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DOCUMENTO CURRICULAR DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE SOBRAL - EDUCAÇÃO INFANTIL SOBRAL-CE NOVEMBRO/2019 SUMÁRIO CAPÍTULO I - PARA COMEÇO DE HISTÓRIA... ....................................................... 3 Quem somos, onde estamos e o que queremos? ................................................................. 3 Era uma vez... A educação infantil no cenário nacional e municipal .............................. 7 “Sobralizar” a educação: Avanços, conquistas e desafios ................................................ 9 Colcha de retalhos: muitas mãos, muitos trabalhos ......................................................... 14 CAPÍTULO II – HÁ UMA CRIANÇA EM CADA UM DE NÓS: Princípios estruturantes do currículo ..................................................................................................................... 16 1) A criança, sujeito histórico e de direitos, aprende e se desenvolve a partir das interações e brincadeiras que vive com outras crianças e com os adultos .................... 17 2) A integralidade do desenvolvimento demanda ações necessárias de cuidado e educação das crianças .......................................................................................................... 19 3) A escola de Educação Infantil como espaço de vida democrática, de inclusão e respeito às diferenças ........................................................................................................... 21 4) O currículo se define como espaço de articulação das experiências das crianças, ampliação do repertório cultural e das práticas de letramento ....................................... 23 5) A intencionalidade educativa e o papel do professor estão conectados ao seu protagonismo na garantia dos direitos de aprendizagens e desenvolvimento das crianças .................................................................................................................................. 26 6) Educar crianças supõe parceria das escolas com as famílias e comunidades na construção de um projeto pedagógico coletivo ................................................................ 27 CAPÍTULO III – SOBRE APRENDER A VOAR, PLAINAR E POUSAR ................. 28 Os direitos de aprendizagem e desenvolvimento e a qualidade da Educação Infantil 28 As crianças, o repertório da cultura e as múltiplas linguagens ....................................... 31 Campos de experiências como arranjo curricular ............................................................ 39 O eu, o outro e o nós ............................................................................................... 40 Corpo, gestos e movimentos ................................................................................... 41 Traços, sons, cores e formas.................................................................................... 42 Escuta, fala, pensamento e imaginação ................................................................... 44 Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações ...................................... 46 A estrutura curricular da educação infantil de Sobral ...................................................... 48 As aprendizagens em cada etapa: Bebês, crianças bem pequenas e crianças pequenas 50 Os Bebês (zero a 1 ano e 6 meses) .......................................................................... 51 Crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) ............................. 55 Crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses) .................................................... 58 Planejando os ambientes de aprendizagens ....................................................................... 64 Componentes dos ambientes de aprendizagens ...................................................... 64 O que não pode faltar na jornada da criança ........................................................... 77 1) Acolhida e despedida ....................................................................................... 78 2) Rodas de conversa ........................................................................................... 78 3) Rituais para o cuidado de si ............................................................................. 79 4) Momentos de brincadeira livre ........................................................................ 83 5) Hora da história ................................................................................................ 85 6) Atividades de ação e representação ................................................................. 90 7) Cantinhos de vivência ...................................................................................... 91 CAPÍTULO IV – INÍCIO, MEIO E (RE)FIM ............................................................... 95 Avaliação e registro na educação infantil .......................................................................... 95 A adaptação e transição ao primeiro ano do ensino fundamental .................................. 99 CAPÍTULO V – SABERES, FACETAS E PRINCÍPIOS QUE NÃO PODEM FALTAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL ...................................................................................... 102 Papéis e responsabilidades de cada um e de todos nós .................................................. 102 CAPÍTULO VI – FORMAR, (RE)FORMAR E (TRANS)FORMAR......................... 107 Formação em serviço para qualificar a práxis ................................................................ 107 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 109 3 CAPÍTULO I - PARA COMEÇO DE HISTÓRIA... Quem somos, onde estamos e o que queremos? Situada na mesorregião do noroeste do Ceará, cerca de 235 quilômetros de Fortaleza, com 2.129 km², localizado a 70m do nível do mar, a cidade de Sobral se apresenta como o mais significativo referencial de crescimento e desenvolvimento econômico do interior do Estado. Com uma população calculada pelo Censo IBGE/2010 de 188.271 habitantes, com uma população urbana de 166.333 pessoas. O clima é quente e seco, com uma temperatura média de 30 graus centígrados. A partir da instalação da Fazenda Caiçara, por Antônio Rodrigues Magalhães, em torno de 1728, às margens do Rio Acaraú, nasceu o primeiro povoado, que foi elevado à Vila Distinta e Real de Sobral em 1773. A história do surgimento de Sobral ajuda a explicar o processo de colonização do Estado do Ceará, que se deu do interior para o litoral. Sobral foi elevada à condição de cidade em 1841 e denominada “Fidelíssima Cidade Januária de Acaraú”. O nome atual da cidade tem origem latina que significa abundância de sobreiros – uma espécie de árvore de cujo tronco se extrai a cortiça. Ao longo dos anos, a cidade de Sobral foi tomando notoriedade estadual e nacional com sua “sobralidade”, predicado associado à bravura e à defesa incondicional da terra natal. Também ganha, cada vez mais, reconhecimento pela bem-sucedida política educacional, que mostra a melhoria dos indicadores educacionais decorrentes de ações articuladas da gestão, do ensino, da avaliação e da formação profissional. Sobre a política educacional de Sobral, no ano de 2015, com o objetivo de colher informações para a construção do currículo de língua portuguesa e matemática do ensino fundamental, foram realizadas entrevistas com lideranças políticas, sociedade civil, professores e gestores escolares com objetivo de entender o que “a cidade” queria para o futuro dela própria. Após um estudo sistemático onde se percebiam as palavras que mais se repetiram e os maiores anseios dos entrevistados, tal estudo resultou nos quatro critérios orientadores da rede de Sobral que foram priorizados: Os Critérios Orientadores que a rede de ensino de Sobral priorizou são os seguintes:1. Alcançar excelência acadêmica, 2. Garantir a equidade, 4 3. Promover o pleno desenvolvimento da pessoa, 4. Formar cidadãos críticos, éticos e bem-sucedidos profissionalmente. No caso da Educação Infantil, esses critérios ganham uma leitura que garante a especificidade da aprendizagem e do desenvolvimento na Primeira Infância. Alcançar a excelência acadêmica significa ampliar as possibilidades de experiências dos bebês, das crianças bem pequenas e das crianças pequenas, promovendo condições para a plena garantia de seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, tal como a Base Nacional Comum Curricular preconiza. Se de um lado não se deve pensar em uma perspectiva do “acadêmico”, já que a própria faixa etária das crianças da Educação Infantil não nos permite, de outro, pensar em uma Educação Infantil que promova para as crianças, nos anos iniciais da vida, a riqueza de possibilidades em aprendizagens e desenvolvimento é o que se coloca na rede municipal. Esse currículo trabalha nessa direção ao sustentar a multiplicidade de linguagens na abrangência dos campos de experiências como base para o trabalho pedagógico. Garantir a equidade é o princípio que reforça a responsabilidade social do município com o direito à educação e a oferta de condições contextualizadas às necessidades dos estudantes, a partir de suas condições de vida, visando a processos de aprendizagem efetivamente significativos para a participação nos diversos contextos e demandas da vida em sociedade. Tal como o currículo do Ensino Fundamental de Sobral já preconizava: “Não existe excelência sem equidade. Não é possível aceitar que alguns tenham seu direito à educação de qualidade atendido e outros, não. A excelência escolar só é alcançada se for acompanhada da