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Estados e Classes Sociais 1 TROL Estados e Classes Sociais Cátia Couto da Costa 1ª E d iç ão Estados e Classes Sociais 2 DIREÇÃO SUPERIOR Chanceler Joaquim de Oliveira Reitora Marlene Salgado de Oliveira Presidente da Mantenedora Wellington Salgado de Oliveira Pró-Reitor de Planejamento e Finanças Wellington Salgado de Oliveira Pró-Reitor de Organização e Desenvolvimento Jefferson Salgado de Oliveira Pró-Reitor Administrativo Wallace Salgado de Oliveira Pró-Reitora Acadêmica Jaina dos Santos Mello Ferreira Pró-Reitor de Extensão Manuel de Souza Esteves DEPARTAMENTO DE ENSINO A DISTÂNCIA Assessora Andrea Jardim FICHA TÉCNICA Texto:Cátia Couto da Costa Revisão Ortográfica: Marcus Vinícius da Silva e Natália Barci de Souza Projeto Gráfico e Editoração:, Eduardo Bordoni, Fabrício Ramos, Marcos Antonio Lima da Silva Supervisão de Materiais Instrucionais: Janaina Gonçalves de Jesus Ilustração: Eduardo Bordoni e Fabrício Ramos Capa: Eduardo Bordoni e Fabrício Ramos COORDENAÇÃO GERAL: Departamento de Ensino a Distância Rua Marechal Deodoro 217, Centro, Niterói, RJ, CEP 24020-420 www.universo.edu.br Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universo– Campus Niterói Bibliotecária: Elizabeth Franco Martins CRB 7/4990 Informamos que é de única e exclusiva responsabilidade do autor a originalidade desta obra, não se responsabilizando a ASOEC pelo conteúdo do texto formulado. © Departamento de Ensino a Distância - Universidade Salgado de Oliveira Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, arquivada ou transmitida de nenhuma forma ou por nenhum meio sem permissão expressa e por escrito da Associação Salgado de Oliveira de Educação e Cultura, mantenedora da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO). C837e Costa, Cátia Couto. Estado e classes sociais / Cátia Couto Costa ; revisão de Natália Barci de Souza e Marcus Vinicius da Silva. – Niterói, RJ: EAD/UNIVERSO, 2012. 119 p. : il. 1. Estado. 2. Política. 3. Estratificação social. 4. Classes sociais. 5. Ciência política. I. Souza, Natália Barci de. II. Silva, Marcus Vinicius da. III. Título. CDD 320.1 Estados e Classes Sociais 3 Informações sobre a disciplina Carga Horária: 45 h Créditos: 03 Ementa: Relação entre a Política, o Estado e a Ciência Política. Genealogia do Estado Moderno. Teorias do Estado. Fundamentação teórica do Estado Contemporâneo. Estratificação social e classes sócias: conceitos, teorias e metodologias de análise. Unidade 1: O Estado e a Política • Introdução à Política. • A Genealogia do Estado. • O Estado como Foco de Análise Científica. • Instituições: Estado e Governo. • Recursos: Poder, Influência ou Autoridade. • Processos: Formulação de Decisões sobre Linhas de Conduta Coletiva. • Função: Resolução Não Violenta dos Conflitos. Unidade 2: Fundamentações Teóricas do Estado Moderno • O Cenário Político da Europa Ocidental e da Península Itálica na metade Século XV. • A Concepção de Estado na Obra de Nicolau Maquiavel (1469-1527). • A Tradição Jusnaturalista e Contratualista. • Thomas Hobbes (1588-1679) e o Estado Absolutista. • A Filosofia Política do Liberalismo. • John Locke (séc. XVI-XVIII) e o Abalo do Edifício Absolutista. • Rousseau (séc. XVIII) e o Século das Luzes: Ideias e Legados. Estados e Classes Sociais 4 Unidade 3: Fundamentações Teóricas do Estado Contemporâneo • O Estado Idealista de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831). • Estado e Sociedade Civil: O Materialismo Histórico na Teria de Karl Marx. • A Crítica ao Estado Liberal Burguês. Unidade 4: Classes Sociais e Estratificação Social: Conceitos, Teorias e Metodologias • Estratificação Social e Classes Sociais – Conceitos Básicos. • Conceituação de Classes Sociais e Estratificação Social segundo Marx, Weber, Durkheim e Parsons. • O que Revelam os Estudos sobre Classes Sociais e Estratificação Social no Brasil. Bibliografia Básica: ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 1993. BOBBIO, N.; PASQUINO, G.; MATTEUCCI. Dicionário de Política. Brasília: UNB, 1997. CHAUI, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1998. Estados e Classes Sociais 5 Bibliografia Complementar: PINZANI, Alesandro. Maquiavel e o Príncipe. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. (Coleção Filosofia Passo a Passo) WEFFORT, Francisco C. (org.). Os Clássicos da Política. São Paulo: Ática, v.1, 1995. OUTHWAITE, W. et al. Dicionário do Pensamento social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996. SKINNER, Quentin. As Fundações do Pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. WEFFORT, Francisco C. (org.). Os Clássicos da Política. São Paulo: Ática, v.1, 1995. . Estados e Classes Sociais 6 Pa l av ra da Rei tora Acompanhando as necessidades de um mundo cada vez mais complexo, exigente e necessitado de aprendizagem contínua, a Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO) apresenta a UNIVERSO Virtual, que reúne os diferentes segmentos do ensino a distância na universidade. Nosso programa foi desenvolvido segundo as diretrizes do MEC e baseado em experiências do gênero bem-sucedidas mundialmente. São inúmeras as vantagens de se estudar a distância e somente por meio dessa modalidade de ensino são sanadas as dificuldades de tempo e espaço presentes nos dias de hoje. O aluno tem a possibilidade de administrar seu próprio tempo e gerenciar seu estudo de acordo com sua disponibilidade, tornando-se responsável pela própria aprendizagem. O ensino a distância complementa os estudos presenciais à medida que permite que alunos e professores, fisicamente distanciados, possam estar a todo momento ligados por ferramentas de interação presentes na Internet através de nossa plataforma. Além disso, nosso material didático foi desenvolvido por professores especializados nessa modalidade de ensino, em que a clareza e objetividade são fundamentais para a perfeita compreensão dos conteúdos. A UNIVERSO tem uma história de sucesso no que diz respeito à educação a distância. Nossa experiência nos remete ao final da década de 80, com o bem- sucedido projeto Novo Saber. Hoje, oferece uma estrutura em constante processo de atualização, ampliando as possibilidades de acesso a cursos de atualização, graduação ou pós-graduação. Reafirmando seu compromisso com a excelência no ensino e compartilhando as novas tendências em educação, a UNIVERSO convida seu alunado a conhecer o programa e usufruir das vantagens que o estudar a distância proporciona. Seja bem-vindo à UNIVERSO Virtual! Professora Marlene Salgado de Oliveira Reitora Estados e Classes Sociais 7 Sumário Ementa ..................................................................................................................................3 Apresentação da Disciplina .............................................................................................10 Plano da Disciplina .............................................................................................................12 Unidade 1 - O Estado e a Política.....................................................................................15 Unidade 2 - Fundamentações Teóricas do Estado Moderno. .................................41 Unidade 3- Fundamentações Teóricas do Estado Contemporâneo...................... 71 Unidade 4: Classes Sociais e Estratificação Social: Conceitos, Teorias e Metodologias. ....................................................................................................................85 Considerações Finais .........................................................................................................114Conhecendo a Autora .......................................................................................................115 Referências ..........................................................................................................................116 Anexos................................................................................................................................... 119 Estados e Classes Sociais 8 Estados e Classes Sociais 9 A pr esentação da Di sciplina Prezado aluno, Seja bem-vindo à disciplina Estado e Classes Sociais! O desafio para entender a natureza do Estado torna-se claro se observarmos que a forma estatal, pelo menos atualmente, é a expressão mais completa do esforço para estruturar de maneira racional as relações entre os homens. Este é pelo menos o ensinamento dos clássicos de Aristóteles a Hegel, mas este esforço parece sempre inacabado. Nossa insatisfação diante das diferentes organizações estatais nos coloca diante de muitas dúvidas e incertezas. O que precisa estar claro antes de tudo é que o Estado é uma instituição, a qual está ligada diretamente a ação racional empregada no campo da política. Mas afinal, o que é política? Em conversas diárias costumamos nos dirigir a política de diversas formas que não ao sentido original desta palavra. Embora permeie todas as esferas da nossa vida, a política como ciência se constitui um instrumento fundamental para os profissionais da área de ciências humanas se familiarizarem com as interpretações, tradições e linguagens desenvolvidas pelo homem imerso em relações sociais. Por isso, a primeira unidade desta disciplina se colocará como objetivo propor uma análise sobre o Estado como um espaço de realização da política. O curso tem por objetivo apresentar e discutir o conceito de Estado e de classes sociais, dois substantivos que, como categorias históricas, guardam em si o acúmulo das transformações e ideologias de cada contexto na qual o poder simbólico ganhou diferentes desenhos. Na unidade dois e três conheceremos parte do