dicta: Não se pode juntar argumentos esparsos mencionados obter dicta para tentar ampliar a eficácia de um julgamento, ao arrepio da lei, pois isso significa usar palavras soltas sem saber o contexto em que foram usadas. Embora não desconheçamos a teoria da transcendência dos motivos determinantes no con- trole abstrato de constitucionalidade, essa teoria diz respeito à ratio decidendi, jamais à obter dicta. [...] Portanto, com as devidas vênias, discordo do parecer do ilustre Subprocurador-Geral Lucas Rocha Furtado no sentido de que eventual julgamento desta Corte a obrigar a OAB a prestar contas ao TCU afrontaria a ‘coisa julgada’ na ADI 3.096/DF, em razão do ‘entendimento do Supremo Tribu- nal Federal assentado na ementa’. Ademais, a entender que os fundamentos da ADI 3.096/DF pudessem ser transportados ‘des- colados’ do pedido, chegaríamos à incoerente conclusão de que o próprio STF afrontou‘coisa jul- gada’ advinda de própria deliberação contida no RE 595332/PR, proferido em 31/8/2016, que deixou assentada a competência da Justiça Federal para processar e julgar ações em que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) figure como parte (conteúdo da parte dispositiva da deliberação). 24 março 2019 Artigo A QUEDA DE BRAÇO ENTRE A OAB E O TCU O TCU está, mais uma vez, equivocado. As discussões sobre a natureza jurídica da OAB não foram obter dicta em ambos os julgamentos, na ADI 3.026/DF e no RE 595.332/PR. A causa de pedir da ADI 3.026/DF foi o regime de pessoal da OAB, se devia ou não obediência ao Direito Público. A conclusão foi que não, porque, essencialmente, se considerou que ela não é autarquia e que, por conseguinte, a sua natureza jurídica não é de Direito Público. O raciocínio do STF foi estruturado num silogismo bem simples: (i) o regime de Direito Público aplica-se para a Administração Pública; (ii) a OAB não é autarquia e não faz parte da Administração Pública; (iii) logo o regime do seu pessoal é privado. A natureza jurídica da OAB foi, escancaradamente, a premissa lógica direta da decisão (ratio decidendi). A causa de pedir do RE 595.332/PR foi a competência para processar os feitos que envolvem a OAB, se a Justiça Comum ou a Federal. A conclusão foi pela Justiça Federal, porque, essencial- mente, se considerou que a OAB é uma autarquia federal. O raciocínio do STF, mais uma vez, foi estruturado num silogismo bem simples: (i) a Justiça Federal é competente para julgar os feitos das autarquias federais: (ii) a OAB é uma autarquia federal; (iii) logo a Justiça Federal é competente para julgar as causas que têm como parte a OAB. A natureza jurídica da OAB foi, novamente, a premissa lógica direta da decisão (ratio decidendi). Está-se diante de duas decisões, ambas do Plenário do STF, com razões jurídicas totalmen- te discrepantes. Nos termos da ADI 3.026/DF, a OAB não é uma autarquia. Já nos termos do RE 595.332/PR, a OAB é uma autarquia. O STF, no RE 595.332/PR, ignorou a ADI 3.026/DF, que não foi sequer mencionada no Acórdão, e valeu-se de motivação contrária. É um absurdo, mas, sim, o ab- surdo aconteceu. Então, o que resta é tratar dos efeitos jurídicos do absurdo. * * * O efeito jurídico atribuído pelo TCU é equivocado. O fato do STF ter proferido um julgamento em recurso extraordinário que ignora e nega a motivação de um julgamento anterior não desquali- 25março 2019 ArtigoA QUEDA DE BRAÇO ENTRE A OAB E O TCU fica a sua ratio decidendi. A ratio decidendi de uma decisão judicial não é afetada ou transformada em razão de outra decisão judicial que lhe é posterior e, logo, externa. A ratio decidendi depende apenas da fundamentação da própria decisão, pouco importam fatores externos, como é o caso de uma decisão posterior. Nessa linha, a motivação vertida no Acórdão posterior não desfaz a do Acórdão anterior. Elas são contraditórias, mas ambas são válidas e produzem as suas consequências, que variam em face da natureza de cada uma delas. Pela sistemática constitucional e processual civil, o grau de vinculação da decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade é superior ao grau de vinculação de uma decisão de recurso extraordinário. Como estabelece o § 4º do artigo 988 do Código de Processo Civil, a tese jurídica de jul- gado prolatado em sede de controle concentrado de constitucionalidade é vinculante, tanto que sua aplicação indevida abre a possibilidade de reclamação. A tese jurídica de julgado oriundo de recurso extraordinário não é vinculante. E o ponto é que, em ambos os Acórdãos, da ADI 3.026/ DF e do RE 595.332/PR, a natureza jurídica da OAB aparece apenas na motivação e não na parte dispositiva. Na prática, a motivação do Acórdão mais recente, externada no RE 595.332/PR, não vincula. A motivação do Acórdão mais antigo, externada na ADI 3.026/DF, vincula e o TCU, por via de con- sequência, precisava tê-la respeitado, o que não ocorreu. Quer dizer que a OAB tem razão quanto a esse particular: o TCU desprezou os motivos encartados em Acórdão proferido em sede controle concentrado de constitucionalidade pelo STF, o que desborda