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Dignidade Humana como Valor Forte

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1 
A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO VALOR-FONTE DO SISTEMA 
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO 
Fernanda Schaefer Rivabem 
Graduou-se em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, campus Curitiba, em 2000. 
Especializou-se em Direito Processual Civil pela mesma instituição em 2003. Foi bolsista CAPES no 
Mestrado em Direito Econômico e Social da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, curso que 
concluiu em março de 2005 com a defesa de dissertação: A Aplicabilidade do Código de Defesa do 
Consumidor aos Procedimentos Médicos Realizados à Distância, conceito A. 
Autora de obras e artigos sobre responsabilidade médica e Biodireito; integrante do Grupo de 
Pesquisa em Biodireito, vinculado ao Mestrado em Direito Econômico e Social da PUC-PR; 
professora de Direito dos cursos de Ciências Contábeis e Processamento de Dados da Faculdade 
FACET e professora de Direito Civil (Obrigações e Contratos) do curso de Direito da Faculdade 
Pitágoras, ambas de Curitiba. 
e-mail: fschaefer@sau.com.br ou fschaefer@terra.com.br 
 
RESUMO: A Constituição Federal Brasileira de 1988 consagrou no art. 1º, inciso III, 
o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado 
Democrático de Direito. Diante de tal previsão constitucional restou à doutrina tentar 
conceituar esse importante valor fonte do sistema jurídico, político e social, 
buscando fixar-lhe significado e abrangência. O presente estudo não tem a 
pretensão de apresentar um conceito inovador do princípio, mas demonstrar a sua 
relevância como valor fonte de todo sistema jurídico e social que se pretende 
democrático. 
 
PALAVRAS-CHAVE: Dignidade; Pessoa humana; Constituição; Valor-fonte. 
 
 
 
2 
“Nenhum princípio é mais valioso para compendiar a unidade material da Constituição que o 
princípio da dignidade da pessoa humana”. 
Paulo Bonavides (2000) 
INTRODUÇÃO 
A lei fundamental de um país tem por característica ser reflexo do momento 
histórico da sociedade que pretende regulamentar. Nesse sentido, ensina Paulo 
BONAVIDES (2001), que o sistema constitucional consiste em expressão que 
permite perceber o verdadeiro sentido tomado pela Constituição Federal em face da 
ambiência social que ela reflete, e cujos influxos está cada vez mais sujeita. 
Assim, como a maioria das atuais Constituições Latino-Americanas, a 
Constituição Federal Brasileira de 1988, é fruto da luta contra o autoritarismo do 
regime militar, surgindo em um contexto de busca da defesa e da realização de 
direitos fundamentais do indivíduo e da coletividade nas mais diferentes áreas 
(econômica, social, política...). Seguindo a tendência do constitucionalismo 
contemporâneo, incorporou expressamente ao seu texto o princípio da dignidade da 
pessoa humana (art. 1º, inciso III),1 definindo-o como fundamento da República e do 
Estado Democrático de Direito.2 
Sobre a decisão do constituinte de 1988 em positivar o princípio da 
dignidade da pessoa humana, destaca Ingo Wolfgang SARLET (2002, p. 68) 
Consagrando expressamente, no título dos princípios fundamentais, a dignidade da pessoa 
humana como um dos fundamentos do nosso Estado democrático (e social) de Direito (art. 
1º, inc. III, da CF), o nosso Constituinte de 1988 – a exemplo do que ocorreu, entre outros 
países, na Alemanha -, além de ter tomado uma decisão fundamental a respeito do sentido, 
da finalidade e da justificação do exercício do poder estatal e do próprio Estado, reconheceu 
categoricamente que é o Estado que existe em função da pessoa, e não o contrário, já que 
o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal. 
 
