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MANUAL DE PROCESSO PENAL – Renato Brasileiro de Lima1816 insurgir contra a decisão de pronúncia. Com a reforma do CPP pela Lei nº 11.689/08, encontra- -se implicitamente revogado o dispositivo do art. 585 do CPP, uma vez que o acusado somente deve ser recolhido ao cárcere se o magistrado assim entender necessário e desde que presente hipótese que autorize a decretação de sua prisão preventiva (CPP, art. 413, § 3º);154 d) decisão que julgar quebrada a fiança: segundo o art. 343 do CPP, com redação determi- nada pela Lei nº 12.403/11, o quebramento injustificado da fiança importará na perda de metade do seu valor, cabendo ao juiz decidir sobre a imposição de outras medidas cautelares ou, se for o caso, a decretação da prisão preventiva. O recurso em sentido estrito interposto contra essa decisão terá efeito suspensivo apenas quanto ao perdimento da metade do valor prestado em fiança (art. 584, § 3º, CPP). Portanto, diante do quebramento da fiança, caso o juiz determine a imposição de outras medidas cautelares ou, se for o caso, a prisão preventiva, o RESE interposto não terá o condão de impedir a imediata execução de tais medidas. Restará ao acusado, assim, a possibilidade de impetrar ordem de habeas corpus. 2. APELAÇÃO 2.1. Noções gerais A apelação é tratada pela doutrina como recurso ordinário por excelência, já que consiste na impugnação de efeito devolutivo mais amplo, por permitir ao juízo ad quem, quando inter- posta contra sentença de mérito proferida por juiz singular, o reexame integral das questões suscitadas no primeiro grau de jurisdição, ressalvadas aquelas sobre as quais tenha se operado a preclusão (v.g., nulidade relativa não arguida oportunamente). Funciona como eficaz instru- mento processual para concretização do princípio do duplo grau de jurisdição, visto que, em face do extenso âmbito cognitivo do julgado recorrido, permite que o juízo ad quem reaprecie questões de fato e de direito. Trata-se de recurso amplo porque permite à parte, assim o desejando, devolver ao conhe- cimento da instância superior o pleno conhecimento do feito. Por isso, a regra é que a apelação seja um recurso de fundamentação livre. A apelação também funciona como recurso preferível, já que se trata do instrumento ade- quado quando parte da decisão poderia ser impugnada por meio de recurso em sentido estrito, que fica absorvido pela apelação, nos termos do art. 593, § 4º, do CPP, em fiel observância ao princípio da unirrecorribilidade. Essa natureza ampla da apelação contra decisões do juiz singular permite que o juízo ad quem concentre as funções rescindentes e rescisórias. Assim, pelo menos em regra, haverá substituição da sentença impugnada por outra por ocasião do julgamento da apelação, exceto nos casos de reconhecimento de nulidade, em que haverá apenas a cassação da decisão recorrida (juízo rescindente). Ressalve-se dessa possibilidade de devolução plena à instância superior apenas a hipótese de apelação contra decisões do júri. Nesse caso, diante da garantia constitucional da soberania dos veredictos (CF, art. XXXVIII, “c”), o Tribunal está restrito à reforma da aplicação do direito feita pelo juiz presidente, não podendo, todavia, modificar o quanto decidido pelos jurados. Na hipótese de a instância superior concluir que a decisão do Júri foi manifestamente contrária à prova dos autos, o Tribunal deve se limitar a rescindir (cassar) a decisão impugnada, sujeitando o acusado a novo julgamento perante o Tribunal do Júri. 154. Nesse sentido: STF, 1ª Turma, HC 101.244/MG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 16/03/2010, DJe 62 08/04/2010. TÍTULO 14 • RECURSOS 1817 2.2. Espécies 2.2.1. Apelação plena (ou ampla) e apelação parcial (restrita) Segundo o art. 599 do CPP, as apelações poderão ser interpostas quer em relação a todo o julgado, quer em relação a parte dele. Como se percebe, a apelação pode ser plena ou parcial. A apelação será plena (ou ampla) quando abranger, intencionalmente, todo o conteúdo passível de impugnação, ou seja, o recurso tem por objeto a integralidade da parcela da decisão que tenha gerado sucumbência à parte recorrente. A título de ilustração, suponha-se que, em processo criminal pela prática de furto qualificado, o juiz condene o acusado pela prática de furto tentado, deixando de aplicar a qualificadora a ele imputada. Se o Ministério Público impugnar o decreto condenatório