legado que a filosofia política nos proporcionou para dar as bases do que hoje chamamos de Estado e classes sociais. Na medida em que a reflexão política se constitui a partir de um conjunto próprio de enunciados sobre o mundo, o nexo com a filosofia se torna, portanto, incontornável. Na última unidade, buscamos dar luz ao conceito de classe social. Além disso, veremos também que é difícil para estudiosos das diferentes tradições políticas e intelectuais obterem um consenso sobre esta matéria. Estados e Classes Sociais 10 Por tudo isso, o convite é o de por em destaque a dimensão poética dos dois conceitos com o qual se ocupam esta disciplina, vale dizer, a da antecipação e invenção de uma tipologia de mundo existente que, por vezes, influenciaram as atitudes dos homens no mundo real da política. Em outros termos, trata-se de explorar a ideia de que a tradição da filosofia política constitui um elemento importante para o profissional de serviço social que atua diretamente com as mazelas de uma série de atos de simulações de mundos. Espero que vocês tenham ficado animados para nossa disciplina, qualquer dúvida conte conosco, com o nosso auxílio na construção do caminho que se descortina através da viagem pelas ideias políticas e sociais que iremos começar. Bom desempenho! Estados e Classes Sociais 11 Plano da Disciplina A disciplina Estado e Classes Sociais vai abordar a relação entre a Política, o Estado e a Ciência Política, Genealogia do Estado Moderno, Teorias do Estado, Fundamentação Teórica do Estado Contemporâneo, Estratificação Social e Classes Sócias: Conceitos, Teorias e Metodologias de Análise. A Disciplina foi subdividida em quatro Unidades, dasquaisfaremosumpequenoresumodeseusrespectivosobjetivosparadarumavisão geraldoqueseráabordadonoconteúdo. Unidade 1: O Estado e a Política Iniciaremos os nossos estudos sobre Estado e classes sociais fazendo uma descrição do que entendemos por Estado e como ele se constitui em um objeto de Ciência Política. A partir da compreensão desse conceito, ficarão mais claras as diferentes abordagens que serão tratadas nas unidades seguintes. Objetivo: Compreender o Estado como uma instituição política dando ênfase às principais formas de abordagem do fenômeno político, enquanto objeto de investigação científica. Unidade 2: Fundamentações Teóricas do Estado Moderno Nesta unidade veremos como a teoria política moderna cria contornos para a fundamentação do Estado moderno. Serão abordadas as teorias de Nicolau Maquiavel e o contratualismo de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau, além dos conceitos de soberania, contrato e representação que reconfiguraram, em seus fundamentos, o campo teórico do pensamento político na direção apontada por Maquiavel. Estados e Classes Sociais 12 Objetivos: Analisar e identificar a gênese do Estado moderno tendo como base a elaboração da teoria de Nicolau Maquiavel e a teoria construída no interior do contratualismo. Unidade 3: Fundamentações Teóricas do Estado Contemporâneo Nesta unidade iremos conhecer a contribuição dos alemães Georg Wilhelm Friedrich Hegel e Karl Marx para a teoria de Estado do século XIX e, as condições que propiciaram a formulação da teoria neoliberal. Objetivos: Analisar a contribuição de Hegel e Karl Marx para a teoria de Estado e os desdobramentos mundo contemporâneo. Unidade 4: Classes Sociais e Estratificação Social: Conceitos, Teorias e Metodologias. Nesta nossa última unidade vamos estudar os fatos que influenciam a percepção e as metodologias usadas por universidades, institutos de pesquisa, governos, sindicatos e empresas para explicar a desigualdade social existente entre os indivíduos ou grupos sociais, nas sociedades contemporâneas, modernas ou antigas, bem como identificar a aplicação destes conceitos e metodologias em algumas análises da sociedade brasileira contemporânea. Objetivo: Compreender os conceitos de classes sociais e estratificação social do ponto de vista de autores clássicos como Emile Durkheim, Karl Marx, TalcottParsons e Max Weber. Bons Estudos! Estados e Classes Sociais 13 1 O Estado e a Política Introdução à Política. A Ge ne alogia do Estado. O Estado com o Foco de A nálise Cie ntíf ica. Instituiçõe s : Estado e Gove rno. Re cursos : Pode r, Influê ncia ou A utoridade . Proce ssos : Form ulação de De cisõe s sobre Linhas de Conduta Cole tiva. Função: Re solução Não Viole nta dos Conflitos . Estados e Classes Sociais 14 Prezado aluno, iniciaremos os nossos estudos sobre Estado e classes sociais fazendo uma descrição do que entendemos por Estado e como ele se constitui em um objeto de Ciência Política. A partir da compreensão desse conceito, ficarão mais claras as diferentes abordagens que serão tratadas nas unidades seguintes. Objetivo da Unidade: Compreender o Estado como uma instituição política dando ênfase às principais formas de abordagem do fenômeno político, enquanto objeto de investigação científica. Plano da Unidade: • Introdução à Política. • A Genealogia do Estado. • O Estado como Foco de Análise Científica. • Instituições: Estado e Governo. • Recursos: Poder, Influência ou Autoridade. • Processos: Formulação de Decisões sobre Linhas de Conduta Coletiva. • Função: Resolução Não Violenta dos Conflitos. Estados e Classes Sociais 15 Definir o conceito de Estado é uma tarefa que exige algumas considerações. Antes de tudo é importante desnaturalizar a noção de sua própria existência. O Estado é uma criação, uma instituição humana e que, portanto, não existiu sempre, menos ainda, se constitui como o único modelo de organização social. Existem outras formas de organização baseadas natradição, em mitos, em relações de parentesco, clãs etc. O antropólogo francês Pierre Clastres, no livro Sociedades Contra o Estado, dedicou-se a estudar sociedades que não se organizaram tendo como base a instituição política do Estado. Em seu trabalho evidencia-se como fomos acostumados pela ideologia europeia a considerar essas diferentes formações sociais de primitivas, inferiores, não como uma outra resposta a dilemas e desafios em comum às sociedades ‘com Estado’ e ‘sem Estado’. É curioso e difícil de compreender como essas sociedades criaram uma organização deliberada na qual o poder não se destaca nem se separa da comunidade, não forma uma instituição acima ou fora dela. Se pensarmos na morfologia do Estado é difícil imaginar que a defesa nacional, o poder de polícia, as normatizações, a criação e cobrança de impostos possam ser de outra competência que não a do Estado. Pierre Clastres explica isso mostrando que nas sociedades sul-americanas, por ele analisadas, não há propriedade privada nem divisão social do trabalho, não havendo, portanto, classes sociais nem luta de classes. Trata-se de outra lógica de organização social. A propriedade é comum a todos os membros sociais, por isso o que se tem é uma comunidade e o trabalho se divide por sexo ou idade. Nesta lógica a sociedade é homogênea, una e indivisível, possuindo uma História e um destino comum. Isso possibilita que a sociedade decida para si mesma com base em suas necessidades e tradições. O livro de Pierre Clastres nos dá uma abertura para entender duas consequências de imediato para o estudo e a abordagem do problema da definição do que venha a ser o Estado. A primeira delas refere-se à consciência de que nem todas as sociedades têm dentre seus sistemas simbólicos a instituição do Estado. Cada “[...] sistema cultural tem a sua própria lógica e não passa de um ato de etnocentrismo tentar transferir a lógica de um sistema para o outro” (LARAIA, 2004, p.87). Lamentavelmente, a tendência mais corrente é olhar para essas diferenças numa perspectiva comparativa que estabelece comparações, gradações entre ‘superiores’ e ‘inferiores’, ‘civilizados’ e ‘primitivos’ ou ainda ‘desenvolvidos’ e ‘subdesenvolvidos’ Estados e Classes Sociais 16 Em segundo lugar e correlativamente, compreende-se também que o Estado é produto de uma criação artificial, ou seja, que se trata de uma instituição social e como tal, este está imerso nas contradições e na dinâmica de cada particularidade histórica. A condição de Estado se constitui, de forma geral, muito mais como uma aspiração do que uma realidade. Esta característica ajuda a entender à dificuldade de se obter um consenso conceitual acerca do Estado. Se entendermos que o Estado é uma forma de organização política cabe definir, antes, o que seja a política e qual é a sua relação com o Estado. Introdução à Política A migração das ideias raramente se faz sem provocar danos quando são deslocadas de seu contexto histórico e cultural. O sistema de referências teóricas, em relação às quais as ideias se definem estão vinculadas ao espaço, grupo e tempo de origem. O conceito de política é vítima desse movimento de repatriação. Isso implica nos riscos graves de simplificação do seu conceito. Uma visão contemporânea generalizada define a política como algo pejorativo, perverso, perigoso, fraudulento, corrupção, distante de nós, sobretudo, como uma atribuição exclusiva do Estado e praticada por políticos profissionais. A palavra política é usada de diversas formas que não se referem, necessariamente, ao seu sentido fundamental. Falamos de políticas públicas, política sindical, política da empresa, da escola, no trabalho, da Igreja, enquanto formas de disputa de poder interno. Mas afinal, como identificar o que vem a ser política? A política pode ser descrita de várias maneiras, como por exemplo: dizendo respeito ao poder, lidando com a resolução de conflitos ou fornecendo mecanismos para a tomada de decisões. Apesar de elementos como poder e autoridade sempre ter existido, não podemos dizer o mesmo