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Introdução à Filosofi a BACHAREL EM TEOLOGIA Educação à Distância 2017 1ª Edição Faculdade Refi dim [ Diretor Geral ] Dr. Claiton Ivan Pommerening [ Coordenador de Educação à Distância ] Me. Valdinei Ramos Gandra [ Coordenador de Pesquisa ] Dr. Fernando Albano [ Coordenador de TI ] Everton de Borba [ Tutor Interno ] Orlando Afonso Gunlanda [ Coordenadora de Extensão ] Me. Andrea Nogueira dos Santos [ Secretária Acadêmica ] Me. Andrea Nogueira dos Santos [ Gestão Financeira ] Stela Rubiana Maccari [ Equipe de Pesquisa ] Dr. Fernando Albano Dr. Osiel Lourenço de Carvalho Paulo André Ribas Corrêa Ficha Técnica [ Conteúdo ] Equipe de Pesquisa [ Colaboração ] Joel Haroldo Baade [ Revisão ] Carla Albano Lanza [ Diagramação ] Everton de Borba Introdução à Filosofi a Sumário UNIDADE I: A REFLEXÃO FILOSÓFICA Tópico 01 - A questão da verdade, 09 Tópico 02 - O ato de Filosofar, 21 Tópico 03 - Instrumentos do pensar, 35 UNIDADE II: CORRENTES FILOSÓFICAS DA MODERNIDADE Tópico 01 - Filosofi a Moderna: do Racionalismo ao Empirismo, 45 Tópico 01 - Filosofi a Moderna: de Kant à Comte, 55 UNIDADE III: CORRENTES FILOSÓFICAS CONTEMPORÂNEAS Tópico 01 - Filosofi a Contemporânea: do Pragmatismo à teoria da Ação Comunicativa, 69 Tópico 02 - Pensamento Filosófi co no Brasil, 79 4 | Introdução à Filosofi a Introdução à Filosofi a Apresentação Prezado(a) estudante, Esta disciplina Introdução à Filosofi a quer proporcionar o contato com o desenvolvimento do pensamento fi losófi co ocidental, possibilitar o contato com as grandes transformações do pensamento humano. Assim, o propósito desta Apostila é que você, estudante, tenha condições de perceber como o saber e a atitude fi losófi ca é resultado da produção humana, e, de como são infl uenciados pelos conhecimentos que lhe são anteriores e, igualmente, infl uenciam as produções posteriores. Por exemplo, veremos como as teorias platônicas e aristotélicas são incorporadas ao pensamento cristão dos pensadores da Idade Média. Por outro lado, veremos também que muitas vezes o saber fi losófi co é resultado da negação do pensamento que lhe antecede, como fruto de novas conjunturas e mudanças em todas as esferas da sociedade, tal como ocorreu na passagem da Idade Média para a Modernidade. Finalmente, ocupar-se com a fi losofi a é trilhar um caminho de aventura pelas descobertas do pensamento humano; é fazer experiência de amor pelo saber, e treinar o intelecto para questionar sempre. Enfi m, é desenvolver uma atitude fi losófi ca, de crítica e de investigação diante das grandes questões que inquietam a humanidade ao longo dos séculos. Vamos iniciar a aventura? Equipe de Pesquisa 6 | Introdução à Filosofi a A REFLEXÃO FILOSÓFICA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM A partir do estudo desta unidade você será capaz de: • Conhecer as origens do pensamento fi losófi co grego a partir de seu ambiente histórico, cultural e político. • Compreender a busca e a natureza principal da Filosofi a. • Ter contato com os principais pensadores da Grécia Antiga e conhecer suas principais atitudes fi losófi cas. • Ampliar a rede de conceitos e paradigmas orientadores da história da Filosofi a Ocidental. PLANO DE ESTUDOS Esta unidade está dividida em três tópicos e, no fi nal de cada um deles, você terá um resumo do tópico e um conjunto de questões as quais servirão de suporte para o seu aprendizado e memorização dos conteúdos da unidade. Tópico 1 – A questão da verdade; Tópico 2 – O ato de fi losofar; Tópico 3 – Instrumentos do pensar. Unidade I 8 | Introdução à Filosofi a Introdução à Filosofi a | 9 Tópico 01 A questão da verdade Introdução A busca pelo sentido da vida e a compreensão das causas últimas das coisas, desde muito cedo, levou o ser humano a questionar-se sobre a verdade. Defi nir o que é o homem? De onde ele vem? Para onde ele vai? Por qual razão ele existe? São, em média, as grandes perguntas que têm colocado a humanidade em constante movimento. Um dos caminhos mediante o qual essas questões são pensadas é o caminho da Filosofi a. Nestes termos, a Filosofi a se apresentou, pelo menos na sua versão grega, como um conjunto de indagações sobre a vida, a política, a ética, a moral e, em instância primordial, a verdade. Seguindo essa linha de questionamento, este tópico tem por objetivo apresentar algumas defi nições a respeito do conceito de verdade sob a perspectiva dos fi lósofos da antiga Grécia. Ao fi nal do tópico, será disponibilizado um conjunto de questões que servirão de suporte para relembrar o conteúdo estudado. Bons estudos! Unidade I UNIDADE I - A Refl exão Filosófi ca 10 | Introdução à Filosofi a 1. O QUE É A FILOSOFIA? Filosofi a é uma palavra de origem grega e signifi ca literalmente “amigo da sabedoria” (philos sophias). Existe a ideia de que o termo foi inventado por Pitágoras (570 a 495 a.C.), que certa vez, ouvindo alguém chamá-lo de sábio e considerando este nome muito elevado para si mesmo, pediu que o chamassem apenas de fi lósofo, isto é, amigo da sabedoria (MONDIN, 1981). De modo geral, a Filosofi a é um conhecimento, uma forma de saber que, como tal, tem uma esfera própria de competência, sobre a qual procura adquirir informações válidas, precisas e ordenadas (MONDIN, 1981, p. 7). O grande problema imposto à Filosofi a sempre foi a pergunta sobre qual a sua esfera de competência. Em outras palavras, diríamos: qual é o objeto de estudo da Filosofi a? As ciências experimentais apresentam um objeto específi co de seu estudo. Elas se ocupam em estudar detalhadamente um determinado objeto, descrevendo suas características, sua funcionalidade, prevendo suas potencialidades, etc. Sabemos, por exemplo, que a Botânica estuda as plantas, a Geografi a, os lugares, a História, os fatos, a Medicina, a saúde/doença, a Matemática, as relações numéricas, etc. Diante disso, você pode se questionar: o que estuda então a Filosofi a? Essa pergunta sempre teve controvérsias quanto a sua resposta. No entanto, no dizer dos fi lósofos, ela estuda todas as coisas (MONDIN, 1981, p. 7). Na obra Metafísica, Livro I, o fi lósofo Aristóteles afi rma que a fi losofi a estuda “as causas últimas de todas as coisas”. Várias outras defi nições foram feitas para a Filosofi a: Cícero defi ne a Filosofi a como o estudo das causas humanas e divinas das coisas. Descartes afi rma que a Filosofi a ensina a raciocinar bem; Hegel entende-a como o saber absoluto; para Whitehead, o papel da Filosofi a é o de fornecer uma explicação orgânica do universo (MONDIN, 1981, p. 7-8). Em todas as tentativas de se estabelecer a natureza e o objeto de estudo da Filosofi a, fi ca evidente que a preocupação pelo fi m último do homem, o valor do conhecimento, o estudo da linguagem, do ser, da história, da política, da arte, da cultura, da moral e da ética, são as principais ocupações de uma refl exão fi losófi ca, sendo, portanto, seu campo de competências. Assim, concorda-se com a consideração de Mondin (1981) de que a Filosofi a realmente estuda tudo. Para justifi car essa afi rmação, Mondin apresenta duas teses: Em primeiro lugar, porque todas as coisas podem ser examinadas no nível científi co e também no fi losófi co. Assim, os homens, os animais, as plantas, a matéria, estudados por muitas ciências FILOSOFIA E SUA ORIGEM HISTÓRICA [DICA DE VÍDEO] Assista ao vídeo do Prof. Anderson explicando de modo simples e claro o signifi cado da Filosofi a e sua origem histórica. Disponível em: <https://www.youtube. com/watch?v=_rOdtWb9BdQ>. Acesso em 31 mai. 2017. TÓPICO 01 - A questão da verdade Introdução à Filosofi a | 11 e sob diversos pontos de vista, podem ser objeto também da indagação fi losófi ca. [...] Em segundo lugar, porque, enquanto as ciências estudam esta ou aquela dimensão da realidade, a Filosofi a estuda o todo, a totalidade, o universo tomado globalmente (MONDIN,1981, p. 7-8). Nesse sentido, os primeiros fi lósofos da Grécia Clássica (séculos V ao século IV a.C.), tiveram particular contribuição na formação do pensamento fi losófi co grego, posteriormente ocidental, formulando conceitos que se tornaram centrais para a formulação de um saber fi losófi co-científi co até os nossos dias. Segundo Marilena Chauí (2000), estes conceitos são: a physis (natureza), a causalidade, a arqué (elemento primordial), o cosmo, o logos e o caráter crítico. Existem ainda duas características que dão um caráter próprio e específi co ao saber fi losófi co: o método e o seu objetivo. O método não é o da simples verifi cação, nem o da descrição mais ou menos fantasiosa, nem o da experimentação. O primeiro é próprio do conhecimento comum; o segundo da poesia e da mitologia; o terceiro, da ciência. A Filosofi a tem um método diferente, o da justifi cação lógica, racional (MONDIN, 1981, p. 8). NOTA IMPORTANTE Das coisas estudadas pela Filosofi a, ela deseja oferecer uma explicação conclusiva e, para consegui-la, serve-se somente da razão, daquilo que os gregos chamaram logos. Quanto ao objetivo, a Filosofi a não busca fi ns práticos e não tem interesses externos como a ciência, a arte, a religião e a técnica, as quais, de um modo ou de outro, sempre têm em vista alguma satisfação ou alguma vantagem. A fi losofi a tem como único objetivo o conhecimento; ela procura a verdade pela verdade, prescindido de eventuais utilizações práticas. 