quanto ao reconhecimento do crime tentado, requerendo, ademais, a aplicação da qualificadora, temos que o recurso de apelação será pleno, devolvendo ao juízo ad quem o conhecimento de todo o objeto da sucumbência. A apelação será parcial quando englobar, intencionalmente, apenas parte do conteúdo impugnável da decisão recorrida, ou seja, somente uma parcela da decisão que gerou sucum- bência da parte recorrente é objeto do recurso. Exemplificando, suponha-se que, em processo criminal pela prática de furto qualificado, o juiz condene o acusado pela prática de furto ten- tado, deixando de aplicar a qualificadora a ele imputada. Se o Ministério Público impugnar o decreto condenatório apenas quanto ao reconhecimento do crime tentado, temos que o recurso de apelação será parcial, devolvendo ao juízo ad quem apenas o conhecimento de tal matéria. No âmbito do Tribunal do Júri, o recurso de apelação não devolve ao juízo ad quem, ordi- nariamente, o integral conhecimento da causa, que fica limitado e restrito à matéria recorrida. Nessa linha, segundo a súmula nº 713 do Supremo, “o efeito devolutivo da apelação contra decisões do Júri é adstrito aos fundamentos da sua interposição”. Como se sabe, a apelação pode ser interposta num momento procedimental, com posterior apresentação das razões recursais. Nesse caso, a delimitação do efeito devolutivo é feita na pe- tição de interposição do recurso. Ao apelar, deve a parte indicar no pedido sua fundamentação ou o dispositivo legal em que se apoia, que não pode ser modificado nas razões. A extensão do apelo mede-se pela interposição, portanto, e não pelas razões. Se, porém, o recorrente não delimitar a matéria impugnada em sua petição de interposição, prevalece o entendimento no sentido de que se devolve ao juízo ad quem o conhecimento integral da matéria que gerou a sucumbência, sendo vedado à parte querer reduzi-la por ocasião da apresentação de suas razões recursais. A exceção a tal regra fica por conta da apelação contra decisões do Tribunal do Júri, em que a parte é obrigada a declinar um dos fundamentos previstos na lei. Nessa hipótese, o conhecimento do Tribunal fica adstrito aos motivos invocados pelo recorrente quando da inter- posição ou, ao menos, da apresentação das razões, que complementam o recurso. Em síntese, na hipótese de o apelante não delimitar a extensão da devolução na petição de interposição do recurso, só haverá efeito devolutivo amplo na apelação interposta contra sentença proferida por Juiz singular. Já nos processos da competência do Tribunal do Júri, não se aplica a orientação no sentido de ser possível conhecer de matéria não ventilada nas razões da apelação criminal, ou seja, o alcance de apelação contra decisão do Júri será determinado pelo teor das razões recursais.155 155. No sentido de que a apelação contra sentença do Tribunal do Júri pode ter seu alcance determinado pelas res- pectivas razões, quando tempestivas, em homenagem ao princípio do tantum devolutum quantum apellatum, notadamente em se tratando de interposição genérica: STF, 2ª Turma, HC 93.942/RS, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 06/05/2008, DJe 142 31/07/2008. MANUAL DE PROCESSO PENAL – Renato Brasileiro de Lima1818 2.2.2. Apelação principal e apelação subsidiária (ou supletiva) A apelação principal é aquela interposta pelo Ministério Público. Apelação subsidiária (ou supletiva) é aquela interposta pelo ofendido, habilitado ou não como assistente da acusação, cabível apenas quando verificada a inércia do órgão ministerial (CPP, art. 598, caput).156 Há quem entenda que apelação subsidiária é aquelaprevista no art. 593, II, do CPP, que só pode ser interposta quando não houver previsão legal de recurso em sentido estrito contra a decisão definitiva ou com força de definitiva. 