1
 Vale aqui ressaltar que a dignidade não só é inerente ao ser humano individualmente considerado 
(visão ontológica) como é fruto do desenvolvimento histórico e cultural da sociedade e, por isso, deve ser 
considerada prévia ao Direito, existindo, portanto, independente de sua previsão expressa, cabendo ao Direito a 
árdua tarefa de concretizá-la (promoção e proteção). 
2
 Marcou a passagem de um sistema axiomático-dedutivo e extremamente positivista, para um sistema 
axiológico-teleológico. 
3 
O constitucionalismo contemporâneo define a Constituição Federal como 
uma ordem objetiva de valores, ou seja, como o reflexo dos anseios da sociedade 
em um determinado momento histórico. Essa nova ordem permite que valores que 
se constroem ao longo da história da sociedade aos poucos se incorporem ao texto 
constitucional, preservando-o, sempre, de acordo com as necessidades sociais, 
políticas e jurídicas de seu tempo. 
Afirma Flademir Jerônimo Belinati MARTINS (2003, p. 55) 
Os valores constitucionais são a mais completa tradução dos fins que a comunidade 
pretende ver realizados no plano concreto – da vida real mesma – mediante a normatização 
empreendida pela Constituição [...] Com efeito, enquanto ordem objetiva de valores, a 
Constituição cumpre o importante papel de transformar os valores predominantes em uma 
comunidade histórica concreta em normas constitucionais; com todos os efeitos e 
implicações que esta normatização possa ter. 
Desse entendimento do constitucionalismo contemporâneo, depreende-se a 
necessidade de se compreender a positivação do princípio da dignidade da pessoa 
humana, não só como uma conseqüência histórica e cultural, mas como valor que 
por si só agrega e se estende a todo e qualquer sistema constitucional, político e 
social e, portanto, o reconhecimento de que o ser humano passou a ser o centro de 
todo o ordenamento constitucional, devendo este trabalhar em prol do indivíduo e da 
coletividade e não o contrário. 
A formulação principiológica da dignidade da pessoa humana, embora não 
lhe determine um conceito fixo, atribui-lhe a máxima relevância jurídica cuja 
pretensão é a de ter plena normatividade, uma vez que colocado, pelo Constituinte 
brasileiro, em um patamar axiológico-normativo superior e, por isso, a importância do 
estudo desse princípio como valor fonte, não apenas do sistema constitucional 
brasileiro e latino-americano, mas como fonte da hermenêutica constitucional 
contemporânea. 
4 
1 DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 
1.1 Breve relato histórico 
A positivação do princípio da dignidade da pessoa humana é relativamente 
recente, muito embora, em civilizações remotas3 possam ser identificados 
dispositivos legais que já se preocupavam com a proteção do indivíduo como um fim 
em si mesmo. 
Foi na Grécia antiga (cujo apogeu se deu no período de 600 a 300 a.C.) que 
começou a se desenvolver a idéia de se construir um homem com validade universal 
e normativa. Não há dispositivos normativos que se refiram expressamente à 
dignidade da pessoa humana, mas a reflexão filosófica sobre o homem foi de grande 
influência para o que hoje se compreende sobre a preservação dos indivíduos e da 
sociedade.4 
Já na Idade Média, o desenvolvimento do pensamento cristão deixou como 
legado a elaboração das primeiras noções de dignidade da pessoa humana, tal qual 
se conhece hodiernamente. A idéia de igualdade inerente a todos os homens é 
trazida pela noção de que este é concebido à imagem e semelhança de Deus e, 
portanto, seria essa igualdade a expressão mais pura da dignidade da pessoa 
humana. Por óbvio, durante longos períodos da História da humanidade esse 
respeito à igualdade e à dignidade permaneceram mais no plano espiritual e 
subjetivo do que, propriamente, na práxis, mas esse fato não retira a importância do 
pensamento cristão na formação do conceito contemporâneo de dignidade da 
pessoa humana. 
No contexto de desenvolvimento do Direito Canônico, Tomás de Aquino 
(1225 – 1274) foi o primeiro a se referir expressamente ao termo dignidade humana. 
Na busca de uma justificativa racional para a existência de Deus e para a fé, 
concebeu o homemcomo ser composto de matéria e espírito que formam uma 
unidade substancial, sobressaindo a racionalidade como caráter único do ser 
 
3
 Os Códigos de Hammurabi (2394 a.C.) e Manu (200 a.C. – Índia) e a Lei das XII Tábuas 
(452 a.C.) traziam dispositivos que continham traços, ainda que primitivos e distantes do conceito 
atual, da dignidade da pessoa humana. 
5 
humano, que o distingue dos demais seres. Assim, para Tomás de Aquino, todos os 
humanos são iguais em dignidade, uma vez que todos são dotados naturalmente da 
mesma racionalidade. Desenvolve-se, então, a noção de que a dignidade guarda 
estreita relação com a concepção do ser humano, como um fim em si mesmo. 
Realizando um salto histórico, chega-se a Immanuel KANT (1724-1804) cuja 
concepção de dignidade prevalece até os dias atuais impregnada no pensamento 
filosófico-constitucional. O homem é concebido como sujeito do conhecimento e, por 
isso, é capaz de ser responsável por seus próprios atos e de ter consciência de seus 
deveres. Assim, mais do que respeitar um dever, tem o homem que se tornar um ser 
moral. Kant, então elaborou o seguinte imperativo categórico “age apenas segundo 
uma máxima tal que possas querer que ela se torne uma lei universal”. Desta 
fórmula Immanuel KANT concluiu que “o homem existe como fim em si mesmo, 
nunca como meio para realização das vontades”. 
Mas Immanuel KANT (2003, p.76/77) não parou por aí, foi vai mais longe e 
afirmou que “qualquer ação é justa se for capaz de coexistir com a liberdade de 
todos de acordo com uma lei universal, ou se na sua máxima a liberdade de escolha 
de cada um puder coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei 
universal”. 
Desta forma, para KANT (2003, p.70), a autonomia é uma característica 
fundamental e necessária do agente racional, “a autonomia é, portanto, o solo 
indispensável da dignidade da natureza humana ou de qualquer natureza racional”, 
que, no entanto, só seria verdadeira, se estivesse em conformidade com o 
imperativo categórico da consciência moral. 
A afirmação da autonomia racional é definida por KANT com a maioridade 
do gênero humano, isto é, a capacidade de utilização plena da razão sem a 
submissão a dogmas ou a autoridades, o que corresponderia ao exercício maduro 
da liberdade. Assim, o princípio da autonomia não seria uma questão de vontade 
individual, consistindo acima de tudo na máxima “que eu jamais proceda de forma 
que não me permita querer que minha máxima se torne uma lei geral”. 
Assim, raciocina o citado o filósofo, o homem é um ser único e insubstituível 
e todas as suas ações que instrumentalizem ou coisifiquem o homem constituem 
 
