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Sustentabilidade e Engenharia Luiz Augusto Horta Nogueira e Rafael Silva Capaz ******ebook converter DEMO Watermarks******* Conceitos apresentados neste capítulo • Fatores da insustentabilidade atual • Desenvolvimento Sustentável • Triple Bottom Line • Ecologia Industrial ******ebook converter DEMO Watermarks******* 1.1 Introdução O desenvolvimento da civilização humana tem como pano de fundo uma ligação íntima entre o homem e a natureza, o primeiro como usuário dos recursos naturais e a segunda como fornecedora de recursos e receptora dos rejeitos provenientes do uso desses recursos. A transição do nomadismo para o sedentarismo, há cerca de dez mil anos, está associada à capacidade do homem em cultivar a terra e desenvolver a agricultura; a supremacia de antigas civilizações estava associada à posse de riquezas naturais, motivo frequente de conflitos até hoje; o comércio baseia-se na troca de recursos naturais ou produtos advindos de tais recursos; e a própria capacidade do homem em modificar o ambiente que o cerca permite que ele se adeque a diferentes situações, satisfazendo não apenas suas necessidades mais básicas, bem como incrementando sua qualidade de vida. No entanto, o binômio Homem – Natureza não deve ser interpretado sob uma perspectiva meramente utilitarista, supondo que os recursos sempre estarão disponíveis, em quantidade e qualidade, independentemente da taxa de uso. Desta relação, além do desenvolvimento, pode-se esperar a Poluição, definida como o desequilíbrio ou alterações nas características do meio, podendo causar efeitos adversos, diretos ou indiretos, tanto na população humana e suas atividades sociais e econômicas, quanto nas espécies animais e vegetais (PNMA, 1981). Estes desequilíbrios podem ser observados quando a taxa de uso é superior à de disponibilização ou regeneração dos recursos, ou seja, quando a poluição ocasionada pelas atividades humanas se dá numa taxa maior que o próprio meio consegue assimilar ou se recuperar.1 Neste contexto, respondendo à vocação central da Engenharia que é “transformar” a realidade, promovendo o desenvolvimento e satisfazendo as necessidades humanas, torna-se estratégico que este profissional considere, de forma racional, o meio ambiente nas tomadas de decisão, quer seja por uma utilização eficiente dos recursos naturais, quer seja pela prevenção, mitigação ou ******ebook converter DEMO Watermarks******* compensação da poluição. A seguir serão apresentados brevemente alguns aspectos referentes ao trinômio Homem – Natureza – Poluição, ressaltando o modelo de desenvolvimento proposto para solucionar esta complexa equação e o papel do engenheiro neste contexto. Quadro 1 A Ilha de Páscoa Jared Diamond, no seu livro “Colapso”, analisa a ascensão e queda das civilizações, mediante cinco fatores. “Quatro desses fatores – dano ambiental, mudança climática, vizinhança hostil e parceiros comerciais amistosos – podem ou não se mostrar significativos para uma sociedade particular. O quinto fator – as repostas da sociedade aos seus problemas ambientais – sempre se mostrou significativo” (pág. 27). Sob esta perspectiva, Diamond descreve a história da Ilha de Páscoa, possivelmente o pedaço de terra habitado mais isolado do mundo, com apenas 170 km2, localizado no Oceano Pacífico e onde se encontram as famosas esculturas conhecidas como moais. Como esta ilha foi colonizada? Como aquela sociedade primitiva conseguiu erguer aquelas esculturas de 5 a 6 metros de comprimento com 10 a 270 toneladas? Como se deu sua evolução e como chegou ao estado de pobreza e aridez quando os primeiros exploradores europeus, liderados por Jacob Roggeveen, chegaram lá em 1722? O que aconteceu com todas as árvores que certamente outrora estiverem ali? Estas perguntas perturbaram os estudiosos e motivaram muitas pesquisas. Datações radiocarbônicas indicam a colonização da ilha por algumas famílias de insulares polinésios por volta do ano 900 d.C. Com solos férteis em função dos derramamentos vulcânicos, a dieta dos habitantes era baseada em produtos agrícolas e espécies marinhas. A população, dividida em classes sociais, chegou ao seu auge entre seis a trinta mil pessoas (35 a 176 habitantes/km2), que com seus hábitos religiosos e de consumo, presenciaram o desmatamento de toda a floresta existente na ilha, com o desaparecimento de todas as espécies