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Estruturas condicionais

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Ciências da Linguagem 
Análise do Discurso 
 
Alexandra Guedes Pinto 
Professora Auxiliar da FLUP 
Membro do Conselho Científico do CLUP 
mapinto@letras.up.pt 
 
 
Material Pedagógico1 
 
Construções condicionais 
Grande heterogeneidade das construções 
condicionais. 
Vejam-se os exemplos: 
Se está a chover, vamos ao cinema. 
Se estiver a chover, vamos ao cinema. 
Se estivesse a chover, íamos/iríamos ao cinema. 
Se tivesse estado a chover, tínhamos/teríamos ido 
ao cinema. 
 
 
1
 Este guião corresponde apenas uma enumeração-síntese de tópicos de aula. 
mailto:mapinto@letras.up.pt
Ferguson (1986:3): “[conditionals] directly reflect 
the caracteristically human ability to reason about 
alternative situations, to make inferences based on 
incomplete information, to imagine possible 
correlations between situations, and to understand 
how the world would change if certain correlations 
were different.” 
 
Se o Homem é mortal, não há nada a fazer. 
Se são seis horas, está a estrada bloqueada. 
Se o país está em crise, é porque não o souberam 
gerir. 
Se o Zé é esperto, tinha passado no exame. 
Se telefonarem, estou no bar. 
Se faz favor, traz-me um café. 
 
 Uma tipologia de construções condicionais 
 
1.CONDICIONAIS PROPOSICIONAIS 
Manifestam uma relação de tipo implicativo – 
enunciação de uma regularidade – entre o 
segmento condicionante ou antecedente e o 
segmento condicionado ou consequente: 
SE ESTIVER BOM TEMPO, O ZÉ VAI À PRAIA. 
De acordo com os tempos verbais envolvidos e os 
estados de coisa recortados nas proposições, 
podemos subdividir este tipo de construções 
condicionais proposicionais em 3 subtipos: 
1.1 Condicionais potenciais 
1.2 Condicionais irreais ou contrafactuais 
1.3 Condicionais reais ou factuais 
 
 
1.1 Condicionais potenciais = condicionais 
autênticas 
Se estiver bom tempo, o Zé vai à praia. 
 
As condicionais autênticas são estruturas de 
subordinação ou de hipotaxe, que articulam duas 
proposições: a proposição p – proposição 
antecedente ou condicionante – e a proposição q – 
proposição consequente ou condicionada. 
Se estiver bom tempo, o Zé vai à praia. 
 p q 
 
O valor prototípico das condicionais é um valor de 
hipótese, de suposição, em que o locutor transmite 
uma atitude modal epistémica de dúvida, de 
incerteza. O locutor propõe um quadro alternativo 
ao real, em que o marcador típico da 
condicionalidade - o se - pode ser substituído por 
supõe que, imagina que. 
As condicionais potenciais abrem uma perspetiva 
de futuro ou de presente/futuro, que se articula 
com naturalidade com a noção de suposição da 
condicional. Os tempos verbais condicionam uma 
maior ou menor plausibilidade ou probabilidade de 
realização da hipótese: 
 a) Se está bom tempo, o Zé vai à praia. 
 b) Se estiver bom tempo, o Zé vai/irá à praia. 
 c) Se estivesse bom tempo, o Zé ia/iria à praia. 
 
Não obstante uma maior improbabilidade em c), a 
condicional abre na mesma uma dimensão de 
potencialidade. 
 
A perfeição condicional: da condição suficiente à 
condição necessária 
1. Se estiver bom tempo, o Zé vai à praia. 
Do enunciado 1, extrai-se, por inferência, por 
implicatura conversacional generalizada, o 
enunciado 2: 
2. Se não estiver bom tempo, o Zé não vai à praia. 
O deslize de 1 para 2 é regular, encontra-se 
estabilizado. Uma estrutura condicional de tipo 1, 
que enuncia p como condição suficiente para q, 
comunica a condicional de tipo 2, a sua recíproca. 
Este deslize ocorre por inferência, por maximização 
ou optimização de informação, por implicatura 
conversacional generalizada ou ainda pela lei da 
exaustividade do discurso. 
O fenómeno de deslize regular de 1 para 2 designa-
se de perfeição condicional. É um fenómeno 
regular, estabilizado, que consiste na passagem da 
enunciação de uma condição suficiente para uma 
condição necessária. O que se comunica em 1, por 
maximização da informação, é 1 + 2: 
3. Se e só se estiver bom tempo, o Zé vai à praia. 
 
Os valores ilocutórios das condicionais potenciais, 
por força da perspetiva presente/futuro, são 
tipicamente valores de conselho, incitamento, 
ordem, recomendação, promessa, ameaça, e, por 
vezes também, de asserção. 
 
