Buscar

Antropologia do Imaginário

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 3 páginas

Prévia do material em texto

Antropologia do Imaginário 
Mário Vargas Llosa. A civilização do espetáculo. Breve discurso sobre a cultura. In: A civilização do espetáculo.
Ao longo da história, a noção de cultura teve diversos significados e matizes. Durante muitos séculos foi um conceito inseparável da religião e do conhecimento. teológico; na Grécia, este foi marcado pela filosofia, e em Roma, pelo direito, ao passo que no Renascimento foi impregnado principalmente pela literatura e pelas artes. Em épocas mais recentes, como o Iluminismo, foram a ciência e as grandes descobertas científicas que deram o rumo principal à ideia de cultura.
A cultura sempre estabeleceu categorias sociais entre as pessoas que a cultivavam, Em todas as épocas históricas, até a nossa, numa sociedade havia pessoas cultas e incultas, e, entre ambos os extremos, pessoas mais ou menos cultas ou mais ou menos incultas, e essa classificação era bastante clara para o mundo inteiro porque para todos vigorava um mesmo sistema de valores, critérios culturais e maneiras de pensar, julgar e comportar-se. Em nosso tempo tudo isso mudou. A noção de cultura ampliou-se tanto que, embora ninguém se atreva a reconhecer explicitamente, desvaneceu-se. Transformou-se num fantasma inapreensível, de massas, metafórico. Porque ninguém será culto, se todos acreditarem que o são ou se o conteúdo do que chamamos de cultura tiver sido degradado de tal modo que todos possam justificadamente acreditar que são cultos. O sinal mais remoto desse processo de progressivo empastelamento e confusão daquilo que uma cultura representa foi dado pelos antropólogos, inspirados, com a melhor boa-fé do mundo, pela vontade de respeitar e Compreender as sociedades primitivas por eles estudadas. Estabeleceram que cultura é a soma de crenças, conhecimentos, linguagens, costumes, indumentária, usos, sistemas de parentesco, em resumo, tudo o que um povo diz, faz, teme ou adora.
Enquanto etnólogos e antropólogos estabeleceram essa equiparação horizontal das culturas, diluindo até tornar-se invisível a acepção clássica do vocábulo, os sociólogos, por sua vez — ou melhor, os sociólogos empenhados em fazer crítica literária Incorporando à ideia de cultura, como parte integral dela, a incultura, disfarçada com o nome de cultura popular, forma de cultura menos refinada, artificial e pretensiosa que a outra, porém mais livre, genuína, crítica, representativa e audaz.
No entanto, alguém objetará que nunca na história houve acúmulo tão grande de descobertas científicas, realizações tecnológicas, nunca foram publicados tantos livros,abertos tantos museus nem oferecidos preços tão vertiginosos pelas obras de artistas antigos e modernos. Como se pode falar de mundo sem cultura numa época em que as naves espaciais construídas pelo homem chegaram às estrelas, e a porcentagem de analfabetos é a mais baixa de toda a história humana? Todo esse progresso é indubitável, mas não é obra de pessoas cultas, e sim de especialistas. E entre cultura e especialização
há tanta distância quanto entre o homem de Cro-Magnon e os sibaritas neurastênicos de Marcel Proust. Por outro lado, embora haja atualmente um número muito maior de alfabetizados do que no passado, esse é um aspecto quantitativo, e a cultura não tem muito a ver com quantidade, e sim com qualidade. À extraordinária especialização a que chegaram as ciências é que, sem dúvida, se deve o fato de termos conseguido reunir no mundo atual um arsenal de armas de destruição em massa com o qual poderíamos extinguir várias vezes o planeta em que vivemos e contaminar de morte os espaços adjacentes. se cultura, como acreditava T. S. Eliot, for “tudo o que faz da vida algo digno de ser vivido”. A cultura é — ou era, quando existia — um denominador comum, algo que mantinha viva a comunicação entre povos muito diferentes que, com o avanço dos conhecimentos, eram obrigados a especializar-se, ou seja, a ir se distanciando uns dos outros e deixando de comunicar-se. Era também uma bússola, um guia que possibilitava aos seres humanos orientar-se no denso cipoal dos conhecimentos sem perder a direção e tendo, em sua incessante trajetória, maior ou menor clareza sobre prioridades, diferença entre o que é importante e o que não é, entre o caminho principal e os desvios inúteis.
Nesse processo, seria equivocado atribuir funções idênticas às ciências, às letras e às artes. Foi precisamente o esquecimento de distingui-las que contribuiu para a confusão que atualmente prevalece no campo da cultura. As ciências progridem, como as técnicas, aniquilando o velho, antiquado e obsoleto; para elas o passado é um cemitério, um mundo de coisas mortas e superadas pelas novas descobertas e invenções. As letras e as artes se renovam, mas não progridem; não aniquilam o passado, constroem sobre ele, alimentam-se dele e às vezes o alimentam, de modo que, apesar de tão diferentes e distantes A obra literária e artística que atinge certo grau de excelência não morre com o passar do tempo: continua vivendo e enriquecendo as novas gerações e evoluindo com estas. Por isso, as letras e as artes constituíram até agora o denominador comum da cultura,

Outros materiais