da política por dois motivos: Em primeiro lugar, porque as formas como os homens se organizam é o resultado de uma escolha, de um processo de experimentação, concepções entre Estados e Classes Sociais 17 infinitas possibilidades de ações e relações que dizem respeito a todos os membros de uma sociedade. Em segundo lugar, porque a política foi uma resposta dos homens para lidar com seus diferentes interesses e conflitos sem que, para isso, tivessem que declarar uma guerra generalizada, com uso da violência e do extermínio recíproco. Por essas duas razões convêm dizer que é um consenso, na área das ciências sociais, que a política é uma criação artificial, resultado da capacidade do homem de inventar conceitos e convenções sociais. A capacidade infinita de formulações gera diferentes culturas, formas de deliberar, de decidir em grupo, negociar, discutir, representar e ser representado em grupo. A Genealogia do Estado De maneira simplificada, devemos entender por genealogia o estudo dos antepassados de uma pessoa, mas em termos filosóficos também podemos aplicar este termo como um modo de compreender o presente a partir do passado, com o objetivo de conhecer um conceito, seu desenvolvimento e sua história. Neste curso, a história não nos interessa agora como sucessão de fatos, mas como a base para entender o mundo atual, como um meio de descobrir o sentido, a direção dos acontecimentos, a estrutura e a função de determinadas configurações político- institucionais. A origem muito antiga da política remonta ao século IV a.C., especificamente, à cultura dos gregos e romanos. No entanto, atribuir a gregos e romanos a invenção da política e suas formas de representação (seus signos), não significa dizer que, antes deles, não existiam o poder e a autoridade. O critério do que é o poder, como este passa à autoridade de forma legítima — quem manda e quem obedece — varia no tempo e de lugar. Gregos e romanos inovaram a maneira de organizar, exercer o poder e a autoridade, ou seja, rearticularam as bases de legitimidade. As justificativas de apropriação do poder e da autoridade através de mitos, forças transcendentais, naturalistas, foram substituídas pela ação humana. A compreensão da política Estados e Classes Sociais 18 passa pela necessidade de perceber que ela está vinculada a uma ideia de liberdade e espontaneidade humana. A maior parte do vocabulário que utilizamos contemporaneamente tem suas origens nessas duas culturas. Antes de examinarmos como ocorreu à invenção da política, cabe conhecermos uma parte básica de seu vocabulário. Para isso, tomaremos emprestadas as definições feitas por Norberto Bobbio, Nicolau Matteucci e Pasquino, no Dicionário de Política e da filósofa Marilena Chauí, no livro Convite à Filosofia. O termo grego, Política, está intimamente vinculado ao adjetivo tapolitika originado de pólis — que se refere a tudo que é urbano, da cidade, a organização da comunidade, civil, público e social. A pólis é formada pelos politikos (cidadãos), “isto é, pelos homens nascidos na Cidade, livres e iguais, portadores de dois direitos inquestionáveis, a isonomia [igualdade perante a lei]e a isegoria[direito de expor seus argumentos]” (CHAUÍ, 2002, p.371, grifo meu). Na Grécia Clássica, a lei foi criada como uma forma de padronizar o comportamento de todos os indivíduos que habitavam a pólis. Não havia autoridade acima da lei, todos os cidadãos participavam da vida pública. Além disso, outras palavras greco-romanas fazem parte do nosso vocabulário para definir a esfera do político. Do grego Kratos (força, potência) e arché (autoridade) nasceram os nomes das antigas formas de governo, “democracia”, “aristocracia”, “oligarquia”, “monarquia” e todas as palavras que gradualmenteforam sendo criadas para indicar forma de poder ou ações políticas, “tirania”, “despotismo”, “anarquia”, “consenso”, “pacto”, “ditadura”, “senado”, “povo” etc. Em resumo, tapolitika seria as ações públicas realizadas pelos cidadãos — administração dos serviços e erário públicos, contratos de paz e guerra, leis, costumes e atividades econômicas. Em Roma, a tradução latina civitas, se equivale à palavra grega pólis, assim como a palavra res publica é a aliteração latina de tapolitika. Na época moderna esses termos se metamorfosearam: pólis e civitas passaram a corresponder à ideia de Estado e suas instituições, enquanto, Ta política e res pública se referem à participação no poder, a ação política, aos conflitos e mediações, a administração, serviços e negócios públicos, ou seja, tudo que resulta no funcionamento do Estado. Estados e Classes Sociais 19 O Estado como Foco de Análise Científica O uso da palavra ciência aplicada ao estudo da política é, muitas vezes, controverso. A política apresenta uma pluralidade de dimensões. A ciência evoca um conjunto organizado de conhecimentos que se desenvolve no domínio do concreto e experimental, baseado na observação da realidade. Como ciência social não compete ao cientista político conclusões imperativas nem diretrizes morais, mas conclusões indicativas racionais, harmonizadas com regularidades e tendências. O cientista político deve se abster dos juízos de valor durante a pesquisa para não influenciar a análise e perder a objetividade científica. Sem a suspensão dos juízos de valor não há ciência. O resultado da pesquisa conta com o compromisso ético e político do pesquisador. Sem ignorar que todo cientista está imerso num sistema sociocultural, ao pactuar com a objetividade científica cada investigador tem por dever considerar, conscientemente, sua pretensão e definir explicitamente o seu conceito de Política. Neste ponto está o segredo das ciências humanas. A definição dos conceitos é a chave que abre a porta para uma abordagem do conhecimento. Diferentes chaves podem conduzir a diferentes resultados finais. Quando uma assistente social utiliza uma dessas chaves este também deve ter clareza de quais são os conceitos que utilizará para dar inteligibilidade à realidade em que atua e, principalmente, qual será o seu método de intervenção nesta mesma realidade. Importante Durante m uito te m po o te rm o política foi utilizado para de s ignar os e studos do que se re fe ria o Estado, m as m ante r esta abordage m se ria re ducionista de m ais . Estaríam os e xplicando a política por ape nas um a de suas parte s , se ria “re duzir” o próprio conce ito de política. Quando falam os de política “e stam os falando de um proce sso social atravé s do qual o pode r cole tivo é ge rado, organizado, distribuído e usado nos s is te m as sociais .” (JOHNSON, A .G. Dicionário de Sociologia. 1 9 9 7. p.1 78 ). Estados e Classes Sociais 20 Cada conceito ou definição opera como uma espécie de hipótese inicial que, como observa Maurice Durverger, formará e deformará o trabalho do profissional, independente de sua vontade. A realidade é polissêmica, o que torna toda análise sempre parcial. Hipertexto: polissemia é o que tem muitos significados. Quando um termo tem várias acepções, dizemos que há uma polissemia. Em função da complexidade dos fenômenos sociopolíticos, ninguém conseguiu apresentar uma teoria geral das sociedades que fosse satisfatória. Portanto, é tão inconsequente expedir opiniões sobre os limites do conhecimento, quanto negar a possibilidade de qualquer teoria ser ultrapassada. Em síntese, a ciência política procede metodologicamente como todas as ciências, buscando construir um conhecimento sistemático e ordenado dos fenômenos referentes à política, identificando um conjunto de atividades que se diferencie de outros fenômenos sociais com características, relações e padrões diferentes. Uma vez atingida à teoria, o processo de divulgação vai sendo enriquecido em decorrência de novas pesquisas, das mudanças sociais estudadas e do desenvolvimento metodológico. No restante desta unidade você vai ser apresentado a algumas das principais abordagens à delimitação de campo de investigação da ciência política. Lembre-se que, cada abordagem é uma chave, uma porta de entrada, um recorte da realidade. Isso não significa que os caminhos diferentes a serem tomados não possam se encontrar. Ao investigar os estudos realizados sobre política percebemos que seu conceito é impreciso. Encontramos diferentes variações, combinações que mudam no tempo e no espaço. Mesmo diante da dificuldade de conhecer os tipos de análise mais frequentes, é possível compreender que falar de política é falar de conflito. A partir do momento que uma sociedade se diferencia o suficiente para que seus membros precisem criar normas gerais (leis positivas) de comportamento estamos diante de uma organização política. Diante do mínimo que foi exposto, podemos dizer que a política é uma resposta humana para lidar com as divergências de interesses latentes ou evidentes na sociedade. Neste exercício analítico da política, mesmo diante de Estados e Classes Sociais 21 muitas variações, encontramos quatro abordagens típicas à delimitação de campo de investigação da ciência política. Conforme uma tipologia geral, a política pode ser definida por: suas instituições, seus recursos, suas funções ou seus processos. Cada caso corresponde a uma definição: a) como “instituições”, a análise privilegia o quadro social concreto dentro do qual participam os atores. O principal exemplo é o exame das estruturas do Estado ou Governo; b) a identificação dos “recursos” compreende ao estudo dos meios utilizados pelos atores como: poder, influência ou autoridade para atingir fins desejados; c) por meio da análise dos “processos” o cientista aborda a atividade principal desenvolvida pelos atores sociais, ou seja, estuda como se estrutura a formulação de decisões