equidade” (SOBRAL, 2016, p. 07). Promover o pleno desenvolvimento da pessoa diz respeito à superação de práticas fragmentadoras das aprendizagens, que muitas vezes dicotomizam dimensões da vida humana que são indissociáveis. No caso da Educação Infantil, dicotomias, tais como afeto x cognição; aprender x brincar; corpo x mente; educar x cuidar, apenas dificultam a organização do trabalho na Educação Infantil, muitas vezes, desvalorizando experiências que, nos anos iniciais da vida, constituem a própria identidade da criança. Formar cidadãos críticos, éticos e bem-sucedidos profissionalmente é assumido como um princípio da rede que, no caso das crianças da Educação Infantil, pode ser relido, também reconhecendo a especificidade dos anos iniciais da vida. Certamente deseja-se que, na vida 5 adulta, as crianças possam vivenciar sucessos profissionais, já que tiveram acesso a uma escola básica de excelência. Mas a Educação Infantil assume o presente das crianças, também norteada por princípios da cidadania e da ética. Coerente com as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009), vale reafirmar aqui o compromisso da rede com os princípios: Éticos: da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades. Políticos: dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática. Estéticos: da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de expressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais (Artigo 6°). No início de 2001, a Secretaria da Educação implementou um diagnóstico de leitura de todos os alunos de 2ª a 4ª série (cerca de 12.000 alunos) para ter um conhecimento mais preciso da condição destes alunos com relação ao domínio de leitura. Este diagnóstico mostrou o quanto era crítica a realidade da aprendizagem das crianças nas séries iniciais. Os resultados analisados apontaram que 60% dos alunos que estavam iniciando a 2ª série, 40% dos da 3ª série e 20% dos da 4ª série não dominavam os conhecimentos da alfabetização inicial, nem mesmo as habilidades de decodificação, a etapa mais básica do processo. Partindo desse diagnóstico a Secretaria Municipal da Educação definiu como meta prioritária (Meta I) alfabetizar 100% das crianças de 6 e 7 anos matriculadas na 1ª série básica (atual 1º ano) e 1ª série regular (atual 2º ano), respectivamente, e como segunda meta (Meta II) a alfabetização de 100% das crianças de 08 anos ou mais, que haviam sido promovidas para séries subsequentes ainda sem saber ler. Assim a alfabetização das crianças como prioridade exigiu a criação e implementação de um conjunto de ações que impactassem as condições de atuação do professor em sala de aula: universalização do atendimento de crianças de 6 anos no ensino fundamental a partir de 2001; proposta metodológica de alfabetização; formação em serviço; garantia de material didático específico para alfabetizar; implementação de incentivos profissionais; sistematização da avaliação externa; e fortalecimento da gestão para intervir de forma sistêmica na garantia da alfabetização das crianças na idade certa. A partir dessa tomada de decisões, aconteceram profundas transformações na cultura educacional da rede municipal de Sobral que se estendeu aos demais níveis e etapas de ensino. 6 Hoje, Sobral tem a melhor rede pública municipal de ensino do Brasil, segundo o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2017, nos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental, com nota 9,1 e 7,2, respectivamente, entre mais de 5 mil municípios avaliados no País. Diante desse cenário a educação infantil foi se constituindo e ganhando cada vez mais força no nosso município, inicialmente, priorizando o processo de ampliação do atendimento às crianças de 0 a 5 anos de idade, com a construção de centros de educação infantil. Essa política também foi fortalecida através da realização de concurso público para os profissionais dessa área, com o processo de formação continuada de professores, aquisição de material didático e a criação de uma coordenadoria de educação infantil para qualificar ainda mais o olhar para essa etapa de ensino1. No escopo dessa política educacional, importantes documentos foram aprovados na rede norteando as ações e debates relativos à educação das crianças. Estes são: o Plano Municipal para Primeira Infância (PMPI)2, o Plano Municipal de Educação – PME3, e o Documento Curricular da Rede Municipal de Ensino de Sobral - Língua Portuguesa4 e Matemática5. Assim, o presente Documento Curricular da Rede Municipal de Ensino de Sobral, dedicado à Educação Infantil, vem fortalecer a atuação das políticas educacionais dedicadas à primeira infância, concretizadas nas instituições de Educação Infantil. Para tanto, articula aspectos dos currículos que já caracterizam a Educação Infantil no município de Sobral, ao mesmo tempo em que aponta para desafios que se colocam para as práticas pedagógicas, diante dos desejos de uma educação dos bebês e crianças pequenas no mundo contemporâneo. Em virtude das transformações ocorridas ao longo dos anos, de caráter social, cultural e econômico que impactaram diretamente o campo educacional, em especial a homologação de 1 http://portal.inep.gov.br/documents/186968/488938/Vencendo+o+desafio+da+aprendizagem+nas+s%C3%A9ries+iniciais+ a+experi%C3%AAncia+de+Sobral-CE/a7de6174-3f52-49fe-b81c-9f40372761a3?version=1.0 2 Disponível em https://www.camarasobral.ce.gov.br/painel/files/docs/norma_lei/LEIN1499DE01DESETEMBRODE2015pdf09092015105517 .pdf 3 Disponível em http://www.sobral.ce.gov.br/diario/public/iom/IOM660.pdf 4 Disponível em http://educacao.sobral.ce.gov.br/downloads/curriculo-de-lingua-portuguesa-2 5 Disponível em http://educacao.sobral.ce.gov.br/downloads/documento-curricular-da-rede-municipal-de-ensino-de- sobral-matematica-2 http://portal.inep.gov.br/documents/186968/488938/Vencendo+o+desafio+da+aprendizagem+nas+s%C3%A9ries+iniciais+a+experi%C3%AAncia+de+Sobral-CE/a7de6174-3f52-49fe-b81c-9f40372761a3?version=1.0http://portal.inep.gov.br/documents/186968/488938/Vencendo+o+desafio+da+aprendizagem+nas+s%C3%A9ries+iniciais+a+experi%C3%AAncia+de+Sobral-CE/a7de6174-3f52-49fe-b81c-9f40372761a3?version=1.0 https://www.camarasobral.ce.gov.br/painel/files/docs/norma_lei/LEIN1499DE01DESETEMBRODE2015pdf09092015105517.pdf https://www.camarasobral.ce.gov.br/painel/files/docs/norma_lei/LEIN1499DE01DESETEMBRODE2015pdf09092015105517.pdf http://www.sobral.ce.gov.br/diario/public/iom/IOM660.pdf http://educacao.sobral.ce.gov.br/downloads/curriculo-de-lingua-portuguesa-2 http://educacao.sobral.ce.gov.br/downloads/documento-curricular-da-rede-municipal-de-ensino-de-sobral-matematica-2 http://educacao.sobral.ce.gov.br/downloads/documento-curricular-da-rede-municipal-de-ensino-de-sobral-matematica-2 7 uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC), reconheceu-se a necessidade de construção do Documento Curricular da Rede Municipal de Ensino de Sobral - Educação Infantil, com a intencionalidade de atender, de modo integral, as necessidades de desenvolvimento da criança, que contribua para a construção da aprendizagem, com eficiência, respeitando as infâncias, suas múltiplas linguagens, bem como as diferenças. Com a construção desse currículo espera-se fortalecer na Educação Infantil as condições para que as crianças aprendam em situações nas quais assumam um papel ativo, em ambientes seguros e desafiadores e por meio de interações e brincadeiras, e tendo garantidos seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, conforme definidos na BNCC (Brasil, 2017), a saber: expressar, participar, explorar, brincar, conviver e conhecer-se. Diante desse cenário de construção, de significativas transformações, estudos, pesquisas, novas orientações de como se deve estruturar essa primeira etapa da Educação Básica, faz-se imprescindível a elaboração de um documento curricular que esteja fundamentado e traga, em seu corpo, os documentos legais e normativos que regem a educação infantil e que possa de fato possibilitar uma educação infantil de qualidade que promova o desenvolvimento integral dos bebês e das crianças pequenas. Era uma vez... A educação infantil no cenário nacional e municipal A educação Infantil no Brasil, com a Constituição de 1988, foi reconhecida como direito da criança e dever do estado devendo ser ofertada pelos sistemas de ensino de forma gratuita e para todos, sendo obrigatória a partir dos quatro anos de idade. “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (...) IV – Atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade (...)” (Constituição Federal, Art. 208, 1988) A primeira etapa da Educação Básica vai definindo e fortalecendo a sua identidade buscando superar projetos pedagógicos restritos a algumas dimensões do desenvolvimento da criança, que ora colocam a Educação Infantil como preparação para o Ensino Fundamental, ora restringem o seu papel a guardar e cuidar da criança enquanto os pais trabalham. 8 Em 1990, é aprovado o Estatuto da Criança e do adolescente através a Lei nº 8.069 e reafirmando as lutas dos movimentos sociais em cumprir o direito por creches, ratificando que é “dever do Estado assegurar (...) atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade (ECA, artigo 54, inciso IV). A Lei 13.306 de 4 de julho de 2016, altera o referido Estatuto para dar a seguinte redação que impacta o tempo de permanência da criança na Educação Infantil que passa a ser às crianças de zero a cinco anos de idade. Essa alteração decorreu de mudanças já estabelecidas na Constituição Federal e na própria LDB. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 (LDB) vem confirmar em seu artigo 4º, inciso IV o atendimento gratuito em creche e pré-escola também como dever do Estado. Define também que esse atendimento nessa faixa etária está sob a incumbência dos municípios (artigo 11, inciso V), determinando ainda que todas as instituições de Educação Infantil, públicas e particulares, estejam inseridas no sistema de ensino. A Lei 12.796 de 4 de abril de 2013 altera a LDB nº 9394/96 e afirma que as crianças de 4 e 5 anos de idade devem ser matriculadas na pré-escola. Com isso esse segmento da Educação Infantil passa a compor parte obrigatória da Educação Básica, ficando o segmento de 0 a 3 anos como opção da família. Em função dessas alterações a Educação Infantil teve que adequar a sua forma de organização. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) passaram por revisão pelo Conselho Nacional de Educação, através do Parecer nº 20/2009 de 11 de novembro de 2009, dando origem à Resolução nº 5/2009 que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, em 17 de dezembro de 2009. Nas DCNEIs estão as orientações para organização da Proposta Curricular e outras providências sobre o atendimento da Educação Infantil. Em seu Art. 5º, as DCNEI dispõem: A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, é oferecida em creches e pré-escolas, as quais se caracterizam como espaços institucionais não domésticos que constituem estabelecimentos educacionais públicos ou privados que educam e cuidam de crianças de 0 a 5 anos de idade no período diurno, em jornada integral ou parcial, regulados e supervisionados por órgão competente do sistema de ensino e submetidos a controle social. 9 No Art. 3º, apresenta a definição de currículo da Educação Infantil que deve ser concebido como um conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade. É importante ressaltar que essa compreensão do currículo na Educação Infantil permanece no documento Base Nacional Comum Curricular, em sua seção dedicada à Educação Infantil, recentemente aprovado pelo Conselho Nacional de Educação (Brasil, 2017). Essa compreensão do currículo da Educação Infantil, nas DCNEI e na BNCC, assume a criança como centro do planejamento curricular, como um sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas vivenciadas constrói sua identidade pessoal e coletiva. Assim, em seu Art. 8º, as Diretrizes determinam que a proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve ter como objetivo garantir à criança o acesso a processos de apropriação, renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens, assim como o direito à proteção, à saúde, à liberdade, à confiança, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à convivência e à interação com outras crianças. A aprovação da Base Nacional Comum Curricular, datada de dezembro de 2017, além de reforçar o que dizem a Constituição, as Diretrizes, o ECA sobre os direitos das crianças de 0 a 5 anos, ressaltou direitos de aprendizagem e desenvolvimento, objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, campos de experiências e eixos com os quais deverão dialogar os documentos curriculares das redes de ensino e os projetos pedagógicos das instituições, bem como os planejamentos dos professores de Educação Infantil. Esse cenário nacional é pano de fundo para a história da Educação Infantil em Sobral. A questão da ampliação do acesso é um ponto inicial a destacar, mas que vem sendo ampliada pelas preocupações com a formação profissional e a concretização de um currículo que amplia e diversifica as experiências de aprendizagens das crianças em uma perspectiva de desenvolvimento integral. “Sobralizar” a educação: Avanços, conquistas e desafios 10 É preciso voltar um pouco na história da Educação Infantil para entender como foi se configurando o atendimento à criança pequena no município de Sobral. De um modo geral, a ofertade Educação Infantil na esfera pública, embora prevista nas LDB’s de 1961 (Lei 4024/61) e de 1971 (Lei 5692), não era suficiente para garantir atendimento para uma parcela mínima da população. As instituições sociais não governamentais, sobretudo as Associações Comunitárias, acabaram assumindo a responsabilidade pela educação infantil e passaram a oferecer serviços de atendimento a crianças pequenas enquanto seus pais trabalhavam fora. Entre as décadas de 70 e 90, a educação infantil do município ficava concentrada no acompanhamento na Secretaria de Saúde e Assistência Social com apoio da Secretaria da Educação que iniciou, ainda que timidamente, um processo de organização dos espaços, capacitações dos professores pelo pró-rural e elaboração de material didático mimeografado, feito pela própria Secretaria, apesar dos baixos recursos direcionados à educação infantil no período. Em relação às políticas públicas para a primeira infância em Sobral, temos o ano de 1997 como um importante marco. A Prefeitura Municipal de Sobral, junto com organizações governamentais e não governamentais, elaborou um conjunto de políticas públicas que visavam acompanhar a criança desde a gestação até à maturidade, buscando o seu pleno desenvolvimento. A esse conjunto de políticas, denominou-se Programa Sobral Criança, tendo como estratégia de operação a criação de 3 comitês: Nascer em Sobral Criança, Crescer e Desenvolver em Sobral Criança e Sobral Criança Cidadã. Naquele mesmo ano, Sobral contava com 50 creches, sendo 18 municipais e 32 comunitárias, conveniadas com o Estado. Das Escolas Municipais, 80 delas atendiam crianças de 4 a 6 anos. Com a municipalização da Política de Assistência Social em 1998, deu-se também início ao processo de municipalização da Educação Infantil com a criação do Programa de Centro Comunitário de Educação Infantil – CCEI, sendo que em 2000, a Secretaria Municipal de Educação iniciou o processo de integração da Educação Infantil ao sistema municipal de ensino, conforme posto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9394/1996), priorizando o atendimento das crianças de 4 a 6 anos, modalidade pré-escola. Em 2001, as principais ações foram: o redimensionamento das matrículas, nucleação das creches/escolas, a elaboração da proposta pedagógica para a Educação Infantil, 11 implementação da agenda 0-5 anos, formação continuada de 135 professores da Educação Infantil – Programa Nacional Parâmetros em Ação e acompanhamento e o projeto Bem Querer que visavam uma aproximação entre escola e família. Entre os anos de 2002 a 2006, houve um significativo avanço com a melhoria salarial para professores e gestores, ampliação da equipe de coordenadores pedagógicos nos centros de educação infantil e escolas, formação de uma equipe de formadores de professores exclusiva para a Educação Infantil, programa de valorização do magistério, elaboração de instrumentos avaliativos do desenvolvimento processual da criança, seleção de professores oriundos da rede estadual que migraram para a rede municipal, a informatização da matrícula pelo PAC – Criança Feliz – Programa Saemec e a construção da primeira proposta pedagógica para a Educação Infantil de Sobral. Nos anos de 2005 e 2006, as áreas de conhecimento eram desenvolvidas e distribuídas para o planejamento e trabalho dos professores através de capacitações. Trabalhavam-se atividades extras que contemplavam competências da avaliação externa. Logo em seguida é inaugurada a Escola de Formação Permanente do Magistério (ESFAPEM), em 2006. Ainda em 2007, as creches eram acompanhadas pela fundação de ação social, vinculada à Secretaria de Saúde e Ação Social e mantidas pelo governo do estado no programa Criança Feliz, pois a Secretaria da Educação não recebia recursos para manutenção das mesmas. No ano de 2008 a Secretaria da Educação assumiu de fato a educação das crianças de faixa etária de 0 a 5 anos de idade. Entre 2013 e 2018 foram inaugurados doze Centros de Educação Infantil com parceria o governo federal (Proinfância) e governo estadual (Proares), além dos centros construídos com recursos próprios. A Educação infantil nas últimas décadas vem recebendo uma atenção especial do poder público, sendo materializada através de projetos, parcerias e convênios. Em Sobral, são exemplos disso o PROARES e o PROINFANCIA. O PROARES é um Programa de Apoio às Reformas Sociais do Ceará, financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, que objetiva expandir e fortalecer a rede de serviços sociais em educação infantil, assistência social, esporte, cultura e capacitação profissional voltada para crianças, buscando melhorar as condições de vida e a inserção social das que estão em situação de risco social, bem como de seus familiares, além de fortalecer a capacidade de gestão estadual e municipal, principalmente na área social. 