Pregação no Brasil Colonial

@import url(https://fonts.googleapis.com/css?family=Source+Sans+Pro:300,400,600,700); Pregação no Brasil Colonial

A entrada no século XVII, as modificações sociais, políticas e econômicas configuram a realidade colonial e as faz emergir novas necessidades para a Companhia de Jesus. São as conturbações dos seiscentos que darão o tom dos textos jesuíticos registrados como narrações do cotidiano do engenho, a preocupação com o dinamismo escravista, a funcionalidade do engenho, o comércio no ultramar, o governo dos escravos e o governo dos engenhos.

Os sermões pregados pelos jesuítas na Província do Brasil possuem importante funcionalidade no quesito cultural. A prática discursiva onde a palavra é o poder, também possui movimento e persuasão - além da força de modificar as cargas culturais em um esforço missionário de transmitir valores carregados pela Escolástica Cristã conduzida pelos doutos da Universidade de Coimbra e da Universidade de Salamanca. O discurso é uma ferramenta usual dos religiosos, baseava-se no conhecimento da arte retórica e de suas influências no dinamismo psíquico, proporcionados pela psicologia filosófica da escolástica cristã, como um instrumento capaz de ajustar todas as irregularidades morais consideradas pela Companhia, já que a oratória não era estranha aos nativos, pois esta atividade estava intrínseca no cotidiano indígena.

A retórica utilizada como recurso jesuítico em seus discursos tem como base de construção a memória. A memória possui propriedade no âmbito do imaginário, na ordem, na conexão e na capacidade de fixação - é o poder de reorganizar a mente, concede lembranças e sensações que encaixam lugares e objetos que geram sentido, ou seja, a memória dotada de função é qualificada como faculdade ativa. Vale destacar que esse entendimento atribuído à construção da retórica pela memoriae e imaginarium dos religiosos, se dá pela escolástica - doutrina de Santo Agostinho e da tradição retórica medieval voltada à pregação.

O pregador no Brasil colonial assume uma responsabilidade social sobre a espiritualidade, a corporeidade, é hábil para dominar a teatralidade e a retórica, é prudente e exemplar: o discurso que seja moldado e cobrado pelos próprios valores inseridos por quem o prega. A pregação torna o sujeito \u201cmédico\u201d das almas e dos corpos; a relação das dimensões da crença com o comportamental: o cósmico e o social - pois o sermão surte efeito não só na questão mentalidade, como também no efeito de zelar pelos corpos sadios - o sermão deve ser frutífero, mas que gere bons frutos.

Se cada corpo em seu individual possui espírito e carne, a sociedade é composta pela junção de corpos que inferem uma mística e uma política organizacional, todavia são duas esferas distintas que se relacionam entre si, a partir das faculdades racionais e espirituais trabalhadas pelos pregadores. Se faz notável a presença da justificativa de incidências naturais em detrimento das práticas comportamentais na colônia. A pena divina que faz justiça às práticas imorais: corpos doentes que denunciam um desvio de conduta - ocorrências que concedem razão à corporação missionária e às dimensões do conhecimento teológico propagado pela Companhia de Jesus. Dentro das práticas já conhecidas, como os sermões pregados pelos padres, é compreensível a construção do tipo de pregação, pois todo discurso tem um público e este mesmo deve ser composto por uma intencionalidade que atinja seus objetivos com eficácia. Existem tipos diferentes de pregação como a erudita e a popular, mas em quais aspectos estas se diferem? Em princípio, pelo destinatário.

A pregação erudita está direcionada aos ouvintes letrados, os quais possuem uma carga de conhecimentos e são capazes de debater intelectualmente as argumentações que construíram o discurso proferido, neste caso há pontos de concordância e pontos de discordância, mediante a subjetividade do ouvinte. Já a popular é direcionada aos ouvintes analfabetos e de contextos sócio-culturais distintos, ou seja, percebe-se então que no quesito popular, o letrado é quem profere o discurso e tem o domínio da mensagem e das práticas discursivas de persuasão.

Neste entendimento, o orador se faz responsável e representante de uma interpretação possível daquele que tem um primeiro contato com a palavra e com o gesto, porque a pregação não se caracteriza somente do texto em forma de sermão, no gênero discursivo, mas também se vale da teatralidade que é a forma oral e a forma gestual. Estes aspectos constituem uma forma interpretativa, a qual será fixada no pensamento do ouvinte e que resultará em um compromisso comportamental, assim esperado.

A cênica da teatralidade da pregação jesuítica recorre ao uso, além das palavras, de imagens - em conformidade com a tradição católica - que carregam consigo inúmeras significações, buscando na dramaticidade das emoções à comoção (persuasão) do público, as ocorrências divinas como prova do sagrado, pois a visão potencializa a crença. Portanto, a utilização do teatro como método de conversão e molde da mentalidade, se tornou habitual por educar o imaginário, logo, as mentes.

A imagem é responsável por render o emocional dos ouvintes e as palavras atribuem consciência aos signos - o que aumenta a eficácia de vínculo e aculturação, já que estes artifícios são atraentes aos olhos e construtores da memória. Essa funcionalidade da imagem-palavra-pregação exige do religioso-pregador alto letramento, competências e habilidades pedagógicas na construção do discurso, da eloquência, do gestual, do imaginário, da retórica e dos ícones e carece do poder persuasivo que se configura mediante ao caráter do público. Detectar a função do sermão proferido e, principalmente, transcrito é obter como importante fonte para a reconstrução e compreensão da formação e da história da cultura no período colonial - já que a oralidade é meio de transmissão de conhecimentos: o discurso é um rio em curso, onde a fixação, repetição e difusão de saberes eruditos e populares, intelecto e transição cultura - as intensas mudanças culturais que movimentaram a dinâmica da sociedade e da economia colonial.

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