de grupo, dito de outra forma, estuda as linhas de conduta coletiva; d) a abordagem “funcionalista” investiga as atividades necessárias para o bom funcionamento da sociedade. Portanto, seu foco é a resolução nãoviolenta dos conflitos. Antes de definir cada uma das tipologias de análise mencionadas anteriormente, é importante deixar claro que não há como construir um conceito rigoroso do que signifique a palavra política por pelo menos três motivos: pela divergência teórica sobre a natureza dos fenômenos políticos; em função da imprecisão do que se poder definir como fenômeno político objetivo; e, devido as suas metamorfoses no decorrer da história, ou seja, sua dimensão temporal e espacial. É evidente que a fórmula política deve, em cada caso, corresponder ao grau de maturidade intelectual, aos sentimentos e às crenças que prevalecem numa época e num determinado povo. Uma prova (...) mais recente é a que se pode deduzir do uso enraizado nas línguas mais difundidas de chamar história das doutrinas ou das idéias políticas ou, mais genericamente, história do pensamento político à história que, se houvesse permanecido invariável o significado transmitido pelos clássicos, teria que se chamar história da Política (...) (BOBBIO et all. 1992 p.954). Estados e Classes Sociais 22 A variação da própria forma de abordagem do estudo da política mostra o quanto seu estudo pode ser controverso e variado. A apreensão do seu significado é multivariada na própria abordagem epistemológica realizada pelos diferentes cientistas. Como em todas as disciplinas, a ciência política precisa desenvolver uma teoria, caso deseje compreender os fenômenos que observa. Para um melhor entendimento vamos descrever cada uma das quatro abordagens descritas acima, quais sejam: instituições, recursos, processos e função. Instituições: Estado e Gov erno Este focode análise ganha diferentes interpretações o que justifica sua abordagem como um dos objetos da Ciência Política. O Estado foi instituído pela sociedade, por isso dizemos que é uma instituição social, por isso, definir o conceito de Estado é uma tarefa que exige algumas considerações: primeiro, a ideia de que sua origem está ligada a certas circunstâncias que podem ser datadas com base na definição temporal que se tornou característica das sociedades ocidentais após o Renascimento; e, segundo, trata-se de um modelo de instituição que representa e administra um conjunto de funções sociais. Diferentes teóricos, dentre eles filósofos, sociólogos, bacharéis de direito se colocaram o desafio de pensar os objetivos e a arquitetura institucional do Estado. Em cada época, em cada contexto, diferentes teorias foram tomando forma e ganhando espaço na arena política. Não se produziu uma unanimidade sobre este conceito e nem se busca construir tal unanimidade, já que esta constitui uma categoria rica em suas múltiplas determinações. O que é importante apreender é que a noção de Estado está sujeita a filosofia e a teoria a qual seu proponente teórico tende a defender. Na abordagem institucionalista, o Estado ganha diferentes interpretações. O foco que predomina nos dicionários e em muitas faculdades é o da política como fenômeno referente ao Estado. Antes de fazer a incursão sobre a óptica de definição pautada em filosofias e teorias políticas vamos conhecer a definição deste ente tendo como base algumas definições dicionaristas. Estados e Classes Sociais 23 Há uma grande concordância entre os cientistas sociais quanto a como o estado deve ser definido. Uma definição composta incluiria três elementos. Primeiro, um estado é um conjunto de instituições; estas são definidas pelos próprios agentes de estado. A instituição mais importante do estado é a dos meios de violência e coerção. Segundo, essas instituições encontram-se no centro de um território geograficamente limitado e geralmente nos referimos como sociedade. De modo crucial, o estado olha para dentro de si mesmo, no caso de sua sociedade nacional, e para fora, no caso de sociedades mais amplas entre as quais ele precisa abrir seu caminho; seu comportamento em uma área, em geral, só pode ser explicado pelas suas atividades na outra. Terceiro, o estado monopoliza a criação das regras dentro do seu território. Isso tende à criação de uma cultura política comum, partilhada por todos os cidadãos. (DPS, 1996, p.257). Apesar da simplicidade tratada logo no início do verbete apresentado no Dicionário do Pensamento Social do Século XIX, organizado por Renato Lessa e Wanderley Guilherme dos Santos, dois intelectuais e cientistas políticos de renome na academia, chegar a esses três elementos constitutivos do estado – instituições, desenho geográfico e monopólio normativo – não significa que seja uma tarefa fácil e, menos ainda, consensual. Ao examinar este mesmo verbete no Dicionário Crítico de Sociologia desenvolvido por Raymond Boudon e François Bourricaud, neste caso dois representantes da intelectualidade acadêmica francesa, esta definição ocorre nos seguintes termos: Definir o Estado é uma tarefa quase impossível, que esbarra em pelo menos três tipos de dificuldades. Primeiramente, associada de maneira arbitrária o ponto de vista normativo e o ponto de vista descritivo. Quando se fala, por exemplo, de um Estado de direito [...] propõe-se uma organização política ideal? Ou tem-se em vista a prática dos governos moderados? Em segundo lugar, este pode designar uma forma política historicamente definida. Os evolucionistas e os marxistas – na medida, aliás, discutível, em que o Estados e Classes Sociais 24 marxismo é um evolucionismo – ressaltaram que o aparecimento do Estado está ligado a certas circunstâncias que podem ser datadas, e seu ‘perecimento’ não pode deixar de ocorrer uma vez desaparecidas as condições – especialmente no domínio da produção – que precederam o seu advento. Por fim, a definição de Estado coloca o problema que diz respeito à lista e a morfologia de seus órgãos: por Estado deve-se entender somente o governo? Deve-se também incluir em sua definição a burocracia, a justiça? Que relações esses órgãos especializados têm entre si? Que relações têm eles com a sociedade civil? Mesmo que pretenda ver no estado apenas o conjunto de governantes e dos recursos que eles podem mobilizar no exercício do seu poder, deve-se dizer que o Estado não é nada mais que um ‘aparelho repressivo’ com a ajuda do qual os ‘dominantes’ exploram os ‘dominados’? [...] (p.205). No primeiro verbete definir o conceito de Estado é apresentado como uma tarefa consensual e, portanto, simples, no segundo verbete, esta mesma definição é dada como uma tarefa quase impossível. Observe que em dois aspectos as duas definições apresentam relativo consenso, no primeiro o Estado é definido como um conjunto de instituições/órgãos responsável, no segundo, esta instituição é caracteriza por sua natureza normativa. O terceiro elemento para a definição do Estado apresenta uma imprecisão, na primeira a definição das fronteiras geográficas é um fator de produção da identidade de um Estado; no segundo, com base em outra abordagem, o Estado é tratado com forma política histórica que pressupõe uma cultura racional no processo de sua constituição. Ora, então qual seria o terceiro elemento, a fronteira geográfica ou a cultura racional imanente à formação histórica deste? Para responder a esta questão caberá um exame das teorias políticas aplicadas ao fenômeno do Estado que estudaremos na próxima unidade. Dificultando ainda mais esta definição, por vezes, o Estado é confundido com Nação ou com Governo. Como Celso e Falcão (2004, p.141) argumentam, [...] esses deslizes semiológicos explicam-se pelo fato de acentuar-se no Estado, ora sua dimensão comunitária, ora suas funções de instituição, isto é, de controle social. No livro Política y ciência política: una introducción, Michael Sodaro nos dá a dimensão desse imbróglio no seguinte trecho: Estados e Classes Sociais 25 Os especialistas em política costumam utilizar o termo ‘Estado’ para se referir a todas as instituições de governo e administração de um país, assim como aos funcionários e empregados que trabalham nelas. As instituições do Estado realizam funções específicas de acordo com as leis, regras e diretrizes e outros procedimentos e práticas estabelecidas [...] O aspecto mais significativo que distingue o Estado de outras entidades - como organizações ou empresas privadas – é a capacidade de elaborar e cumprir leis aplicáveis a toda a população. Para isso, dispõem dos principais meios do poder coercitivo: a polícia, os tribunais, o sistema penal e o exército. Precisamente porque ao Estado é reconhecido o monopólio da autoridade legal do uso dos meios de coerção legalmente sancionados, quem quer que controle estará no núcleo do poder político. (SODARO, 2006, p.23). Para reduzir essas confusões, vale registrar que o governo é um conjunto de pessoas (agentes) que ocupam posições de autoridade temporária dentro do Estado. O que significa que os governos se revezam, mudam frequentemente, enquanto o Estado perdura. A mudança do governo é mais dinâmica, diferentemente, o Estado muda de forma lenta. Com o desenvolvimento das instituições nãogovernamentais e a descoberta de sua importância, esta delimitação parecia ser ainda mais estreita. Então os cientistas políticos ampliaram-na para incluir algumas organizações anexas que intervêm na atividade estatal: partidos políticos, facções, grupos de pressão, sociedades de economias mistas, militares, empresários entre outros, o que aumenta ainda mais a dificuldade de sua acepção. O sociólogo alemão Max Weber definiu o Estado como uma “comunidade humana que, no interior de determinadoterritório