arbóreas, configurando um dos exemplos mais extremos de degradação ambiental da história, similar talvez à situação que ******ebook converter DEMO Watermarks******* atualmente se observa no Haiti. O desmatamento teve consequências duradouras como a diminuição das fontes de caça e das colheitas, pela falta de madeira para fazer canoas e pelos casos intensos de erosão eólica e pluvial, que provocaram o ressecamento do solo e a perda de nutrientes. A população faminta chegou a cometer atos de canibalismo. Estudos indicam, por volta do século XVII, a ocorrência de guerras civis. Concomitantemente pode-se observar o aumento das dimensões dos moais nesta época, que consumiam ainda mais recursos para serem erguidos, na tentativa de apelo religioso aos ancestrais. No século XIX, uma epidemia de varíola trazida pelos europeus e sequestros para angariar trabalhadores para minas peruanas de guano reduziram a população para apenas aproximadamente uma centena de pessoas em 1872. ******ebook converter DEMO Watermarks******* 1.2 Um breve panorama “Quando os insulares de Páscoa tiveram dificuldades, não havia para aonde fugir, nem a quem pedir ajuda, assim como nós, modernos terráqueos, também não temos a quem recorrer caso precisemos de ajuda. Essas são as razões pelas quais as pessoas veem o colapso da sociedade da Ilha de Páscoa como uma metáfora – a pior hipótese – daquilo que pode estar nos esperando no futuro. Se alguns insulares usando apenas pedras como ferramentas e seus próprios músculos como fonte de energia conseguiram destruir o seu ambiente e, assim, destruir a sociedade, o que farão bilhões de pessoas com instrumentos de metal e com a energia das máquinas?” (DIAMOND, 2010, pág. 152). As reflexões apresentadas por DIAMOND (2010) vão além de meras profecias apocalípticas e ressaltam a importância do homem enxergar- se parte do meio que o sustenta; distante de uma ótica linear de consumo (A Natureza gera o recurso – o Homem consome o recurso – o consumo gera Poluição), mas numa perspectiva integrada, baseada na busca da melhor forma de desenvolver-se com a natureza, considerando seus limites (Qual a taxa ótima de consumo? Existem recursos alternativos? A poluição gerada pode ser prevenida ou mitigada?). De acordo com o relato da Ilha de Páscoa percebe-se que o desequilíbrio ambiental ocorre quando os termos do trinômio estão em desacordo, resultando num ciclo vicioso de progressiva degradação. O crescimento populacional é, sem dúvidas, um fator a ser considerado quando se busca um modelo sustentável de desenvolvimento. Supõe-se que a degradação de uma área seria mais rápida se esta fosse habitada por uma população de 100 indivíduos, ao invés de apenas dez. Obviamente esta suposição vem de um raciocínio lógico, e conclusões em situações reais baseiam-se em ******ebook converter DEMO Watermarks******* estudos mais complexos que consideram inúmeros fatores. De qualquer forma, ressalta-se o rápido crescimento populacional no século XX (Figura 1.1). Estima-se que o primeiro bilhão de pessoas foi alcançado pouco depois de 1800, levando aproximadamente 120 anos para se chegar ao segundo bilhão, em 1930. Nos dias atuais bastou apenas 13 anos para a Terra passar de 6 a 7 bilhões de habitantes, contabilizando hoje 7,16 bilhões. Algumas estimativas indicam que o planeta deverá chegar a 9,6 e 10,8 bilhões de pessoas daqui a 40 e 90 anos, respectivamente, considerando fatores médios de projeção (ONU, 2013). FIGURA 1.1 População mundial entre o século XIX e os dias atuais. (Fonte: ONU, 2013) Os países em desenvolvimento, localizados na África, Ásia e América Latina, são os maiores responsáveis pelo crescimento******ebook converter DEMO Watermarks******* populacional mundial (Figura 1.2a), enquanto o crescimento em países desenvolvidos apresenta um discreto incremento desde 1950. Como apresentado na Figura 1.2b, que associa o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano)2 com a taxa de crescimento anual da população, países com baixo IDH (<0,4) apresentaram taxa média de 2,2% ao ano, mais que o dobro verificado em países com alto IDH (>0,8), 0,9% ao ano. FIGURA 1.2 (a) População mundial nos países desenvolvidos e subdesenvolvidos nas últimas décadas (Fonte: ONU, 2013). (b) Taxa de crescimento médio populacional anual dos países, com referência no ano de 2010 (Fonte: UNDP, 2013). (c) Uso de energia percapita nos países em 2011 (Fonte: WB, 2013). (d) Emissões de CO2 per capita nos países em 2011. (Fonte: WB, 2013) Possivelmente na Ilha de Páscoa, o crescimento populacional exerceu forte influência na degradação ambiental verificada. O aumento da população sem planejamento é um quadro típico entre países pobres, com baixos indicadores sociais, cuja busca de desenvolvimento nos moldes dos países ricos se associa muitas vezes a uma exploração irracional do meio ambiente, causando degradação. ******ebook converter DEMO Watermarks******* No entanto, deve-se atentar para outro parâmetro tão importante quanto o crescimento da população: o padrão de consumo, que determina maior uso de recursos, produção de rejeitos e potencialmente uma maior poluição. Anteriormente, por um raciocínio simplista, dizia-se que uma área habitada por 100 indivíduos tenderia a se tornar mais degradada se fosse habitada por apenas dez. Mas, neste caso, a degradação não seria a mesma ou pior se cada indivíduo consumisse o equivalente a dez indivíduos? Em paralelo às Figuras 1.2a e 1.2b, na Figura 1.2c e 1.2d, pode-se observar que, tendencialmente, um alto desenvolvimento humano é sustentado por um elevado consumo de energia e consequentes elevadas emissões de CO2. Sabe-se que o desenvolvimento de uma sociedade demanda uma intensificação no uso de recursos. Mas aqui se colocam duas perguntas: quais são os recursos usados e como estes recursos são usados? Nesse sentido o uso de recursos energéticos é exemplar. A energia usada no mundo é basicamente obtida a partir de recursos fósseis, como o carvão, o petróleo e o gás natural, o que explica a semelhança entre as Figuras 1.2.c e 1.2.d, uma vez que tais combustíveis são os principais responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa. Por outro lado, como se observa na Figura 1.2c, nos países em desenvolvimento (IDH<0,8), pequenos incrementos no uso de energia associam-se a ganhos expressivos no IDH; mas em países desenvolvidos o aumento do consumo de energia nem sempre se associa com o aumento do IDH, permitindo inferir a existência de desperdícios e uso irresponsável dos recursos energéticos. De fato, entre países com elevado IDH se observa uma grande variação nos valores consumo de energia, ou seja, níveis similares de qualidade de vida e desenvolvimento são possíveis com diferentes níveis de consumo energético. Ainda na perspectiva da história da Ilha de Páscoa e das metáforas resultantes com a sociedade humana atual, estas constatações permitem refletir que, entre os caminhos a serem tomados visando um desenvolvimento integrado com o meio ambiente, o gerenciamento do ******ebook converter DEMO Watermarks******* padrão de consumo em termos de quantidade (quanto e como se consome) e qualidade (o que é consumido) são os pontos principais a serem considerados. Sem pretender sugerir uma solução unilateral e absoluta para todos os problemas resultantes do desequilíbrio ambiental, no item seguinte apresenta-se a evolução do conceito de um modelo de desenvolvimento, que pretende resolver esta equação. ******ebook converter DEMO Watermarks******* 1.3 Desenvolvimento sustentável É impossível negar que o desenvolvimento da sociedade moderna tem ocorrido à custa de níveis crescentes de degradação ambiental, cujos efeitos adversos são vivenciados em todas as regiões do planeta. A partir disso, Jiménez Herrero (1986) expressa a existência da síndrome do câmbio global assentada em três aspectos principais: i) a síndrome da ameaça à segurança global, derivada da destruição do meio ambiente que ameaça a viabilidade do sistema econômico mundial e a sobrevivência humana; ii) a síndrome dos limites ao crescimento, ao reconhecer a impossibilidade do crescimento material ilimitado dentro de um planeta finito; e iii) a síndrome da interdependência entre pobreza e riqueza, resultante da inter-relação entre meio ambiente e desenvolvimento humano. Neste contexto, ressalta-se a importância do desenvolvimento da sociedade atual ocorrer numa perspectiva abrangente e integrada ao meio, envolvendo, em uma mesma ordem de importância, os aspectos econômicos, sociais e ambientais. A proposta deste modelo de desenvolvimento resultou de intensas discussões nos mais variados níveis, como será visto a seguir. 