12 O PROINFÂNCIA é o Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância), instituído pela Resolução nº 6, de 24 de abril de 2007, compondo uma das ações do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) do Ministério da Educação, visando garantir o acesso de crianças a creches e pré-escolas, bem como a melhoria da infraestrutura física da rede de Educação Infantil. Em uma ação conjunta com outras secretarias, o atendimento às crianças vem passando por melhorias significativas. O cuidado anteriormente realizado pela Fundação de Ação Social foi incorporado pela Secretaria da Educação ainda nos primeiros anos do século XXI, por acreditar que ao cuidado poderia ser acrescido o ensino. Além de oferecer estruturas físicas adaptadas e adequadas a esse atendimento. Pensando na qualidade, nos últimos anos foram construídos quinze novos prédios para o funcionamento dos Centros de Educação Infantil. Essas construções foram possíveis através das parcerias citadas anteriormente, assim como com recursos próprios. O resultado dessas ações se refletem na universalização do atendimento de crianças com 4 e 5 anos, a partir do ano de 2011, e com um percentual de 48,58% do atendimento em creches, superando a média do Brasil que é de 32,7%. As crianças de 1 a 5 anos e 11 meses permanecem nos CEIs durante quatro horas diárias, fazendo duas a três refeições. Para todas as idades, estão ofertados materiais didáticos, insumos para a higiene e fardamento completo. O acesso à Educação Infantil possibilita a vivência, pelos bebês e crianças, de um projeto de educação e cuidado que visa ao pleno desenvolvimento na primeira infância. Todos os professores possuem formação em pedagogia e são lotados a partir de concursos públicos ou seleção em ampla concorrência. E durante os seus exercícios, recebem uma formação em serviço desenvolvida por uma organização especializada, onde são trabalhadas orientações didáticas, o desenvolvimento de práticas, estudos sobre documentos e normativas e a realização de oficinas temáticas. Para garantir a presença do professor nessa formação, a Secretaria da Educação contrata professores substitutos, como também estagiários, para assumirem e apoiarem a sala de aula em sua ausência, não tendo assim prejuízo para as crianças, já que a formação é realizada dentro de sua carga horária. Outro diferencial é o encontro mensal específico para coordenadores pedagógicos, que acompanham a Educação Infantil do município de Sobral, que configuram momentos de trocas e fortalecimento do acompanhamento pedagógico. 13 Merece destaque a Semana do Bebê, realizada desde 2011, que a cada ano trouxe grandes conquistas para a Educação Infantil, como a licença maternidade de oito meses para as mães que fazem parte da rede municipal, por exemplo. No ano de 2013, o Conselho da Criança e do Adolescente, em parceria com a Prefeitura Municipal de Sobral, construiu,de forma participativa e democrática, o Plano Municipal pela Primeira Infância com vigência de 2015-2024. O mesmo foi aprovado pelo Poder Legislativo e reconhece valores e princípios. O plano municipal de educação também sofreu alterações e estabeleceu normas para o credenciamento e autorização da educação infantil no município de Sobral através da resolução nº 06/2015. Hoje, a Educação do município vem priorizando cada vez mais a primeira infância, com a construção de novos centros de Educação Infantil, com a universalização do atendimento de crianças de 4 a 5 anos e com a ampliação da oferta para crianças de 0 a 3 anos, o que evidencia e destaca Sobral nacional e internacionalmente como exemplo em muitos aspectos relacionados ao desenvolvimento integral das crianças. A Secretaria da Educação tem se empenhado em desenvolver parcerias com as Universidades, acolhendo muitos estagiários de diversos cursos, sobretudo pedagogia, para estagiar na Educação Infantil, como requisito obrigatório do curso, contribuindo desta forma com o desenvolvimento de futuros profissionais que irão atuar nesta importante etapa. No ano de 2015 deu-se início à escrita de um documento que teve como ponto de partida um diagnóstico das práticas curriculares de Sobral, bem como as expectativas sobre o futuro da educação escolar da mesma. Esse documento, Diagnóstico da Situação Curricular do Município de Sobral e Mapeamento de Expectativas Locais, serviu de base para a construção dos critérios orientadores que representam um conjunto de princípios que embasam a produção de um documento curricular pensado para o ensino fundamental. Diante da construção dos currículos do ensino fundamental e incentivados pela homologação da BNCC, foi vista a necessidade de construir o documento curricular para a educação infantil com o objetivo de deixar claros os objetivos de aprendizagens, bem como orientações teórico-metodológicas que apontam para onde a rede deva caminhar. No ano de 2017, uma das primeiras ações da gestão Ivo Ferreira Gomes foi criar uma coordenação específica para a Educação Infantil com o objetivo de se ter um olhar mais 14 aprofundado para as crianças desse município. Passados 45 anos do início dessa história aqui resgatada, Sobral passou por uma reestruturação no seu sistema educacional, principalmente na ampliação e qualificação da rede de atendimento da Educação Infantil, chegando aos dias de hoje com a seguinte condição: Unidades Escolares Matrícula Profissionais (magistério e administrativos) Escolas com Educação Infantil 27 3.825 473 Centros de Educação Infantil 15 6.145 531 Total 42 9.970 1.004 A atual gestão da Educação de Sobral vê a vivência escolar como parte essencial do processo de desenvolvimento da criança e compreende que, investir na ampliação e qualificação do atendimento fará toda a diferença no desenvolvimento dos cidadãos sobralenses. Colcha de retalhos: muitas mãos, muitos trabalhos A Coordenadoria da Educação Infantil realizou uma reunião com os diretores dos Centros de Educação Infantil, coordenadores pedagógicos, formadores da ESFAPEGE e representantes do Conselho Municipal de Educação para discutir e pensar a construção do novo documento curricular. Posteriormente foi formado um grupo de trabalho (GT), composto por representantes da SEDUC, ESFAPEGE, Conselho municipal da educação, Diretores, Coordenadores pedagógicos, professores. No primeiro ano de estudo, o grupo de trabalho contou com a orientação da professora Daniela Macambira e, posteriormente, com a consultoria da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal. 15 Antes da realização do primeiro encontro do GT, a Coordenadoria da Educação Infantil definiu, juntamente com alguns representantes do Grupo, alguns conceitos e questões que norteariam a produção do currículo. A noção de criança e as interações e a brincadeira que são os eixos norteadores do trabalho pedagógico, de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, o processo de ensino-aprendizagem em uma perspectiva sócio-histórico-cultural, a formação integral do ser, a intencionalidade pedagógica foram temas definidos como eixos fundamentais do trabalho do GT. Nos primeiros encontros do GT foi discutida a temática: “A criança que tínhamos, que temos e a que queremos ter”, com a intencionalidade de definir o conceito da infância desejada. As atividades que estão presentes na rotina diária atual da Educação Infantil das escolas e centros de educação infantil de Sobral também foi pauta de estudo. Outra temática abordada foi o resgate da história da Educação Infantil do município de Sobral. Essas temáticas, abordadas até novembro de 2017, tinham o objetivo de reconhecer avanços dessa modalidade em Sobral, como também centrar nossos estudos a fim de atender à necessidade dos professores como demais profissionais que utilizasse esse documento como ponto de partida para suas práticas. No ano de 2018, foram definidos os tempos que irão compor a macro rotina das instituições de Educação Infantil do município e as definições de dimensões do currículo que trazem a identidade de Sobral. Para tanto, foram realizadas pesquisas de campo em escolas da sede e distrito, com gestores escolares, professores, familiares e com crianças do 1° ano do ensino fundamental. As visitas também ocorreram nos centros de educação infantil com observação de sala de aula, diálogo com as crianças do infantil V e familiares de todos os segmentos. O grupo realizou uma atividade externa, em que participou do Fórum de Educação Infantil do Ceará. Na ocasião, assistiu à palestra “Reflexões sobre a BNCC”, ministrada pela Profa. Zilma de Oliveira, na qual foi abordada a especificidade da Educação Infantil, a concepção de criança e o trabalho a ser realizado nas instituições educacionais. No ano de 2019 uma importante parceria foi firmada entre a Prefeitura Municipal de Sobral e a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal com o objetivo de dar celeridade e orientação técnica e teórica na construção do currículo para a educação infantil. Parceria que desencadeou estudos e pesquisas na avaliação de insumos, de processos pedagógicos e dos resultados relativos às aprendizagens de nossas crianças matriculadas na pré-escola. 16 O trabalho empreendido no GT (Grupo de Trabalho) foi uma tentativa de equacionar o que já é realizado nas unidades de educação infantil e que configuram práticas que devem ser ampliadas, compartilhadas e aprofundadas, portanto ganhos que a rede já conquistou e também aquilo que é desafio para a rede e que se quer fazer avançar. Além disso, esse movimento buscou a articulação com a BNCC e a ampliação do diálogo para garantir as múltiplas vozes e experiências que compõem a rede. CAPÍTULO II – HÁ UMA CRIANÇA EM CADA UM DE NÓS: Princípios estruturantes do currículo O Currículo da Educação Infantil de Sobral se estrutura a partir de princípios e concepções que orientam as propostas pedagógicas, com vistas ao desenvolvimento pleno das crianças. Esses princípios estão expressos em sete afirmativas que ressaltam concepções de criança, desenvolvimento integral, inclusão e respeito à diversidade humana, currículo, professor, família e integração curricular. A criança, sujeito histórico e de direitos, aprende e se desenvolve a partir das interações e brincadeiras que vive com outras crianças e com os adultos. A integralidade do desenvolvimento demanda ações necessárias de cuidado e educação das crianças O currículo se define como espaço de articulação das experiências das crianças, ampliação do repertório cultural e das práticas de letramento A intencionalidade educativa e o papel do professor estão conectados ao seu protagonismo na garantia dos