2.2.3. Apelação sumária e apelação ordinária A depender da natureza da infração penal, o Código de Processo Penal estabelece proce- dimento recursal distinto, dando origem à classificação da apelação em ordinária e sumária. A apelação será sumária na hipótese de a infração penal ser punida com pena de detenção, hipótese em que o procedimento é mais curto (CPP, art. 610, caput). Nesse caso, os autos irão imediatamente com vista ao Procurador de Justiça (ou Procurador Regional da República) pelo prazo de 5 (cinco) dias, e, em seguida, passarão, por igual prazo, ao relator, que pedirá desig- nação de dia para o julgamento. Fala-se em apelação ordinária quando a infração penal for punida com reclusão. Nesse caso, o procedimento recursal a ser observado é aquele constante do art. 613 do CPP, que se diferencia do rito acima delineado pelos seguintes motivos: a) os prazos são ampliados ao do- bro; b) o tempo para os debates será de 15 (quinze) minutos, e não de 10 (dez), como ocorre na apelação sumária; c) depois de passarem pelo Relator, os autos serão encaminhados a um revisor, que terá o prazo de 10 (dez) dias para o exame do processo. Retornando os autos ao Relator, este pedirá dia para julgamento. A nosso juízo, essa distinção entre apelação sumária e ordinária deve ser relida à luz da Lei nº 11.719/08. Antes da reforma processual de 2008, falava-se em apelação sumária e ordinária para os crimes punidos com detenção ou reclusão, respectivamente, pelo fato de a lei prever procedimentos distintos para tais crimes: se punido com pena de detenção, o procedimento seria o sumário; se punido com pena de reclusão, seria o procedimento comum ordinário. Ocorre que, com o advento da Lei nº 11.719/08, o procedimento comum deixou de ser estabelecido a partir da espécie de pena, e sim com base no quantum de pena cominado ao delito. Agora, se o crime tiver pena máxima igual ou superior a 4 (quatro) anos, estará sujeito ao procedimento comum ordinário. Se a pena máxima cominada for inferior a 4 (quatro) e superior a 2 (dois) anos, estará submetido ao procedimento comum sumário. Por isso, parece-nos que essa nova forma de classificação do procedimento comum também deve ser aplicada à distinção entre apelação sumária e ordinária. 2.2.4. Apelação adesiva (ou incidental) Recurso adesivo (ou subordinado) é aquele interposto no prazo de contrarrazões de recurso apresentado pela parte contrária, motivado não pela vontade originária de impugnar a decisão, mas como contraposição ao recurso oferecido pela outra parte. Para que seja possível a inter- posição de recurso adesivo, é indispensável a presença de duas circunstâncias: a) sucumbência recíproca, de forma que ambas as partes tenham interesse recursal (art. 997, § 1º, do novo CPC); b) interposição de recurso na forma principal por somente uma das partes, porque o recurso adesivo é destinado para aquele que não pretendia recorrer, o que fica evidenciado por meio da não interposição do recurso na forma principal. Consoante disposto no art. 997, § 2º, do 156. Para mais detalhes acerca do assunto, remetemos o leitor ao tópico anteriormente estudado pertinente à legi- timação restrita e subsidiária do assistente. TÍTULO 14 • RECURSOS 1819 novo CPC, o recurso adesivo fica subordinado ao recurso independente, sendo-lhe aplicáveis as mesmas regras deste quanto aos requisitos de admissibilidade e julgamento no tribunal, salvo disposição legal diversa, observado, ainda, o seguinte: I – será dirigido ao órgão perante o qual o recurso independente fora interposto, no prazo de que a parte dispõe para responder; II – será admissível na apelação, no recurso extraordinário e no recurso especial; III – não será conhecido, se houver desistência do recurso principal ou se for ele considerado inadmissível. Diversamente de outras legislações, a lei processual penal pátria não admite a apelação adesiva (ou incidental). Se a parte tiver interesse recursal, deve impugnar a decisão no prazo legal, tão logo seja intimada da decisão. Quedando-se inerte, conclui-se que houve preclusão temporal, inviabilizando-se o conhecimento de eventual recurso adesivo interposto no prazo destinado à apresentação das contrarrazões ao recurso apresentado pela parte contrária. O STJ tem precedente no sentido de que não se pode admitir o conhecimento de recurso adesivo interposto pelo Ministério Público em processo de matéria penal, veiculando pedido em desfavor do acusado. O art. 997, §2º, do novo CPC, estabelece que o recurso adesivo é admis- sível na apelação, no recurso extraordinário e no recurso especial. Dessa forma, por não estar em conflito com norma processual penal, poderia entender-se, em análise inicial, ser possível a interposição de recurso especial criminal adesivo com fundamento no art. 3º do CPP. Entretanto, tal admissão recursal, veiculando pedido em desfavor do réu, conflita com a regra do art. 617 do CPP. Em razão da relação de subordinação, o recurso adesivo ministerial somente poderia ser conhecido caso fosse conhecido também o recurso da defesa, ou seja, a admissão do recurso defensivo