1.3.1 Histórico A busca por um sistema que se sustente conciliando o crescimento socioeconômico e a preservação ambiental é consequência de um processo histórico de questionamentos e debates sobre os impactos gerados pelo atual modelo de desenvolvimento ao meio ambiente e à sociedade. Tais discussões se intensificaram na segunda metade do século XX, quando alguns eventos marcantes podem ser citados. Em 1962, o lançamento do livro Silent Spring (Primavera Silenciosa), de Rachel Carson, expondo os efeitos adversos sobre a biodiversidade causados pelo uso do pesticida DDT nos Estados Unidos, é um dos ******ebook converter DEMO Watermarks******* marcos do movimento ambientalista e o início das discussões internacionais sobre os impactos das práticas econômicas ao meio ambiente. A maior consciência dos problemas ambientais promovida por Rachel Carson levou à criação da importante agência ambiental dos Estados Unidos, a Environmental Protection Agency (EPA). Já em 1968, a Conferência Intergovernamental para o Uso Racional e Conservação da Biosfera promovida pela UNESCO realizou as primeiras discussões sobre um modelo de desenvolvimento focado no uso e a conservação da biosfera e o impacto humano sobre a mesma. Como resultado desta conferência, surge o Programa MaB (Man and the Biosphere Programme), na década de 1970, consistindo num instrumento inovador para o planejamento no combate ao processo de degradação ambiental. Em 1972, o Clube de Roma, liderado por Dennis Meadows, publicou o estudo intitulado The Limits of Growth (Os Limites do Crescimento). Esta obra foi um ataque direto às teorias de crescimento econômico contínuo, e propunha um congelamento do crescimento populacional e industrial para conter o avanço da degradação ambiental. Para alguns, o ponto de vista de Meadows refletia claramente o interesse dos países desenvolvidos, uma vez que o bloqueio do desenvolvimento econômico impediria o avanço de países emergentes, obrigados a somente fornecer recursos primários para suprir a demanda do setor industrial dos países desenvolvidos (WIRTH et al., 2006). Exemplificando a magnitude e a complexidade dos debates que envolviam interesses nacionais e a ordem mundial, o Clube de Bariloche (um grupo de instituições de estudos energéticos de países em desenvolvimento liderados pela Fundación Bariloche, da Argentina) se contrapôs à tese do Clube de Roma, destacando as assimetrias nos padrões de consumo entre os países e o papel da eficiência e da evolução tecnológica na utilização dos recursos naturais. Esses debates tiveram grande repercussão internacional, inclusive nas diretrizes da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e Desenvolvimento Humano, ocorrida em Estocolmo em 1972. O evento ******ebook converter DEMO Watermarks******* foi a primeira manifestação oficial dos governos signatários das Nações Unidas acerca do meio ambiente, sendo decisiva para o surgimento de políticas de gerenciamento ambiental, direcionando ações que demandariam o comprometimento e o engajamento dos paísescom questões afins (PASSOS, 2009). Como resultado deste debate, neste mesmo ano foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (United Nations Environment Programme – UNEP), designado para tratar de questões ambientais em nível global e regional. Na mesma década, mais um importante embate ideológico ocorreu. A teoria do Ecodesenvolvimento, proposta por Maurice Strong em 1973, apresentava uma interpretação dos problemas de regiões que sofreram grande exploração de recursos naturais, como América Latina, África e Ásia, a fim de sustentar o desenvolvimento dos países ricos. No entanto, em 1974 a Declaração de Cocoyok apresentou uma nova visão a respeito dos problemas sociais e ambientais em países subdesenvolvidos, colocando a pobreza como causa da superutilização dos recursos naturais daquela região. Esta análise, sendo menos complexa, preferiu não debater a questão do desenvolvimento não igualitário, fundamental ao princípio de justiça social, atribuindo causa e problema a um mesmo fator, a pobreza (WIRTH et al., 2006). Em decorrência de estudos e debates, motivado pela crescente agitação social quanto à preservação ambiental, o conceito de Sustentabilidade foi oficialmente introduzido no encontro da União Internacional para Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN), em 1980, no qual se produziu o documento The World Conservation Strategy (Estratégia Mundial para Conservação), com a afirmação de que o desenvolvimento seria sustentável se fossem considerados aspectos