reclama para si, com sucesso, o monopólio da coação física legítima”. Neste caso, o Estado é uma instituição que detém a legitimidade do monopólio do uso da força, da autoridade para gerar e aplicar o poder coletivo. Além dos elementos: povo, território e soberania, um novo Estados e Classes Sociais 26 aspecto é acrescentado com esta definição. A ideia de conflito e do controle do mesmo. Na perspectiva do conflito, o Estado é uma instituição que representa — implicitamente ou não — o interesse de um grupo dominante dentro de uma sociedade, sejam classes étnicas, raciais, econômicas, religiosas etc. Quanto mais heterogênea for a sociedade, maior é o seu potencial de conflito e, consequentemente, a tendência do Estado passar pela reestruturação constante de suas instituições. A morfologia do Estado e de seus órgãos fornece elemento para muitos estudos, mas não cabe estender este debate — parte destas variações ficará mais evidente no transcorrer das unidades deste curso. O que é importante apreender é que a ideia de Estado como entidade de representação coletiva é um avanço da modernidade. A criação do Estado como lugar de exercício do poder e da autoridade colocou em xeque outras formas mais antigas de legitimidade da autoridade: os direitos de herança, teocrático, mágico, patriarcal deram lugar a uma instituição abstrata que administra um território a partir de pactos estabelecidos pela coletividade. Em resumo, o Estado é mais uma aspiração do que uma realização efetiva. É um conceito que varia de acordo com a época e o lugar. Vale ressaltar, que na abordagem institucionalista, o Estado é o ponto de partida para a análise — veremos que, ao contrário, para a abordagem processualista o Estado é o ponto de chegada — mesmo havendo algumas tendências de definições mais abstratas e difusas. Recursos: Poder, Influência ou Autoridade A grande maioria dos cientistas políticos define como foco principal da análise política, os recursos utilizados, ou seja: poder, influência e autoridade. Isolados ou agregados, esses recursos se transformam em variáveis explicativas de diferentes circunstâncias de organização do fenômeno político. Como vimos, na abordagem institucional utilizamos algumas vezes, de forma secundária, essas variáveis para definir as atribuições do Estado. Desta vez, os recursos recebem a atenção pormenorizada do pesquisador. Começamos com a variável do poder. Estados e Classes Sociais 27 Poder ou Política como Coação Em sentido genérico, o termo poder designa a capacidade ou a possibilidade de agir e produzir efeitos. Podemos falar do poder da natureza, do poder de absorção, do poder do tempo etc. Além disso, também podemos falar do poder do homem como sujeito e como objeto do próprio poder. Mas, vale ressaltar, o poder do homem sobre o homem, não é uma coisa em si, é uma relação social. O poder de um homem sobre outro homem é diferente do poder sobre os objetos. Apesar disso, o poder sobre alguns instrumentos e objetos pode se converter em um recurso para o exercício do poder entre indivíduos ou grupos sociais. Se o poder não é um objeto — embora possa ser representado simbolicamente por um cetro, uma coroa, uma faixa presidencial etc.— é uma relação de força (física ou não) que uma pessoa ou grupo exerce sobre outra pessoa / grupo. Como uma relação social, não existe poder entre indivíduos se não houver algo (bens materiais, coerção moral, coerção física, etc.) que induza um homem a comportar-se de forma a atender a expectativa do outro. Com esta definição nos aproximamos da segunda variável, a da influência. A relação entre governantes e governados é uma relação de poder. Nas sociedades complexas, com alto grau de estratificação social, de um lado encontram-se os que dão as ordens e, de outro lado, os que obedecem e se submetem. Para Friedrich Engels, por exemplo, as sociedades baseadas nos antagonismos de classe prescindiam do Estado como instrumento de exercício do poder da classe dominante sobre as classes exploradas. A referência ao poder pode ser atribuída tanto a um grupo de pessoas ou a um indivíduo que seja capaz de agir e produzir efeitos de dominação, ou mesmo persuasão, sobre outros. Mas, com frequência encontramos a ênfase no fenômeno da coerção e no uso da força física. Estados e Classes Sociais 28 Influência: Política como Arte de Persuadir Como vimos, a influência pertence à categoria das relações de poder. Quando uma ação provoca uma reação (positiva ou não), há influência. Se essa reação for orientada mediante persuasão, sem constrangimento, temos uma forma de poder invisível. A influência se define pela variedade, sutileza dos meios e recursos utilizados pelos atores políticos. É a arte de manipular ou controlar grupos. O estudo da influência permite descobrir o poder onde este se torna invisível — como o propósito de avançar alguns contra a posição de outros. A capacidade de influenciar depende dos recursos disponíveis, do interesse e da capacidade de utilizá-los. O influenciador tem que ser informado e transmitir confiança. Este recurso só é eficiente quando se produz um consenso em relação a algumas orientações gerais. Por esse motivo, a influência está próxima da retórica, da capacidade de convencimento. A mídia é um instrumento de comunicação que opera com esse recurso de forma massificada. A mídia comunica opiniões, fornece informações, produz avaliações e põe as ideias em fluxo. A propaganda política e a publicidade comercial se valem de seu alcance a grande parcela da população. A influência tem um caráter limitado de alcance. O sujeito influenciado não é como uma ‘folha em branco’. Este tem algumas convicções, sobretudo de ordem moral ou religiosa, as quais devem ser levadas em conta se pretende conquistar seu engajamento. A influência complementa e fortalece o recurso do poder por reforçar a legitimidade através do consenso. Como veremos, a combinação da influência e do poder produz um terceiro recurso, a autoridade. Desta forma, estes três recursos se tornam matéria-prima elementar para a analise da política para alguns cientistas sociais — são exemplos, Robert Dahl, Lazarsfeld, MacLuhan, Harold Lasswell Estados e Classes Sociais 29 Autoridade: Política como Autoridade ou Poder legítimo A política analisada como forma de autoridade ou poder legítimo configura um tipo particular de ordem na sociedade, é o poder estabilizado. No entanto, nem toda autoridade constitui um poder estável, mas apenas aqueles em que a disposição dos atores de obedecer incondicionalmente se sustenta nas normas do sistema social e, de modo geral, é aceita como legítima pelos sujeitos que participam dela. Mas, afinal, o que é legitimidade? No Dicionário de Sociologia de Allan G. Johnson, legitimidade se define como: “(...) o processo através do qual um sistema social ou algum aspecto do mesmo vêm a ser aceito como justo e são em geral apoiados pelos que deles participam. Uma vez que é difícil manter por muito tempo um sistema pela coerção, a maneira mais eficaz para conservar a coesão social consiste em fazer com que as pessoas acreditem no sistema e o aceitem como é”. (JOHNSON, A.G. Dicionário de Sociologia, Rio de Janeiro.). Existem diferentes princípios de legitimidade do poder que asseguram a autoridade. O principal elemento é a capacidade de manter a crença de que o sistema social vigente é o mais “justo” e “natural” para essa sociedade, por exemplo: • Nos Estados teocráticos, o poder legítimo vem de um poder transcendental, Deus; • Nas Monarquias hereditárias, o poder é transmitido de geração em geração, por consanguinidade ou tradição; • Nas Aristocracias, apenas os melhores têm acesso ao poder, vale dizer que a definição dos notáveis varia de acordo com o tipo de aristocracia: os mais ricos, fortes, sábios etc.; • NasDemocracias, a legitimidade do poder vem do consenso, da vontade do povo. Estados e Classes Sociais 30 Sociologicamente, a autoridade legítima é a forma mais eficiente assumida pelo poder na vida social. Ao contrário da autoridade coercitiva — tomada, em geral, por usurpadores e tiranos que usam a força física—, a autoridade legítima é controlada por sistemas sociais. Como tal tende a ser mais estável e duradoura porque todos têm interesse em salvaguardá-la. O poder do Estado que apenas se sustenta na força física, não pode durar. Nenhum Estado autoritário dura sem o apoio da população que lhe concede a legitimidade de que precisa para governar. A autoridade, como um tipo de relação social que combina os dois recursos (poder e influência) é, conforme o sociólogo alemão Max Weber diz: um poder que se faz obedecer voluntariamente. A autoridade está ligada às posições (status) dos papéis exercidos em sistemas sociais. A amplitude da ação dos indivíduos que exercem a autoridade está ligada aos cargos que ocupam e aos limites estabelecidos socialmente aos mesmos. Max Weber identificou três tipos de autoridades baseadas em diferentes estruturas sociais: • Autoridade racional-legal baseia-se em um código de regras formais pautada pelo consenso entre aqueles que obedecem e aquele que manda. Essa forma de autoridade é encontrada no governo, na escola, no trabalho etc.; • Autoridade tradicional apoia-se na tradição; não fere as identidades e a moral social. Sua manifestação típica ocorre em sociedades patriarcais, entre líderes religiosos e sua comunidade; • Autoridade carismática opera com a capacidade de persuasão, encantamento carismático e afetivo que o torna irresistível. O que não significa que tal autoridade é controlada por quem a exerce, é a sociedade que o eleva e também derruba. Na prática, nenhum dos três recursos (poder, influência e autoridade) ou nenhuma das formas