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Tltulo: 35.0 Aniversário" da Consticuição de 1976, Vol. 11 AI/rum: AA.VY. 1." Edição Janeiro 2012 Ediríio t ExtCl/riio -Crdjici1: Wohers KJuwer Portugal sob a marca Coimbra Editora Lisboa: Torres de Lisboa Rua Tomás da Fonseca 'lucre G - 6.0 A 1600~209 Lisboa TRlBUNAL CONSTITUCIONAL 35.0 ANIVERSÁRIO DA CONSTITUIÇÃO DE 1976 VOLUME II Coimbra: Ediflcio Coimbra Edirora udeira da Paula, 0.° 10 Anr~nhol- 3040~574 Coimbra www.coimbraedilOra.pt ed i(oria!@coimbraeditora.pt Distribuirão: Coimbra Editora, SA, MARIA BENEDITA URBANO. !\AVI AFONSO PERErRA ANT6NIO CORrts JOANA COSTA MANUELA BAPTISTA LOPES ESTRELA CHABY TERESA VIOLANTE J OSI~ A. R. L. GONZÁLEZ MIGUEL PRATA ROQUE ESPERANÇA MEAU1A ANA CARONA CRISTINA PEREIRA ANT6NIO E. DUARTE S;LVA MARGARIDA MENÉRES PIMENTEL Ladeira da Paula, rI.O 10 Anr:lllhol _ ,3040-574 Coimbra 'fi:ld: 239 B52 650 - Fax 239852651 I ::.":" . ';;~~4o.r..'(Jd()1 ordirritof p(ir Wohm KJuwcr POrtug:l.1. (rm"~ :'liJ~lidaárnml parir d~JlIlobra potÚ ur "prolhaida Otl N~m';tiJa jwr ntnhum mrio tkctrónifo ou mrrA"ico, itl(/lIindo i'6cdp,i4,;,p.",úrr40 trld[7llti((l ou qualqurr armaz.rllammto dI' ifom.'llplo."t: 'JiJlemadI' rrcuprr"ção um autorirAf,ío por l'Sl7-i10 (j':Wohe,:.s: fÇIUWtt Porrugal . ..':i;"{~,:";.'; mN":9;~))12.32i2009~4 (Obc:l complc[a) ;~N 978-972-32'2007-1) - Vol. \I k~~i'~"'{~irn:V338 63612012 "" "":-'" ' .-," "::;,:t';! :,';, .:,' ":" "'"'" ,~,:' "<: @.Coimbra Editora grupo Wolters Kluwer Rui Mamul Moura Ramos o que fica dito deixa já entrevcr o interesse desta tecolha para quem le1hor quiser conhecer a jurisdição constitucional portuguesa e a forma orno ela dcsenvolve a função que lhe é adstrita pela lei fundamental. l isto acresce que com os trabalhos ora reunidos os seus autores COf- esponderam ao apelo para, com uma reflexão no âmbito das funções le que estão incumbidos, se associarem à comemoração, que o Tribunal ntendeu promover, do 35.0 Aniversário da Constituição de 1976. Um :estoque cumpre sublinhar pelo que'em si mesmo encerra e pela melhor ompreensão que possibilira sobre a jurisdição constitucional portU- ;uesa.. Palácio Ratton, Julho de 2011 RUI MANUEL MOURA RAMOS Presidente do Tribunal Constitucional , . )):,,,;' "CRIAÇÃO JUDIC~' E "ACTIVISMO JUDIClAl.:': ,AS DUAS FACES DE UMA MESMA FUNÇÃO? .MARIA BENEDITA URBANO Introdução 1. Hist6ria eoncisa de um fen6meno diflcil de coneeituar «Activism~ judicial)), Itgo'vcrno de juízes", ltcl'iativi~mo judicial", "jurisprudência lcgislativa", :'Iegislação judicial", "dircito judicial", "juristocracia". Qualqucr uma dcstas expressõcs soa familiar àquclcs que hoje' em dia participam no dcbate constituci'onal, nomeadameme no relativo ao papel do poder judicial e, ainda mais especificamente, ao da sua relação com o poder político. Não éde igual modo alheia 'aOs mesmos a,conotação pejnrativa que frequentementc anda asso- ciáda a todas elas (I). Pejorativa porque enccrra cm si uma idcia de usó abusiyo da função judicial por parte dos juízes ou, mais do que isso, de vérdadeira usurpação, por, partc dos mesmos, da função legislativa.' ' (I) Cf,. 5ÉVERINE BRONDEL/NoRBERT FOULQUIER/Luc HEUSCI-IUNC, "D'ul) non-sujet vers un concept sciemiflquc?" (Introdução à obra Gouvcrnanrnt dt's jJlg"S (I démocratü), Paris, 2001, p. 11; MICHEL TROPERlOTTO PFERSMANN, "Exi~ac-(-il UH concept de gouverm:menc des jugcs?". in Gouvrrnrmmt drs jug~s rI d;mocrtltit, Paris, 2001, p. 22; LAURENT PEClI, "Lc remcdc au gouverncmem eles juges: Icjudirial u/frtstraint?", in Go1tvern~mmt d~sjUKu tI' dlmocrfltit', Paris, 2001, p. 69. 8 Maria Bmtdittt Urbano "Criação judicial" t' "activismo judicia/": as dUM pus dr uma .",rsma função? 9 A criação "activista" de direito pelos juízes é actualmente um fenó- mcno universal. Mas nem roda a criação de direito pelos juízes é con- siderada "activista". Como se verá mais adiante, a criação judicial de direito comporta vários graus, nem rodos eles questionados ou questio- náveis. Além disso, não é, de modo algum, um fenómeno recente. Efecti- vameme, já em 1921 Édouard Lambert, na sua obra "Le gouvernement des juges et la lutre contre la 'Iégislation soci'ale'alix 'Étáts-Unis. L:expériente américaine du contrôle judiciaire de la constitutionnalité des 10is", alertava para os perigos de uma actuação judicial que extrava- savá os limites da respectiva função, tal como tradicionalmente conce- bidos (21. Verdadeiramente, já Alexis de Tocqueville, bem antes de Lambert, ficara admirado com O imenso pOder político dos juizes nortc- -americanos, aos quais era permitido desaplicar uma lei que estivesse em desconformidade com a constituição 13l. , O fenómeno da criação "acti"ista" de direito pelos juizes anda, pois, enlaçado à história dos Estados Unidos da América e à actuação da 'Supr,",' Court. Os primeiros sinais de um tal fenómeno podem ser vislumbrados eni meados do século XIX, no hallmark cas' Dr,d Scott v, Sanford, 'dc 1857 {<I. 'Mas é durante o período mais conturbado do N,w D,al i .. ;, \ àí AD q~e tudo indica, a expressão "governo de juízes" terá sido primeiramente ':úHlii.àda'porWalrerClark,Chitf Justict da Suprtrnr Court da Carolinado Norte, Ver '.:Sobte',as origens desta expressão ALESSANDRO PIZZORUSSO, "((Governo dei giudici» e 'democrazia",in Qrmtiont Giustizia. 5. 1999, p, 814: $ÉVERlNEBRONOELiNoRBERT FOUlQumRlLucHUUSClIllNG,ob, cit" p, 13:MICHELTROPERlOlTOPFERSMANN,ob, eir., p. 21: UURENT PECH, ob. cit" p. 64; GUYSCOFFONI, "Les enscignements d'une viciHedémocratie: l'exemple américain". in Gouvtrn~mmt desjllgtJ tt dlmocrati~, Paris. "200r, p; 187; ,l1uSABETI-! ZOtLER, "Spléndeurs et miseres du constimtionnalisme", in ,Rtvúr d" Droit.Public. Jan,.l'ev., 1994. p, 160, :"'~' ;~ :_~\3)" "Ver o,Capitulo VI {Du p()uvoirjudiciai" aUx EtaLs-Unistt dt Jon aetion sur ',,'k:'iôciltlpolitiqut), do Volume I, da obra De la DbnoCTatit tn Am!riqut - ver no sítio \~QII Hlimyfund,orgcacedidoem 12-01-11. {(j Vid~GUY SCOFFONl, "Les enseigncrnents", cit .• p. 194. 'Coimbra Editora. (1935-37 (5»), que opôs a Suprtm' Court à Administração Roosevelt, que a,discussão em torno dos alegadosexce~sos cometidos pelos juízes no exercício da sua função assumiu proporções relevantes e alarmantes, A uma atitude de constante sabotagem da legislação social que procurava implementar, respondeu o Presidente Roosevclt com o Court-packing plan, que tentou fazer paSsar, sem sucesso, no Congresso. O objectivo deste plano, destinado a alrerar a composição da Supreme Court, era o de criar no seio deste tribunal superior uma maioria favorável às políti- cas de. cariz social do New D,al 101. Apesar de perdida a baralha, a guerra (5) Em 1937, com o caso W'tost Coasl I-Joul Co v. Parrish, dá-se por terminada a Lochna Era (1897-1937), até há bem pouco tempo considerada um período negro da jurisprudência da US Suprrm( Court, marcado pela sobreposição da liberdade conrra~ tual (fundada na dut' prouIS clauu das V e XIV emendas) aos direitos sociais. Esta fase, que ficou conhecida com ba.o:;cno famoso caso de 1905 Locbnrr v, N~w lórk (em que a Supreme Court considerou inconstirucional uma lei do Estado de Nova Iorque que estabelecia um limite máximo de hor:u de tr,abalho' nas padarias) atingiu o seu ponto crítico entre 1935-7. A panir de 1937 dá-se uma inversão da jurisprudência "da Suprtmt Court no sentido de uma 'atitude mais aberta ao Ntw DMI. Actualrnenle, assiste-se, inclusivarnente no meio acadérnico norre.americano, a um revisionismo da Lochn(T Era. Ver, entre OUlros,DAVIO E. BERNSTEIN, "Lochner Era revisionism, revi- sed. Lochner and lhe origins of fundamental rights constirurionalism". in Gtorg~- town lAw journal, November 2003 - ver no sítio www.findarricles.com. acedido em 29-07-2010; CAss$UNSTEIN,"Loéhner', legacy",in Columbia Law Rtvirw, 873, June 1987 - ver no sítio wwwwcsrlawcom, acedido em 23-01-2011; STEPHENI~ POWERSISTANLEY ROTHMAN, Tlu ltmt dangtroUJ branch? ConuqtunctJ ofjudicial aciivis",. Wesrport (Connecticut) and London, 2002, p. 24; GUY$COFFONI,"Le Congre.s dés ftats-Unis et laremise en cause des iriterprétations constitutionndles de la Cour suprême. Sur la conciliarion entre justice constirutionnelle et théoric démo- cratiquc", in Rtvut Fran(a;u d~ Droit Constitutionml, n.O 16, 1993, p, 675: MANUEL ARAGÓN REYES, EstudioJ d~ Darcho Constitucional, 2.a ed., Madrid, 2009, p. 240. (6) Com o Court-packing hill, apresenlado ao Congresso em 1937, o Presideme Roosevdt pretendia alterar a composiçao da Supr~mf Court. Nele se previa o aumento do número dejusúas até a um limite máximo de' 15. Com isca (ou seja, coh1 a pos- sibilidade de nomear novos juízes), o Prcsidente"Roosevclr contava, passar a (cr a seu favor; e po[Janto a favor da legislação do Ntw Dfal, a corrente maioritária no tribunal em questão. O dito hi/l ofltgislation acabaria por não passar no Senado. Ver RJCHAH.D A. MAIDMENT. Th( judicial ruponu to th( Ntw DMI. Tht US Suprtmt Court and economic rtgulntion, 1934~1936, Manchester and New York, 1991, p" 105: STEPHEN Coirnbnl Edltom li 10 Maria Benedita Urbano "Criação judicial" e (ílCtiviJmo judicial": as duas faces de uma mesma funç~~! __ 11 conlra o "criativismo" da.Supreme Court foi ganha por Roosevelt. Efec- livamente, a batalha do New Deal fez cair por terra o "mito do judiciá- rio", chamando a arenção da opinião pllblica para a circunstância de um órgão destituído de legitimidade democrática estar, afinal, a fazer :política (7), Apesar de inicialmente sediado nos EUA, o debate acerca do "atti- vismo judicial" ou do "governo de juízes" (porventura as expressóes mais comuns) acabaria por transpor as fronteiras deste país, universalizando-se, e até os auto-contidos tribunais constitucionais alemão e português já; fizeram a sua incursão em "terrenos legislativos" (R). Ao longo desre trabalho, perém, iremos privilegiar a jurisprudência norte-americana. J~POWERS/STANLEYROTHMAN,oh. ci•.. pp. 21 e 23 (estes autores ralam num" Frallklin Roostvtlt's assau/t Ofl riu Suprnne Court"); GUY SCOFFON1) uLe Congres dcs États~Unis". ,cit., p. 680: ROGER PINTO, "La fin du gouvcrncment des jugcs", in Re1JUe du Droit l'ubiic, n.' 70, Ano LVI, 1950, pp. 837-8. ,. '. Çl V<r ROGER PINTO, oh. ci." p. 838, e CESAREPINELLI, "11 dibattito sull. legittimazione della Cone: Suprema", in Rivista di Djrjtt() Costituzionale, 2008, p. 10. (8) Não obstante o Tribunal Constilucional Federal alemão não'-constar da "lista" dos tribunais superiores mais acrivisla5, KIaus Stern refere a exislência de uma relação .de tensáo entre a ju[isdiçâo constitucional c o legislador e enlre aquela e o Governo. .Mais ainda, dá alguns,exemplos da sua voc.açao para a criaçlio-de direito judicial cons- .titucional. A [{tulo de exemplo, é mencionada a questão do financiamento dos pani- 'dos, mais c'oncretarnentc: o fac{O de o Te alcmao "audazmente" ter fixado os' limites superiores absolutos e relativos a parrir do principio da liberdade estadual dos partidos ,t da .primazia da seu auto-financiamento. Num tom mais crítico, Ingeborg Maus :açscvcra que a competência -do Te alemão - como aliás de {Odos os ourros tribunais ,conStitucionais - deriva hoje menos do texto constitucional do que "dos princípios 'de,direito suprapositivos que o 'próprio Tribunal desenvolveu em sua atividade consti- ~ttÍciona1 de controle normativo, o que o leva a romper com os limites de qualquer '~.