das dimensões ecológicas e sociais, bem como fatores econômicos, de recursos vivos e não vivos (IUCN et al., 1980 apud SICHE et al., 2007). Contudo, apenas em 1987, no Relatório Our Common Future (Nosso Futuro Comum), também conhecido como Relatório de Bruntland, coordenado pela primeira ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, o tradicional conceito de ******ebook converter DEMO Watermarks******* desenvolvimento sustentável foi contextualizado como: “...um processo de mudanças em vários nichos do sistema atual que se processam em harmonia e possibilitam que as gerações correntes e futuras alcancem suas necessidades e aspirações.” (WCED, 1987, parte I, capítulo 2, item 15). Tal conceito será mais explorado no item seguinte. Anos depois, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), também conhecida como ECO-92 ou Rio-92, consagrou o interesse de aproximadamente 180 países participantes na busca de um modelo sustentável de desenvolvimento, cujas diretrizes resultou na elaboração do documento Agenda 213. Na sequência dessa conferência ocorreu a Cúpula Mundial do Desenvolvimento Sustentável de 2002 (Rio + 10), realizada em Johanesburgo (África do Sul), e posteriormente a Cúpula dos Povos para o Desenvolvimento Sustentável (Rio + 20), realizada no Rio de Janeiro em 2012. As reflexões sobre a contribuição de uma “Economia Verde” para o desenvolvimento, a eliminação da pobreza e a estrutura institucional para a implantação do desenvolvimento sustentável foram temas recorrentes nestas reuniões, marcadas também por constantes críticas frente aos resultados e compromissos ineficazes assumidos. Aqui merece destaque dois de alguns protocolos internacionais de ampla assinatura que refletem o interesse dos países em gerenciar e prevenir os possíveis efeitos adversos das ações humanas no meio ambiente: Protocolo de Montreal, que visa acabar com as emissões de CFC (compostos de cloro-flúor-carbono), causadores da depleção da camada de ozônio; e o Protocolo de Quioto, que visa reduzir as emissões dos GEE’s (Gases de Efeito Estufa), considerados responsáveis pela intensificação do efeito estufa, ou aquecimento global. 1.3.2 Abordagens do conceito ******ebook converter DEMO Watermarks******* Sustentabilidade A palavra Sustentabilidade é originada do latim “sustentare”, que significa sustentar, favorecer, manter em bom estado. Assim, sustentável é tudo aquilo que é passível de ser suportado ou mantido (SICHE et al., 2007). Segundo o clássico conceito do documento Our Commun Future, a sustentabilidade ou o desenvolvimento sustentável consiste no “...desenvolvimento que supre as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprirem suas próprias necessidades” (WCED, 1987, parte I, capítulo 2, item 1). À primeira vista este conceito pode ser considerado amplo, claro e eficaz para as soluções dos problemas globais. No entanto, além de outras definições, existem muitas outras abordagens e interpretações que se traduzem em dificuldades para operacionalizá-lo. A definição clássica confere ao conceito um caráter dinâmico no espaço e no tempo – o que justifica algumas de suas crítcas – devido às variações na definição de “necessidades”, e a própria evolução da tecnologia e organização social, que interferem no modelo de consumo. Sob uma perspectiva operacional, visão típica de engenheiros, alguns questionamentos são pertinentes: Como associar desenvolvimento, que remete à ideia de crescimento, com um conceito que remete à ideia de estabilidade? Como definir as necessidades do presente numa realidade tão diversa e heterogênea? E ainda, como definir as necessidades de gerações que não estão aqui? De acordo com Mikhailova (2004), um sistema sustentável é aquele que possui processos de inputs e outputs que permitem indefinidamente a sua existência, ou seja, poderá sempre existir. Este conceito demonstra a justiça às gerações futuras, uma vez que elas poderão ter as mesmas oportunidades de desenvolvimento das gerações presentes. Assim, sustentabilidade pode ser interpretada como o consumo que pode ocorrer indefinidamente sem comprometer ******ebook converter DEMO Watermarks******* a disponibilidade de recursos (naturais e humanos) às gerações futuras. Esta abordagem é também relatada por McMichael et al. (2003) quando definem sustentabilidade como a transformação dos modos de vida a fim de maximizar as chances de que as