Outras formulações alternativas das condicionais 
potenciais são: 
Caso esteja bom tempo, o Zé vai à praia. (No caso 
de estar – GP com valor condicional) 
Estando bom tempo, o Zé vai à praia. (frase 
gerundiva com valor condicional) 
Com bom tempo, o Zé vai à praia. (GP introduzido 
por com, com valor condicional) 
A estar bom tempo, o Zé vai à praia. (Construção A 
+ Inf com valor condicional) 
Sempre que estiver bom tempo, o Zé vai à praia. 
(Construção introduzida pelo advérbio sempre com 
leitura temporal/condicional) 
 
Todos estes marcadores são marcadores 
condicionais de condição suficiente. Todavia o 
Português tem também meios explícitos de marcar 
a condição necessária. 
Se e só se; Apenas se; Somente se; Só no caso de; 
Desde que; Contanto que (enunciação da condição 
necessária pela positiva) 
A menos que; a não ser que; exceto se; salvo se 
(enunciação da condição necessária pela negativa) 
 
1.2 Condicionais irreais ou contrafactuais 
 
Se tivesse estado bom tempo, o Zé teria ido à 
praia. 
 
Por força dos tempos verbais envolvidos, esta é 
uma condicional do passado. É uma condicional que 
comporta dois segmentos falsos, que remetem para 
estados de coisas que se poderiam ter verificado 
mas que o presente habilita a saber que não se 
verificaram, sendo, pois, irrecuperáveis. Assim, 
nestes casos, a ideia de hipótese não se verifica 
plenamente. Verifica-se uma hipótese especulativa, 
mas que está, por natureza, resolvida, por isso não 
traz uma dimensão de dúvida, nem de 
presente/futuro, como acontece nas condicionais 
autênticas. Todavia, nestas condicionais, como nas 
condicionais potenciais, também se postula um 
modelo de real alternativo. 
Algumas condicionais contrafactuais são 
formulações que envolvem a inversão sujeito-
verbo: 
Fosse eu rico e andava sempre a viajar. 
 
Os valores ilocutórios típicos das condicionais 
contrafactuais são os da crítica, da censura, do 
lamento, da autocrítica. 
 
1.3 Condicionais reais ou factuais 
 
Se são seis horas, está a estrada bloqueada. 
 
Estas condicionais também se denominam 
pseudocondicionais, já que através delas não se 
traduz o valor básico de dúvida e suposição típico 
das condicionais. Antes, o quadro do mundo 
proposto é coincidente com o real. Estas 
condicionais assumem formas muito diversas e 
prestam-se à realização de valores ilocutórios 
diferentes das condicionais potenciais e das 
contrafactuais. 
Um subtipo destas condicionais são as condicionais 
temáticas ou resumptivas. No primeiro segmento 
destas condicionais, retoma-se o discurso prévio de 
alguém para o refutar. 
 
Se o Zé é bom aluno a Análise do Discurso, devia ter 
passado no exame. 
 
Esta condicional transporta um valor ilocutório de 
desqualificação e crítica do Outro. É um enunciado 
ativador de polifonia. 
Também pode ser retomada uma doxa ou a voz do 
mundo: 
 
Se o homem é mortal, não há nada a fazer. 
 
As pseudocondicionais podem ainda ter um valor 
contrastivo: 
 
Se hoje falamos de x, amanhã falamos de y. 
 
Ou ainda um valor explicativo: 
 
Se não passaste a Análise do Discurso, é porque não 
estudaste. 
 
 
2. CONDICIONAIS DE ENUNCIAÇÃO 
Apesar de manterem o formato da condicional, 
nestas construções não existe relação de implicação 
lógica entre o segmento condicionante ou 
antecedente e o segmento condicionado ou 
consequente: 
SE TENS SEDE, HÁ CERVEJA NO FRIGORÍFICO. 
 P q 
 
A relação que se estabelece entre p e q nestas 
condicionais ilocutórias é diferente da que seestabelece nas condicionais proposicionais, em que 
p torna possível q. No caso das condicionais 
enunciativas ilocutórias, q não está dependente da 
condição enunciada em p. 
Nestes casos a hipótese enunciada em p configura 
um quadro enunciativo relevante para a enunciação 
de q. Trata-se de uma relação enunciativa ou 
pragmática e não de uma relação lógico-semântica 
entre dois conteúdos proposicionais. 
De facto, ao contrário do que acontecia com a 
maior parte das condicionais proposicionais, não 
existe nas condicionais ilocutórias nenhum nexo 
implicativo, nenhuma regularidade captável. No 
entanto, continua a ser válido considerá-las como 
enunciados condicionais porque o segmento p é de 
natureza suposicional, habilitando a construir um 
quadro alternativo ao real, podendo o se ser 
substituído por supõe que / imagina que. 
 