~oompetência:j constitucional". Mais ainda, prossegue a aurora, "o TFC submete todas ~,â.Soutras instâncias políticas à Constiruiçâo por ele interpretada e aos principios supra~ positivos por ele aflrmados, enquanto se libera ele próprio de qualqJJer vinculaçao às ::tegrai>,constitucionais". Deste modo, ele pode "disfarçar o seu próprio dedsionisrno ,sob!Q.manto de uma «ordem d,e.valores'l submetida à Constitt).içao". Ver KLAUS STERN, ''1urisdiccián,-ons'itucionaly /'gis/ador, Madrid, 2009, pp. 31 e 55, e !NGEBORGMAUS, ."tJ~ldi_ciârio como. supc:rego da sociedade. O papel da.atividade jurisprudencial na ."~sociedade órfa» (tradução em português da obra "Justiz als gesdlschaftliches Übe.r-Ich Cumpre ainda frisar que este debate transcende hoje a mera questão do controlo da constitucionalidade das leis, o qual poderíamos dizer pacificamente, apesar de não unanimemente, aceite (9) Várias são as explicaçóes que têm sido aventadas para explicar a intensificação da actuação dos juízes (como veremos adiante, sobretudo dos juízes constitucionais), os quais claramente abandonaram um com- portamento até aí puramente mecânico, assumindo um comportamento dinâmico e agressivo. Cabe dizer que não estão em confronto explicaçôes antitéticas, antes complementares. Segundo Ferrajoli, a justificação do fenómeno subjudia prende-se com a ctise que enfrenta o £Stado de Direito, seja na sua versáli de Estado legislativo, seja sobretudo na sua versão mais aetual de Esrado consti- tucional (10). Ainda de acordo com a sua opinião, estamos presen re- mente a assistir à "regressão a um Direito jurisprudencial de tipo pré- -moderno" (11), a qual se justifica com base em duas ordens de razôes. Por um lado, constata-se hoje o "colapso da capacidade reguladora da _ Zur Funktion von rcchtsprechung in dic .<vatcrloscn Gcsellschar[))"), in 1:.si.udos nn Avaliaráo Educacional, n.' 20, juL-dcz., 1999, pp. 190-1 e 192 . Relativamente à realidade jl~risprudencial portuguc.sa, poderá ser invocado, a título meramente exemplificativo, o Acórdão 11.0 143/85 (o TC declarou a inconslituciona~ lidade da alínea i) do artigo 69.0 do Estatuto da Ordem dos Advogados na parte em que considera incompatível com o exerdeio da advocacia o desempenho de funções docentes relativamente a disciplinas não jurídicas; com esta decisão, alargou~sc o âmbito normativo daquela disposição, pois a partir daí todos os docentes passaram a poder exercer em simultâneo a advocacia). (9l. Neste exacto sentido ver LAURENT PE.CH, oh. cit., p. 71. (lO) A bem dizerl a versão mais actual do Estado de Direito, pelo menos em alguns paises, será a de um rlt&a:atJtmrdicl!!n!ftal;!!ti'f'~'lr.f Ver MANUEL ARAGON REyES, oh. ci•.. p. 259. (Il) Em sentido próximo, Georges Vedei fala, a propósitO do "governo de juizes", "••da arrogância de um direito natural subjectivo»", apoiado quase sempre em princípios vagos como, por exemplo, o principio da moralidade. Ver GEORGES'VEDEL, "Le Cansei! constitutionnel, gardien du droit posilif ou défemeur de la tranKendance dl:s droits de I'homme". in Pouvoirs, fi.O 45,1988, p. 152". Coimbra Edi[or.il~ 12 ~.. --.-. Ma,ia Bmtdita Urbano "Cri/Ição judieiat' t "aet/vismo judicial": tlJ duas jaets dt uma rnrsrntlfi.~~riio~ .__~ ,lei e o retorno ao papel criativo da jurisdição" (12) Por OUtro lado, é ,igualmente visivel a "perda da unidade e coetência das fontes e a convi- vência e sobreposição de diversos otdenamentos concorrentes" {l31. ,Finalmente, verifica-se que '0 Estado constitucional de Direito estará. "a' ;set ameaçad9pçlo.,,fim do Estado nacionál coino monopólio exclusivo" ,da produçãojuridicaV (141. Tentando, da mesma forma, justificar.a mudança de comportamento dos juizes, em especial dos juizes constitucionais, Luis Prieto Sanchis - salienta que o "constitucionalismo contemporâneo determinou a sedi- mentação de uma nova teoria do Direito, cujas características máis importantes são aS.seguintes: ,'mais princfpios que regras; mais ponde- ração do que subsunçãb;omnipresença da Constituição em todas as áreas.' jurídicas eelh todos osconfliros minimamenre relevantes, em vez de ;espaços.vazios .emfuvor.da opção legislativa ou. regulamentar; omnipb" ,tência judicial em vez de autonomia do legislador ordinário; e, poC' último,. coexistência de Uma constelação plural de valores, por vezes !tendencialmente contraditórios, em.vez de uma homogeneidade ideoló"" gieaem torno de um punhado de princfpios coerentes entre si e em tOrno, sobretudo, danucessivas opções legislativas" (151. De forma mais especifica, este autor sugere que a omnipresença de uma constitúição dotada de "um denso conteúdo material composto de ~alores. principios, direitos fundamentais, directrizes aos poderespúbli- cos, etc." faz Com que dificilmente um "problema jurídico medianamente !ério" nela "não encontre alguma orientação e, o que é mais preocupante, por .vezes distintas orientações". A esre propósitO se fala do "efeito da ';, (11) Em relação especificamente :J. eSla razão, Ferrajoli sustenta 'que ele assenta e.th,;dois:factorc:s: a inOaçáo legislativa e a disfunção da linguagem legal. as quais gera- riam,~'~aperda de c(:rrc'Za. de eficiência e de g-aramias". LUIGI FERRA)OLl, "Pasado y futuro dd Estado de Derecho", in N~ocomtituciona'ismo(I) (ed. MlGUEL C'.ARBONElL). Madrid, 2003. p. 20. -::"liJ:t:i,I~) .Jbidrm.< .';'::'~"'::~0/1~!,:;_:Idem, p. 2:1. ;';:.,'.';;;),~,~l'-f Lurs 'PRíETO SANCHIS, "Neoconstitucionalismo y pondcraci6n judicial". in Ntocomtitur1onolúmo(s) (ed. MICUEL CARBONELL), Madrid, 2003. p. 131. Co;(nbta f.dilt>r~«I «jmprcgnaçao) ou (jirradiaçãQ) do texto constitucional" - isto t, de uma forma ou de outra "tudo se torna Direito constitucional e nessa mesma medida a lei deixa de ser o referente supremo para a solução dos casos". Será em virtude da omnipresença de uma constiruição de tal modo omnicompreensiva que "o constitucionalismo desemboca na omnipo- tência judicial". Diferentes seriam as coisas se a constituição Se limitasse à "regulação das fontes do Direito ou, no máximo, estabelecesse uns poucos e precisos direitos fundamentais, pois em tal caso a normativa constitucional e, por conseguinte, a sua garantia judicial só entrariam em jogo quando se violasse alguma condição da produção normativa ou se restringisse alguma das áreas da imunidade garantida" (lG) Num registo algo distinto, alguns autores argumentam que a amplia- ção do poder judicial. é uma consequência necessária da expansão dos outros poderes do Estado, legislativo e executivo, fruto de uma crescente intervenção do Estado na sociedade. Há que não esquecer que, de acordo com a concepção montesquiana, o' poder judicial já eSlava em desvan- tagem em relação aos OUtros poderes constÍtuidos. Se no momento presente ele não acompanhasse a expansão dos outros poderes, certamente se geraria um indesejável e perigoso desequilibrio entre eles (ll) ~_l1jjtil-mmi1'~ildfu&a&l!iii,~1l1I!i&fi~lmIiilij!i'as.!'[gM:lrj GI:~mmlpâi.'llmmJ!j_iJ_~~I~iíff'l'Clfit1\iiiliüii;I.j:"1II'M ~àlfal!mrd_bt7»je",iifêícl"ôli\lUlI'alOtJwmlltTr'cPWSGTI'b:tçã\52Pi:l'l:íi'ie-li' ~ffjf".l.i~.mI!1eJjil;;itatajfistttúi1iãBli'J1Il'l~iB351!1:ummi:ll'té,d" "'_' __ ãl!t(Q:p...lijªº5!nsf(j.m;içâó'll1lã~~JMl'ir.m1W (18) o ~ij çLL.0! o- /7)é/7!;!l: Por último, Ingeborg Maus aponta como Causa imediata da atitu e paternalista dos juízes constitucionais a profunda transformação operada na compreensão da própria constituição. Segundo a aUtOral esta não mais é pereepcionada como "documento da institucionalização de garan- {16) Id,m. pp. 131-3, (17) Ver, el1lre Outros, MAURO CAllELLETTl) "Des jugcs législareurs?", in Lt pou- vai, drs juges. Aix-en-Provcncc/Paris, 1990, pp. 25 c 28 (csre autor mmbém refere como poss(vcl factar explicacivo' para o fenómcllo em causa o combate comra o formalismo positivista), e STEPHEN E POWEIlll/STANlEY ROTHMAN, oh. âI., pp. 3, 8~9e 14. (l8) Vidt CESARE P1NELU, ob. dI., p. 35. Coimbril Editor~- 14 Maria Bentdittt Urhano "Criação judicial" t ',u'tivismo jttdicial':' aJ duas fitas dl uma mrsmtl f:mrão? 15 ----_.- ,ias fundamentais das esferas de liberdade ..nos processos pollticosé ,ociais" (como outrora, quando a fundamentação da democracia asSen- l'avaem pressupostOs racional-jusnaturalistas), antes se tendo convertido num "textO fundamental a partir do qual, a exemplo da Bíblia e do Carão, os sábios deduziriam diretamente tOdos os valores c comporta-, mentOScorretos. O TPC, em muitOs dos seus votOs de maioria, pratica uma ((reologia consdtudonab)ll (l~). 