da sua competência. * * * A OAB é autarquia e deve prestar contas ao TCU. No fundo, no fundo, o TCU está certo. O 26 março 2019 Artigo A QUEDA DE BRAÇO ENTRE A OAB E O TCU problema é que não é o TCU quem deve dizê-lo, mas só o STF. O TCU não poderia ter desobe- decido ao julgamento da ADI 3.026/DF, cuja motivação, apesar de equivocada, foi categórica em negar à OAB a natureza jurídica de autarquia. A Corte de Contas deveria prestar deferência ao Poder Judiciário e, com mais ênfase, aos julgamentos proferidos em sede de controle concentra- do de constitucionalidade pela Corte Constitucional. Essa falta de deferência diz muito. De todo jeito, o TCU deu a notícia que exerce controle sobre 550 conselhos profissionais, que gerenciam recursos da ordem de 3,3 bilhões de reais anuais. Não faz sentido que apenas a OAB seja dispensada do controle do TCU, que ela seja uma espécie de entidade “privilegiada” a pairar acima das amarras institucionais, para o bem ou para o mal. Ficam as perguntas: Por que a OAB resiste ao controle do TCU? A OAB tem medo do quê? 27março 2019 ArtigoMARGEM DE PREFERÊNCIA PARA MICROEMPRESAS MARGEM DE PREFERÊNCIA PARA MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE LOCAL E REGIONAL: UMA ESTRATÉGIA DE REGULAÇÃO ESTATAL DESENVOLVIMENTISTA1 PARTE 1 Introdução Desde a última década, a atuação estatal brasileira perpassa pela imperiosidade de revisitar a regulação, in- clusive utilizando a contratualização administrativa como instrumento para essa.2 Não se pode mais estudar a teoria regulatória discorrendo tão somente conceitos clássicos de Direito Administrativo, principalmente o serviço público e o poder de polícia, já que a redução do Estado no exercício da atividade estatal como agente econômico ensejou a obriga- toriedade de se construir uma “teoria da regulação estatal em face da ordem econômica.”3 Jacques Chevallier defende que a regulação acarreta uma nova concepção do papel do Estado na economia, ad- vogando favoravelmente ao seu papel de árbitro no processo econômico, até porque, segundo o autor, “falar da função regulatória do Estado pressupõe que o sistema econômico não possa atingir por si próprio o equilíbrio, que ela tenha necessidade da mediação do Estado para o alcançar.”4 Neste prumo, o uso dos contratos e dos convênios administrativos precisa ser repensado sobre a sua atual pragmaticidade (sob o viés da necessidade x utilidade), levando em consideração o impacto socioeconômico de tais avenças diante do mercado e da sociedade, razão pela qual servem como meios para a implantação, adaptação mer- cadológica e persuasão de políticas regulatórias estatais. Especificamente no Brasil, desde a publicação da Lei Complementar nº 123/2006, verificou-se a inserção no ordenamento jurídico de uma série de medidas estratégicas na economia por meio das licitações e dos contratos admi- 1. Artigo originalmente publicado na Revista Brasileira de Estudos Políticos, v. 117, p. 275-320, 2018. 2. Outros países também estão no mesmo caminho para uma reanálise da regulação estatal, conforme se desprende de obras da Espanha (PUI- GPELAT, Oriol Mir. Globalización, Estado y Derecho. Las transformaciones del Derecho Administrativo. Madrid: Civitas Ediciones, 2004, p. 95-116), Portugal (MONCADA, Luís S. Cabral de. 6. ed. Direito Económico. Lisboa: Coimbra Editora, 2012, p. 425-438; GONÇALVES, Pedro Costa. Reflexões sobre o Estado Regulador e o Estado Contratante. Coimbra: Coimbra Editora, 2013), França (CHEVALLIER, Jacques. O Estado Pós-Moderno. Trad. Marçal Justen Filho. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 59-80) e México (VILLANUEVA, Luis F. Aguiar. Gobernanza y gestión pública. México: FCE, 2006, p. 137-236). 3. MARQUES NETO, Floriano Azevedo. Limites à abrangência e à intensidade da regulação estatal. Revista Eletrônicade Direito Administrativo Eco- nômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n. 04, nov/dez 2005, jan. 2006. Disponível na internet: http://www.direitodoestado.com.br.> Acesso em 17., jul. 2014, p. 03. 4. CHEVALLIER, Jacques. O Estado Pós-Moderno. Trad. Marçal Justen Filho. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 72 . L LUCIANO ELIAS REIS Professor de Direito Administrativo do UNICURITIBA; Doutorando em Direito Econômico pela PUC-PR com estágio na Universitat Rovira i Virgili – Espanha – financiado pela CAPES e Mestre em Direito Econômico pela PUC-PR; Especialista em Direito Administrativo e Processo Civil, ambos pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar; Sócio do escritório Reis e Lippmann Advogados Associados, Autor de livros e artigos jurídicos, luciano@rcl.adv.br / lucianoereis@yahoo.com.br L LUIZ ALBERTO BLANCHET Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná (1997/1991). Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (1975). Atualmente é Professor do Programa de Pós-gradução da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PPGD/PUCPR) e Membro Catedrático da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), Sócio do escritório Blanchet Advogados Associados, blanchet@blanchet.adv.br MARGEM DE PREFERÊNCIA PARA MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE LOCAL E REGIONAL UMA ESTRATÉGIA DE REGULAÇÃO ESTATAL 28 março 2019 Artigo MARGEM DE PREFERÊNCIA PARA MICROEMPRESAS nistrativos, motivo que enseja a indispensabilidade de analisar a definição de regulação, o regime diferenciado para as microempresas e empresas de pequeno porte prescrito, para então criticar a regulamentação federal (Decreto Federal nº 8.250/15) sobre a margem de preferência de dez por cento para aquelas pequenas empresas locais ou re- gionais. Uma proposta de definição de regulação A regulação se expressa pela intervenção indireta do Estado no domínio econômico. Para Marçal Justen Fiho, “revela a concepção de que a solução política mais adequada para obter os fins buscados consiste não no exercício di- reto e imediato pelo Estado de todas as atividades de interesse público."5 Floriano de Azevedo Marques Neto define-a como toda “atividade estatal sobre o domínio econômico que não envolva a assunção direta da exploração de atividade econômica (em sentido amplo).”6 Sob um enfoque de conformação do setor privado, Roberto Correia da Silva Gomes Caldas e Thiago Penido Martins delimitam-na como atividade estatal que visa a conformar o setor privado aos interes- ses públicos e compreendem todo tipo de norma jurídica e controle administrativo direcionado ao encontro da máxima eficiência alocativa e produtiva setoriais, tanto de forma ativa como passiva preventiva ou repressiva.7 Paulo Roberto Ferreira Motta, por sua vez, a caracteriza como “processo administrativo encetado pela Administração Pública, me- diante a observância do regime jurídico de Direito Público, de limitação (mínima, média ou máxima, conforme a opção ideológica do legislador) à liberdade e à propriedade, visando dar funcionalidade e racionalidade ao mercado.”8 A partir das posições dos juristas ora transcritos, é necessário ponderar algumas das características conceitu- ais para encontrar uma definição de regulação.9 Pode-se cingi-la a uma mera atuação estatal ou é necessário um processo administrativo? Não obstante en- tendimento diverso, compreende-se que o mais adequado é estudar a regulação como conseqüência de um processo administrativo dialógico com transparência e participação popular, sempre que possível. Afirma-se “sempre que pos- sível”, visto que determinadas medidas regulatórias poderão precisar de sigilo (mínimo, médio ou máximo) estatal por questões de segurança nacional, conforme autorizado pelo artigo 5º, XXXIII, da Constituição da República Federativa do Brasil, ou até para preservação de direitos fundamentais. Nesta linha de raciocínio, regulação é a atuação estatal, decorrente de processo administrativo, que interfira na atividade econômica. A processualidade evita atuações regulatórias arbitrárias, não pensadas, sigilosas e cooptadas por determina- dos atores do mercado, já que gerará a imperiosidade de planejamento, preparação material em cadernos processuais administrativos, participação popular, motivação, publicidade, prudência regulatória, análise de impacto regulatório, etc. Antes que se pressuponha que no Brasil o amparo normativo para a regulação é inadequado como um mito ricoche- teado em senso comum não justificado, anui-se com a posição de Diogo Figueiredo Moreira Neto de que o suposto défi- cit democrático na regulação brasileira não está no sistema em si (defeitos intrínsecos), mas sim “por defeitos procedi- mentais atinentes à condução dos processos” e “por defeitos pessoais dos que neles estejam envolvidos em posição de 5. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 8. Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 639. 6. MARQUES NETO, Floriano Azevedo. Limites à abrangência e à intensidade da regulação estatal. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n. 04, nov/dez 2005, jan. 2006. Disponível na internet: http://www.direitodoestado.com. br.> Acesso em 17., jul. 2014, p. 03. 7. CALDAS, Roberto Correia da Silva Gomes; MARTINS, Thiago Penido. Princípios do Equador e Governança Regulatória nas contratações públicas sustentáveis: implicações nas desapropriações. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 112, p. 183-229, jan.jun. 2016, p. 196. 8. MOTTA, Paulo Roberto Ferreira. Regulação e universalização dos serviços públicos. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 69. 9. Vale dizer: não há um conceito verdadeiro ou falso. Portanto, deve-se procurar adotar um que seja o mais possível útil para os fins a que se propõe o estudioso.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 374). Sobre a utilidade das classificações, vide: CARRIÓ, Genaro. Notas sobre Derecho y Lenguaje. 4. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1973, p. 72; CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Trad. Dr. Frederico Paschoal. 3. ed. Campinas: Bookseller, 2005, p. 57-58; LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 586-587. 