condições ambientais e sociais suportem indeterminadamente a segurança humana, o bem-estar e saúde. John Elkington, no livro Cannibals with forks (Canibais com Garfo e Faca, conforme publicado no Brasil), lançado em 1997, incrementou as definições da sustentabilidade, trazendo-as para a realidade empresarial ao apresentar o conceito do Triple Bottom Line (TBL): People, Planet and Profit (Tripé da sustentabilidade: Pessoas, Planeta e Lucros). Este conceito corresponde à expansão do modelo de negócios tradicional, para um novo modelo que passa a considerar a performance ambiental e social da organização, além da financeira; ou seja, à geração de valor através das dimensões econômico-financeiras, ambiental e social por meio da governança corporativa. Estes três pilares podem ser traduzidos como: Pilar Social (Pessoas – Capital Social/Capital Humano): Aqui são consideradas na gestão interna de uma organização questões como saúde, habilidades profissionais, educação e potencial de criação de riqueza. Ou seja, não somente se trabalha para a manutenção/retenção de uma equipe capacitada e produtiva internamente, mas pretende-se construir uma relação de confiança com as partes interessadas externas à organização, aumentando as possibilidades de perpetuidade de suas operações. Neste pilar também são considerados aspectos culturais e de ética. Pilar Ambiental (Planeta – Capital Natural): Aqui é considerado como o modo de operação da empresa afeta, negativa ou positivamente, os bens de capital natural (água, ar, recursos minerais etc.) e se essa interação possibilita ou não o equilíbrio do ecossistema e a disponibilidade de recursos ao longo do tempo. Pilar Econômico (Lucros – Capital econômico): Capital econômico pode ser definido como o valor total de seus ativos menos as suas obrigações. Neste pilar, a gestão de uma organização – inclusive aquelas sem fins lucrativos – se questiona quanto à perpetuidade de ******ebook converter DEMO Watermarks******* suas operações frente ao balanço de custos e rendimentos. Um simples diagrama(Figura 1.3) expressa a ideia fundamental embutida nesta abordagem, ao propor um modelo de desenvolvimento integrado, isto é, o desenvolvimento de uma empresa só é sustentável se os três pilares do tripé são igualmente válidos e interativos (KLABIN, 2010) FIGURA 1.3 Modelo TBL de Sustentabilidade. Muitos estudiosos têm tentado identificar elementos comuns nas diferentes abordagens do conceito. White (2013), por meio de análises de vários documentos, conseguiu reunir 103 diferentes definições de Sustentabilidade. Ao verificar as palavras ou expressões mais comuns em todas elas, a expressão mais citada foi “ambiente”, seguido de “social”, “econômico” e “vida”, além de outras como “pobreza”, “comunidade” e “recursos”. Kates et al. (2005) apresentaram uma ******ebook converter DEMO Watermarks******* análise cuidadosa da definição clássica, vinculando três categorias principais do que deve ser sustentado (Natureza, Vida dos sistemas e Comunidade) com o que deve ser desenvolvido (Pessoas, Economia e Sociedade), entre uma ampla lista de elementos, incluindo aspectos ambientais (clima, ar puro, a produtividade da terra, de água doce etc), características sociais (dignidade, paz, saúde, equidade etc) e valores humanos (liberdade, tolerância, respeito pela natureza etc.). Mas afinal, diante destas inúmeras discussões, como operacionalizar este conceito? Quadro 2 Ecologia industrial O conceito de Ecologia Industrial provém da ideia de que as atividades industriais devem ser consideradas ecossistemas, nos quais as etapas ou unidades produtivas são níveis tróficos caracterizados pelos constantes fluxos de energia e matéria entre si. Em linhas gerais, nos ecossistemas naturais, a energia é proveniente do Sol e armazenada em vegetais que alimentam os herbívoros, que, por sua vez, alimentam os carnívoros que, por fim são decompostos e oferecem nutrientes aos vegetais. A sustentabilidade deste ecossistema natural global está na constante oferta de energia solar e na reciclagem de nutrientes, que se dá pela utilização dos rejeitos de um nível trófico como matéria-prima em outro, além dos ciclos biogeoquímicos, tais como enxofre, nitrogênio e carbono. Na Ecologia Industrial, cujo conceito ficou mundialmente conhecido pela publicação de Frosh e Gallapoulos (1989), as unidades produtivas são vistas como sistemas integrados pelo