4
 A maior contribuição desse período foi a racionalização do pensamento humano com a 
conseqüente desmistificação do homem. 
6 
verdadeiras afrontas à dignidade humana, constituindo-se, portanto, em um ato 
imoral. Por isso, a importância dos estudos kantianos na formação do conceito de 
dignidade da pessoa humana tal qual se conhece hoje, pois só a pessoa humana, 
como ser único e racional, é capaz de guiar-se autonomamente por suas próprias 
leis. A dignidade é, desta forma, um valor intrínseco da pessoa, superior a qualquer 
preço que queiram lhe fixar. 
Finalmente, com o término da II Guerra Mundial e a verificação das mais 
diversas atrocidades nela cometidas contra seres humanos, as razões históricas que 
levaram diversos países à constitucionalização da dignidade da pessoa humana 
tornaram-se evidentes e a recuperação da pluralidade do espaço público voltou a 
ser um ideal a ser conquistado. 
No Direito comparado podem-se indicar como Constituições que atentas a 
esse movimento expressamente previram em seus textos o princípio da dignidade 
da pessoa humana5: Italiana (27/12/1947 – art. 3º); Alemã (23/05/1949 – art. 1º, nº 
1); Portuguesa (25/04/1976 e revisão de 1989 – art. 1º) e Espanhola (art. 10, nº 1).6 
Influenciado por esse movimento internacional (em especial, pelas três 
últimas leis fundamentais), o Constituinte brasileiro, de forma inédita,7 finalmente 
consagrou a dignidade da pessoa humana na Constituição Federal proclamada em 05 
de outubro de 1988, já no Título I – Dos princípios fundamentais, art. 1º, inciso III.8 
Foi em reação ao autoritarismo militar, às violações freqüentes a direitos e 
garantias fundamentais e ao positivismo cego que se desenvolveram os trabalhos 
da Constituinte de 1988 e, nesse contexto, a dignidade da pessoa humana foi 
constitucionalmente acolhida como fundamento da República Federativa do Brasil 
 
5
 Pelos mesmos motivos foi consagrada na Declaração Universal da ONU, em 1948, em seu art. 1º; 
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, Convenção Americana de Direitos Humanos. 
6
 Vale noticiar que outro fato histórico também influenciou a positivação constitucional da dignidade da 
pessoa humana - com o fim do socialismo, diversas constituições do leste europeu também incorporaram a 
dignidade da pessoa humana em seus ordenamentos constitucionais. Por exemplo: Croácia (22/12/1990 – art. 
25); Bulgária (12/07/1991 – preâmbulo); Eslováquia (1º/09/1992 – art. 12) e Rússia (12/12/1993 – art.21). 
7
 Inédita porque embora em algumas Constituições anteriores a dignidade da pessoa humana fosse em 
alguns dispositivos prevista, esses dispositivos não guardavam relação com a importância e abrangência que 
hoje esse valor possui no ordenamento constitucional brasileiro. Veja-se, por exemplo, a Constituição Federal de 
1934 (art. 115, parágrafo único); a de 1946, em seu art. 145; a de 1967 que pela primeira vez utilizou a 
expressão em uma formulação principiológica (art. 157, inciso II) – estrutura mantida na Emenda Constitucional 
de 1969 (art. 160). Disposições que se mostraram incapazes de evitar a violação da dignidade da pessoa 
humana, pois não possuíam mecanismos de concretização e sua interpretação era mais restrita. 
8
 Outros dispositivos constitucionais também prevêem expressa ou implicitamente a dignidade da 
pessoa humana: arts. 170; 226, §7º; 227. 
7 
e do Estado Democrático de Direito, o que significa afirmar que ao Estado é 
conferida a tarefa de preservá-la, promovendo condições que a tornem possível de 
realização prática. 
Sobre a formulação principiológica da dignidade da pessoa humana adotada 
pela Constituição Federal de 19889 destaca Flademir Jerônimo Belinati MARTINS 
(2003, p. 50) 
 
Quando cotejada com as Constituições anteriores não deixa de ser uma ruptura 
paradigmática a solução adotada pelo constituinte na formulação do princípio da dignidade 
da pessoa humana. A Constituição brasileira de 1988 avançou significativamente rumo à 
normatividade do princípio quando transformou a dignidade da pessoa humana em valor 
supremo da ordem jurídica [...]. 
Nesse sentido, também destaca Ingo Wolfgang SARLET (2001, p. 111-112) 
A qualificação da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental traduz a certeza 
de que o art. 1º, inciso III, de nossa Lei Fundamental não contém apenas uma declaração 
de conteúdo ético e moral (que ela, em última análise, não deixa de ter), mas que constitui 
uma norma jurídico-positiva com status constitucional e, como tal, dotada de eficácia, 
transformando-se de tal sorte, para além da dimensão ética já apontada, em valor jurídico 
fundamental da comunidade. 
Mas, por óbvio, não seria a simples previsão constitucional que faria o 
princípio ser respeitado e, principalmente, efetivado objetivamente, mas, sim, a 
concretização de condições que tornem possível a plenitude constitucionalmente 
consagrada.Nesse sentido, ensina Jesus González PEREZ (1986, p. 20-21) “todo 
depende de que seamos capaces de superar la esclavitud a la letra de la ley escrita 
y de que, partiendo de los principios, sepamos, a través de una correcta 
interpretación, cumplir aquellos fines”. 
Da compreensão de que a simples previsão constitucional não bastaria para 
efetivar a dignidade da pessoa humana, o Constituinte de 1988 elaborou um amplo e 
 