29março 2019 ArtigoMARGEM DE PREFERÊNCIA PARA MICROEMPRESAS responsabilidade”.10 Para complementar o uso dos signos na definição mencionada linhas acima, Eros Roberto Grau diferencia as expressões “intervenção” e “atuação estatal”, intervenção “conota atuação estatal no campo da atividade econômica em sentido estrito” e a atuação é “ação do Estado no campo da atividade econômica em sentido amplo”.11 Já Luiz Al- berto Blanchet, critica o uso do termo “intervenção”, pois, a rigor, ele é mais apropriado nos casos de intervenção em concessões e de intervenção da União em Estado ou Distrito Federal ou intervenção de Estado em Município.12 Para Célia Cunha Mello, “qualquer ação estatal que repercuta na sociedade, criando, modificando ou extinguindo direitos e situações, pode ser concebida como uma forma de interferência do Estado”, por isso a autora defende que interferência estatal é gênero, compreendendo as espécies interferência em sentido estrito, cuja área de incidência é a vida privada, e intervenção, cuja área de incidência é a ordem econômica.13 Atinente ao conteúdo da regulação, Marçal Justen Filho considera que esta é uma “opção preferencial do Estado pela intervenção indireta, puramente normativa”, sendo que o autor enfatiza a natureza exclusivamente normativa, a qual é a adoção de normas e outros atos estatais despidos de recursos estatais a serem aplicados para a concretização de alguma atividade no domínio econômico-social.14 Por sua vez, o caráter normativo da atuação estatal não se resume tão somente a expedição de normas gerais e abstratas, mas também a atos individuais concretos, sejam decorrentes de espécies de atos administrativos(resoluções, instruções normativas, dentre outras) ou de atos decisórios. Egon Bockmann pontua que toda regulação é “interventiva lato sensu (pois envolve a intromissão através de normas que disciplinam o comportamento de terceiros), apesar de nem toda intervenção ser regulatória (pois a inter- venção pode dar-se diretamente, através do exercício in concreto da atividade econômica).”15 Com outro ponto de vista, Luís Cabral de Moncada defende que a regulação tem pontos comuns com a intervenção indireta, mas distingue-se dela por razões essencialmente teleológicas e funcionais, alertando em sua concepção que o conceito de intervenção direta e indireta do Estado não coincidem para o Direito Administrativo e para o Direito Econômico.16 Para o jurista por- tuguês, economicamente, de fato a regulação é o controle estatal sobre a atividade econômica privada e pública e visa corrigir as deficiências do mercado, sendo que tais características não são encontradas na intervenção indireta, a qual não pressupõe o mercado como modo de ser da decisão econômica e que pode ser pautada por outros propósitos, bem como realizada por entidades estatais ou paraestatais.17 Moncada ainda destaca que a intervenção indireta é sempre um instrumento de política econômica, mas a regulação é um meio de corrigir o mercado.18 Quanto ao escopo da regulação, este sempre será para consertar possíveis desvios, bem como para evitar a 10. MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. A regulação sob a perspectiva da nova hermenêutica. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico (REDAE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 12, novembro/dezembro/janeiro, 2008. Disponível na internet: http://www.direitodoestado. com.br.> Acesso em 30, abril. 2016, p. 12. 11.GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 15. Ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 141-142. 12. BLANCHET, Luiz Alberto. Curso de Direito Administrativo. 5. ed. Curitiba: Juruá, 2007, p. 185 13. MELLO, Célia Cunha. O fomento da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 01-02. 14. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 8. Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 638-639. 15. MOREIRA, Egon Bockmann. O Direito Administrativo Contemporâneo e Intervenção do Estado na Ordem Econômica. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 01, fevereiro,2005. Disponível na internet: http://www.direitodoestado. com.br.> Acesso em 29. abril. 2016, p. 04. 16. No Direito Administrativo “a intervenção é indirecta se a entidade é independente”, já no Direito Econômico “a intervenção indirecta se o Estado (por si ou por interposta pessoa) não é o titular efectivo da exploração econômica.” Posteriormente, continua “a intervenção (indirecta) do Estado limita-se a condicionar, a partir de fora, a actividade econômica, sem que assuma a posição de sujeito econômico activo. É o caso da criação de infra-estruturas, da polícia econômica e do fomento.” (MONCADA, Luís S. Cabral de. 6. ed. Direito Económico. Lisboa: Coimbra Editora, 2012, p. 48- 50). 17. MONCADA, Luís S. Cabral de. 6. ed. Direito Económico. Lisboa: Coimbra Editora, 2012, p. 55. 18. MONCADA, Luís S. Cabral de. 6. ed. Direito Económico. Lisboa: Coimbra Editora, 2012, p. 55. 