de autoridade weberiana são encontrados em suas formas puras em qualquer sociedade. Empiricamente, sempre há uma combinação de dois ou mais tipos. Estados e Classes Sociais 31 À luz destas noções, o objetivo da política seria o estudo das relações de autoridade entre os indivíduos e os grupos, da hierarquia de forças que estabelecem no interior das sociedades complexas. A função do cientista político seria a de analisar e explicar toda essa estrutura, as forças e influências respectivas que a compõem. O assistente social prescinde dessas análises para compreender a sociedade na qual atua redimensionando sua prática profissional de acordo com as forças em jogo. Processos: Formulação de Decisões sobre Linhas de Conduta Coletiva Outra tentativa de situar o campo de investigação da política se baseia nos processos sociais. Utilizando os recursos já descritos (poder, influência e autoridade), esta abordagem destaca as decisões coletivas como foco de análise. A tarefa da Ciência Política seria, então, a de explicar e predizer, por que uma determinada linha de conduta foi, é ou será adotada. Como foi formulada? Quem participou? Quais foram os determinantes desta atividade? Qual foi o resultado e seu impacto sobre decisões posteriores? Essas são algumas das perguntas implícitas nessa definição. A ênfase está no fenômeno da repartição e administração das decisões. A estrutura dessa teoria lógico-dedutiva busca estabelecer uma relação entre o comportamento individual e as escolhas coletivas. A forma como os interesses se agregam e estruturam novas preferências distintas das escolhas individuais se torna um foco de análise importante. Se por decisão individual entende-se que cada indivíduo ‘decide por si’, então as decisões coletivas são decisões nãoindividuais. Quando um indivíduo ou órgão representa o interesse de outras pessoas, trata-se de uma decisão nãoindividual. Nesse caso falamos que o representante da coletividade atende a uma linha de conduta coletiva, ou seja, uma decisão coletiva pode ser tomada por apenas uma pessoa ou órgão. Estados e Classes Sociais 32 Com isso, definem-se como decisões coletivas aquelas em que o sujeito que decide não é o singular, mas o coletivo, o próprio grupo. Isso significa que o pesquisador pode limitar o estudo da Ciência Política ao estudo do órgão que toma e implementa as decisões em nome de toda a sociedade. Neste caso, a política volta a ser definida em termos de Estado. Aqui uma pergunta se faz necessária: estamos voltando à abordagem do estudo das instituições? A resposta é não. Como o ponto de partida da análise são as condutas coletivas que moldam a ação do Estado, este órgão é visto como o resultado de um processo e não como uma instituição. O Estado é o ponto de chegada da investigação, é a síntese de múltiplas determinações. A vantagem deste tipo de análise seria precisamente o de fazer comparações entre processos sociais de diferentes sociedades. Assim é possível verificar a hipótese de que as decisões coletivas (públicas) têm características e padrões diversos de decisões privadas. Função: Resolução Não Violenta dos Conflitos A última abordagem em termos de análise política adota a noção de função. Uma análise funcionalista se realiza com o objetivo de identificar os aspectos que colaboram para a manutenção de um sistema social vigente. O padrão das atividades políticas é muito heterogêneo, varia em graus de complexidade, mas o fundamental é que a política é, na maior parte dos casos, tratada com a função de mediar os conflitos entre indivíduos e grupos sem que este conflito destrua um dos partidos em jogo. A expressão “mediar” remete à noção de equilíbrio de interesses, uma medida nãoviolenta para minimizar o conflito. Uma sociedade com alto grau de diferenciação sempre manifesta conflitos. Na impossibilidade de extinguir os conflitos, a política se torna um elemento importante para desfazer a condição beligerante, canalizando e transformando seu potencial em respostas satisfatórias para os partidos envolvidos. No entanto, todos os atos sociais são políticos, para isso, se impõem duas condições: Estados e Classes Sociais 33 Primeiro, o ato deve ser controverso, indicar um conflito, um antagonismo entre interesses ou atitudes expressas por diferentes indivíduos ou grupos. Isso implica que muitos atos governamentais não sejam políticos por não serem controversos, tal como a publicação de documentos, a vacinação de cães etc. Mas devemos insistir que qualquer acontecimento social é potencialmente político. Segundo, a condição suficiente para que o conflito seja político e de que os atores sejam capazes de integração ou cooperação entre indivíduos e grupos. Para isso é necessário que reconheçam reciprocamente suas limitações nas reivindicações das suas exigências. Isto quer dizer que os conflitos políticos acontecem dentro de um quadro de restrições recíprocas. Essa qualidade de restrição ou autolimitação recíproca pode ser baseada em uma escolha comum dos atores em conflito ou no medo de sofrer um prejuízo irreparável. A opção pelo cerceamento das expectativas e não pela destruição do outro (ou o risco da própria destruição) é o que equilibra o conflito. Esta relação social é o que produz o ato político, ou seja, a própria política. Os elementos componentes de uma sociedade política são heterogêneos; isto os coloca ao mesmo tempo em conflito e em interdependência. A natureza das relações políticas é reconhecer os conflitos, a variedade de interesses, atitudes que dão base a esses conflitos e tratar de contê-los dentro de um quadro social estável. Diante desta concepção, a análise da política compreenderá dois aspectos: de um lado, a face do conflito, ou seja, o estudo de suas bases — tipos, fontes, padrões e intensidades e, de outro lado, a face da integração, neste caso, o estudo dos meios de integração — autoridades, estruturas,formulação de decisões e crenças comuns. Por este caráter, a política apresenta uma visão dualista: para alguns, ela é essencialmente luta, combate como forma de tirar partido da situação; para outros, a política se define como um esforço para atingir ou manter a ordem em que o poder permite a proteção do interesse geral contra a pressão das reivindicações particulares. Uma análise completa da Ciência Política deve incluir essas duas dimensões. Estados e Classes Sociais 34 Mas a análise dos processos não políticosou propriamente administrativos também deve ser objeto de estudo. Afinal, o que pressupõe a necessidade de administração tem um conflito em potencial caso os resultados finais não sejam satisfatórios ou produza resultados não esperados. O estudo da administração pública parece, à primeira vista, não preencher a condição necessária à existência do conflito. O estudo das relações internacionais parece, ao contrário, implicar conflito sem a condição suficiente de integração. Estudos detalhados revelam que há mais conflito dentro da administração pública e mais integração dentro das relações internacionais do que se supõe. Resumindo, a política é o conflito entre atores para a determinação de linhas de conduta coletivas dentro de um quadro de cooperação-integração reciprocamente reconhecido. Tradicionalmente, os cientistas políticos focalizaram a determinação de linhas de conduta pública – comuns a toda a sociedade – formulada dentro do quadro social essencialmente autoritário que é o Estado. Vale lembrar, é importante não limitar o estudo da política à atividade de uma instituição. A política se manifesta em diferentes dimensões da vida social de forma dissimulada ou não. Cada sociedade ou cada momento das relações sociais engendra determinadas respostas que podem experimentar o autoritarismo violento ou implantar uma autoridade legítima, portanto pacífica. O que se busca é a forma de resolver ou identificar em qual parte da sociedade encontramos o conflito e as suas formas de resolução, principalmente, nãoviolenta, sendo irrelevante o que chamamos de sociedade civil ou Estado. Um ponto importante a ser considerado é o caráter da organização política como um instrumento que a própria sociedade utiliza para se autodisciplinar. LEITURA COMPLEMENTAR CHA UI, M. Convite à filosofia. São Paulo: Á tica, 1 9 9 8 . JOHNSON, A . G . Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Rio de Jane iro: Jorge Zahar, 1 9 9 7 . Estados e Classes Sociais 35 Na próxima unidade vamos estudar as Fundamentações Teóricas do Estado Moderno. Além disso, iremos analisar e identificar a gênese do Estado moderno tendo como base a elaboração da teoria de Nicolau Maquiavel e a teoria construída no interior do contratualismo. Até a próxima unidade. É HORA DE SE AVALIAR! Le m bre -se de re alizar as atividade s de sta unidade de e studo, e las irão ajudá-lo a f ixar o conte údo, alé m de proporcionar sua autonom ia no proce sso de e ns ino- apre ndizage m . Caso pre fira, re dija as re spostas no cade rno e de pois às e nvie atravé s do nosso am bie nte virtual de apre ndizage m (A VA ). Inte raja conosco! Estados e Classes Sociais 36 Exercícios – Unidade 1 1) A delimitação da análise política que estuda os aspectos institucionais tem como foco de investigação o(s): a) Estado ou governo. b) poder, a influência e a autoridade. c) processos de decisões. d) meios de resolução pacífica de conflitos. e) instrumentos de coação física internacional. 2) Observe como Hanna Arendt analisa a ascensão do nazismo no período que precede a 2ª Guerra Mundial: “(...) O fascismo é um fenômeno social, e o fascínio que Hitler exercia sobre seu ambiente deve ser definido em termos daqueles que o rodeavam. (...) Na sociedade moderna, com sua falta de discernimento, essa tendência (de aceitar um louco como um gênio) é ainda maior, de modo que uma pessoa que não apenas tem certas opiniões, mas as apresenta num tom de inabalável convicção, não perde facilmente o prestígio, não importa quantas vezes tenha sido demonstrado seu erro (...)”