1.1 Mito e Filosofi a As principais perguntas sobre a vida humana podem ser respondidas sob diferentes perspectivas: mítica, científi ca e fi losófi ca. As respostas míticas, geralmente, são explicações, podendo contentar a fantasia, embora seu conteúdo aponte verdades sobre a realidade. As respostas científi cas por sua vez, ocupam-se em averiguar os fatos, compreendê-los de modo objetivo a partir da racionalização e experimentação. Já as respostas fi losófi cas, propõem-se em oferecer explicações completas de todas as coisas, do conjunto, do todo. GRÉCIA CLÁSSICA [IMAGEM] Acrópole de Atenas foi construída entre os anos de 450 a 330 a.C. Era um dos símbolos da cultura grega clássica. O nome signifi ca literalmente cidade do topo. Disponível em: <http://www.guiageo- grecia.com/acropolis.htm>. Acesso em: 31 mai. 2017. A GRANDE PREOCUPAÇÃO DA FILOSOFIA [DICA DE VÍDEO] Assista ao vídeo do professor Mario Sergio Cortella no canal da livraria Saraiva. O referido professor explica de modo simples e claro a grande preocupação da Filosofi a. Disponível em: <https://www.youtube. com/watch?v=3oxP-wjI4lE>. Acesso em: 31 mai. 2017. MITO [GLOSSÁRIO] Narrativa lendária, pertencente à tradição cultural de um povo, explicando através do apelo ao sobrenatural, ao divino e ao misterioso, a origem do universo, o funcionamento da natureza e a origem e os valores básicos do próprio povo. (JAPIASSPÚ; MARCONDES, 1996, p. 183). 12 | Introdução à Filosofi a A humanidade primitiva orientava sua busca pelo conhecimento dos fatos da realidade nas respostas míticas. Quando se questionava, por exemplo, sobre a origem das chuvas, os gregos antigos respondiam que era devido à cólera de Júpiter. O sopro do vento estava associado à fúria de Éolo. A beleza estava associada à Afrodite. Nas outras culturas, tais como medo-persas, babilônicas, egípcias e as antigas civilizações, as explicações sobre a fertilidade, a natureza, a vida e a morte, as relações políticas, a origem das guerras e outros temas, estavam sempre associadas a explicações míticas. Logo, o mito é uma forma de saber cuja função principal era possibilitar um determinado conhecimento sobre algo. Dessa forma, ele teve e, ainda tem sua funcionalidade para determinados povos. Em muitos casos, a opção pela via mítica acaba sendo a escolha de um determinado grupo ou indivíduo, na forma como se coloca diante das questões da realidade. Segundo Mondin (1981), existem duas interpretações para os mitos: mito-verdade e mito-fábula. No mito-verdade, acontece uma representação fantasiosa pretendendo exprimir uma verdade. Já no mito-fábula, existe uma narração imaginosa sem nenhuma pretensão teórica. São representações fantasiosas sem terem a força de serem tidas como verdades puras. NOTA IMPORTANTE A partir do começo do século XX, vários estudiosos da história das religiões (Mircea Eliade), da Psicologia (Sigmund Freud), da Filosofi a (Martin Heidegger), da Antropologia (Lévi-Strauss), da Teologia (Rudolf Bultmann) começaram a apoiar a interpretação mito-verdade, argumentando que a humanidade primitiva, embora não podendo dar uma explicação racional e metódica do universo, deve ter procurado explicar para si mesma fenômenos como a vida, a morte, o bem, o mal, etc. Fenômenos esses que atraem a atenção de qualquer observador, mesmo sendo dotado de pouca instrução (MONDIN, 1981, p. 10). Para a fi lósofa brasileira Marilene Chauí (2003), as lendas e narrativas míticas não são produtos de um único autor ou autores, porém partem da tradição cultural e folclórica de um povo. Sua origem cronológica é indeterminada e sua forma de transmissão é basicamente oral. Mesmo poetas como Homero com a Ilíada e Odisseia (séc. IX a.C.) e Hesíodo (séc. VIII a.C.) com a Teogonia, os quais são as principais fontes dos mitos gregos, na verdade não são obras originais desses autores. São apenas indivíduos a registrar poeticamente lendas recolhidas das tradições dos diversos povos, os quais sucessivamente ocuparam a Grécia desde o período arcaico (1500 a.C.). Entretanto, apesar de sua validade, logo no século V a.C., com o crescimento do pensamento fi losófi co grego, os primeiros fi lósofos começaram a considerar os mitos como simples fábulas UNIDADE I - A Refl exão Filosófi ca REPRESENTAÇÃO DO MODO DE VIDA DOS POVOS PRIMITIVOS [IMAGEM] MARILENA CHAUÍ [QUEM?] Marilena Chauí é uma das fi lósofas brasileiras de renome. Nasceu em São Paulo, no ano de 1941. Atua como professora universitária. Suas refl exões estão relacionadas à Política, Ética, Moral e História da Filosofi a. ILÍADA E ODISSEIA [IMAGEM] Os poemas Odisseia e Ilíada são considerados os dois principais poemas da Antiga Grécia. Atribui-se a Homero a autoria dos poemas entre 600 a 400 a.C. Introdução à Filosofi a | 13 cuja função é distorcer o caminho da verdade. De igual forma, os padres da Igreja na era cristã, os escolásticos e a maior parte dos fi lósofos modernos não entenderam a via mítica como caminho seguro para o conhecimento da verdade. Apesar da contribuição do mito, não devemos compará-lo ao saber fi losófi co. O mito segue o caminho da representação fantástica, a imaginação poética, a intuição de analogias, sugeridas pela experiência sensível. Por sua vez, a Filosofi a trabalha só com a razão, com o rigor lógico, com o espírito crítico, com motivações racionais, com argumentações rigorosas, baseadas em princípios cujo valor foi prévia e fi rmemente estabelecido de forma explícita (MONDIN, 1981). 1.2 A religião grega e a Filosofi a O fi lósofo moderno Auguste Comte (1798-1857) separou a história do desenvolvimento da humanidade em três estágios: teológico, fi losófi co e positivo ou científi co. O estágio teológico tem a ver com a dimensão religiosa na forma como o ser humano se relaciona e conhece o mundo. O estágio fi losófi co se caracteriza pela via metafísica de conhecer a realidade. Por fi m, o estágio positivo ou científi co relaciona-se com a maneira positivo-objetiva pela qual se constrói o conhecimento da realidade. Seguindo essa classifi cação, Religião e Filosofi a por muito tempo andaram juntas, principalmente na Idade Média, contudo, antes do surgimento da Filosofi a grega, os gregos tinham uma forma religiosa de relacionar-se com o mundo. Sua religião se dividia de duas formas: a religião pública e a religião dos mistérios. Religião pública: teve sua mais bela expressão em Homero. Elaé hierofânica, antropomórfi ca e naturalista. Essa forma de religião via qualquer evento na natureza como uma manifestação do divino: tudo o que acontece é obra dos deuses. Todos os fenômenos naturais são provocados pelos deuses os quais interferem diretamente no curso da vida na terra. A religião pública era de caráter antropomórfi co pelo fato de que os deuses da religião natural não são mais do que homens ampliados e idealizados. Eles são projeções quantitativamente superiores dos seres humanos. Por isso, a religião pública grega é certamente uma forma de religião naturalista (MONDIN, 1981). Por essa razão, a religião pública dos gregos não afi rmava conteúdos de santidade ou qualquer separação da vida, visto que a vida é essencialmente a grande religião. Nota importante Segundo a perspectiva da religião púbica, o que a divindade exige do homem “não é a mudança íntima de seu modo de pensar, nem a luta contra suas tendências naturais e seus impulsos; ao contrário, TÓPICO 01 - A questão da verdade PRIMEIROS FILÓSOFOS [PARA REFLETIR] A preocupação dos primeiros fi lósofos é explicar a realidade, detendo-se especialmente à tarefa de analisar a multiplicidade do real. Nesse esforço, afastam-se completamente das narrativas míticas, segundo as quais a realidade é fruto da vontade dos deuses. HIEROFÂNICA [PARA REFLETIR] Aparecimento ou manifestação reveladora do sagrado. JAPIASSPÚ; MARCONDES, 1996, p. 20,83. ANTROPOMORFISMO [PARA REFLETIR] Forma de linguagem que atribui aos deuses comportamentos e pensamentos característicos dos seres humanos. JAPIASSPÚ; MARCONDES, 1996, p. 20,83. POSEIDON [SAIBA MAIS] Poseidon, também conhecido como Netuno para os romanos, era um grande rei dos mares, um homem muito forte, com barbas e sempre representado com seu tridente na mão e às vezes com um golfi nho. Era fi lho de Cronos, deus do tempo, e da deusa da fertilidade Réia. Sua casa era no fundo do mar e com seu tridente causava maremotos, tremores, além de fazer brotar água do solo. 14 | Introdução à Filosofi a UNIDADE I - A Refl exão Filosófi ca tudo o que para o homem é natural vale diante da divindade como legítimo; o homem mais divino é aquele que cultiva com o máximo empenho suas forças humanas; e o cumprimento do dever religioso consiste essencialmente nisto: que o homem faça em honra da divindade, o que é conforme a sua própria natureza” (MONDIN, 1981, p. 12-13). O fato de ser uma religião natural e não revelada, os gregos não tinham livros sagrados ou textos tidos como revelação divina. Por conta disso, não existiam manuais doutrinários ou dogmáticos entre os gregos, nem haviam sacerdotes encarregados para guardar algum dogma. Esse caráter da religião pública dos gregos possibilitava a mais “ampla liberdade à especulação fi losófi ca” (MONDIN, 1981, p. 13). O surgimento da Filosofi a entre os gregos ocorreu devido à liberdade especulativa, a qual não era determinada por algum dogma ou instituição religiosa superior. Religião dos mistérios: atingiu o seu maior brilho na Grécia justamente quando a Filosofi a começava a fl orescer. Os pontos mais importantes dessa religião eram: a) No homem reside um princípio divino, um demônio (daimônion), unido a um corpo por causa de uma culpa original; b) Esse demônio é imortal e, por isso, não morre com o corpo, mas deve passar por uma série de reencarnações até expiar completamente a culpa; c) A vida da religião dos mistérios, com suas práticas de purifi cação, é a única a poder colocar fi m ao ciclo de reencarnações; d) Quem vive a vida misteriosa, depois desta existência, no estado de felicidade perfeita, ao passo que quem vive outro tipo de vida será condenado a ulteriores reencarnações. Nota importante Como se vê, a diferença principal entre a religião pública e a dos mistérios diz respeito às relações entre a alma e o corpo. Enquanto a religião pública tem uma concepção unitária do corpo e da alma, a dos mistérios professa uma concepção dualista. Na religião pública, como observamos, não