direitos de aprendizagens e desenvolvimento das crianças Educar crianças supõe parceriadas escolas com as famílias e comunidades na construção de um projeto pedagógico coletivo 17 1) A criança, sujeito histórico e de direitos, aprende e se desenvolve a partir das interações e brincadeiras que vive com outras crianças e com os adultos A partir do século XIV e início do século XV, com a chegada da Idade Moderna, iniciam- se muitas mudanças em relação aos modos como as pessoas irão perceber, tratar e se relacionar com as crianças. Começam a perceber a criança como um ser diferente do adulto. Surge um novo sentimento, o de “paparicação” e o outro que contrapõe é o de “imperfeito e incompleto”. Com o advento do Iluminismo, da Revolução Industrial, a nova classe burguesa e a preocupação em formar um “novo homem” acontecem rupturas e transformações de mentalidades das pessoas, bem como a constituição e solidificação da família burguesa e novas formas de relacionar-se, sendo a valorização dos laços familiares uma característica, com isso as crianças começam a ocupar um espaço de preocupações na vida dos adultos (como e o que vestir, como brincar, entre outros). Assim as crianças começam a ser o centro das atenções e passam a ser temas de estudos e observações. Se antes a função de educar era da comunidade, progressivamente esse papel vai se ampliando para a escola, instituição que começa a se consolidar como central na sociedade moderna. Assim, percebe-se que o conceito de infância e o modo de ver a criança mudam de acordo com a sociedade. Essa retomada na história serve para refletir a forma como se entender e como se relacionar com as infâncias e as crianças. Assim é necessário repensar e abrir espaço para discussão a respeito da construção do conceito de infância, qual tempo da infância e quem é a criança de quem tanto se fala. Além disso, os estudos sociais contemporâneos sobre a infância nos levam a reconhecer a diversidade nos modos de viver a infância e se relacionar com as crianças. Nas atuais DCNEI (2009), essa noção de criança como sujeito histórico e de direitos impacta diretamente as propostas pedagógicas na Educação Infantil quando, ao colocá-la como centro do planejamento curricular, assume-se que nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura (BRASIL, 2009). É nessa atividade cotidiana, junto com parceiros de mesma e de outras idades ou adultos, que as crianças se apropriam do repertório da cultura, constroem conhecimento e se desenvolvem. 18 Desde que nascem, os bebês apreendem os significados que organizam o seu meio e também vão continuamente dando sentido a si e ao mundo, no contexto das interações sociais. É bonito perceber como, muito precocemente, uma bebê expressa estados emocionais (satisfação, prazer, dor, irritação...), por meio do riso, do choro, dos movimentos do corpo, e que vão sendo “lidos” por aqueles que se relacionam e cuidam desse bebê. Essa expressão e interpretação do mundo vão ganhando novos contornos e novas possibilidades, assim como novos parceiros de interações, inclusive os parceiros na escola (adultos e outras crianças). Se, no início, as interações das crianças com os adultos eram as mais valorizadas, especialmente, porque se considerava que a maior experiência do adulto era o que ensinava às crianças, atualmente, tem-se ressaltado a importância das interações que se configuram entre as crianças, inclusive, as interações dos bebês. Quando um bebê observa o outro, e traz para si seus gestos, por meio da imitação, ele aprende. Aprende, acima de tudo, o que sente naquela situação, como mobiliza seu corpo para participar daquela brincadeira, aprende novos gestos, novas formas de agir e interagir. É importante salientar que as crianças aprendem de formas e ritmos distintos. Cada uma vivenciará, a partir de sua singularidade, os diversos acontecimentos, conforme experimenta novas sensações, emoções, observações etc. Nessa direção, a brincadeira ganha relevância se se entende como atividade principal na aprendizagem e no desenvolvimento das crianças, já que nesses momentos a criança coloca em jogo o que já conhece, mas também agrega novos elementos à interação, criando cenários, personagens, formas de ação. A materialidade da brincadeira abre caminhos que deságuam substancialmente no imaginar. A imaginação possui a potencialidade na infância de criar vínculo entre a criança e suas experiências, tornando seus sentidos regenerados e transformados. No pensamento de Vygotsky as brincadeiras simbólicas são ótimas oportunidades de perceber, compreender e ampliar as experiências de aprendizagens das crianças. Nesse ensejo é preciso compreender que a criança vive sua relação com o outro e com o mundo através da criatividade e descoberta, é o espaço entre o real e a reinvenção da realidade que auxilia a criança a refletir através da procura de soluções e alternativas para o mundo que as rodeia. O olhar da criança é valorização daquilo que os adultos consideram sem importância, os adultos buscam finalidades, a criança encantamento. Para a criança um grampeador pode ser um avião e o que ela imaginar. A criança olha o mundo a partir de suas experiências e sua 19 linguagem é ampliação do mundo vivido e imaginado. Por isso, a importância de conhecer o lugar da criança e da infância que jamais podem ser dissociadas do contexto social e histórico de onde procedem. A infância é o lugar do encontro com a integridade, é a aquisição livre do olhar, e, por meio da criação, transmuta o mundo vivido. É a livre experiência das “coisinhas do chão”, como dizia Manoel de Barros, repleta de contornos e texturas. A criança, ao contemplar a profundidade das experiências através da imaginação, permite conhecer a concretude e unidade da existência, em um movimento investigativo e habitado pelo devaneio secreto. O brincar cria possibilidades. A materialidade do brincar ocupa o lugar de significância na alma da criança, cria oportunidades para a criança relacionar o corpo com a matéria, aguça os sentidos e repercute em uma originalidade e uma vida autêntica. A criança usa sua experiência como uma artesã, nutre-se dos elos que faz no trajeto do brincar; sua especialidade não está na técnica, mas no caminho, na apreciação, no refinamento, no desejo, na vitalização; é no tempo e ritmo do percurso que cada criança constrói sua artesania. Decorrendo dessa compreensão, as DCNEI, em seu Artigo 9º, definem como eixos norteadores das práticas pedagógicas as interações e brincadeira, favorecendo experiências por meio das quais as crianças podem construir e se apropriar de conhecimentos na interação com seus pares e adultos, possibilitando aprendizagem, desenvolvimento e socialização. Reafirmando esses eixos, a Base Nacional Comum Curricular compreende a criança e sua atividade atravessadas pelas construções sociais, por meio da qual desempenham papel ativo em ambientes que as convidam a vivenciar desafios e a se sentirem provocadas a resolvê-los, para que possam construir significados sobre si mesmas, os outros e o mundo social e natural. Desta forma é imprescindível que, nas práticas pedagógicas, cada vez mais as crianças assumam o espaço de protagonistas, em que o professor assume o papel de mediador, planejando que no cotidiano haja espaços de escuta, estímulo, discussões, enfim, de múltiplas interações. 2) A integralidade do desenvolvimento demanda ações necessárias de cuidado e educação das crianças 20 De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96), a finalidade da Educação Infantil é a promoção do desenvolvimento integral da criança de 0 a 5 anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, sociale intelectual. Por esse motivo a criança deve ser entendida como um ser integral, pois desde o seu nascimento vivencia experiências significativas no contato com pessoas e objetos, ampliando sua curiosidade e inquietações mediadas pelos parceiros mais próximos como pais, irmãos, avós, tios e professores. A criança, compreendida em sua integralidade, possibilita a concretização do cuidar e do educar de forma presente e articulada em cada momento da prática pedagógica. Exemplo como o momento da troca de fraldas que é essencial para a sua higiene e saúde, mas também para a construção de um vínculo afetivo, e do desenvolvimento corporal do bebê. Contudo temos que refletir sobre algumas práticas em que estão voltadas para o professor como figura central no processo de ensino e aprendizagem, por isso devemos possibilitar momentos de reflexão para que o mesmo possa compreender o modo particular de ser das crianças e não do adulto. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2010) definem os espaços de atendimento à educação infantil como locais que educam e cuidam de crianças de 0 a 5 anos de idade. Cuidar e educar devem ser, pois, ações indissociáveis, sendo ambas de grande importância, sobretudo quando se trata de educação infantil. A esse respeito, Brasil afirma que: Educar de modo indissociado do cuidar é dar condições para as crianças explorarem o ambiente de diferentes maneiras (manipulando materiais da natureza ou objetos, observando, nomeando objetos, pessoas ou situações, fazendo perguntas etc) e construírem sentidos pessoais e significados coletivos, à medida que vão se constituindo como sujeitos e se apropriando de um modo singular das formas culturais de agir, sentir e pensar. Isso requer do professor ter sensibilidade e delicadeza no trato de cada criança, e assegurar atenção especial conforme as necessidades que identifica nas crianças (Brasil, 2009. p. 10). 