2. Ambiguidade de um fenómeno e ambiguidade de algumas das suas designações Conforme acima aflorado, as expressões mais em voga ultima- mente .para designar o fenómeno que se pretende analisar são as de "activismo judicial" e de "governo de juízes". Ambas são expressões ambíguas por variados motivos. Desde logo, porque abarcam teali- dades apesar de tudo distintas entre si 1201. Mas vejamos cada uma dClas separadamente. '-', :'. No que tOca à expressão "governo de juízes", ela pode revelar-se - enganadora pois pode ser entendida como uma forma de governo alrer- nativa ao presidencialismo ou ao sistema parlamentar. Ora, o "governo dos juízes" é um conceito, não uma forma de organização .e de funcio- namemo do poder político 1211. k l , ,: (llJ,l . Cfr. INGlmoR.G MAUS, oh. cit., p. 192. No que concerne ao activismo do 'pÓder judicial, brasileiro, Elival Ramos. comentando a Resolução n,O 22610 do TSE (i'~lâtiva à quéstao de perda de cargo declivo por desfiliaÇão partidária), al1rma que os v6fófde alguhs Ministros do TSE se basearam num "moralismo jurídico' c na l(prin. cipiologizaçaoll do direito que lhe é característica". Cfr. ELlVAL DA SILVA RAMOS. AtivismQjudicial, ParâmtJroJ dogmdticol, S. PauloJBrasil, 2010, p. 248. i,;. (20) Nesse sentido, e quamo à expressão "governo de ju[zes", vejam-se SI!VE- I<iNE BRONDELiNoRRERT FOULQlJIERILuc HEUSCHUNG, oh. cit, pp. 11-2; MICIlEL TR,(JPERJOrro PFERSMANN, ob. cit., pp. 21 c 55. Quanto à expressão "activismo judi- "c.ial':,;"yeja-se, por -tOdos, KEENAf'!" D. KMIEC, "Thc origin and current meaniogs of «judicial,Activisml>", in ÚJUjõrnia Lmu R(fJúw, 92, October 2004, 3, l.'i5l. '''I Ver MICIlEL TRoPER/Onü 1'I'ERSMANN, oh. cit., p. 36. Colmbfl Edltol'afl' ..i ; ! I 'I.;. .. . Relativamente à expressão "acrivismo judicial", os problemas são mal~ complexos. Basta pensar que um mesmo comportamento pode ser apelidado quer de activista quer de auto-comido. Efectivamente, há quem emenda, por exemplo, que a actuação dos "quatro cavaleiros" (os quatro justices conservadores que mais se opuseram à legislação social do PrCSldente Roosevelr) foi activistaem relação às liberdades civis mas simultaneamente, foi auto-comida em.relação aos direitos sociais. ' Diga-se, ainda, que um mesmo juiz pode ser mais conserJador em relação a determinadas questões c mais liberal em relação a outras 1"1. A ambiguidade adensa-se quando se pretende associar acrivismo com conservadorismo e auro-contenção com liberalismo (ou vice-versa). Atente-sc, por exemplo, que pode haver conservadorismo scm acrivismo. É assim que habitualmente é caracterizada a actuação da Rehnquist Court nos finais da década de 80 1231. Este fenómeno poderá estar relacionado co~ u,:, m~ior apego da ala conservadora à regra do stare decisis, quanro malS nao seja como reacção às fortes críticas de que também foram alvo as activistas Warren e Burger Co"rts (241. Só deste modo se justifica a sobrevi~êneia da dourrina de Roe v. w"de 1251 - sobrevivência posra em pengo em P!anned Parenthood o/ So"thern Pennsy!vania v. Cmey (1992) 1261. Ou seja, a Rehnquist Co"rt manteve-se aberra aos direitos e liber~~des civis, mas a sua p.ostura, um pouco como a da Burger COl/rt, no maxlmo poderá ser conSiderada como um activismo revivalista da WarrenCo"rt. Há quem considere que também não foi alheia ;1 atitude: • (22) . Cfr. JEFFREY A. SEGAL!HAROLD J. SPAETI-l, ThrSlIprtmt Court Imd lh( tltti~ wdmal model revÍúted, Cambridge (UK), 2002, p. 41. . (B)"ert GS "IC"VI ,cn re outros, UY CorFONI, .c ongres des bats~Unis", cil., p. 677, e LAURENT 1'ECH, oh. di., p. 11 li. (24) Ver LAURENT PECH, oh. cit., p. 8S (este autor considera' que l'ahCO o "aclivisrno conscrvauor" ' da SUprlm( Court em relação à legislação social do Nrw J)(jtJ como o "accivismo liberal" das Warren e llurgcr CourtI sao mereCedores de. duras críticas) D~ S . . TEPHEN P. 1'OwERSIS"J1\NLEY ROTHMAN, oh. cit., p. 28. . (26) 0.'- a1 d' I" 11'. p~lllao go Iv~rsa tem loe I, para quem a Rchnquist Court globalmenle considerada ~a~ pode ser ~Ista com um exemplo de deferência pera me o p:lrlamer1to, tendo uma Vlsao progressista em relação aos direitos e liberdades civis, patente na manutenção do núcleo decis6rio de Ror fJ. \.%dr. erro CESARF.PINELLI,oh. cll .• p. 27. Coimbra Editora 11 J 16 Maria Benldita Urbano "Criação judicial" ( "aetivismo judicial": as duo! faces de umll m(sma fimçiio? 17 mais comedida da Rehnquist Court o [.•cto de na altura se estar a criar no Congresso um consenso ~o sentido da "«constitucionalização» da jurisprudência Roe v. Wade" (27). Em suma, como faz notar ScofFoni, o aetivismo tanto é conservador como liberal ou progressista 12ft). Continuando a ter a experiência jurisprudencial norre-americana .em mente, poder-se-á afirmar que há vários períodos de activismo judi- cial, embora de sentido contrário (291. Senão vejamos. Oactivismo judicial em matéria econ6mica da Era Lochner era francamente conservador (30) (31). . Finda a Era Lochner, o podet judicial procurou assumir uma postura de auto-contenção ou de deferência em relação ao Congresso, postura que, com .algumas excepções importantes, duraria até inícios da década de 50 (32), e que se fundava na ideia de presunção de constitucionalidade das leis (331. Evidentemente, convém não perder de vista que as substi- 'Im Cfr. 111.1SABETHZO\.LER".ob. dt:, p. 183. (2K} Ver GL1Y SCOFFONI, "Lcs'e.tlseigncmcnts", cit .• pp. 193-4. . (19), Menciona a exisl~ncia de .;a.ria~fases de "supremacia judiciária" ROGER PINTO, ob. cit., pp. 837-8. . . (30) Há qur: dizer que O aclÍvism.o conservador teve inicio ~nte~dq N(w p(al, bastando relembrar o já citado caso Dr(d Seott v. Stanford. Mas fOI sobretud~ n~s Vtstes 'de um "proteccionismo económico" que o aclivismo judicial deu 0,5 seus primei: ros passos. Roger Pinto, afirma, a este propósito, que nos anOS 90 [do scculo XIX] fOI consagrada "uma aliança do juiz e do capitalisra". Mais ainda, "o Trib~nal Supremo tOrnou-se o guardião da ortodoxia económica". Ver ROGER PINTO, oh. Clt., pp. 386-7. Ver ainda Guv SCOFFONI, "Les enseignement.,>", cit., p. 194. ". {31l Um pouco na senda do que se vinha dizendo acerca da ambiguidade da idcia de activiSnlo judicial, cabe lembrar que para Cass Sunstein a ideia de que a Era Lochner '. foi.um perCodode activismo judicial não constitui ~~ dado a~~uirid~, s~ndo possível . er\tender-$(:, por exemplo, que a Supran( Court se limItou a uuhza.r a Idela da necessá- ria neutralidade do poder govcrnament:al- a qual apenas admite conladas excepções~- c:omo meio de evitar as conSC(luências nocivas da sua intervençáo na c~mmonla!~.. 'iJ'" ••(32)""Em sentido próximo ver CrrSARE PINELLJ, oh. cit., p. 10, e EUSABETH ZOl.- . '~ER, ob .. dl" p. 166.. . . . f:, ,.{)j} .A presunção de constitucionalidade das leiS fOI pela primeira ~C'laplicada em W(J{ COdJf Noul Co 11. Pan'ish, rdativo a uma lei do Estado de Washington. No '>: ;,' ~ ~ ~ ••~ d, .i' ~ I " tuições entretanto ocorridas na composiçao da Supreme Court - tendo O Presidente Roosevclr nomeado oito novos juízes em substituiçao de outros que entretanto cessaram funções - ajudam certamente a explicar esta nova atitude mais deferente em face do Congresso (34). Após esta fase de reserva judiciária, o activismo pró-direitos funda- mentais clássicos da Warren Court e, em menor escala, da Burger Court (dos anos 50 aos 70) mostrou-se claramente liberal. A partida, este apresenta-se mais simpático porque mais adequado aos valores maiori- tários e progressistas do mundo contemporâneo, dificilmente se deixando de aplaudir a luta contra a segregação racial e mesmo, de certa forma, a liberalizaçao do aborto. Para justificar o comportamento criativo dos juízes áctivistasliberais procura invocar-se a falta de outros meios de tutela dos direitos ou valores envolvidos. Seja como for, também nestes casos haverá "activismo judicial". A Rehnquist Court enveredou pc1a via da aUlo-COntenção em matéria de direitos e liberdades, evirando expandir direitos consagrados na consri- tuição e, de igual modo, proreger direiros que não resultam expressamente da constituição (35). Nem por isso deixaram de se registar fenómenos espo- rádicos de "activismo judicial", o mais emblemático dos quais foi inelLlbi- tavelmente o caso Bush v. Gore (2000), em que a maioria conservadora da Supreme Courtdeclarou que a recontagem dos votos na F1órida desrespeitava a Constituição, mais especificamente a equal protection cumse (361. Do que aqui foi dito, decorre com clareza qLle, genericamente falando, nos EUA os tribunais só permaneceram "the leas/ dangerous branch" (37) até finais elo século XIX. caso United States v, Carolen( Products Co (1938) a mesma presunção foi utilií'.ada em relação a uma lei fedt;ral. De salientar que neste último caso, na já célchn:: "[oomore 4» ficou consagrada uma importante dcrrogaç~o a esta presunção, Ver ÉUSAlH::TH ZOLLER, oh. dt., -pp. 167, nOla 36, c 168. (,H) Ver ROGER PINTO, oh. cit" pp. 839 e ss. "li efr. LAURENT PECH, ob. "te, pp. 78 c 85. (3<i) Ver JEFFREY A. SEGAL/HAROLD J. SI'AETH, The Supremt Court and th~e(l!tf- t!Jdinal modt/ rtvisittd, Cambridge, 2002, p. 1. (m Ver STEI'HEN P. POWERS/STANLEY ROTH~iAN, ob. â(., p. 18. Coimbra Edíto(~. 18 Maria BUJ~dita Urbano "Criação judicial" ( ''activismo judicial": as duas jaC(S de uma mtsma fimr~~!.