se impõe nenhuma ascese, mas se encoraja o pleno desenvolvimento e a plena satisfação de qualquer capacidade, força e paixão. Na religião dos mistérios, ao contrário, impõe-se uma ascese muito rigorosa. As duas formas de conceber a religião tiveram implicações concretas nas formulações éticas, morais, antropológicas e políticas da Grécia. A imortalidade da alma, a condenação do prazer, o culto da virtude, etc., de fi lósofos como Pitágoras, Sócrates, Platão, Zenão, Plotino, são infl uências diretas da religião do mistério e suas propostas de ascese. Esse é um dos aspectos que aponta a importância da religião pública e do mistério no desenvolvimento da Filosofi a. O PENSADOR [IMAGEM] Esta imagem representa a postura fi losófi ca da Grécia Antiga. Introdução à Filosofi a | 15 TÓPICO 01 - A questão da verdade TIRINHA [IMAGEM] O mito acessa a via fantástico-poética e religiosa. A fi losofi a acessa a vida do logos e da razão. GRÉCIA ANTIGA [DICA DE VÍDEO] Conheça um pouco mais do império grego assistindo o documentário “Construindo império: Grécia antiga”. Acesse o endereço abaixo: Disponível em: <https://www.youtube.com/ watch?v=Febtekz030M>. Acesso em: 05 jun. 2017. A grande relação entre mito e Filosofi a está na proposta de indagação. Ambos são formas de perguntar sobre a existência. Entretanto, a diferença está no caminho trilhado. O mito acessa a via fantástico-poética e religiosa. A Filosofi a acessa a vida do logos e da razão. Assim, a diferença entre o discurso de Hesíodo e Homero diante de Tales, por exemplo, é a mudança da forma de buscar a verdade: a partir de Tales, a busca da verdade passou a ser pela via do logos, pela via da razão. É nesse sentido que falamos da passagem do mito para a Filosofi a. 2. A BUSCA PELA VERDADE Na Grécia antiga, pode-se identifi car vários pensadores a ocuparem-se com a temática da concepção do conhecimento, tentando identifi car limites e possibilidades para a produção da verdade, como fruto do pensamento humano. Evidentemente, não é possível referir todos os fi lósofos que se ocuparam com a temática, desse modo selecionamos aqueles que julgamos poderem contribuir mais signifi cativamente para a discussão sobre a construção fi losófi ca e as suas interfaces com a refl exão teológica. Seguindo a periodização da fi losofi a grega, classifi cando tradicionalmente os fi lósofos em pré-socráticos, socráticos e pós- socráticos, optamos, também, seguir esse esquema. Apesar das diferenças existentes entre os grupos de fi lósofos, as correntes de seus pensamentos e suas hipóteses, a busca pela verdade era a principal preocupação da época. Filosofar era em primeiro lugar se ocupar com a busca da verdade. Para a Filosofi a, a verdade tem a ver com “o saber que se percebe como sendo mais relevante relativo a coisas mais fundamentais, embora não diretamente úteis [...] do ponto de vista empírico” (REZANDE, 1998, p. 13). Embora não haja um consenso na defi nição do que seja a verdade, há, porém, uma hipótese de que a verdade é o caminho esclarecedor da vida e a torna mais bela em todos os seus sentidos. Por conseguinte, os fi lósofos ocupavam-se com a busca da verdade ou pelo menos estabelecer os caminhos para acessá-la. Chauí (2000) certifi ca ser a Filosofi a não um conjunto de ideias e de sistemas que possamos apreender automaticamente, nem é um passeio turístico pelas paisagens intelectuais, todavia uma decisão ou deliberação orientada por um valor: a verdade. É o desejo do verdadeiro que move a Filosofi a e suscita fi losofi as. Nota importante Afi rmar ser a verdade um valor signifi ca: o verdadeiro confere às coisas, aos seres humanos, ao mundo um sentido que não teriam se fossem considerados indiferentes à verdade e à falsidade. 16 | Introdução à Filosofi a UNIDADE I - A Refl exão Filosófi ca INCERTEZA [IMAGEM] Essa imagem representa a incerteza causada pela existênciade várias outras possibilidades. BUSCA PELA VERDADE [PARA REFLETIR] O desejo da verdade aparece muito cedo nos seres humanos como desejo de confi ar nas coisas e nas pessoas; de acreditar que as coisas são exatamente tais como as percebemos e o que as pessoas nos dizem é digno de confi ança e crédito. Ao mesmo tempo, nossa vida cotidiana é feita de pequenas e grandes decepções e, por isso, desde cedo, vemos as crianças perguntarem aos adultos se tal ou qual coisa “é de verdade ou é de mentira”.. Podemos apontar que a busca da verdade se depara com dois obstáculos: a ignorância e a incerteza. Em geral, o estado de ignorância se mantém em nós enquanto as crenças e opiniões, que possuímos para viver e agir no mundo, conservem-se como efi cazes e úteis, de modo a não termos motivo algum para duvidar delas, nenhum motivo para desconfi ar delas e, consequentemente, achamos que sabemos tudo o que há para saber (CHAUI, 2000). Por outro lado, a incerteza é diferente da ignorância porque, na incerteza, descobrimos o quanto somos ignorantes, que nossas crenças e opiniões parecem não dar conta da realidade, que há falhas naquilo em que acreditamos e que, durante muito tempo, serviu-nos como referência para pensar e agir. Na incerteza, não sabemos o que pensar, o que dizer ou o que fazer em certas situações ou diante de certas coisas, pessoas, fatos, etc. Temos dúvidas, fi camos cheios de perplexidade e somos tomados pela insegurança. Segundo Resende (1998), essa perplexidade está na origem da Filosofi a, pois é ela a conduzir o ser humano à refl exão e à busca pela verdade. Platão e Aristóteles indicaram com precisão a experiência que, para eles, o que dá origem ao pensar fi losófi co é o que os gregos chamavam de “thauma”, espanto, admiração ou perplexidade. A busca pela verdade começa quando algo causa perplexidade e provoca admiração. Entender as causas últimas das coisas geradoras da perplexidade, admiração, espanto é buscar pela verdade, pelo seu sentido último, pela sua causalidade. Nesse viés, verdade e Filosofi a estão intimamente ligadas na medida em que uma é a substância da outra. Nota importante Em nossa sociedade, é muito difícil despertar nas pessoas o desejo de buscar a verdade. Pode parecer paradoxal que assim seja, pois parecemos viver numa sociedade que acredita nas ciências, que luta por escolas, que recebe durante 24 horas diárias informações vindas de jornais, rádios e televisões, que possui editoras, livrarias, bibliotecas, museus, salas de cinema e de teatro, vídeos, fotografi as e computadores (CHAUÍ, 2000, p. 18). Dessa maneira, a Filosofi a Grega parece ter surgido quando, por uma série de fatores complexos, os quais não podemos aqui desenvolver, as repostas dadas pelo mito a certas questões não satisfi zeram mais a certas mentes, particularmente exigentes, de um povo, sobretudo curioso e passível de se espantar. Introdução à Filosofi a | 17 TÓPICO 01 - A questão da verdade LEITURA COMPLEMENTAR A questão da verdade na Filosofi a Maurílio José de Oliveira Camello Não haveremos de insistir na necessidade existencial da verdade, matriz e fonte de todas as necessidades, como de todos os esforços para solucioná-las. Além disso, a verdade e sua necessidade existem muito antes de as podermos defi nir e com a amplitude da qual não teríamos condição alguma de determinar. Um exemplo notável está aos olhos de todos. A recente crise econômica mundial é o resultado de uma “verdade” de gestão fi nanceira que descobriu, apesar de todos os cálculos e projeções, uma fi cção ou mentira, desencadeando por todo o mundo um terremoto de que ainda não conhecemos todas as consequências. Que razões teriam presidido a essas formas de vida econômica, política, social, mostradas atualmente de forma tão fragilizadas, líquidas e descartáveis? Elas se enraízam certamente no ethos da Modernidade, construído à base de concepções idealistas da Verdade, cujos nomes nos são bem conhecidos: idealismo- racionalismo, pragmatismo, relativismo, niilismo, devendo-se acrescentar o voluntarismo e a hermenêutica, que também têm sua pretensão de verdade. Kant não é, certamente, o pai geral de todas essas tendências, mas é quem “desnaturalizou” com mais radicalidade a antiga e venerável noção da verdade-adequação, oriunda de Aristóteles. No entanto, talvez devamos recuar até Descartes, para o qual, como é muito sabido, a ordem de fundamentação da Filosofi a inicia-se na mente, e não na natureza das coisas. Pretende construir seu sistema tendo por base uma verdade absolutamente indubitável: Eu penso, logo sou (Cogito, ergo sum). Ele analisa essa ideia-base em suas características constitutivas, para admitir como verdadeira qualquer ideia semelhante àquela. “As coisas que concebemos clara e distintamente são todas verdadeiras”, vai escrever na quarta parte do Discurso de Método. Na realidade, essa proposição dependerá de outra que afi rme (ou postule) a existência de Deus e sua absoluta e essencial veracidade. Vale dizer, que o critério de verdade das proposições, além da verdade do cogito, está suspenso à existência de Deus, que é veraz e não pode nos enganar. Percebe-se assim, como o pensamento cartesiano gira em torno de si mesmo e, de certo modo, se vê obrigado a apelar para algo objetivo e que, entretanto, é sempre subjetivo. Clareza e distinção de ideias são condições ou critérios de verdade, porém esses não são a verdade, e não permitem à consciência sair do seu radical isolamento subjetivo. Também em Kant, a verdade não tem mais seu fundamento nas coisas, com referência às quais um juízo da inteligência se 18 | Introdução à Filosofi a UNIDADE I - A Refl exão Filosófi ca estabelece na divisão ou composição, entretanto é uma pura relação imanente da inteligência. Na Lógica, vai defi nir a verdade formal como a concordância do conhecimento consigo mesmo e na Crítica da Razão Pura, entende a verdade como a concordância do conhecimento com seu objeto, ou, melhor dizendo, o acordo do juízo com as