acarretaria ao réu um efeito negativo, qual seja, o de que o recurso acusatório adesivo também passaria a ser analisado, caracterizando uma reformatio in pejus indireta. Outrossim, o recurso adesivo é acessório do recurso principal. Ao aplicar esse conceito ao Processo Penal, tem-se que o recurso adesivo do Ministério Público, em sentido amplo, passa a integrar formal- mente, de maneira acessória, o recurso principal defensivo. Portanto, qualquer agravamento da situação do réu, em razão do provimento do recurso adesivo acusatório, dar-se-ia, na verdade, dentro do âmbito, lato sensu, do recurso defensivo ao qual está subordinado. E, por força do art. 617 do Código de Processo Penal, não pode haver reformatio in pejus em recurso exclusi- vo da defesa. Sendo assim, não deve ser conhecido o recurso especial adesivo ministerial em matéria criminal.157 2.3. Hipóteses de cabimento As hipóteses em que se admite a interposição de apelação não estão previstas apenas no art. 593 do CPP. Com efeito, não se pode perder de vista que o art. 416 do CPP faz menção ao cabimento da apelação contra a absolvição sumária e impronúncia. A Lei nº 9.099/95 também faz menção ao cabimento da apelação. Vejamos, então, cada uma das hipóteses de cabimento da apelação do art. 593 do CPP. 2.3.1. Sentença definitiva de condenação ou absolvição proferida por juiz singular A primeira hipótese de cabimento da apelação diz respeito às sentenças definitivas de condenação ou absolvição proferidas por juiz singular (CPP, art. 593, I). Sentenças absolutórias são aquelas em que o juiz julga improcedente a imputação constante da peça acusatória, tendo como fundamento uma das causas mencionadas no art. 386 do CPP. Na sentença condenatória, o juiz julga procedente, total ou parcialmente, a imputação. O recurso de apelação também será cabível contra a absolvição sumária do art. 397 do CPP, quer quando o juiz reconhecer a existência manifesta de causa excludente da ilicitude (inciso I), a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade, salvo inimputabilidade 157. STJ, 6ª Turma, REsp 1.595.636/RN, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 02/05/2017, DJe 30/05/2017. MANUAL DE PROCESSO PENAL – Renato Brasileiro de Lima1820 (inciso II), quer quando concluir que o fato narrado evidentemente não constitui crime (inciso III). Afinal, cuida-se de sentença (definitiva) de absolvição, também impugnável por apelação, nos exatos termos do art. 593, I, do CPP. Ressalve-se, todavia, a hipótese em que tal decisão for proferida em virtude da presença de causa extintiva da punibilidade (CPP, art. 397, IV). Nesse caso, como a decisão tem natureza declaratória, e não absolutória – vide súmula 18 doSTJ –, a impugnação adequada será o recurso em sentido estrito, nos termos do art. 581, VIII, do CPP. O art. 416 do CPP também prevê o cabimento de apelação contra a absolvição sumária no âmbito do procedimento do Júri. Perceba-se que o art. 593, inciso I, do CPP, condiciona o cabimento da apelação às sen- tenças condenatórias ou absolutórias proferidas por juiz singular. Isso porque, nas hipóteses de competência originária dos Tribunais (v.g., Promotor de Justiça perante o respectivo Tribunal de Justiça), não se afigura cabível a interposição de apelação contra acórdãos condenatórios ou absolutórios, o que, no entanto, não impede a utilização dos recursos extraordinários, desde que presentes seus pressupostos legais. 2.3.2. Decisões definitivas, ou com força de definitivas, proferidas por juiz singular, nos casos em que não houver previsão legal de cabimento do recurso em sentido estrito Segundo o art. 593, inciso II, do CPP, também caberá apelação contra decisões definitivas, ou com força de definitivas, proferidas por juiz singular nos casos não previstos no Capítulo anterior. Ao se referir aos casos não previstos no Capítulo anterior – lembre-se que o capítulo ante- rior versa sobre o recurso em sentido estrito –, conclui-se que a apelação somente será cabível contra decisões definitivas ou com força de definitivas se tais decisões não forem impugnáveis mediante RESE. É o que ocorre, por exemplo, com a rejeição da peça acusatória (CPP, art. 581, I), acolhimento de exceção de coisa julgada, de ilegitimidade de parte ou de litispendência (CPP, art. 581, III) e extinção da punibilidade (CPP, art. 581, VIII). Nesses casos, como há previsão expressa de cabimento do recurso em sentido estrito, não será cabível apelação. As