-., 1J.... Resta dizer que um traço comum ao activislno conservador e ao accivismo liberal é o de que em ambos os casos o activismo consistiu na afirmação de direitos que não estavam constitucionalmente consagrados, pelo menos de forma expressa Il'l. Quanto ao activismo conservadorl esta ucriação extractival' de direi- tos fundamentais está patente no incontornável e já citado caso Lochner v. New York, tendo a Supreme Court construído a liberdade contratual a partir da clausula do due proeess previ.lra na XIV Emenda Il91. No que respeita ao activismo liberal, a Supreme Court extraiu das "zonas de penumbra" da Constiruição federal o direito à igualdade de representação, o direito ao respeito da vida privada, o di:eito à. livre circulação. Para lá disso, adaptou uma compreensão extensIva de Igual- dade racial em Brown v. Board of Education ofTopeka (1954), conside- rado por muitos autores O inicio do activismo judicial liberal da ~rren .Court, depois secundado pela Burger Court 1401. Trata-se agora de uma ptotecção não mais das liberdades económicas (e da polírica .liberal burguesa do laíssez-jaire) 14JI.mas das liberdades individuais e dos direi- ros de defesa clássicos. Este acrivismo liberal atingiu o. seu auge com Ri" v. Wade (1973) (421. OH) Em sentido próximo ver STEPI-tEN P. POWERS/S'IJ\NLE.Y ROTHMAN, oh. cit., pp. 8 e 26. (l')) STEI'IIEN E POWERSISTANLEY ROTHMAN. oh. cit., p. 20. 1'0) Cfr. STEPHEN P. POWERS/STANl.EY ROTHMAN. oh. cit., pp. 25 e 38; GUY ;SCOF~ONI.loLe.senseignements", cit., p. 19-1; LAURENT PEGI, oh. cit., PP: 7S~G:CESARE P1NEI.l.l, oh. cit'l pp. 17 e 21; ~IJSAOETH ZOLl.ER, ob. cit., p. 182 (rcfcnndo.se apenas ao activi.~mo da WÍlrrm Court). "',~r,'"':' (41) E, de certa forma, l"ambém do dual fidaa/ism, ameaçado por uma' intcr- ,:"vcnção cada vez mais extensa e reguladora do Estado central em detrimento da .aumnomia legislativa dos Estados federados. Ncstc scntido, veja~se CESARE PINElLI, oh. cit., p. 5. . (~2} Na verdade, \'(/adt v. ROl teve um prenúncio em Griswold v. Connrctlcut (1965), tendo na altura sido defendido O direito a uma zona de privacidade familiar, 'num caso que envolvia o uso de contraceptivos. Ver STEPHEN P. POWERS/S1J\NLEY ,ROTI-IMAN, oh. cit., p. 26. Coimlllil fdltora" 1. As várias manifestações de "eriativismo judicial" . 1.1. Considerações prévias A partir de que momento o juiz se torna legislador? Desde o momento em que da sua actuação começa a emergir um poder norma- tivo? Pode assimilar-se toda a actuação do juiz para a construção da norma aplicável ao caso concrcto à criação de uma norma? Estas interrogações de Timsit (431 servirão de mote para o nosso discurso subsequcntc, onde procuraremos sistematizar as várias Inani(es- rações conhecidas de "criativismo judicial". Antes, porém, revelam-se oportunas algumas considerações prévias, 1) A primeira delas é a de que estamos perante um problema associado sobretudo à justiça constitucional 1441, masque rende a propagar-se à justiça ordinária (entendida'aqui num sentido amplis- simo ou, talvez melhor, residual, abrangendo os restantes tipos de justiça que não se enquadram na justiça constitucional). No nosso .discurso ter~se-á em conta fundamentalmente a actividadc dos juí- zes constitucionais. 2) Além disso, embora o fenómeno em análise seja comum tanto em países de eommon law como nos de civillaw, o modo como ele é percebido e compreendido necessariamente difere con- soante estejamos em face de um país que adoptou a técnica dos precedentes judiciais (prindpio do stare decisis) ou de um país em . que existe urna estrita vinculação do 'juiz à lei. 3) Diga-se, ainda, que o "criativismo judicial" é um fcnómeno porenciado pela mudança do patadigma de Estado constitucional. Com efeito, o nco-constitucionalismo é marcado, entre ounas coi~ (43) TIMSIT apud.I..AllRENT PECI!, ob. cit., p. 69.'nora 21. (44) Cfr. MICHEL TROPER/Orro P':ERSMANN, oh. dt" p. 7.5; lAURENT J-'ECH, ob. cit., pp. 67 c 71; GUY SCOrpONJ, "Lcs cllscignernel1ls", cil., p. 189. Coirnbra fdl(ofa" 20 Maria Btn~dittl Urbano "Criação judicial" l "tlctivismo judicial": as duas faas dt uma mesma fimfiia!_ 21 sas, pela forte presença da constitulçao em todo o ordenamento juridico e pela consequente garantia jurisdkional da mesma; pela valorização dos princípios constitucionais, tidos também eles como autênticas normas jurídicas a par das regras; pela valorização dos direitOs sociais; por um novo modelo de interpretação, menos for- malista. Ora, conforme constata Catbonell, existe uma "forte impregnação judicialista na maioria dos posrulados neo-constitucio- nalistasU (45). 4) Por último, é hoje voz corrente que não existe propriamente uma oposição nftida entre interpretação e criação (46). Vátios são os autores que defendem a ideia de que.o processo de .interpretação das normas pelos juízes, com particular destaque para as normas constitucionais, comporta necessariamente um certo grau de criação do direito. Não obstante, isto não equivale de modo algum a afir- mar uma liberdade (Otal ao aplicador-intérptete. Se é verdade que esse espaço de liberdade criativa do intérprete não constitui um fen6meno de hoje, não pode negar-se queo grau de "cria- .jjvismo" cresceu nos tempos mais recentes,seodo, como assinala Cappel- Jetti, "um fen6meno típico do nosso século" (47). 1.2. As várias e distintas manifestações de "criativismo judicial" Para efeitos de clareza do discurso e de delimitação do nosso tema, podemos distinguir três tipos de "criativismo judicial" (48): (1) "cria ti- (4S) efr. MIGUEL CARBONELL, "Nuevos tiempos p:lfa cl constitucionalismo" (Prólogo à obra colectiva NtoconstitucionaJiJmo(s)), Madrid, 2003, p. 12. k l~GJ Neste sentido, vejam-se LAURENT PECH, ob. di., p. 71, e MAUROCArELLETO, oh. cil .. pp. 29-30. (~7) Vidt MAURO CAPELLhTTl, ob. cit., p. 36. (~~J Ver MARIA BENEDITA URBANO, "The law af judgcs: attempting against MOhlesquieu's légacy ar a new configuration for an old principIe?" (paptr apresentado !lOVIII World Congress af lhe Internal:ional Association aF Constitutional Law) p. 7, in www.juridicas.unam.mx. Coimbra Editara" vismo" tradicional, ortodoxo ou 50ft; (2) "criativismo" borderline; (3) "criativísmoll patológico, heterodoxo ou hard. (1) "Criativismo" tradicional, ortodoxo ou 50ft Ultrapassado que está o postulado positivista da identificaçiio normal !texto da norma, torna-se difícil não aceitar uma certa margem de cria- tividade inerente à actividade de aplicação das normas, no caso que nos interessa, pelos juízes ("). Essa criatividade é mais expressiva naqueles casos em que há que integrar lacunas da lei, mas trata-se sempre de uma criação de diteito subordinada à lei ou nos limites da lei. No âmbito da justiça constitucional, mais exactamenre no que toca ao controlo da constitucionalidade das normas, este "criativismo" tradi- . cional está relacionado com a figura kelseniana do juiz-legislador nega- tivo. De facto, e como é sobejamentc conh~cido, Bans Kelsen entendia que ao anular uma lei o Tribunal Constitucionallegifera, na medida em que, de cerra forma, cria uma lei de sinal contrário. Sendo certo que para alguns autores, nomeadamente narre-ameri- canos (veja~se o caso de Cass Sunsrein), a iudicial review conwbstancia uma forma de llactivismo judicial", a crítica a uma atitude ma,is criativa dos juízes situa-se, porém, num outro plano. No centro do debate acima mencionado está a questão das tensões entre os tribunais (em particular, os superiores - tribunais constitucionais ou supremos tribunais con1 funções de controlo da constitucionalidade) e o poder po1(tico, ou, se se pteferit, a figura do juiz-legislador. Ainda em relação ao âmbito matetial do "criativismo" em análise, e salvo melhor solução, devem nele inserir-se os casos de nulidade parcial e os casos de limitação temporal dos efeitos da decisão do juiz constitucio- nal, em ambos sendo perceptível uma certa manipulação das decisões que não cabe já no esquema tradicional da aplicação subsuntiva das normas. (49) Já no início do século passado o Ju.rtiCt Holmcs decretava, em Lorhner v. N(w York. que "I~disposjçócs gerais náo determinam casos concrecos,," (ap'dl RICHt\IW A. MAIOMENT, oh. di., p. 5). Coimbra rditnrilll _ ----" 22 Maria Bentdita Urbano "Criaçiiojudicial" t "activismo judicial": flS dum face~dt unta nwma fu'!£i!!~_~ De igual modo, não nos repugna a inserção neste primeiro tipo de "cria,ivismo" judicial da actuação do juiz constitucional em apli- cação do princípio da intetpretação conforme a constituição. Isto é válido sobretudo no caso das denominadas sentenças interpretativas de rejeição (uma norma não chega a ser declarada inconstitucional uma vez que ainda é possível dela retitar um sentido em conformidade com a constituição). Nestes.casos, ainda é detectável uma atitude de deferência em relação ao legislador, em nome dos princípios do jàvor iegis e da conservação das normas (5Ol. De assinalar que há quem considere que, precisamente nestes casos de sentenças interpretativas de rejeição, verifica-se a destruição de normas, na medida em que, se por um lado, O preceito é salvo - desde que interpretado num deter- minado sentido (conforme a constituição) -, POt outro, os restantes sentidos possíveis são considerados inconstitucionais e expulsos do ordenamer;to jurídico. (2) "Criarivismo" borderline Esramos agora numa situação de fronteira em que ainda não se observa a criação de novas normas, mas elas vão (ter que) ser ctiadas a instâncias do juiz constitucional. Uma vez mais situando-nos no terreno do contfolo da constitucio- nalidade das normas, há que considerar neste domínio aquelas situações em que os juízes constitucionais definem linhas de orientação ou reco- mendações acerca da política legislativa, ou em que declaram uma norma inconstitucional mas deferem a sua expulsão da ordem jurídica, permi- tindo ao ,legislador elaborar uma nova norma de acordo com o estabe- lecido ou sugerido na decisão judicial (5Il. . ISO) Cabe reftrir que Pi:1.2orusso inclui as sentenças interpretativas na c..:ategoria das semenças manipulativas, tcsc que não partilhamos. erro ALESSANORO PIZZORUSSO . . "Las sentencias Ilmanipularivas» dei Tribunal Constitucional itaJiano", in EI Tribunal Çonstitlicional. vaI. 1. Madrid, 1981, pp. 288-9 . . , ':,,:,.i ?l) Alteramos, pois, a nossa compreensão inicial sobre esta questão. erro MARiA BENEDITA URBANO, oh. ât., p, 7. Coimbra f.ditora~ Para ilustrar este Hcriativismol1 borderline podemos rnencionar as decisões de admoestação, em geral com con~ire à actuação do legislador, da jurisprudência constitucional italiana, e.as decisões de incompatibi- lidade sem nulidade e as decisões