21 Cuidar e educar envolve conhecer as crianças em sua singularidade: seus gostos, desejos, limitações, necessidades (inclusive as posturais, as relacionadas à saúde). Perceber se a criança alimentou-se bem, se está conseguindo estabelecer boas interações, como se comporta em diferentes espaços da instituição, se sente sono, calor, se é tímida. Conhecer a criança, sua história de vida. Valorizar suas descobertas, demonstrar afeto, gerar situações de confiança e autonomia, incentivando-a para que confie em si mesma, aprenda e se desenvolva. Preocupar- se com o ambiente, perceber se a criança veio com comportamento diferente, se precisa de cuidados específicos, se tem seus direitos garantidos. Para Barbosa (2009), (...) cuidar e educar significa afirmar na educação infantil a dimensão de defesa dos direitos das crianças, não somente aqueles vinculados à proteção da vida, à participação social, cultural e política, mas também aos direitos universais de aprender a sonhar, a duvidar, a pensar, a fingir, a não saber, a silenciar, a rir e a movimentar-se (p.69). Nosso papel, enquanto professores, é de entender e atender as crianças, como afirma Lück (2005), e é somente através do olhar que seremos sensíveis e solícitos, garantindo que, de fato, haja uma educação que cuide e eduque de forma integral. No entanto, é importante que se reflita se estas ações de educar e cuidar são devidamente valorizadas pelos professores, pois quanto maior a percepção da importância do cuidar tanto quanto o educar, mais oportunidades as crianças terão quanto à aprendizagem e desenvolvimento. Para Didonet (2003), não há conteúdo educativo separado dos gestos de cuidar. Para Horn (2003), durante a vida diária a identidade da criança está sendo formada, exigindo do professor grande responsabilidade na hora planejar. 3) A escola de Educação Infantil como espaço de vida democrática, de inclusão e respeito às diferenças Falar em inclusão na Educação significa pensar que todos, independentemente de sua origem, sexo, classe social, etnia e singularidades de aprendizagens, têm Direitos de 22 Aprendizagem e Desenvolvimento. A Educação Infantil em Sobral se compromete com essa diversidade social e envida esforços para ensinar. É característica da História do Brasil a presença de diversas matrizes identitárias que configuram aquilo que se chama identidade brasileira. Ao mesmo tempo que conformam essa identidade, essas especificidades não podem ser apagadas, pois trazem especificidades para esse grande país de dimensões continentais e com variações nas formas de viver, sentir e pensar esse ser brasileiro. É nesse sentido que a Educação Infantil em suas Diretrizes Curriculares Nacionais ressalta a necessidade de garantir nas creches e pré-escolas: - a apropriação pelas crianças das contribuições histórico-culturais dos povos indígenas, afrodescendentes, asiáticos, europeus e de outros países da América; - o reconhecimento, a valorização, o respeito e a interação das crianças com as histórias e as culturas africanas, afro-brasileiras, bem como o combate ao racismo e à discriminação; E, por fim, - a acessibilidade de espaços, materiais, objetos, brinquedos e instruções para as crianças com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Na escola, essa diversidade comparece nas singularidades que as crianças trazem para esse cenário. São crianças que trazem nas histórias de suas famílias seus enraizamentos à cidade de Sobral, mas, ao mesmo tempo, experiências de migração vividas por elas mesmas ou pelos parentes. Trazem também a diversidade linguística, étnico-racial e religiosa. Tudo isso deve ser fator de contribuição para perceber a beleza da diversidade e não a opressão da exclusão. Junto com essa discussão da inclusão, emerge também a preocupação com as crianças que têm alguma deficiência, altas habilidades e transtornos gerais do desenvolvimento. Uma escola democrática garante que as práticas pedagógicas são pensadas de forma a possibilitar caminhos diversos para as aprendizagens, buscando superar resquícios de uma escola que se pautava pela padronização, pela comparação nas formas e possibilidades de aprender e, dessa forma, mais segregava e excluía do que ensinava. A busca pela inclusão vem sendo um grande desafio para as escolas, algumas vezes é preciso buscar mais conhecimentos (“Como aquela criança aprende? O que favorece a sua participação?), o que demanda abertura e leveza para perceber as singularidades. Só assim tem- se um terreno fértil para o diálogo e a quebra de paradigmas com o objetivo de tomar as melhores decisões no projeto pedagógico da Educação para a primeira infância. 23 O presente princípio estruturante deste Documento curricular da rede municipal de ensino de Sobral - Educação Infantil reforça e alinha-se profundamente com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, propostos pela ONU, especialmente o ODS 4 – “Educação de Qualidade”, que visa “assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos”. 4) O currículo se define como espaço de articulação das experiências das crianças, ampliação do repertório cultural e das práticas de letramento A compreensão de um currículo que abrange aprendizagens diversas das crianças é um reconhecimento historicamente constituído e que busca superar perspectivas restritas de uma Educação Infantil que se contentava em guardar/tutelar e cuidar das crianças enquanto seus pais trabalhavam ou, de outra perspectiva, se restringia ou sobrevalorizava práticas preparatórias para o Ensino Fundamental. Contemporaneamente a primeira etapa da Educação Básica o objetivo de ampliar o universo de experiências, conhecimentos e habilidades dessas crianças, diversificando e consolidando novas aprendizagens, atuando de maneira complementarà educação familiar (...). Para tanto, busca na criança interesses e experiências que traz para a escola e entrelaça-os aos saberes que advém do repertório científico, artístico, linguístico e tecnológico produzido na cultura. Uma escola de Educação Infantil tem compromisso com crianças e suas famílias ao partilhar um projeto educativo que garanta às crianças experiências variadas com as diversas linguagens, reconhecendo que o mundo no qual estão inseridas, por força da própria cultura, é amplamente marcado por imagens, sons, falas e escritas. Nesse processo, é preciso valorizar o lúdico, as brincadeiras e as culturas infantis (BRASIL, 2009b). A Agenda 2030 proposta no âmbito das Nações Unidas define um plano de ação para erradicar a pobreza, proteger o planeta e garantir que as pessoas alcancem a paz e a prosperidade. Para tanto, estabelece dezessete (17) Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis, que podem ser conhecidos em https://nacoesunidas.org/pos2015/ https://nacoesunidas.org/pos2015/ 24 No município de Sobral, pela sua própria história, o reconhecimento da importância das aprendizagens relativas à leitura e à escrita na Educação Básica leva a destacar a Educação Infantil como um espaço fundamental de ampliação e apropriação das práticas de letramento. Entendendo que essas práticas se referem a algo mais geral do que a competência para a escrita: ser letrado é ser competente para participar de uma determinada forma de discurso, sabendo-se ou não ler e escrever (GOULART, 2006, p. 03). Assim, este currículo defende a importância de um trabalho intencional e atento às especificidades da infância que assume o direito da criança a uma educação infantil que promova experiências com a linguagem escrita enquanto objeto criado pela humanidade e de impacto fundamental no nosso modo de viver, pensar, sentir e se comunicar e que: (...) exerce forte influência sobre a cultura infantil e é, ao mesmo tempo, e em certa medida, por ela influenciado. Desde que nascem, as crianças estão imersas em uma cultura específica e, ao longo do seu processo de desenvolvimento, vão criando estratégias para descrever o mundo, compreendê- lo e com ele interagir. A linguagem escrita, que nas sociedades contemporâneas influencia e, muitas vezes, determina as estruturas urbanas, as formas de interlocução, de expressão da cultura, é um dos elementos com os quais as crianças interagem e buscam dele se apropriar para melhor compreender o mundo e com ele se relacionar (Baptista, 2010, p.03). Essa compreensão tem relação com o processo de alfabetização das crianças que é uma faceta da aprendizagem da língua escrita, a faceta propriamente linguística, conforme Soares (2018)6, e que refere à apropriação do sistema alfabético-ortográfico e das convenções da escrita, é possível perceber que ao imergir de forma complexa nas práticas de letramento, em ambientes que possibilitem diversificados eventos de letramento, a criança também participa de situações que a colocam a pensar sobre aspectos que dizem respeito à alfabetização. Exemplo disso são as hipóteses que as crianças vão levantando a respeito das relações entre as letras de seus nomes, os rótulos de produtos que utilizam cotidianamente e as histórias que escutam ou leem (mesmo sem saber ainda ler). 6 Soares, Magda. Alfabetização: a questão dos métodos. São Paulo: Contexto, 2018. 