9
 Apenas recentemente a dogmática constitucional vem se adaptando à nova realidade trazida pela 
Constituição Federal de 1988. 
8 
aberto (não-taxativo) sistema de direitos e garantias fundamentais que direta ou 
indiretamente buscam concretizar, na prática, esse o princípio fundamental.10 
Assim, a dignidade da pessoa humana ingressou no ordenamento jurídico 
brasileiro como uma norma que engloba noções valorativas e principiológicas, 
tornando-se preceito de observação obrigatória, fundamento da República 
Federativa do Brasil cujo valor no ordenamento constitucional deve ser considerado 
superior e legitimador de toda e qualquer atuação estatal e privada, individual ou 
coletiva. 
A proclamação constitucional do princípio da dignidade da pessoa humana é 
a oficialização de um direito previsto por civilizações antigas e cuja História humana 
mostrou ser importante constar expressamente nos ordenamentos jurídicos em 
conjugação com direitos e garantias fundamentais que possibilitem a sua 
concretização prática. 
A Constituição brasileira de 1988 atribuiu plena normatividade à dignidade 
da pessoa humana,11 projetando-a para todo o sistema jurídico, político e social, 
tornando-a o alicerce principal da República e do Estado Democrático de Direito e 
permitindo que possua proeminência axiológica-normativa sobre os demais 
princípios. Conclui Cármen Lúcia Antunes Rocha, citada por Flademir Jerônimo 
Belinati MARTINS (2003, p. 78) que 
A positivação do princípio como fundamento do Estado do Brasil quer significar, pois, que 
esse existe para o homem, para assegurar condições políticas, sociais, econômicas e 
jurídicas que permitam que ele atinja seus fins: que o seu fim é o homem, como fim em si 
mesmo que é, quer dizer, como sujeito de dignidade, de razão digna e supremamente posta 
acima de todos os bens e coisas, inclusive do próprio Estado. 
Percebe-se, portanto, que a dignidade da pessoa humana deixou de ser 
uma mera manifestação conceitual do direito natural, para se converter em um 
princípio autônomo intimamente conectado à realização e concretização dos direitos 
 
10
 Destaca Flávia PIOVESAN (2003, p. 01) que “os direitos humanos nascem como direitos naturais 
universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares, para finalmente encontrarem sua plena 
realização como direitos positivos universais”. E não foi diferente a evolução do princípio da dignidade da pessoa 
humana. 
11
 O que demonstra a inversão na ordem política brasileira. O homem, em todas as suas dimensões, 
passa a ser a preocupação maior do Estado e prioridade justificante do Direito e qualquer afronta à dignidade 
pode ser caracterizada como afronta ao Estado Democrático de Direito. 
9 
fundamentais12 e que impõe limites à atuação estatal e particular visando a mais 
ampla proteção do ser humano. Trata-se de princípio que mesmo não estando 
expresso em todos os ordenamentos constitucionais latino-americanos, passou a ser 
mundialmente reconhecido como um direito humano e, portanto, inafastável de 
qualquer relação jurídica, econômica, social e política. 
1.2 Conceito, conteúdo e significado 
Embora seja muito fácil identificar situações em que a dignidade é 
desrespeitada, maior dificuldade se encontra em definir o princípio da dignidade da 
pessoa humana, pois, tratando-se de um princípio aberto e não taxativo, possui 
múltiplos significados e efeitos. Não é pretensão do presente estudo desenvolver um 
conceito inovador, mas delimitar alguns aspectos que devem ser considerados ao se 
efetivar o princípio da dignidade da pessoa humana como valor fonte de todo o 
sistema jurídico e social. 
Sobre a dificuldade em se fixar um conceito do princípio da dignidade da 
pessoa humana, que se encontra em constante construção, desenvolvimento e 
aperfeiçoamento, ensina Antônio Junqueira de AZEVEDO (2002) 
É preciso, pois, aprofundar o conceito de dignidade da pessoa humana. A pessoa é um 
bem, e a dignidade, o seu valor. O direito do século XXI não se contenta com os conceitos 
axiológicos formais, que podem ser usados retoricamente para qualquer tese. Mal o século 
XX se livrou do vazio do ‘bando dos quatros’ – os quatro conceitos jurídicos indeterminados: 
função social, ordem pública, boa-fé, interesse público – preenchendo-os, pela lei, doutrina 
e jurisprudência, com alguma diretriz material, surge agora, no século XXI, problema 
idêntico com a expressão ‘dignidade da pessoa humana’. 
E Flademir Jerônimo Belinati MARTINS (2003, p. 53) 
A dificuldade é ainda maior quando verificamos os múltiplos significados atribuídos pela 
doutrina nacional ao princípio: ora como valor absoluto; ora como critério interpretativo; ora 
como um direito fundamental em si mesmo; ora como direito ao livre desenvolvimento da 
personalidade humana; ora como mera referência filosófica desprovida de maior 
normatividade. Na verdade, muitas vezes a doutrina adota dois ou mais destes sentidos 
sem, contudo, precisar qual q relação entre eles, o que pode gerar grande confusão. 
 