apelativas da jurisprudência constitu- cional alemã (52l. Em nenhum destes casos se verifica a declaração de inconstitucionalidade de uma lci com a consequente nulidade. Subja- cente a este tipo de decisões que denominaremos de intermédias (entre o declarar e o não declarar a inconstitucionalidade das leis)está a ideia da conciliação entre o respeito pelo espaço de conformação discricioná- ria do legislador otdinário e a necessidade de respeitar a consnruição enquanto lei fundamental e suprema (13} (3) "Criativismo" patológico, heterodoxo ou hard Enttamos finalmente no domínio do que classi[icaria como o ver- dadeiro e autêntico "activismo judicial". Podem disringuir-se aqui duas situações. (i) Situações em que os juízes adaptam ou emendam normas existentes ao invés de as declarar inconstitucionais (v. g., as sentenças manipulativas - aditivas ou substitutivas (51l (55l). (~2) Em rd~çáo ao caso italiano ver, por lodos, ROBERTO ROMUOLJ, "háli.t, in l.as umiones mlrr ti Tr;bllnal Constitucional y ri legálador 02 la Europa aetual (cd. Eliseo Aja), Barcelona, 1998. pp. 108-13. Relativamente ao caso alcmáo ver, por lOdos, ALllRllCI-rr WEBER, "Alcmania", in Las tensionrs mire fi rábunal CotJJtú"cional Y fi IfgislndoT en la Europn /lenta/ (cd. Elisco Aja), Barcelona, 1998, pp. 77 c 55. (~3) Em sentido próximo, ver ROBERTO ROM~Ol.l, ob. cit., p. 109. (54) Adaptamos a conceimaçlio de Romboli (ob. cú., pr. 114-5). Assim, as SCI1- tcnÇ3s aditivas sáo aquelas em que os jufzes constitucionais "dcclara[m] inconslitucional uma certa disposição na medida em que omite dizer algo". Já as sentenças substiLuliv:ls "c.."Uacterizam-sepelo facto de que com das a Corte declara a inconsrilucicnalidadc de uma lei na parte em que prevê uma detcrminada coisa em vez de prever ourra". (55) Esta concepção de semcnças manipulativas nao coincide com a de Pinoru5so que nelas inclui, para além das já mencionadas sentenças intcl'prc::laLivas (vcr infra nota 50), também as denominadas "sentenças de delegação". Clr. ALE.SSANDROPIZZO- RUSSO, "Las sentencias "manipulativas)/', cit., pp. 288 c ss. Coimbra fditor~~ 24 Maria Btntdita Urbano "Criação judicial" ~ ~'actil)ismojudicial": as duas fitcu d~ Ilma m~Imfl flUlfão? 25-,--- Estaríamos perante um activismo correcrivo, mais ou menos moderado. Quase sempre o que está em causa é modificar, no sentido de aperfeiçoar, a norma. (ii) Situações em que os juizes criam normas gerais, ocupando por vezes espaços vazios deixados pelo legislador, habitualmente invocando que apenas estão a desenvolver o tecido constitu- cional, em particular através da concretização de princlpios gerais aí incrustados. Neste último caso, a criação de direito assume a feição de legislação judicial, configurando então as decisões judiciais fontes primárias de direito. Apesar das diferenças acabadas de referenciar, poder-se-á afirmar que em ambas as siruações se regista um confronto nítido entre o poder judicial e o legislador. Com efeito, os juízes já não se limitam a tecusar ou destruir uma norma ou a exortar c influenciar ou direccionar a futura i;crividad~ do legislador. Agora, no mínimo corrigem o direito existente, no máximo criam ou produzem novo direito (em particular nos casos de inércia do legislador ordinário), afrontandn o legitimo titular do poder íegisl~tivo. . Esta tese não é pacificamente aceite, havendo quem sustente que a transposição da linha invisível que separa o que ainda é a função juris- dicional e o que já é um governo de juízes (56) só se dá ou dará quando parrir dos juÍzes a iniciativa de criar novas normas de natureza legal. Isso chesmo é acentuado por Scoffoni, para quem "governar é ter iniciativa ~ o juiz não tem iniciativa" (57). Ou seja, socorrendo-nos agora de Pech, 'rtão basta inovll,ão, é necessário, igualmente, iniciativa (58) Iniciativa que os juízes constitucionais, salvo algumas raríssimas exccpçáes, não possuem. Pelo que, ainda .segundo a opinião de Pech, hão-de ser rc1a- tivizadas.as queixas dos pollticos, uma vez que a instauração do pretenso .,+:,,(>6' Cfr. MICHEL TRoPERfOrro PFERSMANN, ob. cit., pp. 33-4, e SfVEIUNE ÍlRONoEL/NoRBERT FOUl.QU(ERiLuc HEUSCIILlNG, ob. cit., p. 17. .r'- tm Ver GlIY SCOfFONt, ob. cit" p. lES, (~k) Vide LAURENT PECH, oh. cit., p, 73, nOta 34, e p, 81, nota 80. " "governo de juizes" depende das solicitações - ou, o que é ° mesmo, está nas mãos - desses mesmos pollticos! (59) Em jeito de eonclusao, é importante vincar que os jufzes constitu- cionais e a doutrina que os apoia têm invocado alguns argumentos para justificar os novos meios decisórios à disposição dos primeiros. Romboli sintetiia três: I) o receio de criar vazios jurídicos (horror vacUl) (60) ou de chegar a soluções que teriam efeitos mais prejudiciais (nomeadamente para os cidadãos) do que os que decorreriam da declaração de inconsti- tucionalidade; 2) o respeito pela liberdade decbnformação do I~gislador ordinário; e 3) a consideração das consequências financeiras das decisões tomadas (6I) 2. Os problemas jurldieos e jurldico"poIltieos ",saciados à criação de direito pelos juízes Uma vez afinado o conceito de "cri ativismo" judicial, e delimitado aquele fenómeno que é particularmente visado neste trabalho - que, como se viu, apclidámos de "activismo judicial" -, mostra-se oportuno àveriguar quais os problemas.,que habitualmêhte1são apontados ao "cria" tivismo""judicial hard: 2.1. Aquestão de legitimidade: o antes " (~9) ld~m,p. 8 L nota 80. (60) Ou, acrescentamos nós, de não os integrar . .(til) Neste exacto senrido, ver ROBERTO RO!vfBOLl, oh. cir., pro 108-9. 26 Maria B~rl(dita Urbano "CriaçãojJ~dicial" t 'acthJismo judiciar. tlJ du.asfias d~ uma mnma jimf:io? 27 2) t.~i1ll:m.o.môilfttítlY!lõ1flmmre!quli'li'O.(~téEP'teJ1llrJl'fl~ Wlfi"li'Src.Qosll.lli::lmllüslnos EUA o confronto dá-se entre os parti- dários do interpretativismo (ou originalismo) e os partidários do não intcrpretativismoi 3) A questão da IfliltàMéllegilimidàdelâmnõ"ili'áticat<fBSljüíZêSl II:Qft'SUitú'l!lh!lãÍ~pãl:a1lrll1llwdmlmFfiülàh1éíftô. É nesta sede que se insere. o já célebre fiilc~l'1n'tlãll'iliiCliiiráflBfdcYl\:.l6<ã'i1"der1iB'i~lr.llf Sem pretender avançar mais neste terreno, cumpre apenas dizer que o "aetivismo judicial" agudiza este dilema, pois por força dele, para além de tudo, os juízes estarão a usurpar ou, pelos menos, a desem- penhar uma função que pertence a um órgão democraticamente legitimado, o parlamento. De forma mais simples, e sem pré-conceitos, o debate sobre a legi- timidade democrática dos juízes consritucionais volve-se em tema incon- tornável a partir do momento em que eles se tornaram fiO terceiro gigante dinâmico eomo guardião e controlador dos ramos políticos do Estado- :-Leviarã" (62). ' É sobre esta última questão que irão ser tecidas algumas breves considerações: ~t~1l!lIIl1J'llll!l!gtl1lmlmtlíi, •.":611=Ul~J1:&gimrm'6' ~l!lli'rl't:rá'l1tia.<rl'/lS!jUim~s.ciru.\1ionalSjftttraS'!rêm~laà!à~j1lS!l!XPédírl'êl'l7 tradasll 1) llrJJl'miR!_ra.,'lii!W'0Jl~i@t!!lemIP.1,<;lj).llratialto:dttt.c.usmteocf).nr ftI'atmtlíatlegiti.roid\fd&dêíf\'1íêfáflêã'lfá~ízTs". Algumas tenta- " ... tivas de fundamentação têm sido avançadas neste sentido: os juízes" cumprem ou estão a desenvolver legitimamente a constituição e esta é do povo; os processos judiciais estao abertos a -terceiros, como o "micus curiae; os juízes protegem os direitos fundamentais do povo; os tribunais estão mais abertos aos cidadãos do que as instituições (62) M. CA,PPELLE"fTI. ob. cit.: p. 51. Ver ainda lAURENT PECH. ob. cit., p. 81. Coimbra Editorllll rt "'Ii: . ~~"<•• ". políticas; os juízes constitucionais (e é sobretudo, se não exclusiva. mente neles que se pensa quando se f.•la em "governo de juízes") gozam, de uma legitimidade demoerática indirecta 11>.11: os juízes constitucionais são os defensores das minorias desprezadas pelo circuito representativo (parlamento e governo), respondendo aos seus anseios, necessidades e interesses, etc (6-1). 2) ~cgíi'l'iâ~a~.tllK.Ql~SJ!~nta.r.!que.ral!4:g.ir)Il!.wêd~1 tkmpcr;ítiQUlã:º::.ÇmWgura!'<míni"cnfi1ibnlé~leg'lfimi¥:a~m5'b<<;II; (!1YID~!::ui!'.•c:!J<;,JP.íIejtõl Num Estado que, para além de democrá- tico, é um Estado de Direito, outros valores se impõem como os da justiça, da igualdade, da imparcialidade, etc. . De forma mais específica, haverá certascondições ,de legitimidade associadas à função jurisdicional que contrabalançam a falta de legitimi- dade democrática dos juízes, contornando a dificuldade contramaiorirá- ria. Segundo Scof[oni (65), elas situam-se em três níveis: (i) Condições de legitimidade institllcional: dizem respei LO a aspectos mais formais, como a composição plurali,ra da juris- dição, a sua independência e ainda a ausência de última palavra do juiz, isto é, a possibilidade para o poder maioritá- rio de contornar a decisão da justiça através de uma revisão constitucional; (ii) Condições de legitimidade fimcional: dizem respeito à função do juiz constitucional, a ele tendo sido confiada a tarefa de interpretar e de garantir a Constituição. No âmbito desta sua tarefa, ele tornou-se o principal defensor e, por vezes, o pro- motor dos direitos fundamentais, o protector das minorias, sejam elas políticas, religiosas ou raciais, e o "formatador" da {63} Ver, neste sentido, MICHEL TROPERl01TO PFERSMANN, ob. cit., p. 11. ."""d í .,.o er-se-:, porvemura, lnc ulr neste grupo o argumento aV::J.oçado por Piz.zorusso de que os "juí:t.csestão a combater as insuficiências dos sisre',nas polílicos fundados pelo princfpio democr4lico". Ver ALESSANDRO PIZZORUSSO, ob. cit~,p. 815. '''I Cfr. GUY SCOFPONI, ob. cit., pp. 198-200. Coimbrll Edltor.ll~ 28 Maria Bmedita Urbano "Criação judiciar t "activiJmo judicitll'~. as dUM fius de uma mnma jttnçiio? 29 democracia que não maIS se reduz à consagração da regra maioritádai' (iii) Uma condição de kgitimidddesocial. (praticamente desconhe- cida e pouco estudada no continente europeu): diz respeito à obrigação que impende sobre o juiz constitucional no sentido de procurar, de forma permanente, as soluções mais aceitáveis para o grupo social mais amplo. 