25 A Educação Infantil, assim como os demais segmentos da Educação Básica, tem um compromisso alfabetizador com as crianças que deve significar a formação de leitores e escritores competentes (Luize, 2016). Competentes para quê? É a pergunta crucial. Se estamos falando de uma educação que favoreça à ampla e complexa possibilidade de participar das diversas situações sociais de forma crítica, solidária, democrática e conectada com a melhoria do próprio modo de viver humano, então, a competência deve ser a de poder participar de forma mais crítica, ampla e complexa das práticas sociais que envolvem a leitura e a escrita. A especificidade da criança pequena e, portanto, da Educação Infantil deve levar em conta que “Quando se fala da importância da participação cotidiana em atos de leitura e de escrita na Educação Infantil, quando se fala desse “compromisso alfabetizador”, não se tem em mente antecipar conteúdos escolares do Ensino Fundamental, tampouco reduzir o tempo de experiências cruciais na infância, como o brincar” (LUIZE, 2016, p.23). Espera-se que a Educação Infantil seja oportunidade de construir com as crianças uma posição ativa como leitoras e produtoras de texto. Assim, quando as crianças participam de eventos de letramento tais como a leitura de uma história, a escrita coletiva de um convite, a produção de um álbum sobre animais ou de um passeio da turma, a leitura de um álbum noticioso, podem construir conhecimento sobre diferentes gêneros que medeiam as práticas de linguagem e desenvolver habilidades diversas relativas às atividades de ler e escrever. Nesse currículo, o trabalho com a linguagem escrita não foca apenas a alfabetização, mas o enriquece, pois, no contexto das práticas sociais que envolvem a linguagem verbal (oral e escrita), coloca as práticas de leitura e escrita, portanto, os letramentos, como situações sociais em que: A escrita é uma linguagem, não se escreve para comprovar uma hipótese ou mostrar habilidades, escreve-se quando se tem o que dizer para si mesmo ou para o outro, quando se quer registrar para não esquecer. Portanto, para se apropriarem da linguagem escrita, as crianças precisam viver situações reais e significativas em que a escrita seja relevante e necessária. Cabe à professora mediar esse objeto cultural com todas as suas possibilidades e diversidade e instigá-las a pensar sobre ele (MARCUSCHI, 2001 apud Brasília, 2006).7 7 Crianças como leitoras e autoras / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. 1ª ed.- Brasília: MEC/SEB, 2016. 128 p. (Coleção Leitura e escrita na educação infantil - v.6). 26 Reconhecer a importância da escrita não significa desvalorizar outras linguagens, ao contrário, significa sim reconhecer que, ao se apropriar mais e melhor das práticas sociais que envolvem a linguagem verbal (em suas modalidades oral e escrita) as possibilidades de aprender das crianças se ampliam e assim se favorece o seu desenvolvimento integral e as possibilidades de participação social em um mundo letrado que, a cada dia, cria novos letramentos e exige de nós uma formação como leitores e produtores de textos ativos e criativos. 5) A intencionalidade educativa e o papel do professor estão conectados ao seu protagonismo na garantia dos direitos de aprendizagens e desenvolvimento das crianças Ao dizer do compromisso da Educação Infantil com Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento das crianças, a BNCC (2017) nos inspira a pensar a atuação do professor como um profissional que tem a tarefa primordial de “garantir direitos”. Nessa direção, o referido documento curricular, ao mesmo tempo em que assume o protagonismo da criança na sua atividade de construção de conhecimento e de participação no cotidiano da vida, assume e ressalta o protagonismo docente e a intencionalidade educativa: (...) na organização e proposição, pelo educador, de experiências que permitam às crianças conhecer a si e ao outro e de conhecer e compreender as relações com a natureza, com a cultura e com a produção científica, que se traduzem nas práticas de cuidados pessoais (alimentar-se, vestir-se, higienizar-se), nas brincadeiras, nas experimentações com materiais variados, na aproximação com a literatura e no encontro com as pessoas (BRASIL, 2017, p. 39). Assim, parceiro fundamental das crianças na EducaçãoInfantil, o professor é aquele que enriquece os ambientes de aprendizagens, promove novas e boas interações e prospecta em seu planejamento novas possibilidades de aprendizagens. Para tanto, tem na especificidade de sua profissão as atividades de refletir, selecionar, organizar, planejar, mediar e monitorar o 27 conjunto das práticas e interações, garantindo a pluralidade de situações que promovam o desenvolvimento pleno das crianças (BNCC, 2017, p. 39). 6) Educar crianças supõe parceria das escolas com as famílias e comunidades na construção de um projeto pedagógico coletivo A Educação Infantil se faz na realização de sua função sociopolítica e pedagógica que inclui, dentre outros aspectos, assumir a responsabilidade de compartilhar e complementar a educação e cuidado das crianças com as famílias. Ao contrário de discursos que supõem uma relação de substituição, na verdade, o que se deseja é a construção de uma parceria, reconhecendo, como a filosofia africana, que É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança. Como instituição educativa, a escola também reconhece o seu papel disseminador de boas práticas na educação da primeira infância. Nessa direção, compartilha com as famílias os ensinamentos do programa Boston Basics, que se baseia em estudos sobre o desenvolvimento infantil e ressalta o quanto as boas experiências na primeira infância são constituintes de boas experiências de aprendizagens nos anos iniciais da vida, especialmente nos três primeiros anos de vida. Os princípios que revertem ensinamentos aos parceiros-cuidadores das crianças são: 1) Amplifique as demonstrações de amor e minimize as situações estressantes para as crianças; 2) Fale, cante e aponte para ampliar as situações de uso da linguagem pelos bebês; 3) Conte, agrupe e compare para propiciar boas situações de pensar pelas crianças; 4) Explore objetos e espaços pelo movimento e brinque com os bebês; 5) Leia histórias e as comente, junto com as acrianças. Esses princípios estão subjacentes às orientações metodológicas que alimentam esse Documento Curricular da rede municipal de ensino de Sobral - Educação Infantil e, ao mesmo tempo, enfatiza a importância de cada vez mais disseminar os princípios do Programa do Boston Basics com as famílias. 28 CAPÍTULO III – SOBRE APRENDER A VOAR, PLAINAR E POUSAR Os direitos de aprendizagem e desenvolvimento e a qualidade da Educação Infantil O compromisso da Educação Infantil com as crianças se concretiza nas aprendizagens que são garantidas na medida em que acessam e participam do cotidiano das instituições. A BNCC (Brasil, 2017) define um conjunto de seis Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento, que configuram condições para a organização do trabalho pedagógico. Tornam-se, assim, indicadores de uma Educação Infantil significativa para as crianças, se nos perguntarmos como estão sendo promovidos e como podemos garanti-los de forma mais ampla. O quadro a seguir propõe esse movimento de avaliação do trabalho desenvolvido na instituição, a partir de perguntas-indicadores, de como estão sendo concretizados os Direitos de aprendizagem e desenvolvimento, considerando as condições definidas pela BNCC. 29 Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento Indicadores de avaliação da promoção dos Direitos C o n v iv er .. . com outras crianças e adultos, em pequenos e grandes grupos, utilizando diferentes linguagens, ampliando o conhecimento de si e do outro, o respeito em relação à cultura e às diferenças entre as pessoas. Há momentos do dia nos quais as crianças são convidadas a escolher que atividades vão desenvolver? Têm autonomia na escolha de seus parceiros de brincadeira? São convidadas a ampliar essas relações? São convidadas a expressar afetos, ideias e interesses, e também a ouvir e compreender sentimentos e ideias dos colegas? Diferentes formas de organizar o grupo (turma toda, duplas, trios, momentos de trabalho individual) são presentes na rotina? B ri n ca r cotidianamente, de diversas formas, em diferentes espaços e tempos, com diferentes parceiros (crianças e adultos), ampliando e diversificando seu acesso a produções culturais, seus conhecimentos, sua imaginação, sua criatividade, suas experiências emocionais, corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais e relacionais. O tempo destinado à brincadeira está garantido na rotina, não se restringindo apenas aos minutos destinados ao momento de ida ao parque? Há momentos de brincadeira que garantem encontros das crianças com parceiros de diferentes idades (inclusive, outras turmas)? O repertório de brincadeiras é continuamente ampliado (faz-de-conta, brincadeiras tradicionais, jogos de regras, de exploração sensório-motora, jogos cooperativos, de construção, de tabuleiro etc.), garantindo a diversidade no brincar das crianças? P ar ti ci p ar .. . ativamente, com adultos e outras crianças, tanto do planejamento da gestão da escola e das atividades propostas pelo educador quanto da realização das atividades da vida cotidiana, tais como a escolha das brincadeiras, dos materiais e dos ambientes, desenvolvendo diferentes linguagens e elaborando conhecimentos, decidindo e se posicionando. Como são garantidas possibilidades de participação para as crianças com deficiências? As crianças são convidadas, mobilizadas e apoiadas a participar da organização da rotina, conforme as necessidades da turma? As crianças têm liberdade de escolher as brincadeiras ou atividades em algum momento do dia? As crianças têm autonomia na escolha dos materiais para o desenvolvimento das atividades? 