12
 Ressalte-se que não é tarefa dos direitos fundamentais assegurar a dignidade, mas garantir as 
condições para a sua plena realização. 
10 
Por esses motivos, neste artigo, visou-se evidenciar a força axiológica- 
normativa do princípio da dignidade da pessoa humana, pois mesmo tendo sido 
reconhecida pela Constituição Federal brasileira como princípio fundamental, essa 
condição não lhe retira o seu papel de valor fundamental de toda ordem jurídica 
nacional e mundial. 
Embora também não seja objetivo desse estudo aprofundar a distinção entre 
valores, princípios e regras, algumas breves notas a esse respeito fazem-se aqui 
necessárias, para que se possa compreender essa dupla função da dignidade da 
pessoa humana no ordenamento constitucional brasileiro. 
Os princípios constituem expressão dos valores fundamentais que informam 
o sistema jurídico conferindo harmonia e unidade13 às normas que o compõem. Se é 
verdade que os valores são dotados de menor normatividade que os princípios e as 
regras, não se pode, porém, negar que possam também ser utilizados como fontes 
de interpretação, ainda que de forma mediata ou reflexa, principalmente quando se 
procede à análise de situações concretas. 
O sistema constitucional constitui instrumento de realização de valores 
reconhecidos pela sociedade, e esse caráter instrumental do sistema jurídico 
constitucional permite que valores como a dignidade da pessoa humana ganhem, ao 
menos indiretamente, certo grau de normatividade. Nesse sentido, Cármen Lúcia 
Antunes Rocha, citada por Flademir Jerônimo Belinati MARTINS (2003, p. 57) 
ensina que 
Os princípios constitucionais são os conteúdos intelectivos dos valores superiores adotados 
em dada sociedade política, materializados e formalizados juridicamente para produzir uma 
regulação política no Estado. Aqueles valores superiores encarnam-se nos princípios que 
formam a própria essência do sistema constitucional, dotando-o, assim, para cumprimento 
de suas funções, de normatividade jurídica. A sua opção ético-social antecede a sua 
caracterização normativo-jurídica. Quanto mais coerência guardar a principiologia 
constitucional com aquela opção, mais legítimo será o sistema jurídico e melhorescondições de ter efetividade jurídica e social. 
11 
Assim os valores constitucionais possuem tríplice função: fundamento do 
ordenamento jurídico e informador do sistema jurídico-político; orientador dos fins a 
serem perseguidos na execução de atos públicos ou particulares; crítica de fatos ou 
condutas. Os valores constitucionais, como diretivas gerais que são, constituem o 
contexto axiológico fundamentador da interpretação do ordenamento jurídico e 
desse entendimento não se afasta o papel jurídico-constitucional atribuído à 
dignidade da pessoa humana, ainda que tal previsão possa ser apenas implícita 
ou indireta. 
Já os princípios, são normas dispostas em linguagem normativa (deôntica) e 
que não determinam expressamente as condições que tornam sua aplicação 
necessária. Estabelecem um fundamento que marcam uma direção ao intérprete e 
conforme ensina Antonio Enrique Pérez LUÑO (1999, p.292) diference-se dos 
valores por apresentarem um maior grau de concreção e especificação do que 
estes, sendo capazes de ser fonte imediata e direta de soluções jurídicas. Os 
princípios, portanto, possuem grande significado hermenêutico e atuam como fontes 
do direito ou determinações de valor recebendo especial orientação daqueles 
valores que concretizam. São, portanto, vinculantes e dotados de plena juridicidade. 
O princípio da dignidade da pessoa humana possui inquestionável 
componente axiológico-normativo e, por isso, a doutrina, de maneira geral, ao se 
referir a ele o faz sem distinguir se princípio ou valor14, distinção essa que também 
não será observada nesse trabalho. Além disso, ensina Ingo Wolfgang SARLET 
(2002, p.27) que “em se levando em conta que a dignidade, acima de tudo, diz com 
a condição humana do ser humano, cuida-se de assunto de perene relevância e 
atualidade, tão perene e atual for a própria existência humana”. 
Portanto, o conceito jurídico de dignidade da pessoa humana é 
indeterminado, ou seja, o seu conteúdo e a sua extensão são incertos, embora seja 
 