2.2. A questão da actuação dos juízes: o durante Afirmam Brondel, Foulquier e Heuschling que a acusação de que os juizes ultrapassam as suas competências só tem sentido se tivermos em mente o conceito restritivo do seu papel de "meras bocas que pro- nunciam a lei", de acordo com a tradição franco-montesquiana '(66) (ou, numa. versão mais actualizada, de meros "autómatos de silogismos" (671). Concordamos parcialmente com esta afirmação. Ou seja, se não há que discordar de que aquela visão puramente mecanicista do poder judicial não tem hoje.'qualquer sentido, isto não implica que a actuação dos juf1.esnão possa ser, apesar de tudo, transgressora e invasiva. o,mo fàcilrnente se percebe, a questão de saber se no momento presente os juízes corutitucionais estão a extravasar as competências típicas da função jurisdicional e, concomitantemente, a invadir as competências do legislador e mesmo do executivo envolve basicamente dois aspectos: o do eventual desrespeito do principio da separação de poderes e o da distinção entre a acrividade política - de legislar e também a de governar (para alguns, ao interferit nas políticas públicas, corrigindo-as, os juizes estão a interferir na .própria.accividade governaciva) - e a actividade jurisdicional. Em relação ao primeiro, é hoje consensualmenre aceite que a formulação tripartida de Montesquieu, atada ao contexto jurídico-poll- {66) Ver SI!VER1NE. BRONDEL/NORBE.RT FOULQUIEluLuc HEUSCHUNG, oh. cit., p. 15. (fi]) Idem. p. 16. tico de Setecentos, constitui um ponto de referência válido em termos de arranjo de poderes, mas de modo algum inviabiliza a apresentação de uma nova formulação ou formatação dessa separação de poderes mais actualizada e adaptada ao contexto pollrico actua! (rectius, aos vários contextos). Mas também não deixa de ser consensualmente aceite que, qualquer que seja a formulação ou formàtação apresentada, ela terá que respeitar as ideias básicas inerentes à proposta de Mon- tesquieu e à dos Founding Fathers. São elas a ideia de uma dupla separação, funcional e orgânica, ainda que entendida de forma nexível; a ideia do equi1fbrio dos poderes, impossível dc atingir se o poder estiver excessivamente concentrado num só órgão; e a ideia dos checks and balances, isto é, do controlo recíproco entte os vários órgãos, cuja efectividade depende, do mesmo modo, de um arranjo equilibrado dos poderes. Dito isto, cabe perguntar: se nos tribunais constitucionais (ou tri- bunais superiores que cxercem a jurisdição constitucional) se acumularem a função jurisdicional, a legislativa e a executiva, será possível e Icgítimo continuar a falar-se em equilíbrio de poderes? Relativamente ao segundo aspecto, existem algumas noções bastante precisas acerca do que é, por exemplo, a actividade de legislar e de gover- nar. Nem por isso, como se verá, estão resolvidas todas as dificuldades para aqueles que pretendem descobrir se os juízes constitucionais eSlao afinal a invadir terrenos compcrcnciais alheios. Quanto mais fIa0 seja, porque ambas as actividades se apresentam bastante complexas. Dadas as exigências de rigor inerentes ao estudo teórico de uma qualquer maté- ria, entendemos não dever enveredar aqui e agora pela árdua tarefa de distinguir estas duas actividades estaduais. Não obstante, optamos por deixar umas notas breves e soltas sobre ambas. No tocante à actividade de governar (ou política), Pizzorusso destaca dois aspectos essenciaÍs a ter em conta. Por um lado, os governantes possuem uma visão (mais) abrangente dos problemas pollticos com que se deparam. Por outro lado, estamos perante uma actividade que conhece amplas margens de discricionariedade, apenas limitada pelas normas constitucÍonais e pelos compromissos programático-eleitorais previamen[c Coirnbr<\ f:diwfllCl 30 Maria Bt:n(dita Urbano ~ss~midos. 16B) •• ReI.ativa~ente a este último aspecto, há quem conteste a.d,cotom)a d,scr~c~onatledade/legalidade utilizada por muitos para dis- tinguir entre a aCtlvldade do legislador e a do }'ulgador É 'C. mamlestamente o c~so de Troper e O de Pfersmann, os quais sustentam que a discricio- nan~d~de está presente em ambas as actividades, situando-se a diferença na dIStInta ~atureza desse poder discricionário, que, por sua ve:z,depende de um conjunto de co~dicionantes ou constrangimentos especlficos. Asmn, e no que respeJta ao legislador, as limitações a sua actuação decorrem sobretudo das ptessões sociús ou. psicológicas sobre si exercidas. Já no que se refere aos juIzes, das são de ordem institucional e estão relacionadas com a hierarquia das jurisdições e com a necessidade da morivação das respectivas decisões (69). ~', Já quanto à actividade jurisdicional, cabe apenas advertir, na esteira kFerrajoli, p;ra uma alteração verificada no papel dos juizes. Hoje em :lia compete-lhes tão-somente aplicar as leis constitucionalmente válidas, Jeloque subjacente à sua actuação acaba sempre por estar um juizo sobre I :lei sindicada, que náo deverá ser aplicada, excepto na medida em que linda seja possível interpretá-la de acordo com a Constituiçáo. Com isro,'6. correcto afirmar-se o surgimento de. "uma dimensáo pragmática c.Jdel uma responsabilidade dvica", ausentes em tempos idos, quando do pensamento juspositivista formalista resultava uma actuação submissa da.justiça 1701. .~;".:.Náo poderíamos terminar estas breves notas sem chamar a atenção para. rima outra questão que não deve de modo algum ser escamoteada. £,qúe;.como f.tzcm notat alguns autores (Ono Pfersman e Klaus Stern), o)'áctivismo judicial" nem sempre perfila os juizes constitucionais apenas cQ;n?co-legisladorcs (criadores de legislação judicial). Por vezes fá-los 'ascender.à categoria de co-constituintes. Segundo Stern, o juiz consti- ';.':ltl": t,~Jl\", .'~~~,.:11é((:~5;-crr. ÃiESSANDRO Pl'l.ZORUSSO, ob. cit.• p. 815. á,.;,il'''')' Cf,; MICHEL TROPEnJOno PrERSMANN, oh. cit., pp, 34-5 .. •\ 1 ',~ ,',." .'" ,,001, Cfr.!.lncl FERRAJOU, oh. cit., 1'.18. Coimbra fdltor,allll lO' "Criação jU~láftr( "activismo judicial':- aI dunsfa' d . as f uma mfst)'Ja fun_f!~____ 31 tucional realiza um traballlo d. fi .--e apcr clçoamento d D" , cional que o poderá levar 1" à ' . o Ire)to Constiru-,no )mIte, propna prod - I constitucionais. De certaform c. uçao (c normasa, conLorme o autor a' . d' - tucional fu'nciona como u "I . I d ' Juns IÇa0 consti-m eg)s a or s b .d'á .constitucional" (71), U Sl J fIO na modiflcação 2,3. A questão do controlo: o depois A questão do controlo da actua li " . ..•• .. .; ç o Cnatlvlsca dos Juízes 'consritu- ,~lOnaJSe, ~a .nos~a perspectiva, o principal problema subjacenre ao actJVJsmo)ud1CJal , ultrapassando em importância aquela outr'l -' d (1) .. . • quc.<t:w a eventua falta de legltlmldade democrática. O problema de saber quem controla os controladores so não se colocará àqueles que entendem que o direito criado pelos juizes consti- tucionais é perfeito. E, considerando que o "activismo judicial" é visro com muito bons olhos por quem admira o excelente papel desempenhado por aqueles na promoção e tutela dos direitos fundamentais, em especial dos direitos 'sociais, náo é difícil admitir que haja quem o possa reputar perfeito! Mas. não estaremos aqui perante um déjd vu?! Se recuarmos uns séculos atrás nlio encontrarcmos quem defenda a perfeição e a justeza das leis criadas pelo parlamento, enquanto fruto da actuação de um órgáo amigo do povo (porque eleito democraticamente), composro pelas pes- soas mais inteligentes, cultas e desimeressàdas de um país (os indivíduos das classes possidentes, endinheirados e instruidos, que, graças ao sistema do sufrágio restrito, em regra censitário, eram os únicos que votavam C podiam ser eleitos), e criador de leis necessariamente igualitárias (em virtude da generalidade e abstracção das mesmas)? Provocações à parte, será certamente arriscado t, mais do que isso, perigoso não querer ver que o direito criado pelos juizes pode ser também ele desrespeitado r da constituiçao e, por isso, inconstitucional. Com efeito, não custa aceitar, e já há exemplos disso, que o direito jurispru- dencial pode atentar, por cxemplo, contra o princípio da proporeiona- (71) Ver K1.Aus STERN, 'ob. cit., p. 53 . Coimbra, Editora. 32 Maria Bmúlita Urbano lidade, contra o princípio da segurança jurídica e da protecção dacon- fiança, contra o princípio da constitucionalidade (em particular na sua dimensão de reserva de constituição), contta o esquema orgânico-fim- cional cristalizado no rexto constitucional. Urge então questionar: Quis cl/Srodier ipsos cl/Srodes? Ou, em alternativa, será que deveremos aceitar uma aplicação adaptada do velho brocardo "principes de fegibl/S sofUNIS m" aos juízes, sendo eles os novos príncipes que estão acima da pr6pria Constituição? Ou ainda, \\gáquea,::~reivindié:iição'da' última palavá,em ! matéria de intétpreràção da ,constituição" (721, corolário da doutrina da suptemacia judicial, não atenta contra a supremacia' da constituição? Independentemente da resposta que possa ser dada a estas questões, devem reter-se aqui dois aspectos. , , Antes de mais,!) FaCtOde ,a actividade dosjuízes constitucionais nãi:> podeI:. ser submerida a qualquer controlo judicial não significa óbvia c necessariamente queestes acruem a seu bel-prazer F31. De outra parte, convém não esquecer o duplo controlo (74) a que estão sujeitos os 6rgãos de governo (parlamento e executivo). Efectivamente, a sua acrividade está sujeira, quer a um controlo jurídico-judicial, quer a um controlo pol(tico (vejam-se o veto presidencial sobre as leis e, em Portugal, a apreciação parlamentar dos decretos-leis), Como é sabido, este tipo de conrrolo político recíproco não abrange a actuação dos tribunais. 