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Planolândia: Desafiando Paradigmas

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“Planolândia” 
 
Texto sobre trecho do livro 
“Planolândia – Um Romance de muitas dimensões” 1884 
-E. A. Abbott, elaborado por autor desconhecido 
 
Este é um texto curioso para ilustrar os desafios internos que enfrentamos quando somos 
colocados diante dos limites dos nossos paradigmas e nos vemos desafiados a mudar... 
 
Há mais de um século, em 1884, o diretor de uma escola em Londres, o reverendo Edwin Abbot, 
escreveu esta historinha chamada ‘Planolândia – Uma História Fantástica em Várias Dimensões’, e 
que, apesar de parecer insignificante, segundo a crítica, tornou-se “sua única proteção contra o 
esquecimento total”; é que ele escreveu diversos outros livros sobre literatura clássica e religião, 
mas nenhuma de suas obras mereceu o destaque desta. 
 
Não se pode negar que Planolândia está escrito num estilo bem comum, porém ainda assim se 
trata de um livro... bem singular. 
Singular não só porque antecipa certos acontecimentos da física teórica, senão e sobretudo, por 
sua aguda intuição psicológica, que nem sequer o estilo prolixo do autor consegue apagar. 
 
E não seria nenhum exagero desejar que esta obra (ou uma versão modernizada dela) se 
convertesse em livro de leitura obrigatória para o ensino médio... 
Vocês vão compreender já por que isto é sugerido. 
Apesar de existirem diversos vídeos sobre esta obra, ainda prefiro esta versão que lhes apresento 
agora. 
 
Planolândia é uma narração posta na boca de um habitante de um mundo bidimensional, isto é, de 
uma realidade que só contém comprimento e largura, porém não altura. É um mundo plano como 
a superfície de uma folha de papel, habitada por triângulos, quadrados, círculos e outras figuras 
geométricas planas. Seus moradores podiam se mover livremente sobre, ou melhor, dizendo, nesta 
superfície, porém como sombras, sem poder se elevar acima ou descer abaixo dela. 
Nem é preciso dizer que eles ignoravam esta limitação, porque a ideia de uma terceira dimensão 
era para eles inimaginável. 
 
O narrador da história vive uma experiência totalmente perturbadora, a partir de um sonho 
singular. Neste sonho, ele se vê transportado, de repente, a um mundo unidimensional, cujos 
habitantes são pontos e linhas. Todos se movem para diante e para trás. Em vão, tenta o nosso 
narrador, em seu sonho, explicar à autoridade maior de Linolândia, seu imperador, a realidade de 
Planolândia. 
O rei o toma por louco e ante tão obtusa ignorância, nosso herói perde a paciência: 
 
 
“Para que gastar mais palavras? Sabes que sou o complemento do teu eu incompleto. Tu és uma 
linha, eu sou uma linha de linhas, chamada” Quadrado” em meu país. E eu mesmo, ainda que 
infinitamente superior a ti, valho pouco comparado com os grandes nobres de Planolândia, de 
onde venho com a esperança de iluminar tua ignorância.” 
Ante tão delirantes afirmações, o rei e todos os seus súditos, pontos e linhas se lançaram sobre o 
Quadrado que, neste exato momento, volta à realidade de Planolândia, onde o som de uma 
campainha o faz acordar daquele pesadelo. 
 
Porém aquele dia lhe reservava ainda mais uma experiência assustadora, quando ele ensinava a 
seu neto, um Hexágono, os fundamentos da aritmética e sua aplicação à geometria. 
Ensinava-lhe que o número de polegadas quadradas de um quadrado se obtém elevando à 
segunda potência o número de polegadas de um dos seus lados e que a representação disto seria 
2². 
O pequeno Hexágono refletiu durante alguns segundos e depois disse: 
“Também já me ensinastes a elevar números à terceira potência... Suponho que a representação 3³ 
deve ter algum sentido geométrico... Qual seria esta representação geométrica de 3³? 
 