leis imanentes da razão. É sempre verdade o fato de Kant não se afastar da relação gnosiológica essencial entre o sujeito e o objeto-termo, contudo, ao confundir esse com o conhecimento em si não contraditório, terá assim uma verdade totalmente imanente ao sujeito. Se há um problema nessa concepção é que a mens mensurans deverá aceitar juízos contraditórios simultaneamente verdadeiros; não se teria por outro lado um critério válido de verdade, o entendimento sempre seria verdadeiro e, por fi m, não teriam cabimento hipóteses e suposições. Acrescente-se que a coerência do pensamento é condição de possibilidade do próprio pensamento, todavia não se há de entender como verdade. Uma proposição pode ser coerente e falsa, ao mesmo tempo, exigindo, de qualquer modo, a comprovação empírica para se saber de sua falsidade ou de sua veracidade. Se a verdade kantiana é uma correspondência fechada entre o conhecimento e seu objeto, a verdade no pragmatismo, em mais de um aspecto, àquela se liga, não fosse pela supremacia que em ambas se dá à razão prática sobre a teórica. No pragmatismo, porém, a ênfase recai sobre a experiência decisiva sobre a funcionalidade de uma teoria e, portanto, sobre sua verdade. Não se há de negar a importância do pragmatismo nas assim chamadas verdades morais. No entanto, o pragmatismo não sabe bem o que fazer com as verdades evidentes, com os primeiros princípios, as verdades matemáticas, o conhecimento abstrato. O caminho eclético é com frequência o escolhido, na escolha dos critérios, propondo-se um conjunto de regras para harmonizar, purifi car ou eliminar nos vários sistemas. Não se acha com clareza o critério para tal escolha, podendo muito bem deparar-se com teorias incompatíveis. Na Filosofi a Contemporânea, não está ausente a preocupação com a verdade, entretanto o foco se centra na questão epistemológica, sem o pano de fundo ontológico e ético.São rediscutidas as tendências até aqui esboçadas, mas para se ver o que delas se pode aproveitar, se há algo a aproveitar-se, nos processos e nos resultados da ciência. CAMELLO, J. O. Maurílio. A questão da verdade na fi losofi a. Theoria: Revista Eletrônica de Filosofi a, vol. 1, 2009. Disponível em: <http://www.theoria.com.br/edicao0109/A_questao_da_verdade_ na_Filosofi a.pdf>. Acesso em: 26 mai. 2017. Introdução à Filosofi a | 19 TÓPICO 01 - A questão da verdade RESUMO DO TÓPICO Nesse tópico você aprendeu que: • Filosofi a é uma palavra de origem grega a qual signifi ca literalmente “amigo da sabedoria”. • Das coisas que a Filosofi a estuda, ela deseja oferecer uma explicação conclusiva e, para consegui-la, serve-se somente da razão, daquilo que os gregos chamaram logos. • A Filosofi a Grega parece ter surgido quando as repostas dadas pelo mito a certas questões não satisfi zeram mais a certas mentes particularmente exigentes de um povo, sobretudo curioso e passível de se espantar. 20 | Introdução à Filosofi a UNIDADE I - A Refl exão Filosófi ca Introdução à Filosofi a | 21 Tópico 02 O ato de Filosofar (Principais correntes fi losófi cas ocidentais) Introdução Neste segundo tópico, você estudará questões relacionadas à atitude fi losófi ca. Para tanto, é necessário conhecer os principais pensadores da Filosofi a Grega antiga e suas perspectivas fi losófi cas. O objetivo do tópico é apresentar as condições necessárias para a atitude fi losófi ca; o que é o ato fi losófi co e qual sua natureza; e, apontar algumas implicações da atitude fi losófi ca no que diz respeito às questões éticas e políticas. No fi nal do tópico será disponibilizado um conjunto de questões que servirão para relembrar o conteúdo estudado, bem como uma leitura complementar, servindo-lhe de suporte para acessar outros textos sobre essa temática. Bons estudos! Unidade I UNIDADE I - A Refl exão Filosófi ca 22 | Introdução à Filosofi a 1. O ATO DE FILOSOFAR Inicialmente, é necessário lembrar que os fi lósofos não se apresentavam necessariamente como sábios, antes, apreciavam serem chamados de “amantes da sabedoria”. Segundo Rezende (1998), o fi lósofo torna-se amante do seu próprio espanto, sendo a experiência o fator que o joga na atividade da busca do saber, que é o objeto de seu amor. O (a) fi lósofo (a) é aquele (a) que chega diante das questões do cotidiano, das situações comuns e provoca questionamentos sobre elas, propõe olhares, aponta caminhos que, na maior parte das vezes, não são comuns à maioria. Em última instância, podemos afi rmar que a base da atitude fi losófi ca é a busca pela verdade. Sem o interesse pela causa última das coisas e seus sentidos, não se pode fazer Filosofi a. Nota importante A atitude de indagação, da problematização e da busca pelos sentidos das coisas, provoca certo tipo de estar, de ver e ouvir. Em última instância, essa é a condição necessária para a atitude fi losófi ca. Na Grécia antiga, podem-se identifi car vários pensadores que desenvolveram a atitude fi losófi ca tentando identifi car limites e possibilidades para a produção da verdade. Evidentemente, não será possível referir todos os fi lósofos que se ocuparam com a temática, de modo a selecionarmos aqueles que julgamos poderem contribuir mais signifi cativamente para a compreensão do que seja o ato fi losófi co. Seguindo a periodização da Filosofi a Grega, a qual tradicionalmente classifi ca os fi lósofos em pré- socráticos, socráticos e pós-socráticos, optamos também por seguir esse esquema. 1.1 O pensamento pré-socrático Entre os fi lósofos pré-socrático, escolhemos dois que representam duas posições ou atitudes fi losófi cas antagônicas. De um lado, temos Heráclito, defensor da ideia de que a realidade está em constante transformação; por outro lado, encontramos Parmênides, o qual afi rmava justamente o contrário: a realidade é marcada pela constância, pela imutabilidade. Heráclito viveu entre 544 e 484 a.C. na região onde atualmente está localizada a Turquia. O seu pensamento foi marcado pela observação de que a realidade está em constante mudança. Podemos dizer que ele queria compreender a realidade em seu devir, ou seja, como ela constantemente vem a ser. O mundo não é estático, mas está se transformando o tempo todo, logo, o princípio regente da realidade deve ser condizente a essa mudança. HERÁCLITO [QUEM?] Heráclito nasceu em 544 a.C., na cidade de Éfeso e, morreu no ano 484 a.C. na mesma cidade. TÓPICO 02 - O ato de Filosofar Introdução à Filosofi a | 23 Ao observar um rio, por exemplo, podia observar que ele não parava de fl uir. A água se deslocava ininterruptamente em direção ao oceano e novas águas brotavam nas nascentes ou eram acumuladas pelas chuvas. Heráclito afi rmava não poder nos banhar duas vezes no mesmo rio (ARANHA; MARTINS, 2003). Da mesma forma, se observarmos o mundo ao nosso redor, veremos a sua transformação o tempo inteiro. As cidades em que vivemos não param de crescer, dia após dia, novas casas, edifícios, ruas e avenidas são construídas. A nossa maneira de pensar muda com o tempo; se hoje pensamos de uma determinada maneira, as experiências da vida fazem com que as nossas convicções sejam alteradas e acabamos adotando novos discursos, defendendo novas ideias. Embora nunca seremos inéditos, hoje já não somos os mesmos em relação a ontem. Também amanhã não seremos os mesmos, contudo já teremos nos tornado outra pessoa. A leitura dessa apostila, por exemplo, está nos mudando. Nota importante Por tudo isso, Heráclito estava convencido de que “tudo fl ui”, ou seja, tudo muda. Assim, o conhecimento verdadeiro é o que consegue captar a mudança da realidade. A explicação da realidade não pode ser estática, mas deve estar norteada pela fl uidez da realidade. Portanto, para Heráclito, o princípio do conhecimento é a mudança (ARANHA; MARTINS, 2003). Outro fi lósofo desse período foi Parmênides, que viveu entre 540 e 470 a.C. na região da atual Itália, defendia a ideia da imobilidade do ser. Ele foi um ostensivo crítico da fi losofi a de Heráclito e o seu pensamento infl uenciou de maneira muito signifi cativa a história do conhecimento no ocidente. Para Parmênides, não era concebível a ideia de que as coisas estão em constante mudança, de que elas poderiam ser algo agora e, mais tarde, deixar de ser (ARANHA; MARTINS, 2003). De fato, se pararmos para observar a realidade, em muitos sentidos, também teremos a percepção de que as coisas não mudam realmente. Embora possam parecer mudar aos nossos sentidos, no fundo, permanecem as mesmas. Pense no exemplo da política em nosso país. Entra ano e sai ano e tudo parece permanecer igual. Se analisarmos notícias de jornais do fi nal do século XIX, podemos encontrar muitas notícias sobre corrupção e um anseio por mudança. Atualmente, analisando os jornais que circulam em nossas cidades, constataremos que nada realmente mudou, mesmo que as pessoas sejam outras. Interessante observar que, em alguns casos, até os sobrenomes das pessoas envolvidas são os mesmos. Logo, podemos também dar razão a Parmênides ao afi rmar que MUDANÇAS [PARA REFLETIR] Se deixarmos de ver um lugar por algum tempo que seja, e depois voltarmos a esse lugar, logo nos daremos conta da quantidade de mudanças processadas. Da mesma forma como o mundo material se transforma, também as pessoas mudam, adotando novos cortes de cabelo, novos jeitos de se vestir; a sua aparência muda com o passar dos anos, a pele fi ca mais fl ácida, emagrecemos e engordamos. PARMÊNIDES [QUEM?] Parmênides ou Parménides de Eleia (cidade localizada na costa sul da Magna Grécia) foi um fi lósofo grego, supostamente de uma família rica. Seus primeiros contatos fi losófi cos foram com a escola pitagórica, especialmente com Ameinias. COMPORTAMENTO [PARA REFLETIR] Experiências semelhantes podemos fazer em relação aos comportamentos das pessoas.Quantas dizem mudar de vida depois de terem cometido alguma falta grave, mas, quando nos damos conta, estão fazendo as mesmas coisas, cometendo os mesmos erros. Quantos fi lhos dizem querer ser totalmente diferentes de seus pais, especialmente em relação à violência e alcoolismo, todavia, se assim o fosse, não deveria haver mais casos de agressão e consumo excessivo de álcool. 