aproveitamento interno de resíduos e a redução de entradas e saídas de matéria e energia (Figura a). Este método se difere do convencional, composto por unidades isoladas em si, consumidoras de matérias-primas e geradoras de poluição, sem adotar práticas de reuso ou reciclagem (Figura b). ******ebook converter DEMO Watermarks******* Costa (2002) enquadra as práticas que incorporaram este conceito em três categorias: Otimização dos Fluxos de Energia e Materiais na Produção, como eficiência no uso de matérias-primas e prevenção da poluição; Fechamento do Ciclo de Materiais, como reciclagem e uso de resíduos em outras atividades; e Desmaterialização, como a redução do uso de energia e matéria na obtenção dos produtos. Um dos clássicos exemplos de implantação da ecologia industrial deu-se no Parque Industrial de Kalundborg (Dinamarca), ao integrar as empresas que o compõe, estando entre elas: uma refinaria de petróleo, uma termoelétrica, uma fabricante de divisórias de gesso, uma indústria de biotecnologia, uma companhia de tratamento de água e esgoto, entre outras, e o centro urbano da cidade. De forma simbiótica, o resíduo de uma empresa passa a ser o insumo de outra, permitindo conexões benéficas para o todo, como: o lodo do esgoto é utilizado nas fazendas vizinhas, as cinzas da termoelétrica é usada como agregado para estradas e cimento e o gás da refinaria abastece a fábrica de gesso. Para mais informações visite o site: http://www.symbiosis.dk/en. ******ebook converter DEMO Watermarks******* 1.4 Engenharia e a operacionalização da sustentabilidade Segundo o Dicionário Aurélio (1986), Engenharia significa: “A arte de aplicar conhecimentos científicos e empíricos e certas habilitações específicas à criação de estruturas, dispositivos e processos que se utilizam para converter recursos naturais em formas adequadas ao atendimento das necessidades humanas” (p. 654). Pela definição apresentada, torna-se impossível não visualizar a Engenharia como promotora do desenvolvimento da sociedade humana, e hoje, por tudo que foi discutido acima, pode ser julgada como obsoleto e inadequado, um modelo de desenvolvimento que não considere as questões ambientais nas tomadas de decisão. Mas, voltando à pergunta, como operacionalizar o conceito “Sustentabilidade”? Como colocar em prática este modelo de desenvolvimento? Mesmo sabendo o destino, qual o melhor caminho a percorrer? Nos dias atuais, facilmente encontra-se em discursos e ações uma intenção equivocada do que é e de como implementar a sustentabilidade. Seria conveniente desmatar uma floresta visando cultivar matérias-primas para obter biocombustíveis? Por que não se dá a mesma atenção dispensada aos pandas e golfinhos, à animais com aparência não tão agradável e que também estão em extinção, como o Blobfish (Psychrolutes marcidus), o Aye-Aye (Daubentonia madagascarienses) e a Perereca de Alcatrazes (Scinax alcatraz)? É realmente viável incentivar o uso de carros elétricos num país, como os Estados Unidos ou outros europeus, cuja eletricidade é praticamente obtida de insumos fósseis? Qual o sentido de cidadãos separarem o lixo domiciliar antes da coleta, se todo o lixo será destinado a um lixão? É razoável uma empresa receber certificações de sustentabilidade quando seus maiores fornecedores usam mão de obra escrava na produção? Questionamentos como estes sempre devem ser feitos a fim de ******ebook converter DEMO Watermarks******* encontrar a melhor forma de trilhar o caminho da sustentabilidade, dos quais se pode perceber que sua efetiva implantação não é verificada em ações pontuais, ou obras de caridade e filantropia (LEMME, 2010); mas ela se dá num contexto integrado e holístico4, partindo de uma conscientização que não encontra no meio ambiente obstáculos para o desenvolvimento, mas sim oportunidades para fazê- lo de forma segura, duradoura e efetivamente benéfica. Lemme (2010) apresenta alguns caminhos que podem ser percorridos para a geração de valor no contexto da sustentabilidade empresarial. 1. Desenvolvimento e implantação de tecnologias associadas à eliminação e controle de poluentes do ar, solo e água; e otimização no uso dos recursos, como práticas de reciclagem, busca de fontes alternativas de energia ou práticas de eficiência energética; 2. Diferenciação dos produtos que, através do gerenciamento comprovado de aspectos socioambientais no ciclo produtivo, recebem certificações e podem determinar a preferência de consumidores conscientes. 