13
 Paulo BONAVIDES em prefácio à obra de Ingo Wolfgnag SARLET (2002) salienta que “a unidade da 
Constituição, na melhor doutrina do constitucionalismo contemporâneo, só se traduz compreensivelmente 
quando tomada em sua imprescritível bidimensionalidade, que abrange o formal e o axiológico, a saber, forma e 
matéria, razão e valor. Ambos os termos conjugados assinalam, com a revolução hermenêutica, o momento 
definitivo da supremacia principiológica dos conteúdos constitucionais sobre os conteúdos legislativos ordinários 
da velha dogmática e ao mesmo tempo exprimem a ascensão da legitimidade material que põe em grau de 
menor importância, por carência de préstimo superior nas soluções interpretativas da Constituição, o formalismo 
positivista e legalista do passado, peculiar à dogmática jurídica do século XIX. Por isso mesmo, mais atento ao 
texto das leis que ao Direito propriamente dito”. 
12 
inegável que se trata de qualidade intrínseca e indissociável de todo e qualquer ser 
humano, e outro não poderia ser o entendimento. Por isso, na doutrina nacional 
existente sobre o assunto é importante destacar o conceito elaborado por Ingo 
Wolfgang SARLET (2002, p. 60), por ser ele o mais abrangente, sintetizando todo o 
rol de proteção estabelecido por esse princípio 
A dignidade da pessoa humana corresponde à qualidade intrínseca e distintiva de cada ser 
humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da 
comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais 
que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e 
desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida 
saudável, além de propiciar e promover a sua participação ativa e co-responsável nos 
destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. 
Para deixar ainda mais claro o conceito elaborado pelo citado autor, vale 
aqui mencionar o que ensina Ernest Bloch, citado por Antonio Enrique PÉREZ LUÑO 
(1992, p.318), que destaca que a dignidade da pessoa humana possui duas 
dimensões que lhe são constitutivas: a) a negativa, que significa que a pessoa não 
pode ser objeto de ofensas ou humilhações; b) a positiva, que presume o pleno 
desenvolvimento e autodeterminação de cada pessoa. 
Por ser incerto o conceito jurídico do princípio da dignidade da pessoa 
humana, o intérprete15 assume importante valor na sua construção como valor fonte 
do sistema constitucional brasileiro e reflexo da sociedade em que está inserido, 
uma vez que o ordenamento jurídico não concede a dignidade, pois esta é inerente 
ao ser humano, mas reconhece-a e compromete-se a promovê-la e protegê-la. 
 