24 | Introdução à Filosofi a as coisas não mudam realmente. Como explicar então as mudanças na realidade percebidas pelos nossos sentidos? Segundo o fi lósofo, elas se limitam ao mundo sensível, à percepção que temos da realidade, e não a sua essência. Somente o mundo inteligível, o qual é acessado pela nossa razão, é o mundo verdadeiro. Nota importante: Das ideias de Parmênides surgiu a convicção de que a realidade do mundo corresponde ao pensamento humano ou, em outras palavras: tudo o que o ser humano é capaz de elaborar através do uso da razão é real e, consequentemente, verdadeiro. Mais tarde, Aristóteles apenas aprofundará essa ideia, colocando a lógica como critério para a identidade entre a razão e a realidade. 1.2 Período Socrático O período socrático é assim denominado devido à atuação do fi lósofo Sócrates, em razão principalmente da profundidade e abrangência da sua fi losofi a. Porém nessa época também atuaram uma série de fi lósofos chamados de Sofi stas, bem como Sócrates, Platão, discípulo de Sócrates, e Aristóteles, que foi discípulo de Platão. No período socrático, houve uma mudança muito signifi cativa na atitude fi losófi ca em relação ao conhecimento. Ocorreu o deslocamento de uma ênfase nas questões da natureza para uma abordagem antropológica. Nota importante Antes, os fi lósofos estavam preocupados em explicar as causas e leis do mundo natural; no período clássico ou socrático, passaram a perguntar pelo papel do ser humano no mundo, as condições de produção do conhecimento e os fatores que podem impedi-lo. 1.2.1 Sofi stas A atuação dos sofi stas destoa bastante da refl exão dos fi lósofos pré-socráticos. Isso se deve em boa medida porque os seus interesses são distintos. A atuação dos chamados sofi stas ocorre no período áureo da cultura grega, no século V a.C. Em Atenas passou a existir uma intensa atividade artística e cultural nesse período, caracterizando-se também pelo auge da democracia. Ainda que as questões da natureza aparecessem nas refl exões fi losófi cas, o foco se tornou cada vez mais o próprio ser humano, ou seja, a fi losofi a assumiu gradativamente um enfoque antropológico, envolvendo questões de ordem moral e política (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 120). UNIDADE I - A Refl exão Filosófi ca REFLEXÃO TEOLÓGICA [SAIBA MAIS] Os dois princípios apresentados, “tudo fl ui” e “o ser é imóvel”, infl uenciaram e ainda infl uenciam a Teologia até os dias de hoje. A refl exão teológica que é mais norteada pelo pensamento de Heráclito, segundo o qual tudo muda, estará propensa a buscar constantemente a atualização da mensagem evangélica para os dias atuais, pois reconhece a mutabilidade do mundo e a necessidade de adequação da mensagem cristã aos novos desafi os da sociedade. Ela será uma teologia mais inovadora, disposta a mudar conforme os novos desafi os. Já a Teologia norteada pela ideia de imutabilidade do ser de Parmênides será mais conservadora, insistindo na perenidade da mensagem evangélica. Esta será uma postura mais dogmática e pouco aberta a mudanças, pois a mudança poderá ser vista como a possibilidade de perda da essência da mensagem. Introdução à Filosofi a | 25 Os sofi stas surgiram em resposta aos novos desafi os trazidos pelo desenvolvimento das cidades e do comércio para a Grécia. Antes, a sociedade era regida por uma elite proprietária de terras e do poder militar. Essa classe baseava a educação dos seus fi lhos no modelo dos heróis mitológicos, especifi camente dos guerreiros belos e bons. A beleza se caracterizava pelo corpo escultural formado pelos exercícios físicos, pela ginástica, pela dança e pelos jogos de guerra. O ser bom era defi nido a partir das leituras de Homero e Hesíodo, por exemplo, que descreviam as características dos heróis, cujas virtudes eram admiradas pelos deuses, sendo a principal delas a coragem diante da morte na guerra. A coragem aparece como importante elemento na luta de Heitor e Aquiles, contada por Homero e retratada no cinema através do fi lme “Tróia”. Conforme Chaui (2008, p. 40), “a virtude era a aretê (palavra grega que signifi ca ‘excelência e superioridade’), própria dos melhores, ou, em grego, dos aristoi.” Daí deriva a palavra aristocracia, signifi cando o governo dos melhores. Quando se desenvolveram as cidades e o comércio, surgiu também uma nova classe social rica a qual estava igualmente interessada em ter infl uência política. Assim, desenvolveu-se a democracia grega, pela qual essa participação se tornou possível. As decisões concernentes à vida na cidade passaram a ser tomadas na praça pública, a Ágora. Das reuniões na praça pública participavam todos os cidadãos, expondo as suas ideias de modo a convencer os demais dos seus pontos de vista. O modelo de educação aristocrático já não atendia mais às novas necessidades, por isso surgiu um novo modelo de educação, protagonizado pelos sofi stas. Nota importante Os sofi stas eram membros da nova classe social procurando ampliar a sua infl uência política, podendo ser concretizada a partir dos debates na praça pública. Era preciso que houvesse conhecimento e argumentos para tais discussões. Assim, os sofi stas se tornaram os primeiros educadores, pois contribuíram para a sistematização dos conhecimentos de tal forma a poderem formar o cidadão que faz a sua voz ser ouvida na Ágora. Eles dão uma contribuição fundamental para a sistematização do ensino ao formarem um currículo de estudos: gramática, retórica, dialética, aritmética, geometria, astronomia e música (CHAUI, 2008, p. 40). Os sofi stas se tornaram especialistas em retórica, que é a arte da argumentação. Na medida em que se dispõem a ensinar os fi lhos da nova classe rica, os sofi stas iniciam os jovens na arte da retórica. Ao mesmo tempo, considerando o aspecto bastante prático de sua refl exão, sendo a preocupação com as discussões TÓPICO 02 - O ato de Filosofar SOFISTAS [SAIBA MAIS] O termo “sofi sta” tem sua origem no idioma grego, a partir da palavra “sophistes”, derivada de “sophia” e “sophos”, signifi cando sabedoria e sábio respectivamente. O termo foi utilizado para descrever alguém habilidoso em uma determinada atividade. Com o tempo a palavra passou a designar a sabedoria nos assuntos tipicamente humanos, em oposição aos assuntos da natureza, até chegar a designar um tipo específi co de profi ssional, o sofi sta. JAPIASSPÚ; MARCONDES, 1996, p. 90. 26 | Introdução à Filosofi a UNIDADE I - A Refl exão Filosófi ca na praça pública, eles acabam por elaborar o ideal teórico da democracia. Os cidadãos da nova classe rica tiveram especial interesse nesse assunto, pois ele se contrapõe diretamente aos interesses da velha aristocracia rural (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 120). Com os sofi stas, o conhecimento passou por um primeiro momento de sistematização, isso porque eles estavam convencidos de que ele era abrangente demais para ser assimilado de uma só vez. Essa foi a nova atitude fi losófi ca gerada pelos sofi stas. Tal atitude dos sofi stas teve implicações diretas na vida política da Grécia. 1.2.2 Sócrates Como já vimos no ponto anterior, Sócrates não simpatizava com os sofi stas. Em primeiro lugar, pelo fato de eles cobrarem pelo ensino que ministravam; também porque Sócrates não aceitava a possibilidade de se defender qualquer ideia somente para que se pudesse ganhar um debate em praça pública. O fi lósofo estava convicto de que somente a verdade deveria ser defendida. E, antes de querer convencer os outros de alguma ideia, cada umdeveria primeiro conhecer a si mesmo. Por outro lado, Sócrates concordava com os sofi stas quando eles afi rmavam que a educação aristocrática já não atendia mais às necessidades da cidade. Era preciso, então, a criação de um novo modelo educacional, mais adequado aos novos tempos (CHAUÍ, 2008, p. 41). Sócrates viveu aproximadamente entre os anos 470 e 399 a.C., em Atenas, e não deixou testemunho escrito. Tudo o que sabemos sobre ele foi transmitido por dois de seus discípulos, Xenofontes e Platão. Platão apresenta Sócrates como um homem andante pelas ruas de Atenas, fazendo perguntas às pessoas, principalmente aquelas que discursavam em praça pública. Sócrates perguntava sobre os valores que os gregos consideravam fundamentais para a sua sociedade, tais como a coragem, a virtude, o amor, a honestidade, a amizade e a verdade. Para a sua surpresa, as pessoas sempre lhe respondiam com exemplos, às quais retrucava dizendo não estar interessado nos exemplos e sim queria saber o que é o amor, a amizade, etc. A atitude de Sócrates causava embaraço; as pessoas se sentiam constrangidas e percebiam não ter as respostas para as perguntas do fi lósofo (CHAUI, 2008, p. 41). Aranha e Martins (2003, p. 121) ressaltam que, ao adotar esses procedimentos, Sócrates lançou mão de um método próprio de refl exão fi losófi ca, chamado de ironia e maiêutica. Ironia é um verbo grego usado para “perguntar” e maiêutica signifi ca “parto”. O método socrático teria sido assim denominado em homenagem SOFISTAS [SAIBA MAIS] Através de sua atuação, os sofi stas contribuíram ainda para a profi ssionalização da educação, pois muitos deles cobravam pelos serviços prestados. Essa prática lhes rendeu muitas críticas, como as feitas, por exemplo, por Sócrates, que os acusava de “prostituição”. Segundo o fi lósofo, o conhecimento não poderia ser vendido. No entanto, conforme alerta Aranha e Martins (2003), mesmo que alguns sofi stas poderiam ser chamados de “mercenários do saber”, isso de modo algum pode ser aplicado a todos eles. Os sofi stas deixaram