3. Os problemas políticos implicitamente associados à criação dc" direito pelos juízes O alerta que aqui se pretende lançar diz respeito à possibilidade de os ataques ao llactivismo judicial" ou ao "governo dos juízes" serem politicamente motivados. Independentemente da veracidade desta asser- çao, nem POt isso deixamos de estar convictos de que alguns juízes (72) Ver Coap" v, Anro" (J 958) e Bnker v, C.rr (J 962), Ver, na jurisprudência mais recente, DickerJon v, Uniud Statrs (2000), (13) MICHEL TRoPERlOrro PFERSMANN, oh. cit., p. 48. (7~1 Na verdade podem ser três, se contarmOS com o controlo eleitoral. Coimbra El1itoratl ,~ constitucionais actuam para além do que seriam os limites razoáveis da função jurisdicional. Seja como for, achamos por bem dar conta, ainda que de forma basrante sintédca, de algumas das teorias propOStas. 3.1. Os ataques contra uma específica ou determinada actuação do poder judiciário Em Itália, onde a actuaçao da Corte Costitttzionllle se apresen ta particularmente criativa c os respectivos juízes são tantas vezes criticados por se assumirem como verdadeiros legisladores positivos, há quem sustente que a atitude agressiva em rclaçao a eles consti1l1i uma resposta da classe política à acruação do MP no âmbito do combate e repressão de ilícitos de corrupção administrativa (75). Perante estaacusaçao, Pi'l'lorussCl,defende qlle, oubem que se prova que os ataques contra a justiça constirucional são justificados e bem fundamentados, verificando-se efectivamente uma degeneração da justiça constitucional (e em geral da justiça ordinária), ou, então, há que rejei- tar esses ataques, pela simples ra'lão de que existe uma hidden agerlda dos governantes e dos políticos em geral, claramente apo.itados "em subtrair os detentores do poder político a qualquer legítimo controlo" (JGI, Nos EUA, o debate tem-se centrado, como se viu, na divisão algo maniqueísta entre o activismo conservador c a auto~contcnção liberal. . Ora, como igualmente se constatou, o activismo tanto tem sido conser- vador como liberal, o mesmo valendo para a auto-contenção. Com isto, há que dar razão a Cappelletti quando assevera que ""O conservadorismo do juiz, bem como o seu activismo, pode em certas situações c circuns- tâncias representar uma forma de alinhamento partidário, denotar urna eérta parcialidade"" In). (7S) err. ALESSANDRO 1'IZZORUSSO, ob. cit., p. B 17. (76) ldtm. p. 816. (m Cappcllcni apud J...AURENT PEClI. ob. cit .. p. 99. nota 176. Num rcgislO próKlmo vejam-se STEPJ-IEN P. POWERS/S1i\NLEY ROTHMAN. tJb. cit., p. 27. Coimbr,) r~ditora" 34 . --- ._ ..~~,.,-_.'- ----.-------~_._---_..__ ...~-. _. - - '_.. Maria Bmtdita Urbano ._. ._.v_. . . . .._._ --:_ . _ "Criaçãojudicial" r ''activiJmojudicial": tIS duas ftCtI tk umn mu~~nriio?~ __._._?.? Ainda a propósito desta questão, a já. mencionada atitude mais passiva e contida actualmente adoptada pela Supreme Court, que conduz a um minimalismo decisório, prende-se, para além das razões já men- cionadas (ver supra Introdução, 2.), com a tOtal falta de consenso em torno do melhor método. de ,interpretação das normas constitucionais, a sabet, interpretativismo (originalismo) ou não interpretativismo (781, sabendo nós que esta escolha não é de todo politicamente inocente. Em Washington v. Glucksberg (I997), relativo à questão do suicídio medica- meme assistido, O Chie! Justiee Rehnquist, partidário .do. originalismo, invocou que a postura mais comedida da Supreme Court tem a vantagem de deixar em aberto debates que deverão ter lugar. no locus apropriãdo, isto é, no seio do povoou através dos seus representames parlamentares. Não obstante, é possível contra-argumentar que,. não raras vezes, certas decisões mais activistas da Supreme Court, eventualmente assentes em critérios não exclusivamente jurídicos, têm a vantagem de pacificar a sociedade.relativamente a questões altamente fracturantes e controversas (veja-se o caso paradigmático da liber.alização. do aborto) (79) - havendo, porém, que admitir que esta poderá ser uma jogada arriscada, susceptí_ veLde comprometer a legitimidade do juiz constitucional. Em defesa do modelo originalista, Rehnquist e todos aqueles que subscreviam este modo de inrerpretação Sustentavam que uma interpre- tação evolutiva tornaria a interpretação constitucional demasiado exposta às opiniões subjectivas e às valorações políticas dos juízes (80). 3.2. Os ataques contra a justiça constitucional: 'argumentos jurídicos, politicos ou de outra natureza? Em !'rança, os ataques contra o "gouvernement des juges"nã.o se autOnomizam, porventura, dos ataques contra a própria justiça consti- tucional, particularmente contra o controlo da constitucionalidade das (7M) Assim o entende: I..AURENT PRCH, oh. cit., p_ 110. (?'l) .1drm, p. 111. (HO) Ver CESARE PlNEU1, oh. cit., p. 22. CoImbra [dito' ~ ti. normas (81). Num país em que o legiscentrismo nasceu e continua tão presente e em que, concomitantemente, o controlo da constitucjonali~ dade das normas tem tido tantas dificuldades em se impor, não é de admirar a persistência e a violência desses ataques ("). Os quais ainda serão mais compreensíveis. se tivermos presente: a desconfiança crônica dos franceses em relação aos seus juí7.es, herança intocada do liberalismo revolucionário. A eficácia dessesaraques pode set medida pela modéstia do controlo da constitucionalidade consagrado neste país. Até 2008 apenas existia um controlo abStraclo preventivo de algumas normas. Com a reforma de 2008 - que apenas passou a vigorar a partir de Março de 2010 - foi introduzido o mecanismo da "question prioritaire d'inconstitutionnalitê' (controlo difuso pcl~ via prejudicial) em termos tão restritos que não se lhe adivinha grande utilização. 4. Observa~ões finais Ultrapassado ou relativizado que foi, emgranele pane o dilema contramaioritário assinalado por I3ickel, o problema ela compatibilidade da democtacia com a justiça constitucional ou, de forma mais concreta, com o controlo da constitucionalidade das normas, continua a colocar-se; si~plesmentc, agora.o pomo da discótdia já não tem a ver, ou já não tem sobtetudo a ver com a falta de legitimidade democrática dos juízes enquanto juízes, mas dos juízes enquanto ilegisladores (83). Com esta nova dimensão, l)1fenõ'ml!n~~crililr.lü1>tjmlilii~mproroerengm:li!' (ffi'ifli~~ºg9Jlll'S2!t\!Pi1il,U!JjR,q~~lWl!ggL(');!~p.piIfa(p-iom;i'J~lffi'ª:ç:ãJJ' fdC1jiõ"élefêSf Como se pôde atentar, não se apresenta isenta de espinhos a tarefa de conceptualizar o [cnómeno do "activismo judicial". Salvo melhor UI) SÉVERINE IlRONoulNoRIlERT FOULQUll'RlLuc l-1wsCHUNG, oh. til .. 14. (82) Ver LAURENT P[CH, oh. cit., p. 75. . (83) Em sentido próximo ver MICHEL TROPER, "Démocratie continue et juslicc :oonstitucionnellc", in La titmocmtir continut, Paris, 1995, p. 129. Coiml!ra Editora" ... _ .... -_ ...- -------- 36 Maria Bm~di/a Urbano l/Criarão jrulicial" ( 'iulivismo judida/": tU dum faus d~ lima m~Jmafimrno? ~ ~? opinião,la formar com base. em ulteriores estudos, haverá uactivismo judicia'" nas seguimes situações. gjª~dE:Ç)'j!ID1l1'Féitoltern p'O'"ráOO'(vejâ~sê:à'j~.t;l1Jã.R~9lliÇãô:-il:~2261',@ lfIõlTSÉtlfGi,1. . Coimbra tc!itarajl 'Uma vez expostas as várias situações de "activismo judicial", urge e~frentar algumas quesrões pertinentes. ". (c) ~ltiiil'dõlQ:S':;'jiIlZc's1!:o";l'stIrnci()tiãimiãôTIi::IliiiiitãmIaIã pliª-W' gsmsFi~i~oll!!i.~gJJ:é:Id<;lfbrmaEonstrutiya;acabandoJR.oricon 1filciá~Hi' 9Uícoldgiih\rcom}nO!JE~fq,altÜ;\lP..rAAri'!J~'lli!~!Jl'B7). A decisão do TC alemão sobre a fIxação de tecros máximos de despesas nas campanhas eleitorais com base na liberdade pacridária ou ,~ decisão da Corte Corri!lI- zionale italiana que constitucionalizou o direito ao alojamento a pacrir do arcigo 2.° da Constituição de 1947. cuja formulação é bastante genérica ("l, ilüstram bem este tipo de aClUação exorbirail[e do juiz constitucional. (d) Qi1ancl~7QS"jUlzCs"'ébnrHtmiõtiãiSl!imai~::ILol.qll!l]fortig~;c:puI:a~,é ~implesm~cme~dcrrogám--um:iTriormã:Có nst,wci <:;,;.1 J uIgamos po der ilustrar esta espedfica situação fazendo referência à ~'éd~miçâõ!43'3~}S @q;STf\\li'Bisileiw] sem embargo de ela respeitar a um processo ainda pendente. A tcSe que nos imeressa foi propugnada pelo !l01i]illmrç;iJaii~' INféiiê.:li;1 e secundada peio Ministro Eros Grau. Aquele primeiro enten- deu dar uma "nova" in'tetpretação ao artigo 52. X, da Constituição federal brasileira. sustemando que ao Senado não cabe mais determinar a suspensão de execução de lei julgada inconsritucional, conforme prc: ccituado expressamente nesse'dispositivo. mas tão-sÇlmeme publicirar a decisão do STF de "abstractivizar" os efeitos do controlo difuso. ,; (ali) Ver EUVAL DA SILVA RAMOS. ob. ci/ .. pp. 245 c 55., e PAUtO ADIII CASSEH. "O ativismo judicial no Supremo Tribunal Federal brasileiro. Casos concretos" I in As smtrnçttJ inunntditU da jwtiÇd constitucional. £l/tidos luso~hm;;lâroJd~ dirrito ptíblico :(coard. CARLOS IllJ\NCO DE MORAIS). Lisboa, 2009. pp. 121 o"s.,. .,Lo (ll7I , Ver 1..AURENT PECH, ob. dt .. p. 94 . .~f: .,.... IRa) . Artigo 2.°: "A República reconhece'c garame os direitos invioláveis do ~L'-:".homem, scj~individualmente. seja integrado em grupos soci:lis onde desenvolve:t sua $':<-:')'~.personalidade c requer o cumprimenlo dos deveres !ndcrrogávcis de solidariedade ..:t'~(. poUtica, ccon6micíI c socia'''. .J:\:.;,..' . ;ie~6:: .... '..' ~y. .',?: . . ~'., . .. \' .. lA" GUY SCOFFONI, ob. til .• p. 196. Ver ainda STEI'HEN P. POWFRSISTANLEY RcrnIMAN,'ob. til, pp. I e 26. .' _ In) jORGEN HAngRMAS. Dro;/ (I dlmoCTflti~. l:ntrr Iam d n~rm(S (lnlduç-.lo em francês da obra P"ktir.itif/ und Gtlttmg. Bâ/rifg~ zur Diskurs/!J(on~ diI rfthlI und drs Dfm(J1<mtisrhrn Ruhtisltlat), Puis, 1992, p. 276. (a) QU;w!PJ21j:lÚiCSlCllMdtuciõ1iãiSiSclopõ"iiltiUlmlÚ,'1l:eÕisã15ipõ'1b' liíCá'!.cón'tIêl\\ll\TIihã!notma't'eom"H\JíSel'ê!llF;ritér\Q$J'lmlBJ~illlUlr;u;iQ't!' @~lí@1~.n:l,I111:!~jlil\ia-ibmen'tet¥5!eirii!regra!lptlm:lp:iªlme'!)!Çl «=tfund~~~]] ao fazê-lo, estarão a criar uma orientação polltica aut6noma e alternativa à dos governames. . .