30 março 2019 Artigo MARGEM DE PREFERÊNCIA PARA MICROEMPRESAS perduração de condutas incompatíveis com a racionalidade, harmonia e funcionalidade no mercado. Marçal Justen Fi- lho descreve que o Estado regulador desempenha material e diretamente algumas atividades essenciais, concentrando esforços para produzir um conjunto de normas e decisões influenciadores do funcionamento das instituições estatais e não estatais.19 Paulo Motta analisa a finalidade de acordo com o regime jurídico, mais precisamente dizendo que quando focada à atividade privada estatui um regime de sujeição geral e impõe deveres aos agentes do mercado, por outro lado quando aos serviços públicos configura um regime de sujeição especial e gera obrigações aos prestadores e cidadãos-usuários.20 Insta consignar que a regulação vincula uma noção de sistema econômico como um todo ou no mínimo de um subsistema econômico (em casos de regulação setorial), nos quais fiquem dilu- cidados os valores justificadores da incidência regulatória e quais são os bens e valores a serem protegidos.21 Gaspar Ariño Ortiz enaltece o objetivo único e exclusivo da política regulatória, qual seja, “melhores condições possíveis de segurança, qualidade e preços; com a maior eficiência que o estado da arte permita, tanto para hoje como para amanhã.”22 Até porque, no plano democrático constitucionalizado qualquer política pública é uma ação governamental exigida pelo seu titular- o povo.23 Pelas considerações retro e supra, regulação é a atuação estatal, decorrente de processo administrativo, que interfira na atividade econômica visando à correção de anacronismos e à tutela preventiva de condutas incompatíveis pelos agentes com racionalidade, proporcionalidade, harmo- nia e funcionalidade no mercado. A regulação pelas licitações públicas e pelos contratos administrativos Inconteste a importância da função regulatória do Estado, por isso discorrer-se-á sobre uma ferramenta utilizada para induzir a missão e a “mão” regulatória do Estado para a implantação e a proteção dos fins colimados constitucionalmente: a contratualização administrativa. Segundo Jacques Chevallier, o procedimento contratual nas sociedades contemporâneas 19. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 8. Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 639. 20. MOTTA, Paulo Roberto Ferreira. Regulação e universalização dos serviços públicos. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 69. 21. MARQUES NETO, Floriano Azevedo. Limites à abrangência e à intensidade da regulação estatal. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n. 04, nov/dez 2005, jan. 2006. Disponível na internet: http://www.direitodoestado.com. br.> Acesso em 17., jul. 2014, p. 04. A título ilustrativo, recomenda-se a leitura do artigo de Maurin Almeida Falcão em que traça o diálogo contínuo existente entre o Mercado e o Estado para a demarcação da economia política a partir da obra de Gilpin no mundo contemporâneo, discorrendo inclusive sobre quem seria o legítimo autor do poder político. (FALCÃO, Maurin Almeida. O Estado, o mercado e as transformações econômicas, políticas e sociais como determinantes de uma economia política do tributo. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 104, p. 263-289, jan.jun. 2012) 22. ORTIZ, Gaspar Ariño. Sucessos e Fracassos da Regulação. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, no. 3, ago-set-out, 2005. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 20 de abril de 2016, p. 09. 23. COELHO, Saulo de Oliveira Pinto; ASSIS, Aline Neves de. Um constitucionalismo do espetáculo? Espetacularização das políticas públicas e ineficiência do controle jurídico-constitucional. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 115, p. 541-584, jul.dez. 2017, p. 545. 31março 2019 ArtigoMARGEM DE PREFERÊNCIA PARA MICROEMPRESAS deflui um grande crescimento a ponto de aparecer como emblemático na pós-modernidade. De acordo com o autor, o fortalecimento do contrato é acompanhando pari passu da quebra, de um lado, de uma concepção tradicionalista e autoritária diante das fronteiras entre contrato e ato uni- lateral; de outro, pelo aparecimento de procedimentos mais flexíveis e informais de cooperação e de regulação sob variadas denominações, razão pela qual a contratualização não ficará adstrita ao domínio econômico, mas também a outras áreas de suma importância para a intervenção estatal como ação social, meio ambiente, cultura, etc..24 Neste sentido, Gustavo Justino de Oliveira também sinaliza que a nova contratualização ad-ministrativa é desenvolvida em bases negociais mais amplas se comparadas aos modelos contratu- ais tradicionais, direcionando-se “(i) para uma maior paridade entre Administração e particular e (ii) uma reforçada interdependência entre as prestações a cargo de ambas as partes”.25 Consequente- mente, é inegável dizer que o maior diálogo e a abertura para consenso evitam condutas arbitrárias ou inapropriadas, as quais por vezes tornam inviáveis ou sacrificantes uma parceria ou um contra- to administrativo. Segundo Cristiana Fortini, atualmente vive-se a época do Direito Administrativo Consensual em que os ajustes com o setor privado são indispensáveis, não podendo continuar o raciocínio do Estado atuando somente por atos administrativos unilaterais.26 Sobre esta mudança de parâmetro e a maior consensualização da Administração Pública em seus contratos, Odete Medauar explica que a sua expansão gerou locuções como “governo por contratos”, “direito administrativo pactualista”, “direito administrativo cooperativo”, “administra- ção por acordos”, “contratualização das políticas públicas”.27 Na mesma ótica, Pedro Gonçalves propugna a importância da contratualização em sentido lato.28 Vivian Lima López Valle relaciona a 24. CHEVALLIER, Jacques. O Estado Pós-Moderno. Trad. Marçal Justen Filho. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 161-162. 25. OLIVEIRA, Gustavo Justino de. A arbitragem e as parcerias públicos-privadas. In. SUNDFELD, Carlos Ari. (Org) Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 567-606. 26. FORTINI, Cristiana. Contratos administrativos: franquia, concessão, permissão e PPP. 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 04, 27. MEDAUAR, Odete. Direito administrativo em evolução. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 212-213. A Administração consensual ou concertada não pode ser visualizada como um desprestígio ou aniquilamento do ato administrativo, como aponta Almiro Couto e Silva em precioso estudo. (SILVA, Almiro do Couto e. Notas sobre o conceito de ato administrativo. In: SOUTO, Marcos Juruena Villela e OSÓRIO, Fábio Medina (Coords.). Direito administrativo – Estudos em homenagem a Diogo Figueiredo Moreira Neto. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 271-292, p. 291). Roberto Caldas e Thiago Martins ressaltam a denominação “processualização do contrato”. (CALDAS, Roberto Correia da Silva Gomes; MARTINS, Thiago Penido. Princípios do Equador e Governança Regulatória nas contratações públicas sustentá¬veis: implicações nas desapropriações. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 112, p. 183-229, jan.jun. 2016, p. 203). 28. “No início de um importante texto sobre a contratação pública, diz Jody Freeman que o moderno Estado administrativo se apresenta como um ‘contractingstate’, isto é, um Estado que interiorizou a ‘cultura do contrato’ como um instrumento ao serviço de realização dos seus fins institucionais. Isso assume particular notoriedade perante a importância que o contrato adquiriu no domínio do estabelecimento de formas de cooperação e de colaboração entre Estado e actores privados na gestão de serviços públicos e na execução de funções públicas. Mas o mesmo deve ainda dizer-se acerca dos chamados ‘contratos regulatórios’’, que, em alguns sectores, tendem a substituir as tradicionais regulações unilaterais e autoritárias por uma ideia de ‘contractualgovernance’. Embora se apresente com um espectro mais alargado, a contratação pública detém actualmente um relevo decisivo na reconfiguração do papel do Estado e no estabelecimento de pontes de cooperação com as entidades privadas. Neste sentido, o contrato representa um instrumento fundamental ao serviço das medidas de privatização no domínio da execução de tarefas públicas. Além dos clássicos contratos de concessão de obras e serviços públicos, o Estado recorre a outros modelos de contracting out e de outsourcing, por via dos quais confia a entidades privadas a gestão de missões públicas ou a realização de trabalhos essenciais para o desempenho das tarefas públicas pelo próprio 32 março 2019 Artigo MARGEM DE PREFERÊNCIA PARA MICROEMPRESAS nova contratualização com o incremento qualitativo e quantitativo de modo a possibilitar uma maior realização de serviços públicos, mais eficiente, e, como conseqüência, a materialização dos direitos fundamentais.”29 Além do argumento do consenso para o uso da licitação para a regulação, deve-se também recorrer ao fundamento econômico, qual seja, em países em desenvolvimento as compras gover- namentais representam um movimento de 10 a 15% do Produto Interno Bruto.30 Especificamente no Brasil, o Governo movimenta, com a aquisição de compras e contratações de serviços, cerca de 15% do seu Produto Interno Bruto – PIB.31 Diante destas breves colocações, não se pode dissociar a regulação estatal via licitação e contrato administrativo da intervenção do Estado no campo da atividade econômica em sentido estrito. Para tanto, aproveita-se a classificação de Eros Roberto Grau que diferencia esta em três modalidades: (i) intervenção por absorção ou participação32 quando o Estado intervém diretamen- te no domínio econômico, mais precisamente na atividade econômica em sentido estrito como agente (sujeito) econômico;33 (ii) intervenção por direção, 34 “o Estado exerce pressão sobre a eco- nomia, estabelecendo mecanismos e normas de comportamento compulsório para os sujeitos da atividade econômica em sentido estrito”; e (iii) intervenção por indução, 35 “o Estado manipula os instrumentos de intervenção em consonância e na conformidade das leis que regem o funciona- mento dos mercados.”36 Estado.” (GONÇALVES, Pedro Antonio Pimenta da. Entidades privadas com poderes públicos: o exercício de poderes públicos de autoridade por entidades privadas com funções administrativas. Coimbra: Edições Almedina, 2008, p. 330-331). No Brasil, Fernando Dias Menezes de Almeida descreve a evolução do contrato administrativo e sua nova postura teórica (ALMEIDA, Fernando Dias Menezes. Contrato administrativo. São Paulo: QuartierLatin, 2012). 