uma contribuição muito valiosa para a fi losofi a posterior e, certamente, podem ser considerados entre os precursores dos modernos estudos da linguagem, que incluem a linguística, jornalismo, marketing e outros. SÓCRATES [QUEM?] Sócrates foi creditado por seu discípulo Platão como o responsável por levar a fi losofi a em uma direção mais ética e política. Foi um dos fi lósofos de tamanha relevância que a história dos fi lósofos da Grécia clássica é dividida em pré-socrático e pós-socrático. Introdução à Filosofi a | 27 TÓPICO 02 - O ato de Filosofar “SÓ SEI QUE NADA SEI” [SAIBA MAIS] O pensamento Socrático é muitas vezes identifi cado com a famosa afi rmação “Só sei que nada sei”. Em outras palavras signifi ca que Sócrates não se considerava uma pessoa arrogante, pois tinha consciência de que não era possível conhecer tudo. Essencial para a refl exão fi losófi ca é a capacidade de perguntar, de querer saber coisas novas. Quando alguém pensa já saber tudo, que já está pronta, então não há mais necessidade de aprendizado e também de refl exão, muito menos de fi losofi a. Portanto, o fi lósofo considerava a humildade como elemento essencial da pessoa que quer ser sábia. O sábio sabe reconhecer os seus próprios limites e não hesita em admitir não ser dono da verdade, não possuir todas as respostas. Quando Sócrates fazia perguntas às pessoas até lhes mostrar que aquilo em que acreditavam ser a verdade não era realmente algo consistente, não queria dizer que ele mesmo possuía todas as respostas PLATÃO [QUEM?] Um dos principais fi lósofos da antiguidade. Sua obra “A República” é uma de suas obras mais estudadas na tradição fi losófi ca ocidental. à mãe de Sócrates, a qual era parteira. Enquanto ela ajudava as pessoas a vir à luz, o fi lho era um parteiro de ideias. Sócrates introduziu na fi losofi a a necessidade de se fazer uma diferença entre aquilo que se apresenta aos nossos olhos, aquilo que assimilamos através dos nossos sentidos, e as essências das coisas. Ele não queria apenas saber a opinião dos cidadãos de Atenas sobre determinado assunto, entretanto estava disposto a procurar o conceito que oferecesse o acesso à própria verdade. Essa busca da verdade tem uma enorme força social e política, pois faz as pessoas perguntarem pelo real sentido do que está a sua volta. Por essa razão, Sócrates logo passou a ser visto como um perigo pelos poderosos de Atenas e considerado alguém que estava corrompendo a juventude com as suas ideias. Ele foi levado perante a assembleia da cidade e foi julgado culpado, sendo obrigado a tomar veneno, a cicuta. Sócrates não se defendeu das acusações, dizendo não as aceitar. Também não abriria mão de suas ideias e da liberdade de pensar e, dessa forma, preferiria a morte (CHAUI, 2003, p. 42). 1.2.3 Platão Platão foi discípulo de Sócrates, como vimos acima, e desenvolveu o pensamento do seu mestre. Muitas vezes, é difícil saber onde termina o pensamento de Sócrates e em que ponto começa o de Platão. Platão viveu em Atenas entre os anos de 428 e 347 a.C., onde fundou uma escola chamada Academia. Platão desenvolve o famoso mito da caverna onde irá esboçar uma nova atitude fi losófi ca quanto à busca do conhecimento. No mito, Platão faz uma diferença entre o mundo sensível, aquele percebido pelos sentidos dos prisioneiros como sombras refl etidas na parede e o mundo real ou essencial. A realidade, para aquelas pessoas que nunca haviam experimentado algo diferente, era um mundo de sombras e de ecos. Imaginar outro mundo, onde houvesse outras condições de luminosidade, de cores, de cheiros e formas era algo que poderia ser comparado à loucura. Quem ousasse mencionar algo assim poderia ser ridicularizado. Nota importante A principal característica do pensamento de Platão é a dualidade entre o mundo ideal, ou das ideias, e o mundo sensível. O seu esforço maior foi o de tentar realizar a síntese entre os pensamentos opostos de Parmênides e Heráclito. O primeiro, como estudo no ponto sobre os fi lósofos pré-socráticos, defendia a imutabilidade do ser; enquanto o segundo ressaltava a existência de um mundo em constante transformação. Por conseguinte, Sócrates e Platão foram sérios críticos dos sofi stas, que aceitavam como verdadeiros os conhecimentos 28 | Introdução à Filosofi a UNIDADE I - A Refl exão Filosófi ca REALIDADE [PARA REFLETIR] Para Platão, as conclusões de Heráclito decorriam da experiência que fazemos com os nossos sentidos, mas que seriam enganosas. O fi lósofo ilustra isso no mito da caverna ao ressaltar que a vivência em diferentes ambientes leva à formação de diferentes concepções da realidade. A vivência na prisão da caverna durante toda a vida levou aquelas pessoas a acreditarem que o seu mundo, a realidade, era o que estava diante dos seus olhos. A verdade eram as sombras projetadas na parede. A possibilidade de sair daquele lugar e experimentar a existência de outras formas de realidade, provocaria uma mudança na concepção de mundo. Os sentidos nos oferecem novos parâmetros para a compreensão do mundo. Porém, o que Platão quer justamente mostrar é que não há garantia de que, o que vemos, corresponde efetivamente à realidade. Assim, segundo Platão, os nossos sentidos nos enganam e a verdade deveria residir em outra esfera, que não a do mundo sensível. Nesse sentido, tanto o pensamento socrático como o de Platão ressaltam que o verdadeiro conhecimento não está na experiência sensível, mas na essência das coisas, que pode ser alcançada mediante o uso da inteligência. O mundo inteligível, da razão, é o que corresponde à verdade. formados pela experiência sensível. Segundo os fi lósofos, as experiências sensoriais formam a mera opinião, ou dóxa em grego, que poderia variar de pessoa para pessoa, de acordo com cada circunstância particular.A preocupação da Filosofi a, por sua vez, deveria ser com o conhecimento verdadeiro, alcançável unicamente pelo pensamento (CHAUI, 2008). Veja, agora, como a atitude fi losófi ca de Sócrates e Platão foi desenvolvida pelo fi lósofo Aristóteles. 1.2.4 Aristóteles O tempo de atuação de Aristóteles é caracterizado na história da Filosofi a como período sistemático. Isso se deve ao fato de que os fi lósofos tiveram um papel fundamental na organização e sistematização do pensamento fi losófi co desenvolvido até então e, ainda, ao seu aprofundamento. Devemos a Aristóteles a organização do pensamento lógico através do qual elabora uma explicação da realidade a partir do princípio de causalidade. Para ele, todas as coisas têm uma causa, podendo ser estudada e compreendida. Se Platão apenas tentou realizar a síntese entre os pensamentos de Parmênides e Heráclito, Aristóteles funde defi nitivamente essas duas grandes proposições fi losófi cas em um único sistema. Para superar a dicotomia platônica, a teoria aristotélica está fundamentada em três distinções fundamentais: substância- essência-acidente; ato-potência; forma-matéria (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 123). Vejamos a seguir de que forma Aristóteles propôs uma nova explicação da realidade a partir desses conceitos. Segundo Aristóteles, toda a realidade é composta de substância, pois essa dá a dimensão de concreticidade à realidade. Para ele, a substância é “aquilo que é em si mesmo”. Toda substância, por sua vez, possui atributos, podendo ser ou não essenciais. Se os atributos da substância não são essenciais, então eles podem ser chamados de acidentais. Se os atributos essenciais faltam a uma determinada substância, ela não poderia ser considerada o que é. Vamos pensar em um exemplo para tornar a distinção de substância, essência e acidente feita por Aristóteles mais compreensível. Uma das perguntas movedoras da refl exão fi losófi ca de Aristóteles foi: de que modo os seres humanos se tornaram diferentes uns dos outros? Para resolver essa questão, Aristóteles recorre às noções de matéria e forma. A matéria é aquilo de que todas as coisas são feitas. Esse conceito é muito próximo à concepção que a física moderna tem de matéria. A característica da matéria é a indeterminação. Desse modo, um amontoado de Introdução à Filosofi a | 29 TÓPICO 02 - O ato de Filosofar células não constitui um ser humano; nem tampouco uma porção de granito pode ser considerada uma estátua. Para que a matéria seja considerada algo, é preciso que ela adquira forma. A matéria tem a forma apenas potencialmente. Várias células podem tornar- se um ser humano, mas não necessariamente. Do mesmo modo, uma semente possui a forma de árvore como potencial, assim como uma pedra pode vir a ser uma estátua. A matéria é a parte constante e imutável da realidade e, por esse viés, engloba as conclusões a que chegou Parmênides, de que o mundo é imutável. Já com a noção de forma, Aristóteles nos remete ao pensamento de Heráclito, o qual privilegiou a mudança como elemento constitutivo da realidade e do mundo. Contudo, ainda é preciso entender como Aristóteles concebia a transformação da matéria para que ela viesse a adquirir uma forma determinada. Segundo o fi lósofo, como já referimos acima, toda a matéria tem a forma em potência. Quando a matéria adquiriu uma forma determinada, então ele dizia haver chegado ao ato (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 123). O ato é a forma adquirida. No exemplo do ser humano tomado acima, a matéria são as células logo após a fecundação do óvulo pelo espermatozoide. Essas células têm a forma humana somente em potencial. O ato é o ser humano formado. Nota importante Segundo Aranha e Martins (2003, p. 124), para explicar o movimento de passagem da potência ao ato, Aristóteles recorre à teoria das quatro causas: a) A causa material: é aquilo de que uma coisa é feita. Ela é determinante, pois de um monte de pedras não se pode esperar um ser humano. Mas as pedras podem ser transformadas em uma estátua. b) A causa efi ciente: é