14
 Várias são as críticas com relação à distinção entre princípios e valores, mas vale aqui transcrever o 
entendimento de Robert Alexy (1993) de que os princípios encontram-se no âmbito deontológico (dever-ser) e os 
valores são conceitos axiológicos (juízos de valor). 
15
 Para os fins do presente trabalho considera-se intérprete todos aqueles participantes do processo de 
interpretação catalogados por Peter Häberle (1997, p. 13) já que a atividade interpretativa não é de exclusividade 
estatal. Segundo a teoria da legitimação pluralista para a interpretação pelo autor elaborada, são intérpretes: 1- 
as funções estatais: a) na decisão vinculante (da Corte Constitucional); nos órgãos estatais com poder de 
decisão vinculante, submetidos, todavia, a um processo de revisão; 2- os participantes do processo de decisão 
nos casos antes mencionados, que não são necessariamente órgãos do Estado, isto é: a) o requerente ou 
recorrente e o requerido ou recorrido no recurso constitucional; b) outros participantes do processo, ou seja, 
aqueles que têm direito de manifestação ou integração à lide; c) pareceristas ou expertos; d) peritos e 
representantes de interesses nas audiências públicas do Parlamento, peritos nos Tribunais, associações, 
partidos políticos; e) grupos de pressão organizados; f) requerentes ou partes nos procedimentos administrativos 
de caráter participativo; 3- a opinião pública democrática e pluralista e o processo político como grandes 
estimuladores a mídia, igreja, teatros, escolas... 4- cumpre esclarecer ainda o papel da doutrina constitucional 
nos itens 1, 2 e 3, cujo papel é essencial por tematizar a participação de outras forças e ao mesmo tempo, 
participas no diversos níveis. 
13 
Assim, a sua relevância como valor fonte, portanto, dá-se não somente pela 
sua posição topográfica no texto constitucional, mas em virtude do amplo 
reconhecimento de direitos e garantias fundamentais, que indiscutivelmente são a 
concreção histórica do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e sua 
legitimação e concretização na práxis constitucional. 
Portanto, como fonte do sistema constitucional a dignidade da pessoa 
humana condiciona não só a atuação estatal e particular como toda a interpretação 
da lei fundamental, conferindo, dessa forma, unidade axiológica-normativa aos 
dispositivos constitucionais, mesmo aqueles que aparentemente parecem ser 
inconciliáveis. 
2 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO VALOR FONTE DO SISTEMA 
CONSTITUCIONAL 
No item anterior demonstrou-se que a unidade do sistema constitucional 
brasileiro repousa em uma ordem de valores e princípios que possui, entre o mais 
expressivo de todos, o da dignidade da pessoa humana e que a legitimidade 
substancial do Estado brasileiro se afere a partir daefetiva e concreta realização 
deste princípio. 
Afirma Flademir Jerônimo Belinati MARTINS (2003, p. 63) que 
O expresso reconhecimento da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental 
traduz, em parte, a pretensão constitucional de transformá-lo em um parâmetro objetivo de 
harmonização dos diversos dispositivos constitucionais (e de todo sistema jurídico), 
obrigando o intérprete a buscar uma concordância prática entre eles, na qual o valor 
acolhido no princípio sem desprezar os demais valores constitucionais, seja efetivamente 
preservado. 
Dessa maneira, a dignidade da pessoa humana não é o único parâmetro de 
interpretação e sequer pode ser considerado absoluto, mas por força de sua 
proeminência axiológica-normativa deve ser considerada a principal fonte da 
hermenêutica constitucional. Assim, para uma correta interpretação do texto é 
necessário que o intérprete conheça todo o sistema constitucional e a realidade 
histórica e cultural em que está inserido, bem como, é essencial a leitura sistemática 
de todo o ordenamento jurídico. 
14 
Os princípios constitucionais fundamentais expressos ou positivados no art. 
1º da Constituição Federal, ensina José Afonso da SILVA (1997, p. 96), devem ser 
considerados princípios estruturantes ou fundamentadores por expressarem 
decisões políticas fundamentais do Constituinte com relação à estrutura básica do 
Estado e as idéias e valores utilizados como parâmetros (pauta de valores ou tábua 
axiológica) e, por isso, não podem ser, em nenhuma hipótese, suprimidos do 
ordenamento (art. 60, §4º, CF) sob pena de descaracterizá-lo, levando-o à 
desintegração de todo o sistema constitucional. 
O princípio da dignidade da pessoa humana é, portanto, um princípio 
fundamental do sistema constitucional brasileiro que confere racionalidade ao 
ordenamento jurídico e fornece ao intérprete uma pauta valorativa essencial ao 
correto entendimento e aplicação da norma. Trata-se, portanto, de uma valor-guia de 
toda a ordem jurídica, sendo que o caráter instrumental desse princípio evidencia-se 
na possibilidade de ser utilizado como parâmetro objetivo de aplicação, interpretação 
e integração de todo o sistema jurídico. 
O princípio da dignidade da pessoa humana é uma cláusula aberta, de 
contornos ambíguos, que respalda o surgimento de novos direitos16 (não expressos, 
mas implícitos na Constituição Federal) e, por isso, necessita de constante 
concretização e delimitação pela práxis constitucional. Assim, deverá o intérprete 
trabalhar com a noção de que se trata de qualidade inerente a todo e qualquer ser 
humano, e com a perspectiva em que se reconhece a existência de uma pauta de 
valores constitucionais reflexos da história da sociedade, em cujo centro está, 
inafastável e inderrogável, a dignidade da pessoa humana. 
No entanto, o correto alcance e sentido do texto constitucional só poderá ser 
realmente aferido se utilizada a interpretação da Constituição Federal sob uma 
perspectiva pluralista (noção de abertura constitucional17 de Peter Häberle). Só 
assim, a interpretação poderia ser considerada resultante da sociedade aberta e 
como elemento fundador dessa mesma sociedade, o que permite uma mediação 
harmoniosa entre Estado e sociedade. 
Alerta Flademir Jerônimo Belinati MARTINS (2003, p. 94-95) 
 