3. Gerenciamento de riscos operacionais, tomando uma atitude preventiva a possíveis problemas de natureza socioambiental, como riscos associados à poluição, ao esgotamento dos recursos e às condições insalubres ou perigosas de trabalho. Neste caso enquadra- se a obrigatoriedade do licenciamento ambiental de empreendimentos potencialmente poluidores no Brasil, garantindo na sua instalação e operação o conhecimento dos riscos associados, o que permite que medidas de controle, prevenção e compensação sejam usadas. Partindo deste contexto, a presente obra – inicialmente pensada para cursos de engenharia, mas extensiva a interessados – visa apresentar de forma resumida pontos importantes no gerenciamento de questões ambientais, ressaltando pistas para trilhar o caminho da sustentabilidade. O livro é dividido em 10 capítulos, sendo que dos Capítulos 2 a 5 são apresentados aspectos sobre a Atmosfera, o Solo e a Água, seguindo sempre a sequência comum: definições gerais; casos de poluição e degradação; medidas de controle, prevenção e mitigação. O tema “Resíduos Sólidos” é apresentado a parte no ******ebook converter DEMO Watermarks******* Capítulo 6. Os Capítulos 7 e 8 tratamde temas comumente vivenciados pelos diversos engenheiros na realidade empresarial como o processo de licenciamento e a implantação de um sistema de gestão ambiental. Por fim, encerra-se a obra discutindo nos dois capítulos restantes, os aspectos ambientais associados a implantação de fontes alternativas de energia, considerando a eficiência energética como uma delas, dois temas atuais e igualmente relevantes. ******ebook converter DEMO Watermarks******* Exercícios 1. Qual a definição clássica de “Desenvolvimento Sustentável” e qual as principais críticas apresentadas em relação a este conceito? 2. Pesquise e apresente dois exemplos de práticas sustentáveis. Justifique. 3. Como o conceito clássico conceito de Desenvolvimento Sustentável se associa ao conceito TBL e Ecologia Industrial? ******ebook converter DEMO Watermarks******* Referências 1. COSTA MM. Princípios de Ecologia Industrial aplicados à sustentabilidade ambiental e aos sistemas de produção de aço. Tese de Doutorado em Planejamento Energético Brasil: Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ; 2002. 2. DIAMOND J. Colapso – Como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. 7a Edição Rio de Janeiro: Editora Record; 2010; 699 p. 3. DICIONÁRIO AURÉLIO. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2a Edição Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira; 1986; 1838 p. 4. FROSCH RA, GALLOPOULOS NE. Strategies for manufacturing. Scientific American. 1989;261(3):144–152. 5. JIMÉNEZ HERRERO LM. Desarrollo sostenible y economia ecológica. In: Integración medio ambiente-desarrollo y economía- ecología. 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Desenvolvimento Sustentável: histórico. conflitos e perspectivas Artigo do Laboratório de Políticas Públicas e ******ebook converter DEMO Watermarks******* Planejamento Educacional da Faculdade de Educação – Universidade de Campinas 2006. 1A capacidade de um sistema restabelecer seu equilíbrio após este ter sido quebrado por um distúrbio, ou sua capacidade de recuperação é geralmente denominada nas ciências ambientais de Resiliência do sistema. 2O IDH é uma medida comparativa usada do nível de desenvolvimento humano de um país ou região, considerando o grau de escolaridade da população, o poder de compra e a expectativa de vida ao nascer. Os valores vão até 1,0, sendo que quanto maiores, mais elevado o desenvolvimento humano. 3A Agenda 21 consiste num instrumento de planejamento para a construção de sociedades sustentáveis, em diferentes bases geográficas, que concilia métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica. Além de participativo, o planejamento proposto se dá em escala, através da definição de diretrizes globais, que são operacionalizadas a nível nacional e efetivadas a nível local. Para mais informações, consulte: http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21. 4Entenda-se holístico como um contexto que considere os aspectos sociais, ambientais e econômicos ao longo de todo o ciclo produtivo, e não apenas no uso do produto. ******ebook converter DEMO Watermarks*******
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