aquilo com que a coisa é feita. Para que as pedras virem esculturas, é preciso haver um escultor. c) A causa formal: é aquilo que a coisa vai ser. No caso das pedras, a estátua é a causa formal, especifi camente a imagem feita na mente do escultor. Quando ele vê a pedra, ele já é capaz de imaginar em seu lugar a estátua pronta. d) A causa fi nal: é aquilo para o qual a coisa é feita. A estátua pode ter a fi nalidade de servir de decoração ou homenagear alguma pessoa importante. Desse modo, com uma única teoria, Aristóteles foi capaz de reunir os pensamentos de Parmênides e Heráclito e superar o mundo separado das ideias proposto por Platão. O sistema aristotélico contempla ao mesmo tempo a imutabilidade do mundo e as mudanças. Com Aristóteles, concretiza-se defi nitivamente a mudança na mentalidade da antiguidade de uma esfera sobrenatural e mítica para uma mentalidade racional e orientada exclusivamente para a esfera imanente. Não era mais necessária a recorrência à transcendência para explicar o cotidiano. ARISTÓTELES [QUEM?] Aristóteles viveu entre os anos de 384 e 322 a.C. Ele frequentou a academia de Platão e a sua fi delidade ao mestre é relativa. O fi lósofo desenvolveu o pensamento de Platão e o aprofundou, mas também foi divergente em muitos aspectos. Entre os principais aspectos críticos estava a compreensão de um mundo separado das ideias. Aristóteles não achava ser possível conceber a realidade em duas esferas completamente distintas, independentes uma da outra. RACIONALIDADE [PARA REFLETIR] Aranha e Martins (2003, p. 123) propõem que imaginemos um ser humano, podendo ser considerado como uma substância individual. Para que possamos considerar essa substância um ser humano e não outra coisa qualquer, é preciso que a substância tenha alguns atributos essenciais. Na história da Filosofi a, a característica essencial do ser humano sempre foi considerada a racionalidade. Então, se não houver racionalidade, não podemos considerar uma substância como um ser humano. Por outro lado, há vários atributos no ser humano que não são essenciais para que ele seja considerado como tal. Se uma pessoa for velha, nova, obesa ou magra, ou então tiver cabelos longos ou nem ao menos tiver cabelo, isso não faz com que ela deixe de ser um ser humano. 30 | Introdução à Filosofi a UNIDADE I - A Refl exão Filosófi ca 2. A NATUREZA DO ATO FILOSÓFICO Durante a leitura do primeiro subtópico dessa aula, você deve ter se questionado sobre a natureza do ato fi losófi co ou em última instância da própria Filosofi a. Essa pergunta tem sido feita por vários pensadores ao longo da história. Podemos pensar a natureza do ato fi losófi co a partir da compreensão de que a natureza de alguma coisa é a sua essência, aquilo que a faz ser e funcionar daquele modo específi co. Dessa forma, depois de ter lido os principais pensadores da antiga Grécia e conhecer de modo geral a organização de sua atitude fi losófi ca, vale agora o questionamento sobre o ser do pensamento fi losófi co, a natureza própria da Filosofi a. Assim, imagine se alguém tomasse uma decisão muito estranha e começasse a fazer perguntas inesperadas. Em vez de “que horas são?” ou “que dia é hoje?”, perguntasse: O que é o tempo? Em vez de dizer “está sonhando” ou “fi cou maluca”, quisesse saber: O que é o sonho? A loucura? A razão? Caso essa pessoa fosse substituindo sucessivamente suas perguntas, suas afi rmações por outras: “Onde há fumaça, há fogo”, ou “não saia na chuva para não fi car resfriado”, por: O que é causa? O que é efeito?; “seja objetivo”, ou “eles são muito subjetivos”, por: O que é a objetividade? O que é a subjetividade?; “Esta casa é mais bonita do que a outra”, por: O que é “mais”? O Que é “menos”? O que é o belo? Em vez de gritar “mentiroso!”, questionasse: O que é a verdade? O que é o falso? O que é o erro? O que é a mentira? Quandoexiste verdade e por quê? Quando existe ilusão e por quê? Se, em vez de falar na subjetividade dos namorados, inquirisse: O que é o amor? O que é o desejo? O que são os sentimentos? Se, em lugar de discorrer tranquilamente sobre “maior” e “menor” ou “claro” e “escuro”, resolvesse investigar: O que é a quantidade? O que é a qualidade? E se, em vez de afi rmar gostar de alguém porque possui as mesmas ideias, os mesmos gostos, as mesmas preferências e os mesmos valores, preferisse analisar: O que é um valor? O que é um valor moral? O que é um valor artístico? O que é a moral? O que é a vontade? O que é a liberdade? Alguém que tomasse essa decisão estaria tomando distância da vida cotidiana e de si mesmo; teria passado a indagar o que são as crenças e os sentimentos que alimentam, silenciosamente, nossa existência. Ao tomar essa distância, estaria interrogando a si mesmo, desejando conhecer por que cremos no que cremos, por que sentimos o que sentimos e o que nos mobiliza enquanto pessoas humanas. Nota importante A natureza da fi losofi a está na própria natureza do humano. O Introdução à Filosofi a | 31 TÓPICO 02 - O ato de Filosofar ser humano é caracterizado pela busca de sentido, pela produção de instrumentos simbólicos para se relacionar com a natureza e transformação da mesma. Esses aspectos colocam o homem em constante movimento fazendo com que as perguntas à vida e à realidade que se transformam sejam constantes. A natureza própria da Filosofi a é: acompanhar o movimento humano e relacioná-lo com a experiência concreta da realidade. A natureza da fi losofi a é a atitude de querer saber sobre tudo o que acontece. Enquanto existir no homem essa curiosidade então sempre existirá Filosofi a, pois essa é a sua natureza: questionar a realidade e a existência com o propósito de melhor conhecê- la. Além disso, faz parte da natureza da fi losofi a conhecer causas últimas da moral, ética, política, religião e tudo quanto o ser humano produz para organizar sua vida. Por essa razão, atitude fi losófi ca acaba sendo a condição própria do ser humano. LEITURA COMPLEMENTAR A natureza do Filósofo Emilia Maria Mendonça de Morais Se na tradição pré-socrática a concepção de phýsis aparece tanto associada à superação do mito e da intervenção divina, quanto à afi rmação de um princípio material ou imanente ao cosmos, quando transposta para “A República” e à defi nição do fi lósofo, essa noção ressurgirá vinculada à psykhé. Apesar da concepção tripartite da alma, apresentada por Sócrates no livro IV do diálogo, incluir o desejo e as carências fi siológicas (em marcante diferença com a oposição dicotômica entre corpo e alma do Fédon), a natureza do fi lósofo não se subordina a nada orgânico ou fi siológico. Desprendida da materialidade, conforma-se ao pensamento e permanece atada ao divino cujo apelo integra verdade e justiça. Divina seria, então, a própria fi losofi a: o maior benefício concedido pelos deuses à raça dos mortais, segundo o Timeu; assim como o método que a defi ne, a dialética, fora um presente dos deuses aos humanos, segundo o Filebo. Falar dessa natureza do fi lósofo, por conseguinte, pressupõe abordar a natureza mesma da fi losofi a. No caso de um fi lósofo grego antigo e, mais particularmente, de Platão, fi losofi a e vida estão tão imbricadas, sobretudo se levarmos em conta o registro do testemunho socrático, tornando-se quase impossível distingui- las. A primeira imagem delineada do fi lósofo nos escritos de Platão é a do próprio personagem Sócrates, visando sempre a 32 | Introdução à Filosofi a UNIDADE I - A Refl exão Filosófi ca uma sabedoria deslocada do solo do prestígio público, seja pelo modo despojado como vive, seja pela direção à qual orienta seu pensamento, construindo, assim, um discurso desafi nado do que se costuma ouvir no âmbito da pólis. Aquele que se consagra à Filosofi a não apenas vive à parte das inquietações que movem seus concidadãos, mas dirige-se aos mesmos por meio de interpelações, soando-lhes sempre tão singulares quanto excêntricas. Desde os primeiros passos da Apologia, o personagem do fi lósofo chama a atenção para a sua fala estranha aos tribunais, tal como um idioleto, antes mesmo de discorrer sobre a sua vida desvinculada das ocupações políticas e dos interesses particulares – que a prática política se atenha ao particular e não à justiça, esse é o distintivo da pólis cujos governantes mantêm-se distanciados do exercício da fi losofi a. Ressonâncias desse estranhamento, reencontramos no Górgias e no Teeteto. No diálogo com Polo, consagrado ao exame da oratória, Sócrates relembra que provocou risos por sua inabilidade quando fora convocado a exercer na Assembléia as funções da pritania. Segundo Cálicles, o mais infl amado porta-voz da retórica sofi sta, por toda a sua atenção à fi losofi a e inapetência para lidar com os assuntos práticos da pólis, Sócrates fi ndaria por habitar uma casa vazia. Na encenação dos diálogos, a lição do colóquio dramático do Fédon: viver e refl etir à margem do burburinho da agorá decorre da atribuição primeira e permanente de todos aqueles que se consagram à fi losofi a; mirar para além do visível, atar a alma ao invisível e, assim, sondar o eterno e o divino. Durante o seu processo, Sócrates reconhecera seus vínculos diretos com Apolo, o deus que, por meio da resposta à consulta de Querofonte ao oráculo de Delfos, levara-o a fazer da fi losofi a um exercício aberto e público; desde então, o exame de si mesmo passou a ter seu lado reverso e complementar: o exame dos pretensos sábios da pólis. O Sofi sta, diálogo tardio, ainda pode ser lembrado como um dos vários exemplos de que, para Platão, em uma vida pautada pela fi losofi a não se fi rmariam rupturas nem mesmo distâncias instransponíveis entre a práxis e a theoría orientada à esfera do suprassensível. Reconstruindo os parâmetros teóricos da hipótese das Formas inteligíveis, o diálogo começa com o elogio do fi lósofo e termina com o menosprezo do próprio sofi sta. Em seu