Se me telefonarem, estou no bar. 
 
Um outro subtipo de condicionais enunciativas é 
formado pelos seguintes exemplos muito correntes: 
 
Já foi há uns cinco anos, se não estou em erro 
Se não me engano, Berta tinha então dezoito anos. 
A localização na Maia foi apresentada e defendida 
essencialmente pelas universidades, ou, se quiser, 
pelo Parque de Ciência e Tecnologia. 
(…) que levou a que este ano o número de queixas 
seja mínimo, se é que existe alguma queixa. 
 
São as chamadas condicionais metadiscursivas, na 
medida em que funcionam como comentários do 
locutor sobre a sua capacidade/vontade de se 
comprometer com o dito. Funcionam como 
mecanismos atenuadores e de autoproteção. 
 
Ainda, um outro subtipo de condicionais 
enunciativas é formado pelos seguintes exemplos 
muito correntes: 
 
Abra a porta, se faz favor. 
Abra a porta, se não se importa 
Abra a porta, se não lhe custar muito. 
 
O formato condicional destes segmentos está 
normalmente ao serviço da formulação de atos 
ilocutórios de pedido. São segmentos que atenuam 
o caráter diretivo do pedido, estando ao serviço de 
uma estratégia de delicadeza ou cortesia, ou seja, 
são segmentos que valem pela referência que 
fazem a uma condição de felicidade da interação. 
O locutor que faz um pedido coloca-se numa 
posição interativa baixa, numa posição interativa 
devedora. É por isso que acrescenta “se faz favor”, 
um segmento que tenta compensar o esforço que o 
alocutário vai fazer, aplicando-se, assim, a 
condições que funcionam na interação verbal: as 
condições de felicidade, de boa-execução dos atos 
ilocutórios. Este segmento, enquanto estratégia que 
visa alcançar o máximo de eficácia no discurso, é 
uma marca de cortesia, de delicadeza, fazendo 
parte de um trabalho de figuração que visa salvar as 
faces do locutor e não pôr em risco as faces do 
alocutário. São as condicionais de cortesia. 
“As orações condicionais 
metalinguísticas/metadiscursivas e de cortesia 
apresentam traços típicos do processo de 
gramaticalização (Brinton &Traugott 2005, Brinton 
2008): esvaziamento semântico e consequente não 
contribuição para o significado proposicional do 
enunciado com que se articulam, cristalização pela 
alta frequência de uso, desempenho de funções 
pragmáticas no plano da interacção verbal.” 
(Carapinha, 2010:5) 
 
Adaptado de: 
Lopes. A. C. M., 2010. Condicionais de enunciação no Português europeu 
contemporâneo. Coimbra: CELGA. http://www.uc.pt/uid/celga/agenda2010/acml 
Lopes, A.C.M., 2009. Contributos para o estudo de construções condicionais não 
canónicas em Português europeu contemporâneo. Diacrítica, 23-1. Braga: 
Universidade do Minho, pp. 149-169. 
Montolío, E., 1999. Las constructiones condicionales. In I. Bosque & V. Demonte (orgs.) 
Gramática descriptiva de la lengua Española. Madrid: Espasa, pp. 3643-3737. 
 
http://www.uc.pt/uid/celga/agenda2010/acml
EXERCÍCIOS DE APLICAÇÃO: 
 
Classifique e indique os valores semântico-pragmáticos das construções condicionais 
a seguir transcritas: 
 
“Ou seja, ficou decidido um "rodízio ", se é que se pode usar essa palavra (…)” 
“Se fizesse outra operação, pediria uma anestesia geral.” 
“Já foi há uns cinco anos, se não estou em erro.” 
“ (…) é uma questão de predisposição que o professor tem de ter, eh, de vocação, se 
quisermos.” 
“Se tivesses estudado, não tinhas chumbado”. 
“Se me permite, discordo frontalmente da sua opinião.” 
“Se não estás muito ocupado, qual é o número de telefone da Ana?” 
“Ou seja, ficou decidido um "rodízio ", se é que se pode usar essa palavra (…)” 
“Se estiver a chover, não saio.”2 
 
 
 
 
 
2 Os exemplos para análise foram extraídos de Lopes. A. C. M., 2010. Condicionais de 
enunciação no Português europeu contemporâneo. Coimbra: CELGA. 
http://www.uc.pt/uid/celga/agenda2010/acml 
http://www.uc.pt/uid/celga/agenda2010/acml

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