. Segundo a historiadora, o momento histórico retratado favoreceu o crescimento das ideologias fascistas, devido à “falta de discernimento” das sociedades modernas, que se viam inseguras frente às turbulências do período. Diante dessas informações, podemos dizer que essa análise tem como dado de investigação: Estados e Classes Sociais 37 a) o comportamento das linhas de conduta coletiva. b) a estrutura do Estado enquanto instituição separada da sociedade. c) a imposição ilegítima de uma forma de governo. d) a incapacidade do chefe de Estado de influenciar decisões coletivas. e) a presença de entidades não governamentais como formadoras de conflito. 3) Numa abordagem institucional, identifique qual elemento NÃO serviria como objeto de estudo: a) Estado. b) sindicatos patronais. c) partidos políticos. d) grupos de pressão. e) grupos não organizados. 4) Numa abordagem funcionalista, a política pode ser definida como: a) resolução não violenta de conflitos com o objetivo de atingir interesses coletivos. b) meio de empreender o poder coercitivo, se necessário, através da violência ou guerra. c) análise do comportamento dos funcionários públicos e privados. d) estudo da organização militar do Estado. e) investigação assistemática e casual da sociedade. Estados e Classes Sociais 38 5) Faça uma distinção entre os três recursos que podem ser utilizados pelos atores políticos no contexto de administração do Estado. Estados e Classes Sociais 39 Fundamentações Teóricas do Estado Moderno O Ce nário Político da Europa Ocide ntal e da Pe nínsula Itálica na m e tade Sé culo XV. A Conce pção de Estado na Obra de Nicolau Maquiave l (1 4 6 9 -1 5 2 7 ) . A Tradição Jusnaturalis ta e Contratualis ta. Thom as Hobbe s (1 5 8 8 -1 6 7 9 ) e o Estado A bsolutis ta. A Filosofia Política do Libe ralism o. John Locke (sé c. XVI-XVIII) e o A balo do Edifício A bsolutis ta. Rousse au (sé c. XVIII) e o Sé culo das Luze s : Ide ias e Le gados . 2 Estados e Classes Sociais 40 Prezado aluno, nesta unidade veremos como a teoria política moderna cria contornos para a fundamentação do Estado moderno. Serão abordadas as teorias de Nicolau Maquiavel e o contratualismo de Thomas Hobbes, John Locke e Jean- Jacques Rousseau. Além disso, abordaremos conceitos de soberania, contrato e representação, os quais reconfiguraram em seus fundamentos o campo teórico do pensamento político na direção apontada por Maquiavel. Objetivos da Unidade : Analisar e identificar a gênese do Estado moderno tendo como base a elaboração da teoria de Nicolau Maquiavel e a teoria construída no interior do contratualismo. Plano da Unidade: • O Cenário Político da Europa Ocidental e da Península Itálica na metade Século XV. • A Concepção de Estado na Obra de Nicolau Maquiavel (1469-1527). • A Tradição Jusnaturalista e Contratualista. • Thomas Hobbes (1588-1679) e o Estado Absolutista. • A Filosofia Política do Liberalismo. • John Locke (séc. XVI-XVIII) e o Abalo do Edifício Absolutista. • Rousseau (séc. XVIII) e o Século das Luzes: Ideias e Legados. Bons estudos. Estados e Classes Sociais 41 Enveredar na discussão acerca da relação entre as categorias de Estado e sociedade civil significa apreender a profunda inflexão que diferentes pensadores registraram na concepção teórico-política desses que, utilizando uma expressão do filósofo Georg Lukács, são dois complexos sociais fundamentais. Esta inflexão prescinde da análise daquele que se convencionou considerar o precursor da teoriade Estado moderno, Nicolau Maquiavel, das categorias de autores conhecidos como jusnaturalistas, do representante do idealismo alemão, Hegel,o expoente moderno da teoria de Estado, Karl Marx. Sem esses autores nossa compreensão sobre os temas aqui propostos seria vazia de significado. Todo arcabouço teórico sobre o Estado e as classes sociais que operamos tem os marca da contribuição desses autores. Para iniciar nossa trajetória, vamos fazer um panorama no cenário histórico que se desenvolveu na última fase do Renascimento e que deu a Nicolau Maquiavel as condições de inaugurar a teoria política para a formulação do Estado moderno em substituição ao modelo de Estado feudal da Idade Média. O Cenário Político da Europa Ocidental e da Península Itálica na metade Século XV Na segunda metade do século XV, principalmente na península itálica e, em seguida, na Europa Ocidental, ocorreram mudanças significativas que marcaram a ruptura entre o mundo medieval — com características da sociedade agrária, estamental, teocrática, fundiária — e o mundo moderno — urbano, burguês e comercial. Um fenômeno histórico conhecido como Renascença foi se configurando “à medida que os homens interagiam com elementos da cultura clássica, ou seja, com o mundo intelectual dos antigos gregos e romanos”. A nova postura do homem ocidental — diante da natureza e do conhecimento — mudou as condições intelectuais e morais da sociedade europeia. Essas transformações se deram em um contexto de profunda alteração da estrutura política e militar. Estados e Classes Sociais 42 O Sacro Império Romano e o Papado diminuíram a ação unificadora que disputavam, desde o ano 1000, de modo a dominarem os corpos (Estado) e as almas (Igreja). A diminuição da hegemonia da Igreja como instituição foi acompanhada do aparecimento de novas doutrinas e seitas que reinterpretavam os textos sagrados. O movimento renascentista começou a promover um certo espírito especulativo através do resgate da possibilidade de duvidar e questionar verdades dogmatizadas, resultantes da contemplação e da fé. Os instrumentos de investigação e a relação com a vida concreta passavam a ser a filosofia, a ciência e a arte. Em uma palavra, o homem — a capacidade cognitiva do homem de investigar, decompor, analisar, pintar, cantar, reproduzir imitar, descrever a natureza. Em termos de geopolítica, o poder das monarquias experimentava o processo de centralização nos séculos XIV (Portugal) e XV (Inglaterra, França, Espanha). Foram os séculos de surgimento dos Estados modernos e que passavam a ter o monopólio do uso da força física, a controlar os exércitos, a administrar o erário público, a fazer e aplicar leis. Na Inglaterra, após longo período de guerras civis — com a morte de grande parte da nobreza normanda — a paz teria sido instaurada sob a dinastia Tudor (1485-1603). Sob a qual as antigas formas da constituição feudal foram conservadas, no entanto, a autoridade da coroa se tornaria preponderante com o apoio da Câmara dos Lordes que, com participantes recém-nomeados, havia perdido prestígio. A Câmara dos Comuns não tinha ainda a autoridade que conseguiria posteriormente (século XVII), pois a burguesia urbana e rural não estava ainda suficientemente desenvolvida. Na França, Luís XI, anexou quase todos os feudos à Coroa, subjugou a nobreza guerreira e impôs uma política unificadora que seria seguida por Richilieu, Mazarin e Luiz XIV. Na Espanha, com a união de Aragão, Castela e a tomada de Granada dos mouros (1492), o Estado se unificou e a monarquia se fortaleceu. Uma das estratégias de controle que unificou o povo espanhol foi a Inquisição — arma Câmara dos Lordes (ou Casa dos Lordes) - é a câmara alta do Parlamento do Reino Unido. Câmara dos Comuns a Câmara dos Comuns (ou Casa dos Comuns)- é o nome histórico da câmara inferior ao parlamento. Estados e Classes Sociais 43 da Igreja. Nos países germânicos, os Habsburgos estavam mais preocupados em alargar seus domínios do que conter os desejos de independência dos diversos príncipes e senhores. E na Itália? Qual era o cenário geopolítico? A Itália, melhor dizendo, a península que só a partir do século XIX, passou a conformar o Estado unificado que hoje chamamos de Itália, era constituída por numerosos principados e cidades livres, reunidos em cinco grandes grupos: as repúblicas de Veneza e de Florença, o reino de Nápoles, o território do Estado Pontifical e o ducado de Milão. A unificação desses grupos era um desafio por, pelo menos, dois motivos: a inexistência de um grande líder, capaz de impor sua influência e poder, a estratégia de potências estrangeiras — principalmente a Espanha e a França — que visando territórios daquela região invadia e incitava os estados italianos uns contra os outros. As frequentes batalhas provocavam a perda de instituições comunais e a liberdade política. Várias cidades italianas eram defendidas por mercenários estrangeiros (soldados pagos), sob comando de um condottieri (chefe das companhias de aventura). Nesta época, esta era a região mais culta e mais rica de toda a Europa, mas também era a região mais desorganizada política e militarmente, tornando-se presa fácil de ataques estrangeiros. A elevação e queda de algumas cidades, com frequência, se davam em menos de três meses. Neste ritmo, a moralidade política e o espírito público atingiam níveis deploráveis. Isso levou as cidades da península itálica a desenvolverem, ao extremo, a habilidade diplomática de negociar. Foi neste contexto da que Nicolau Maquiavel teceu sua teoria que deu as fundações do Estado moderno que herdamos na atualidade. Estados e Classes Sociais 44 A Concepção de Estado na Obra de Nicolau Maquiavel (1 469-1527) Nicolau Maquiavel, pensador florentino, escreveu O Príncipe, texto dedicado a Lourenço de Médici (1449-1492), governador de Florença e personagem importante para a época, incentivador das artes e da literatura, mas também um ditador. Nessa obra Maquiavel