prólogo, Teodoro afi rma ser o Estrangeiro de Eléia um fi lósofo, não um deus, mas um ser divino, como seriam todos os fi lósofos. Sócrates mostra-se de acordo, porém adverte-lhe que o gênero divino não é fácil de defi nir por revestir-se de múltiplas aparências entre os humanos; embora os fi lósofos enxerguem as multidões e a vida dos homens das alturas em que se mantêm, podem ser confundidos com políticos ou até mesmos com sofi stas. Introdução à Filosofi a | 33 TÓPICO 02 - O ato de Filosofar RESUMO DO TÓPICO Nesse tópico você aprendeu que: • O (a) fi lósofo (a) é aquele (a) que chega diante das questões do cotidiano, das situações comuns e provoca questionamentos sobre elas; propõe olhares, aponta caminhos que, na maior parte das vezes, não são comuns à maioria. • A Filosofi a Grega tradicionalmente classifi ca os fi lósofos em pré-socráticos, socráticos e pós-socráticos. Os representantes do período pré-socrático são Heráclito e Parmênides; do socrático fazem parte os sofi stas, Sócrates, Platão e Aristóteles. Os demais fi lósofos posteriores a esses são considerados os pós-socráticos. • A natureza da fi losofi a é a atitude de querer saber sobre tudo o que acontece. Enquanto existir no homem essa curiosidade então sempre existirá fi losofi a, pois essa é a sua natureza: questionar a realidade e a existência com o propósito de melhor conhecê-la. Depois da longa discussão, da reconstrução da questão do ser a partir dos gêneros supremos e da noção de alteridade ontológica, o diálogo se encerra com a sentença que reduz a sofística a uma mera arte imitativa a qual, ao fomentar contradições no terreno das opiniões, apenas produz simulacros e ilusões; por isso seus porta-vozes pertenceriam a uma raça apenas humana, de nenhum modo divina. Platão aborda tanto a natureza do fi lósofo quanto a atividade fi losófi ca por proposições afi rmativas, mas tambémpor justaposições construídas através de negativas – ora adverte-nos sobre o que o fi lósofo e a fi losofi a não podem deixar de ser, ora sobre o que não podem ser. No alvo das negações, invariavelmente, estão os sofi stas e a sofística. É assim no Protágoras, no Górgias, no Fedro, na República, no Teeteto e no próprio Sofi sta. A distinção talvez mais marcante e recorrente seja justo a que acabamos de ressaltar: a vida e o pensar do fi lósofo concernem ao divino e à prática dos sofi stas, isso diz respeito apenas ao humano, ou melhor, ao mundano. MORAIS, M. M. Emilia. A natureza do Filósofo. Kriterion, Belo Horizonte, nº 122, Dez./2010, p. 473-488. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/kr/v51n122/09.pdf>. Acesso em: 31 mai. 2017. 34 | Introdução à Filosofi a UNIDADE I - A Refl exão Filosófi ca Introdução à Filosofi a | 35 Tópico 03 Instrumentos do pensar Introdução Neste tópico estudaremos alguns instrumentos do pensar. O objetivo principal desta aula é estudar a lógica como um importante instrumento para a organização das nossas ideias de forma rigorosa, de modo que as nossas conclusões sobre os fatos sejam adequadas e mantenham certa coerência. Tradicionalmente, os manuais introdutórios à Filosofi a dividem esse tópico em duas partes: a primeira diz respeito à lógica aristotélica como um instrumento de pensamento, e, a segunda parte diz respeito à lógica simbólica. Deste modo, dividiremos nossa aula em duas partes principais, apresentando em cada uma delas os princípios fundamentais para a organização de um discurso lógico. Bons estudos! Unidade I UNIDADE I - A Refl exão Filosófi ca 36 | Introdução à Filosofi a 1. A LÓGICA ARISTOTÉLICA Tanto os sofi stas quanto Platão se ocuparam com a questão da lógica. No entanto, foi Aristóteles (séc. IV a.C.), na obra Analíticos, quem produziu uma refl exão ampliada e rigorosa sobre a questão da lógica, de modo que sua sistematização se tornou base inicial para as discussões acerca da lógica nos períodos posteriores da história da Filosofi a. Na obra “Analíticos”, Aristóteles fez uma análise do pensamento nas suas partes integrantes. Em conformidade com Aranha e Martins (2003), essa e outras obras formam denominadas mais tarde Órganon, signifi cando “instrumento” para se proceder corretamente no pensamento. O próprio Aristóteles não utilizou a palavra lógica, ela apareceu mais tarde. A partir de Aristóteles, são classifi cadas duas subdivisões da lógica: a lógica formal e a lógica material. • A lógica formal: estabelece a forma correta das operações do pensamento. Se as regras forem aplicadas adequadamente, a construção do pensamento ou a formulação da argumentação é considerada válida. • A lógica material: refere-se à aplicação das operações do pensamento segundo a matéria ou natureza dos objetos, pretendendo conhecer ou formular argumentação sobre eles. Nota importante Enquanto a lógica formal se ocupa com a estrutura do pensamento, a lógica material investiga a adequação do raciocínio à realidade. É também chamada metodologia, e como tal, procura o método próprio de cada ciência. Aristóteles formulou os primeiros princípios para a argumentação lógica. Esses princípios se inter-relacionam, sendo que um está na base do outro. São eles: o princípio da não- contradição, o princípio de identidade e o princípio do terceiro excluído. É assim que Aristóteles formula na Metafísica o princípio de não-contradição: “É impossível que o mesmo (o mesmo determinante) convenha e não convenha ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto”. Isso signifi ca que duas proposições contraditórias não podem ser verdadeiras, que não é possível afi rmar e negar simultaneamente a mesma coisa, isto é, nenhum enunciado pode ser verdadeiro e falso ao mesmo tempo (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 101). LÓGICA [GLOSSÁRIO] Etimologicamente, a palavra lógica vem do grego logos, que signifi ca “palavra”, “expressão”, “pensamento”, “conceito”, “discurso”, “razão”. Podemos defi ni-la como o estudo dos métodos e princípios da argumentação. Ou, então, como a investigação das condições em que a conclusão de um argumento se segue de suas premissas. Por exemplo: Toda estrela brilha com luz própria. Ora, nenhum planeta brilha com luz própria. Logo, nenhum planeta é estrela. (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 100-101). TÓPICO 03 - Instrumentos do pensar Introdução à Filosofi a | 37 1.1 Proposição e Argumento Dentro da lógica não interessam os aspectos psicológicos de um discurso. O que interessa na formulação lógica de um pensamento é a sua argumentação. É sob a argumentação que se fi xa a análise lógica. O argumento é um discurso em que se encadeiam proposições de modo a chegar a uma conclusão. A proposição é tudo o que pode ser afi rmado ou negado. Por exemplo, “todo cão é mamífero ou então “animal não é vegetal”. Nesse exemplo, há três proposições em que a última, a conclusão, deriva logicamente das duas anteriores, chamadas premissas ou antecedentes. A passagem das premissas para a conclusão corresponde à inferência. Acontece um processo de pensamento pelo qual, tendo certas proposições, chagamos a uma determinada conclusão. Nesse momento, tal como afi rmam Aranha e Martins (2003) cabe ao lógico examinar a forma da inferência, a concatenação existente entre os diversos enunciados, a fi m de verifi car se é válido chegar à determinada conclusão. Nota importante De modo geral, podemos afi rmar que a lógica se ocupa em analisar se as estruturas das inferências de uma determinada argumentação são inválidas ou válidas. Esse é o objetivo da lógica aristotélica e, portanto, da análise de um determinado pensamento. 1.2 Validade e Verdade Podemos dizer das proposições que elas são verdadeiras ou falsas. Todavia, quando nos referimos à argumentação dizemos que são válidos ou inválidos. Nesse sentido, uma proposição é verdadeira quando corresponde ao fato que expressa. Já o argumento só é considerado válido quando sua conclusão é resultado de suas premissas. No que diz respeito aos tipos de argumentação, tradicionalmente dividem-se em dois tipos: argumentos dedutivos e argumentos indutivos. Além dos argumentos dedutivos e indutivos, temos também as Falácias. Essas se caracterizam por ser um raciocínio incorreto, embora tenham a aparência de correção. É conhecida também como sofi sma ou paralogismo. As falácias podem ser formais, quando contrariam as regras do raciocínio correto, ou não-formais, quando os erros decorrem de inadvertência ou falta de atenção. INFERÊNCIA [GLOSSÁRIO] Inferência vem do latim infere que tem a ideia de levar para. DEDUÇÃO [GLOSSÁRIO] Dedução: em um argumento dedutivo correto a conclusão é inferida necessariamente das premissas. Ou seja, o que está dito na conclusão é extraído das premissas, pois na verdade já está implícito nelas. INDUÇÃO [GLOSSÁRIO] Indução: é uma argumentação pela qual, a partir de diversos dados singulares constatados, chegamos a proposições universais. Nesse tipo de argumentação ocorre uma generalização indutiva. ANALOGIA [GLOSSÁRIO] Analogia: é um caso de indução. Signifi ca literalmente um raciocínio por semelhança. É uma indução parcial ou imperfeita, na qual passamos de um ou de alguns fatos singulares a uma outra enunciação singular ou particular, inferida em virtude da comparação entre objetos que, embora diferentes, apresentam pontos semelhantes. 38 | Introdução à Filosofi a 2. A LÓGICA SIMBÓLICA Uma das questões que preocupava os lógicos foi a ambiguidade das línguas e seu forte caráter emocional. Na perspectiva dos lógicos, desde Aristóteles em diante, a língua pode inferir conotações inviabilizando o correto raciocínio. Por essa razão, os lógicos criaram aquela que é conhecida como lógica simbólica ou linguagem artifi cial. Nota importante A lógica simbólica ou matemática não difere da clássica em essência, mas distingue-se dela de maneira notável, na medida
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