29. VALLE, Vivian Lima López. Serviço público, desenvolvimento econômico e a nova contratualização da Administração Pública: o desafio na satisfação dos direitos fundamentais. In: BACELLAR FILHO, Romeu Felipe; GABARDO, Emerson; HACHEM, Daniel Wunder (Coord.). Globalização, Direitos Fundamentais e Direito Administrativo: novas perspectivas para o desenvolvimento econômico e socioambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 273-284, p. 282. 30. Fato reconhecido pela Organização Mundial do Comércio – OMC – em seu site: “La contratación pública representa en promedio el 10-15% del PIB de una economía. Constituye un mercado significativo y un aspecto importante del comercio internacional. La labor de la OMC en materia de contratación pública tiene por objeto promover la transparencia, la integridad y la competencia en este mercado.” (https://www.wto.org/spanish/ tratop_s/gproc_s/gproc_s.htm) 31. BRASIL, Ministério do Meio Ambiente. Licitação sustentável. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/a3p/ eixos-tematicos/item/526>>. Acesso em: 30 de mar. de 2015. 32. Intervenção na economia. 33. A absorção ocorre quando o Estado “assume integralmente o controle dos meios de produção e/ou troca em determinado setor da atividade econômica em sentido estrito; atua em regime de monopólio”; já a participação “o Estado assume o controle de parcela dos meios de produção e/ou troca em determinado setor da atividade econômica em sentido estrito; atua em regime de competição com empresas privadas que permanecem a exercitar suas atividades nesse mesmo setor.” (GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 15. Ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 143). 34. Intervenção sobre a economia. 35. Intervenção sobre a economia. 36. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 15. Ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 143. 33março 2019 ArtigoMARGEM DE PREFERÊNCIAPARA MICROEMPRESAS Neste ensaio, pretende-se examinar a intervenção do Estado sobre o domínio econômico por intermédio da direção e da indução quando se utiliza a regulação via licitações e contratos administrativos para o fomento e fortalecimento das microempresas e empresas de pequeno porte. A contratação administrativa é considerada um importante objeto de regulação, pois en- volve dois aspectos, segundo Pedro Costa Gonçalves: (i) a regulação normativa ou regulamenta- ção dos procedimentos de contratação; e (ii) a regulação jurídica dos operadores econômicos que participam dos certames e integram o mercado dos licitantes.37 Quanto à constitucionalidade da regulação estatal pela contratualização administrativa a partir da Constituição da República Federativa de 1988, alvitra-se do comando normativo do arti- go 174 da Lei Maior ao prescrever que o Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica, exerce, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo que este será determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. Logo, o Estado deverá (e não poderá) atuar na fiscalização, planejamento e incentivo.38 Segundo Eros Roberto Grau, as normas de intervenção por indução estipulam “preceitos que, embora prescritivos (deônticos), não são dotados da mesma carga de cogência que afeta as normas de intervenção por direção”. A norma de intervenção por indução confere ao destinatário a alternativa de aderir ou não à prescrição nela veiculada. Caso haja a sua adesão, resultará em benefícios usufruídos pelo aderente. Diferentemente, as normas de intervenção por direção im- põem comportamentos por intermédio da cogência das normas.39 Atinente à ação estatal na intervenção por indução, salienta-se que o intuito do Estado é justamente que o aderente da medida estatal possa beneficiar-se ante os demais no mercado. O benefício exsurge como um prêmio àquele que realiza a conduta – seja positiva ou negativa – incitada pelo Estado.40 O enaltecimento à atividade administrativa de fomento tem aparecido como um dos aspectos mais comentados da reforma estatal das últimas décadas. Sobre o assunto, Diogo Figueiredo Moreira Neto qualifica que se trata de um “direcionamento não coercitivo do Estado à sociedade, em estímulo das atividades privadas de interesse público. É uma atividade que se sistematiza e ganha consistência acoplada ao planejamento dispositivo.” Por esta relevância, o autor infere que é “inegável que o fomento público, conduzido com liberdade de opção, tem elevado alcance pedagógico e integrador, podendo ser considerado, para um futuro ainda longínquo, a atividade mais importante e mais nobre do Estado.”41 37. GONÇALVES, Pedro Costa. Reflexões sobre o Estado Regulador e o Estado Contratante. Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 23. 