A partir daqui teremos a fala do narrador, o Quadrado-avô, na primeira pessoa do singular: 
- Nenhuma, absolutamente nenhuma! Repliquei eu; pelo menos na geometria, pois a geometria 
tem apenas duas dimensões. 
E logo ensinei ao menino como um ponto que se desloca por 3 polegadas gera uma linha do 
tamanho de 3 polegadas; e que isto se pode representar com o número 3; e se uma linha de 3 
polegadas se deslocar paralelamente a si mesma por 3 polegadas ela gera um quadrado de 3 
polegadas, o que se expressa aritmeticamente por 3². 
Porém, meu neto voltou à objeção anterior e me interrompeu: 
“Mas se um ponto ao deslocar-se 3 polegadas gera uma linha de 3 polegadas que se representa 
pelo número 3, e se uma reta de 3 polegadas ao deslocar-se paralelamente a si mesma, gera um 
quadrado de 3 polegadas de lado, que se representa por 3², e este quando se move de alguma 
maneira ( que não consigo compreender, mas que me parece ser possível) paralelamente a si 
mesmo, gerará algo (ainda que eu não possa imaginar o quê) e este resultado poderá se expressar 
por 3³ .” 
- Ora menino, chega por hoje; já estás a dizer asneiras. Tenha juízo e não repitas coisas tão 
insensatas! 
 
- E assim o Quadrado, sem aprender a lição do seu sonho anterior cai no mesmo erro de que foi 
vítima junto ao rei de Linolândia. Porém, durante a tarde, continuou se lembrando da cantilena do 
seu neto e por fim exclama em voz alta: 
- O menino é um tonto! Com certeza 3³ não pode ter nenhuma correspondência geométrica...” 
Porém ouve uma voz: 
- “O menino não tem nada de tonto, e é evidente que 3³ tem uma correspondência na geometria.” 
 
 
É a voz de um estranho visitante que afirma vir de Espaçolândia, de um mundo inimaginável, em 
que as coisas têm 3 dimensões. 
E como o próprio Quadrado em seu sonho/pesadelo anterior, o visitante se esforça para fazê-lo 
compreender a realidade tridimensional e a limitação de Planolândia comparada a esta realidade. 
 
Do mesmo modo que o Quadrado se definiu diante do rei de Linolândia como uma linha composta 
de várias linhas, também agora, este visitante se define como um círculo de círculos, que em seu 
país se chama Esfera. 
 
Porém, naturalmente o Quadrado não pode compreendê-lo, porque via o visitante apenas como 
um círculo, ainda que certamente, dotado de muito estranhas e inexplicáveis qualidades: 
Ele aumenta e diminui, se reduz às vezes a um ponto e até desaparece totalmente ... 
Com paciência ele vai explicando à Esfera que tudo isto nada tem de novo para ele: 
-“És um número infinito de círculos, cujo diâmetro aumenta desde um ponto até treze polegadas, 
colocadas dentro dos outros para compor um todo. Se, portanto, se deslocar através da realidade 
bidimensional de Planolândia, a princípio és visível para os habitantes deste país, logo apenas 
tocas a superfície, aparece como um ponto e ao final se transforma num círculo de diâmetro 
definido para, em seguida, ir diminuindo de diâmetro até voltar a desaparecer por completo...” 
Isto explica também o surpreendente fato de que a Esfera possa entrar na casa do Quadrado ainda 
que este haja fechado suas portas à ciência e à consciência. 
Entra naturalmente, por cima. 
Porém o conceito de “por cima” é algo tão estranho ao Quadrado que não o pode compreender e, 
consequentemente, se nega a acreditar... 
Por fim a Esfera não vê outra saída a não ser tomar consigo o Quadrado e levá-lo à Espaçolândia. 
 
Vive assim, o quadrado uma experiência que chamamos de transcendental! 
“-Um espanto indizível se apoderou de mim. Tudo era escuridão; logo tive uma visão terrível e 
marcante que nada tem a ver com enxergar: Vi uma linha que não era linha, um espaço que não 
era eu, era eu, porém tampouco era eu... 
Quando pude recuperar a fala, gritei com uma mortal angústia: 
- Isto é a loucura ou é o inferno!!! 
-“Não é loucura ou o inferno”, me respondeu com voz tranquila a Esfera . “Quer dizer: existem 3 
dimensões; abre outra vez os olhos e tenta ver sossegadamente...” 
 
E a partir deste instante místico, os acontecimentos tomam um rumo tragicômico: 
Embriagado pela formidável experiência de haver penetrado em uma realidade totalmente nova, o 
Quadrado deseja explorar os mistérios de mundos cada vez mais elevados; de mundos de quatro, 
cinco e seis dimensões... 
A Esfera se horroriza e não quernem ouvir falar de semelhantes disparates: 
- “Não existe tal país ou tal possibilidade. A ideia é totalmente impensável!” 
 
 
Porém o Quadrado não desiste de seus absurdos desejos, e a esfera encolerizada devolve-o aos 
estreitos limites de Planolândia...

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