30 E x p lo ra r. .. movimentos, gestos, sons, formas, texturas, cores, palavras, emoções, transformações, relacionamentos, histórias, objetos, elementos da natureza, na escola e fora dela, ampliando seus saberes sobre a cultura, em suas diversas modalidades: as artes, a escrita, a ciência e a tecnologia. As crianças têm oportunidades de frequentar, de forma regular (várias vezes na semana), os diferentes espaços da escola? São suficientes os momentos na rotina em que as práticas são “desemparedadas” para que as crianças tenham experiências nos espaços externos? Em que medida as crianças têm acesso a diferentes obras de arte, elementos da natureza e objetos e materiais diversificados para suas explorações, manipulações e investigações? E x p re ss ar .. . como sujeito dialógico, criativo e sensível, suas necessidades, emoções, sentimentos, dúvidas, hipóteses, descobertas, opiniões, questionamentos, por meio de diferentes linguagens. Gestos, sorrisos, choros, balbucios, expressões faciais, movimentos corporais são compreendidos e considerados como linguagem expressiva dos bebês? As crianças são convidadas a tomar iniciativas para comunicar suas ações, necessidades e desejos e fazer escolhas? Como promovemos na rotina a liberdade de expressão, por meio de diferentes linguagens? C o n h ec er -s e. .. construir sua identidade pessoal, social e cultural, constituindo uma imagem positiva de si e de seus grupos de pertencimento, nas diversas experiências de cuidados, interações, brincadeiras e linguagens, vivenciadas na instituição escolar e em seu contexto familiar e comunitário. Há momentos na rotina que favorecem a criança reconhecer-se e valorizar sua identidade? Os profissionais da escola ajudam as crianças a considerar outras formas (não agressivas) de lidar com suas emoções? São disponibilizadas nos diferentes ambientes educativos modelos de beleza e referências de imagens que representem a diversidade étnico-racial brasileira (livros de literatura, imagens, artefatos da cultura etc.)? 31 Esses indicadores não se esgotam e,continuamente, devem ser complementados pelas equipes escolares, à medida que se vai avançando no trabalho com as crianças, configurando um processo contínuo de avaliação institucional. A avaliação institucional possibilita compreender melhor que qualidade é ofertada na Educação Infantil, a partir de uma compreensão mais aprofundada de como estão se desenvolvendo os processos educativos, não se restringindo, mas sim complementando as informações que advêm dos processos de avaliação das aprendizagens das crianças. O olhar atento para os Direitos de aprendizagem e desenvolvimento pode enriquecer os processos avaliativos que já vêm sendo realizados em unidades de Educação Infantil, no município, a partir do documento Indicadores de Qualidade na Educação Infantil. As crianças, o repertório da cultura e as múltiplas linguagens As crianças aprendem e se desenvolvem a partir da imersão no mundo em que vivem, vivências essas que promovem experiências de aprendizagens com as múltiplas linguagens e saberes que compõem o repertório científico, tecnológico, linguístico, cultural e artístico. A experiência de avaliação empreendida no Centro de Educação Infantil Dolores Lustosa, a partir do documento Indicadores de qualidade na Educação Infantil, levou à elaboração de um Plano de Ação, a partir de necessidades emergentes da comunidade. Ações essas que previam a: • criação de um quadro expositor da proposta pedagógica; • organização de um seminário interno sobre inclusão; • ampliação da quantidade de tempo de atividades realizadas ao ar livre; e • qualificação do planejamento do professor visando ampliar a autonomia das crianças em suas escolhas. Essa experiência está publicada em https://gestaoescolar.org.br/conteudo/2267/como-avaliar-a- qualidade-da-educacao-infantil-na-sua-escola https://gestaoescolar.org.br/conteudo/2267/como-avaliar-a-qualidade-da-educacao-infantil-na-sua-escola https://gestaoescolar.org.br/conteudo/2267/como-avaliar-a-qualidade-da-educacao-infantil-na-sua-escola 32 Ao participar cotidianamente da rotina da escola, a criança vivencia experiências pessoais e coletivas que constituem a si mesma e a sua relação com o outro. Constroem juntos, adultos e crianças, ambientes que favorecem interações éticas que vão além das necessidades individuais, construindo uma perspectiva de sujeitos ético-coletivo contemporâneo, para o respeito e a relação de vida com a alteridade. A experiência da criança está atravessada por múltiplos conhecimentos e linguagens, que configuram a própria produção humana, selecionados pelos adultos para promover a imersão das crianças mais abrangente na cultura. A linguagem é uma construção humana. Pode-se dizer que a capacidade criadora do ser humano constituiu e constitui diversas formas de dizer, de significar, de criar novas realidades. O ser humano constitui e é constituído por linguagens. Dessa forma, o papel da Educação Infantil é organizar os ambientes para que as múltiplas linguagens apareçam em sua diversidade, refletindo o amplo repertório artístico-cultural, científico, tecnológico, linguístico e social da humanidade e constituindo experiências de aprendizagens significativas, que afetam as crianças em seus conhecimentos e subjetividades. Assim é que a BNCC (Brasil, 2017, p. 36), destaca que creches e pré-escolas têm a tarefa de ampliar o universo de experiências, conhecimentos e habilidades dessas crianças, diversificando e consolidando novas aprendizagens, atuando de maneira complementar à família (...). Esse processo de apropriação das formas de pensar, sentir e agir humanos se dá desde o nascimento. Para o bebê, é por meio das expressões faciais, dos movimentos do corpo e dos sentidos que pode interagir com os parceiros, percebendo e reconhecendo sensações, expressando estados afetivos e corporais, enfim construindo suas primeiras impressões e conhecimento sobre si mesmo e o outro. Mais desenvolvido, já tendo possibilidade de falar, mesmo assim, essa linguagem corporal ainda é recurso de grande importância para as crianças pequenas. É por meio da imitação e da criação e expressão de novos gestos que se sustenta a brincadeira simbólica, reconhecida por Vygotsky (2008) como aquela que empurra a criança à frente do seu desenvolvimento, que a coloca para agir em uma situação imaginária, portanto, criando voluntariamente uma intenção, realizando algo que provém de seus interesses, curiosidade e atenção sobre o mundo social. Para tanto, o gesto, junto com outras 33 linguagens, apoia essa criação. Basta olhar toda a expressividade gestual empreendida pela criança para assumir o papel de enfermeiro, de chefe, de cuidador, de heroína, de animal, dentre muitos outros, nas brincadeiras simbólicas. A criança também projeta em gestos o seu pensamento, que, por sua vez, é influenciado pelo seu gesto. Quem nunca viu uma criança abrir os braços, ficar na ponta dos pés e esticar todo o corpo para contar ao seu interlocutor o quanto “era muito grande aquela coisa!”. É interessante observar essa mistura de pensamento, gesto e expressão da criança também nas oportunidades que tem ao desenhar. Algumas crianças se posicionam sentadas e se inclinam sobre a mesa para fazer a sua produção gráfica. Outras, porém, sentem necessidade de levantar, por vezes, giram em torno de seus desenhos e pinturas, em um exercício de experimentação e observação do que está em processo. Muitas vezes, esse “levantar” é lido como indisciplina ou incontinência motora das crianças, com reações dos adultos que colocam a criança para sentar ou “ficar quieta”. Parece emergir daí uma compreensão de que para estar atento ou envolvido com a atividade é preciso estar imóvel, preferencialmente sentado. Há pesquisas que mostram que, ao contrário disso, o movimento e a variação postural das crianças pode favorecer a atenção e a aprendizagem, questionando essa concepção de aprendizagem que reconhece apenas na imobilidade a possibilidade de estar atento (Galvão, 2004)8. Para confirmar essas ideias de que o movimento pode favorecer o pensamento e a criança, basta olhar a movimentação dos artistas quando produzem suas obras, ou mesmo, relembrar na história da Filosofia as aulas peripatéticas de Aristóteles. Assim, mais do que apenas “permitir” a expressão dessa linguagem corporal, as instituições de Educação Infantil são espaços de ampliação, criação e construção coletiva dessa riqueza gestual, que se articula às outras linguagens. 8 Galvão, Izabel. Cenas do cotidiano escolar: conflito sim, violência não. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. "Peripatético" é a palavra grega para 'ambulante' ou 'itinerante'. Peripatéticos (ou 'os que passeiam') eram discípulos de Aristóteles, em razão do hábito do filósofo de ensinar ao ar livre, caminhando enquanto lia e dava preleções, por sob os portais cobertos do Liceu, conhecidos como perípatos, ou sob as árvores que o cercavam. Retirado de https://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_per ipat%C3%A9tica https://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_peripat%C3%A9tica https://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_peripat%C3%A9tica 34 Nesse conjunto de linguagens estão as duas modalidades da linguagem verbal, a oral e a escrita, que se mostram com especificidades, mas, que, ao mesmo tempo, se interpenetram e influenciam mutuamente. É interessante compreender brevemente algumas ideias que historicamente se constituíram sobre o desenvolvimento da linguagem verbal. Rojo (2010)9 refere que se tinha inicialmente uma compreensão linear, cumulativa e segmentada acerca do desenvolvimento da linguagem. Uma forma de entender o desenvolvimento da linguagem que acreditava que a criança aprendia a falar (modalidade oral da linguagem) e, só depois, a escrever, como se a aquisição das linguagens oral e escrita
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