38. “Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus arts. 1º, 3º e 170." (Supremo Tribunal Federal, ADI 1.950, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 3-11-2005, Plenário, DJ de 2-6-2006). 39. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 15. Ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 144-145. 40. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 15. Ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 145. 41. MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 45. Silvio Luis Ferreira da Rocha define a atividade de fomento de maneira descritiva e excludente, a partir da exposição de que a Administração poderá alcançar a satisfação das 34 março 2019 Artigo MARGEM DE PREFERÊNCIA PARA MICROEMPRESAS Carlos Ari Sundfeld endossa tal relevância ao sustentar a necessidade de reconstrução da teoria da ação administrativa, a qual passa por três grandes setores, quais sejam: a administra- ção de gestão, a administração fomentadora e a administração ordenadora. Advoga explicitamente favorável à administração fomentadora como impreterível para uma nova concepção e análise da teoria da ação administrativa, sendo que ela deverá ser compreendida como “a função de induzir, mediante estímulos e incentivos – prescindindo, portanto, de instrumentos imperativos, cogentes – os particulares a adotarem certos comportamentos.”42 Ao seu lado, José Roberto Pimenta Oliveira explana que para o cumprimento dos objetivos constitucionais inerentes à estruturação do Estado Social e Democrático de Direito, desenhado pela Constituição, não há como a função administrativa restringir-se, na atualidade, ao campo ordenador e sancionatório.43 No tocante à regulação estatal a partir da licitação e do contrato administrativo, tal situação pode ser visualizada por meio de algumas normas editadas nos últimos quinze anos, as quais têm promovido ou induzido a intervenção estatal. Luciano Ferraz enfoca inclusive que as medidas de regulação não precisam ser necessariamente via legislativa, mas também há a plena factibilidade de ocorrer a regulação por meio de medidas administrativas, sendo que o seu uso “atenderá basica- mente a duas finalidades: a) garantia de competição no mercado, estímulo, portanto à concorrência legal; b) garantia de qualidade nas contratações da administração pública.”44 Das aludidas normas jurídicas, 45 chama-se atenção para a Lei nº 12.349/2010 que trouxe algumas inovações na Lei Brasileira de Licitações e Contratos Administrativos (Lei n. 8.666/1993), dentre elas, a prescrição normativa da finalidade da “promoção do desenvolvimento nacional sus- tentável” (artigo 3º, caput), critério de desempate das propostas para empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimento da tecnologia no país (artigo 3º, § 2º, IV) e a possibilidade de esta- necessidades coletivas a partir de sua atuação de modo direto e imediato ou de modo indireto e mediato quando as atividades são prestadas pelos particulares, as quais foram incentivadas pela Administração, e servem para alcançar as necessidades coletivas. (ROCHA, Silvio Luis Ferreira da. Terceiro Setor. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 23). Ecoando a mesma finalidade, porém pontuando que poderá alcançar os estabelecimentos particulares, Roberto Dromi define o fomento administrativo como uma “acción dirigida a proteger o promover las actividades y establecimientos de los particulares, que satisfagan necesidades públicas o que se estimen de utilidad general.” O autor argentino posiciona-se ainda que a ideia predominante do fomento é que versa sobre uma atividade persuasiva ou de estímulo, sendo que a sua finalidade será obtida com o convencimento para que se faça algo ou se omita. (DROMI, Roberto. Derecho Administrativo. 10. ed. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 2004, p. 1027). 42. SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Ordenador. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 16. Em sentido análogo, Célia Cunha conceitua a administração fomentadora “como um complexo de atividades concretas e indiretas que o Estado desempenha despido do poder de autoridade, cujo labor se limita a promover e/ou incentivar atividades e regiões, visando melhorar os níveis de vida da sociedade.” (MELLO, Célia Cunha. Op. cit., p. 38). Nos mesmos termos, vide GARCÍA, Jorge Sarmiento. Derecho publico. 2. ed. Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1998, p. 647. 43. Postulou-se da Administração uma crescente e cada vez mais complexa intervenção estatal no domínio social e econômico, formalizada, pela ordem jurídica, com a positivação de dever de prestar serviços públicos nos diversos campos em que o interesse da coletividade mandava uma presença ativa da atividade administrativa, considerados como atividades materiais vinculadas à existência da própria sociedade, passíveis de fruição direta pelos administrados, fornecidos pela Administração, sob regime de direito público. (OLIVEIRA,
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