se propõe a analisar as condições de conquista e manutenção de um Estado. Ao desenvolver uma análise histórica das condições de conquista ou perda de poder em diferentes épocas e lugares, Maquiavel revela sua preocupação pragmática e empírica. Esse método permite ao florentino estabelecer uma nova relação entre a ética e a política, diferente das perspectivas grega, romana e cristã. Para Maquiavel, o governante deveria ser implacável no exercício do poder. Sua principal qualidade era a virtú, que nada tem em comum com a moral cristã — como a piedade e a humanidade, mas, ao contrário, pressupõe coragem, habilidades e persistência. O príncipe de virtú está acima das normas preestabelecidas pela moral cristã, pois isso poderia arruiná-lo. Essas características tornariam o príncipe apto para conquistar e manter o poder. [...] Os governantes devem ser temíveis como leões, aconselha Maquiavel, e — prossegue sua memorável analogia — astutos como raposas. Devem manipular seus súditos com engenhosos incentivos. Os governantes eficazes devem também propagar idéias que induzam seus seguidores a obedecer-lhes. Isso inclui a promoção de imagens atraentes deles próprios que não precisam ser verdadeiras. Sempre que se dispuser a atrair seus súditos, o governante deve mostrar-se cheio de misericórdia, integridade e humanidade. Ele deve, sobretudo, aparentar ser um homem religioso. Além disso, a religião deve desempenhar um papel decisivo na promoção da solidariedade política, unificando as massas e fortalecendo a moral. O objetivo da boa sociedade para Maquiavel, não aproximar-se cada vez mais de uma condição humana ideal, mas garantir o maior ou menor equilíbrio que possa ser alcançado em um determinado período, protegendo os interesses da coletividade a que se pertence através da liderança efetiva de governantes competentes.[...] (LEVINE, D.N., 1997, p.211). Define-se como pragmática a ênfase do pensamento filosófico na aplicação das ideias e nas consequências práticas de conceitos e conhecimentos; filosofia utilitária. É empírico o conhecimento baseado na experiência e na observação, metódicas ou não. Estados e Classes Sociais 45 No entanto, a virtú do príncipe não se resumiria a um conjunto fixo de qualidades morais. Afinal, a fortuna demanda astúcia para governá-la — lembre-se que fortuna significa ocasião, acaso, sorte. O príncipe de virtúdeve saber dominar as circunstâncias aleatórias a seu favor. Nesta dimensão, ao banir a relação hierárquica e providencial, Maquiavel possibilita o exercício do livre arbítrio. Com a valorização da sabedoria e das energias individuais, a moral política do príncipe não precisava estar vinculada à moral cristã. Muito embora pudesse se servir da capacidade da Igreja e da religião para apaziguar as paixões humanas. A nova ética visa às consequências dos resultados da ação política para a comunidade. Por isso, o recurso ao poder coercitivo poderia se justificar se fosse para o bem do Estado, da comunidade. Além disso, a ética do homem privado não coincidia com a ética do homem público. O príncipe deveria governar para o bem do Estado e não confundir isso com o seu próprio bem. O que poderia ser imoral do ponto de vista da ética privada pode ser virtude política. Por isso, os fins sempre justificariam as estratégias utilizadas para alcançá-los. Para julgar uma ação como moral ou imoral, a análise do contexto desta ação se tornava fundamental. Ao usar a força, um tirano agiria por capricho. Do contrário, um bom governante agiria pelo bem coletivo. Isso tornaria o príncipe de virtú diferente do tirano. A prática da espionagem, a guerra, a violência física, o enrijecimento das leis teriam um propósito justo: a obtenção e manutenção da ordem, ou seja, a sobrevivência do Estado. Numa Itália em formação esta proposta se tornava uma alternativa. Ao valorizar uma política laica, Maquiavel fazia a defesa de um Estado Absoluto, não atrelado à religião. Mas as leis exerceriam um papel preponderante nas monarquias ou nas repúblicas. Os príncipes, os aristocratas e o povo deveriam ter o poder de se policiarem mutuamente. Mas afinal, você deve estar se perguntando: Maquiavel era um absolutista ou um republicano? Certamente, em tempos de crise, conquista ou ameaça à integridade do Estado, Maquiavel defendia o príncipe temido, que manteria o Estado sob rédeas curtas. Mas em tempos de paz, o príncipe deveria se permitir ser amado com a promoção do bem comum. Estados e Classes Sociais 46 O ideal de Maquiavel consiste, portanto, na criação de um Estado independente por mão de um príncipe capaz de dar a essa sua criação uma constituição republicana passível de lhe garantir a estabilidade. Neste sentido, poder-se-ia dizer que O Príncipe trata de como criar um novo Estado e identifica o príncipe como o único sujeito capaz dessa tarefa. Já nos Comentários Maquiavel se ocupa da questão da estabilidade e manutenção desse Estado, identificando nas instituições republicanas o instrumento mais apropriado para tal fim. (PINZANI, A., 2004, p.15). Portanto, a virtú transitória, passível de mudar de acordo com as circunstâncias, permite ao príncipe essa dualidade. Ora ser temido, ora ser amado. Mas entre ser temido ou amado, o temor poderia ser uma chave para garantir a sobrevivência do Estado. Porém, Maquiavel estava consciente que um príncipe temido por todos a todo tempo poderia ser deposto. O segredo estava no equilíbrio e na capacidade de saber ser ambos no momento certo. Com essa forma de análise, Maquiavel buscou identificar as regularidades da política. O recurso à História e a empiria o permite tirar suas conclusões de forma indutiva e não dedutiva — como farão alguns dos seus sucessores, como Hobbes, Locke e Rousseau. Maquiavel não partia de postulados e axiomas, mas de exemplos históricos. O que interessava a Maquiavel não era identificar o poder em si, mas o poder como instrumento para unificar a comunidade política, para dar-lhe ordem e segurança com o fim de prosperar. O alvo dos escritos de Maquiavel podem ser aqueles indivíduos que detêm (ou querem deter) o poder: príncipes e membros do governo republicano. São eles que devem manter o domínio sobre uma região ou território. Os meios para conquistar esses fins variam nos casos de principados ou repúblicas. Nos dois casos os únicos Postulado - o que se considera como fato reconhecido e ponto de partida, implícito ou explícito, de uma argumentação; premissa. Axioma-fundamento de uma demonstração, porém ela mesma indemonstrável, originada, segundo a tradição racionalista, de princípios originados na consciência ou segundo os empiristas, de generalizações da observação empírica. Estados e Classes Sociais 47 sujeitos da política são os detentores do poder. Não os Estados, no sentido atual, nem o povo. A concepção de poder de Maquiavel se identifica com a capacidade do príncipe ou do governo de conquistar e manter “o estado”. Exércitos, armamentos, fortalezas, cidades ricas, todos seriam instrumentos do poder soberano. Maquiavel assistiu a ascensão da burguesia comercial das grandes cidades e a fragmentação da Itália, dificultando a estabilidade da nova ordem social, política e econômica. A compreensão dessas novas experiências o fez entender a necessidade de uma nova concepção de sociedade. Sua obra tenta propor essas novas respostas e fomentar novas atitudes para o homem moderno. Nessa trajetória, como ressalta Marilena Chauí (1998, p. 395-396), suas principais teses passam por quatro pontos: • Maquiavel recusa o fundamento anterior e exterior à política (Deus, natureza e razão). Para esse florentino, a política nasce com o propósito de resolver conflitos dos homens, portanto é uma solução proposta por esses mesmos sujeitos para possibilitar a formação de uma identidade e unidade. Com isso a religião e o Estado não devem estar, necessariamente, associados. • Afinalidade da política não era o bem comum e a justiça — propósito de gregos, romanos e cristãos —, mas a tomada e manutenção do poder. A sociedade não é homogênea, por isso a força tinha que se reverter em lei para controlar o conflito. Maquiavel percebeu que o Estado seria uma instituição capaz de monopolizar e ter o uso a força física legitimado diante da comunidade. • A virtude do príncipe era uma virtude política. O príncipe deve ser respeitado e temido, mas não odiado. Sua virtude política se evidencia na qualidade das instituições políticas criadas e na capacidade de reproduzi- las, mesmo em situações de conflito. A virtúe a fortuna deveriam ser inseparáveis. As instituições políticas eram impessoais. Deveriam defender não o Direito do dirigente político, mas o interesse que zelasse pela manutenção da existência do Estado. • Maquiavel não estava preocupado em fazer uma tipologia do poder (monarquia, aristocracia, democracia, anarquia, tirania, oligarquia, etc.). Qualquer poder político seria legítimo desde que garantisse a liberdade e a segurança do seu corpo político. Estados e Classes Sociais 48 Maquiavel revolucionou o caráter normativo do pensamento político. Ele libertou o homem de cartilhas morais e espirituais dando autonomia para a ação eficaz movida por fins. Assim, o relativismo atribui à dimensão humana a função de reinventar a política de acordo com circunstancias determinadas. A Tradição Jusnaturalista e Contratualista Entre os séculos XVI e XVIII, alguns filósofos representantes de uma tradição denominada contratualista e jusnaturalista, articularam diferentes formas de legitimar o poder do Estado e a base da soberania de governo partindo de construções teóricas hipotético-dedutivas, ou seja, de hipóteses e deduções, sobre
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