16
 Idéia compatível com a teoria das gerações de direitos desenvolvida por Norberto Bobbio, na sua 
obra A Era dos Direitos. 
17
 Noção que não se confunde com a abertura de normas constitucionais. 
15 
Não obstante, cumpre lembrar novamente que embora a dignidade da pessoa humana seja 
o valor fonte do sistema constitucional brasileiro não foi o único valor acolhido pelo texto 
constitucional. Assim, apesar de num contexto hermenêutico aberto e pluralista a 
concretização da dignidade da pessoa humana assumir um papel importante, senão 
essencial, os limites da noção de abertura constitucional não se esgotam na realização 
apenas desse valor [...] o que pretendemos sinalar é que a noção de abertura constitucional, 
para além da ampliação do círculo de intérpretes (no sentido mencionado por Peter 
Härbele), também implica o reconhecimento da abertura das Constituições democráticas a 
outros conteúdos, tanto normativos, como extranormativos (usos e convenções, normas de 
correção constitucional), como metanormativos (valores, postulados morais e de justiça 
material), o que enriquece seu sentido e alcance. 
O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana é dotado de um 
certo grau de vagueza e generalidade que lhe permite a concretização sobre 
inúmeras situações, quando utilizada uma enunciação normativa larga e aberta. É 
impregnado de profundo conteúdo ético (dimensão axiológica) e atualidade. Todas 
essas características lhe permite acompanhar o ritmo frenético da evolução social 
presente na sociedade (bio)tecnológica, sem que com isso provoque rupturas 
constitucionais. 
É princípio que conforma, orienta e limita criticamente a interpretação de 
todo o ordenamento jurídico e, por isso, funciona como operador deôntico especial, 
pois na medida e nas possibilidades do caso apresentado deverá orientar o 
intérprete. No entanto, não deve ser considerado um princípio absoluto (embora seja 
superior) sob o risco de se relativizar em demasia os demais princípios 
constitucionais, retirando-lhes a normatividade que também lhes é inerente. O valor 
nele contido sem dúvida alguma é absoluto, inafastável e irrenunciável, mas o 
princípio em si é relativo. 
Vale aqui transcrever a lição de Ingo Wolfgang SARLET, sobre a 
relativização do princípio da dignidade da pessoa humana 
Eventual relativização da dignidade na sua condição de princípio (de norma jurídica) não 
significa – convém reiterá-lo para evitar incompreensões – que se esteja a transigir com o 
caráter inviolável da dignidade considerada como qualidade inerente a todas as pessoas, 
que as torna sujeitos de direitos e merecedoras de igual respeito e consideração no que diz 
com a sua condição humana. 
16 
Destarte, a dignidade da pessoa humana, em sua perspectiva 
principiológica, atua como um mandado de otimização (Robert Alexy) ordenando que 
seja observada e realizada na maior medida possível, considerando-se as 
possibilidades fáticas e jurídicas existentes no caso concreto em análise. Nesse 
sentido, lembra Ronald DWORKIN (1998, p. 307-309) que a dignidade da pessoa 
humana 
Possui tanto uma voz ativa quanto uma voz passiva e, que ambas encontram-se 
conectadas de maneira que é no valor intrínseco da vida humana, de todo e qualquer ser 
humano, que encontramos a explicação para o fato de que mesmo aquele que já perdeu a 
consciência da própria dignidade merece tê-la considerada e respeitada”. 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
A dignidade não é só um valor intrínseco do ser humano e muito menos 
exclusivo do ordenamento constitucional brasileiro. Na atualidade, a dignidade da 
pessoa humana constitui requisito essencial e inafastável da ordem jurídico-
constitucional de qualquer Estado que se pretende Democrático de Direito. Ensina 
Ingo Wolfgang SARLET (2002, p. 47) que 
É justamente neste sentido que assume particular relevância a constatação de que a 
dignidade da pessoa humana é simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais e, no 
nosso sentir, da comunidade em geral, de todos e de cada um, condição dúplice18 esta que 
também aponta para uma paralela e conexa dimensão defensiva e prestacional da 
dignidade”. 
Ensina Joaquín Arce y FLORES-VALDÉS (1990, p. 149) que do respeito à 
dignidade da pessoa humana resultam quatro importantes conseqüências: a) a 
igualdade de direitos entre todos os indivíduos (art. 5º, inciso I, CF); b) a garantira da 
independência e autonomia do ser humano, não podendo ser utilizado como 
instrumento ou objeto; c) observânciae proteção dos direitos inalienáveis do 
homem; d) não admissibilidade da negativa dos meios fundamentais para o 
desenvolvimento de alguém como pessoa ou a imposição de condições subumanas 
de vida (garantia de um patamar existencial mínimo). 
 
18
 São condições dúplices da dignidade da pessoa humana, segundo o autor, a função defensiva e 
prestacional. 
17 
Portanto, se da observação do princípio da dignidade da pessoa humana 
resultam conseqüências dentro do próprio sistema constitucional, dispensável é 
reafirmar a importância desse valor como fonte integradora e hermenêutica de todo 
o ordenamento jurídico brasileiro e latino-americano e não apenas dos direitos e 
garantias fundamentais.19 
Mesmo sendo impossível atribuir-lhe um conceito fixo e imutável, não há 
dúvidas que a sua aplicação em casos concretos é inafastável principalmente 
quando noticiados desrespeitos à vida, à integridade física e psíquica, à falta de 
oferecimento de condições mínimas que garantam uma existência digna, à limitação 
da liberdade ou a promoção da desigualdade ou, pior, nos casos em que direitos 
fundamentais estejam flagrantemente sendo afrontados ou desconsiderados. 
A correta interpretação desse princípio leva à concretização de valores 
superiores, direitos e garantias fundamentais, inalienáveis e irrenunciáveis por 
qualquer ser humano. Pode-se, então, concluir que por se tratar de princípio ético, 
de inquestionável inafastabilidade, é vinculante dos poderes estatais e qualquer 
norma constitucional ou infraconstitucional que lhe contrarie padece de inegável 
ilegitimidade e deve ser afastada de plano do ordenamento jurídico. 
Por fim, deve-se ressaltar que por força de sua dimensão intersubjetiva, o 
princípio da dignidade da pessoa humana cria um dever geral de respeito de todos 
os seres humanos com relação a todos os indivíduos, isolada ou coletivamente, 
consigo mesmo e para com os outros e por isso, afeta a todos indistintamente, 
intérpretes jurídicos ou não do sistema constitucional, indiferente de estar expresso 
ou não no ordenamento jurídico da cada país. 
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1993. 
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BARCELLOS, A.P. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da 
pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 
 
19
 Nesse ponto é importante frisar que da mesma maneira que o princípio da dignidade humana serve 
18 
BARROSO, L.R. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da 
constituição brasileira. 3. ed. atual. e amp. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. 
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como justificador dos direitos fundamentais, serve também para impor-lhes limites ou restrições. 
19 
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