~IfêIT6mWom~.!~;nJ.9.lmais wiYcl~quan:rº:fsJ:1~ri fi!!litrOL~e'!W. ~p.mlladosli u{zesJ'l~prilré{plQSIÇlffiS11ffl'õiP.W!\s'Cl(tw:~]2~~lf9Jn' ~[ernM'i:rd6'sm.\i~lp"'flil'ê{pimmpl13i tos!no~ecx1:!t'.éô1)ltirnf!.Qnal. Ou. utilizando em sentido invertido uma metáfora do Jtt!tict Douglas em Critruo/d v. ConnecticlIt (1965). quando houver o recurso a princípios que estão "na peoumbra" do texto constituciol~~II84): . _ De certa maneira, com isro se responde positivamente" IOterrogaçao de Habermas sobre se a interpretação das normas consritucionais não pode conduzir à criação de um direito de inspiração política e ao exer- deio da justiça em nome de valores determinados ('5). . . Resta dizer que O uso de tais princípios. na medida em que permite uma concretização e formatação dos mesmos, faz dos juIzes constitucio- nais não apenas co-legisladores - porque produ7.cm ou corrigem nor~as legais -, mas, do mesmo modo. co-constiruimes - porque, ,Pre.clSa- mente, formatam esses princípios de acordo com as suas Idelas e pré-compreensões. • ""'all~l\'õsJlYll.çmQJmltüGiofiâisYcriãl'ii!âlreitõréi!hlhTlô.fe'g tl ,o.' .. " ;; rnçatD'1pMãtéOJIl:b],rc.m!.1irrér:cia-;tlm:le-gisL",d2I'ClOs;cSP.Y $os;.'V)\Ziõ$~õú1i.õiíãSfdC!SilêliGiaip'or!elaleiXãdõs;'lc:ãinôàlifúe1áCprcrensâo,/ 38 , Maria Bmedita Urbano "Criarãojudicial" ( litt:tivismojudicial':' as duas fitus df uma m(sma junçiío? 39 Em primeiro lugar,:se uma parte importante da actividade de con- trolo da constitucionalidade das normas confiada aos juIzes constitucio- nais incide sobre a eventual usurpação de poderes (v. g., do executivo ao Iegisladvo; ou do estado central em relação aos estados fcderados, ou de uma região autónoma em relação ao estado central), tem alguma lógica que aquele quc controla esses eventuais atentados ao esquema compe- . rencial da constituição aHnal acabe também de por os cometer? O objecto da função dos juízes constitucionais não configurará um limite :. sua. própria actuação? Em segundo lugar, cumpre questionar a natureza. do direito juris- prudencial ou da legislação judicial. .Alguns autores têm 'sublinhado a ligação do "acLÍvismo judicial" ao retorno ao paradigma jusnaturalista. Outros referem-", aos juízes constitucionais como os guardiões já não da constituição mas de uma supraconstitucio:nalidadc. Mas'.não será o direiro jurisprudencial um direit~auto-referencial?(89)Se o "criativismo activista" dos juízes constitucionais assenta tão~somente ou fundamen- talmenteem prinCípios vagos e indeterminados, sejam eles expressos ou implícitos, que eles depois constroem através das suas decisões, não será eSta a. unica conclusão legItima a retirar? Com o que se impões uma nova pergunta. Independentemente de a frase do Chiei justice Charles Evan Hugues ter ou não sido mal inter- pretada ou descontcxtiJalizada, não poderemos' hoje em dia afirmar'.que li'IiiIl'Ilifl~IIã5léI'â(rl'lil~miitWi5fi'ftI!'/l!imm!Pl\fi8@" . Por illtimo, não será lógico sustentar que o "activismo judicial" pode levar a uma desresponsabilização das instituições polfticas que, como adverte PineUi, tenderão a "desembaraçar-se do ónus das decisões impo- pulares" (90)?Veja-se o caso do Brasil. Neste país, a decisão do STF sobre a aplicação aos servidores publicos da lei federal que regula o direito à ..__ ._--_._-- ,',' ., {~9J Aludindo igualmente à idcia de auto-refcrencialidadc, vcja.,.se INGEBORG MAus, oh. dt .. p. 192. Diz a autora que "por conta dos seus métodos específicos de 'ihterprc:taçãoconstitucional, atua o TFC menos como «Guardião da Constituição» do 'qüe:~otnogarantidor da própria história jurisprudencial. à qual se refere legitimamente de.,modo auto-reCen:hdal"... . - (90) Veja-se CE.SAREPINELlI, oh. cit" p. 32, (n;mhrll f.d~t()(lI" ~'., greve para o sector privado foi pronunciada 2m 2007 (MI 712) e até ao momento o legislador ordinário continua a não regular o direito à greve . dos servidores públicos! Obviamente, há quem defenda o "acti,lismo judicial", ou quem .. .~ defenda que ele.não é tão poderoso e perigoso como se julga, ou, ainda; quem defenda que ele é necessário. De seguida, daremos COnta de alguns argumentos invocados com o intuito de apoiar estas posiçôes. O primeiro, difundido por Traper e Pfersmann, é o de que a norma criada s6 será verdadeiramenre geral e objectiva se o próprio juiz, os ourros juízes e aqueles que recorrem à justiça dela lançarem mão. Diga-se, aliás, que uma das críticas que é fcita ao alegado activismo da Supreme CDurt tem precisamente a ver com isto, e refere-se ao facto de as IInorma.,," criadas em Brown v: Board of léaucation praticamente terem permanecido letra morta durante muito tempo ~ destarte se provando que os juízes não legislam, pelo menos não nos mesmos termos que o legislador parlamentar (91). O' segundo argumento baseia-se no instituto do non liqueI. Ele é utilizado especificamente naquelas situações em que o juiz consrirucional se defronta com um vazio normativo (não assimilável a uma lacuna, pois para a colmarar são suficienres os mecanismos clássicos de integração), fruto da inércia e lerargia do legislador ordinário. Em virtude da impos- sibilidade de recusar a resolução de um determinado caso, o juiz cons- titucional: teriá que criar normas para o resolver. Há quem contra- -atgumente que'não é legítimo equiparar totalmente a acruação da jurisdição constitucional com a da jurisdição ordinária. Aliás, basra rer em conta a tese bickeliana das "virtudes passivas" da não decisão nos casos em que o juiz ehtehdaque não pode fazer valer princípios no caso em exame, ou a politica! questions doc/rine, que entende que a Supreme Court não deve aceirar casos em que se coloque uma questão contenciosa de natureza política ("l, para perceber que ",)nsritutodo nonliquet não' , (91) Vid( GUY SCOFFONI, oh. cit., p. 195. 'c CESARE PINELl.l, ob. cit" p. 13. (n) Como é'do conhecimento geral, esta doutrina tem sido alvo de conrcsl:lçiio e e.~'rarámesmo, porventura, a ser objccto de um proceSso de erosão. j,, (93) Em senrido próximo veja-se INGEBORG MAus, ob. cit., pp. 200~1. ,('J~) efr. HELMlJr SIMON. "La Jurisdicción Constitucional", in Manual dt Dtrt. ,cho Constitucional (edição em castelhano da obra Handbllch dts Vrrfàmmglrtehts dtr }1umjtsrtpllb!ik D(utichlnnri), Madrid-Barcelona, 2001, p. 855. tem a,mesma aplicaçiio no ânibito da jurisdição constitucional. De igual forma, a pretensão de uma aplicação plena deste instituto no âmbito constitucional corresponde a uma concepção do Direito Constitucional em que a abertura das respectivas normas é preenehida por uma ordem de valores e de princípios concretizados por uma actividade interpreta- tiva-expansiva do juiz constitucional que não deixa qualquer espaço livre. Sucede que essa concepçiio é alvo de críticas, designadamente por ser demasiado activisra (93). Um terceiro argumento é o de que é possível controlar as decisões do juiz constitucional, ainda que de forma indirecta, através da alteração ulterior da constituição. -1àmbém este argumento é contestado. Desde logo, porque o processo de modificaçiio da constituição tende à. ser bastante exigente e por isso difícil de agilizar. Para além disso, porque constantes revisões à constituição podem comprometer a sua força nor- mativa. Finalmente, e isto é válido apenas para aqueles casos em que o legislador ordinário não regula uma determinada matéria, como fazer o legislador de revisão actuar se, afinal, legislador ordinário e legislador de revisaosão um e o mesmo? Um quarto e último argumento é o de que os juízes constitucionais sempre podem adaptar uma atitude de aura-contenção, à semelhariça do que sucedeu, por exemplo, na Rehnquist Court. Dizia precisamente o Chie! justice Stone, em Buda v. United States (1936), que o único controlo possível sobte o poder exercido pelos juízes era o seu próprio sentido de auto-eontenção. Uma vez mais, este argumento também não se mostra totalmente convincente. Corno lembra Helmur Simon, a reserva judicial é muitas vezes "ignorada[s] no entusiasmo da taref .• jurisprudencial. e sob a pressão das expectativas de quem pede que lhe restabeleçah, os seus direitos ou de uma doutrina por demais imagina- tiva" (9'1). Exposros alguns argumentos contrários ao ou justificativos do "acti- vismo judicial", damos por rerminada a possa Curta viagem por este território tão extenso e acidentado. Não o faremos sem deixar cair umas brevíssimas e desgarradas notas finais. "Criaçãojudicia/" t ''activiJmojttdicial':' m duas fi/Cf! de uma mtJma jimello? 1Í 1 Coirnbril fdltor&. 1) Os juízes constitucionais devem ter a consciência de que "a Constituição existe como Uln textol não como um pretexto" (95) l'J6). 2) Os juízes apenas poderão participar na criação e produção de dircito enquanto contra-poder. 3) A obsessão pelo "governo de juízes" não deve transformat-se numa "obsessão textual'l, ou seja, na vontade de encontrar sempre uma fonte escrita para a resolução dos casos 1971. 4) Os riscos, perigos e perversões que podem resultar do "cria- tivismo" dos juízes, em especial daquele que consubstancia o "acti- vismo judicial", não diferem muito dos riscos, perigos e perversões associados ao "gigantismo estadual". tenha ele a face do legislador ou do governo. São eles, como adverte Cappelleni, "riscos de auto- ritarismo, de lentidão e de excesso de peso, de inacessibilidade, de irresponsabilidade, de inquisição policial" 19Ri. I "" Citaçáo de Vedcl (apud LAURENT PECH). ob. cil., p. 70. (')6) Veja-se, em sentido próximo, EUVAL DA SILVA RAMOS, ob. cit., p. 250 C'A afirmação de um princípio constitucional nã.o pode servir d~ pretextoargumcnla- tivo ao Poder Judiciário para impor normativi7.ação que ultrapasse os lindes de sua competência, antes executória do que criadora de normas disciplinadoras de condUl:S")_ (91) LAURENT PECH, oh. cit., p. 94. (98) efr. M. Ct\PPELLEITI. ob. cit., p. 51. Maria Bmtdita Urbano10
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