decisões definitivas a que faz menção o art. 593, II, do CPP, são as chamadas decisões definitivas lato sensu: encerram a relação processual, julgam o mérito, mas não se encaixam na moldura das sentenças absolutórias ou condenatórias de que tratam os arts. 386 e 387 do CPP. Caso não haja previsão legal de RESE contra tais decisões, a apelação será o recurso adequado. A título de exemplo, a decisão que declara extinta a punibilidade é decisão de mé- rito; no entanto, para essa hipótese, há previsão legal de RESE (CPP, art. 581, VIII). Se o juiz reconhece a ausência de condição objetiva de punibilidade, tal decisão é definitiva. Como não há previsão legal de RESE contra ela, a apelação será a impugnação correta. Outros exemplos podem ser lembrados: decisão que julga o pedido de restituição, nos termos do art. 120, § 1º, do CPP; decisão que ordena ou não o sequestro, nos termos do art. 127 do CPP; decisão que autoriza (ou não) o levantamento do sequestro (CPP, art. 131); decisão que acolhe (ou não) o pedido de especialização e registro de hipoteca legal ou de arresto (CPP, arts. 134 a 137), etc. As decisões com força de definitivas, também denominadas de decisões interlocutórias mistas, são aquelas que não decidem o mérito, mas põem fim à relação processual (termina- tivas) ou põem termo a uma etapa do procedimento (não terminativas). A título de exemplo de decisão interlocutória mista terminativa, podemos citar a decisão que acolhe a exceção de coisa julgada, a exceção de litispendência, a que rejeita a denúncia ou queixa, etc. Desde que não haja previsão legal de RESE contra tais decisões, será cabível a apelação. Como exemplos de decisões interlocutórias mistas não terminativas, podemos citar a pronúncia, para a qual, todavia, há previsão legal de RESE (CPP, art. 581, IV). Caso não haja previsão legal de RESE – por exemplo, no caso da decisão que remete as partes ao juízo civil no pedido de restituição de coisas apreendidas –, a impugnação adequada será a apelação. TÍTULO 14 • RECURSOS 1821 2.3.3. Decisões do Tribunal do Júri O art. 593, inciso III, do CPP, prevê o cabimento de apelação contra decisões do Tribunal do Júri, quando: a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia; b) for a sentença do juiz presiden- te contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados; c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança; d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos. A fim de se evitar uma possível violação à soberania dos veredictos, deve o juízo ad quem ficar atento àquilo que diz (ou não) respeito ao mérito ao julgar uma apelação contra decisão do Júri. Se a matéria devolvida à apreciação do Tribunal disser respeito ao mérito da decisão profe- rida pelo Júri, só se admite que o Tribunal determine a sujeição do acusado a novo julgamento. Todavia, se a impugnação não estiver relacionada ao mérito da decisão dos jurados, guardando relação com decisões proferidas pelo Juiz-Presidente, é plenamente possível a modificação do teor da decisão pelo juízo ad quem. É necessário que se distinga, então, na sentença subjetivamente complexa do júri, a matéria de competência dos jurados – e, por conseguinte, acobertada pela soberania dos veredictos – e a matéria de competência do juiz presidente – desprovida, pois, do atributo da soberania. Aos jurados compete decidir sobre a existência do crime e autoria delitiva, sobre a possível absol- vição do acusado, bem como em relação à presença de qualificadoras, causas de aumento e de diminuição de pena. Portanto, somente com relação à decisão de tais questões é que se pode falar em soberania dos veredictos. Lado outro, como a fixação da pena é matéria afeta à competência do juiz presidente, e não aos jurados, não há falar em impossibilidade de reforma da decisão. Logo, com base no fundamento da alínea “d” do inciso III do art. 593 do CPP (decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos), o Tribunal de Justiça (ou TRF), em grau de apelação, somente pode fazer o juízo rescindente (judicium rescindens), ou seja, cassar a decisão anterior, remetendo a causa a novo julgamento, pois, do contrário, estaria violando a soberania dos veredictos. Todavia, quando estivermos diante de uma decisão do juiz-presidente, o juízo ad quem poderá fazer não só o juízo rescindente como também o juízo rescisório (judicium rescisorium), ou seja, substituir a decisão impugnada pela sua (v.g., corrigindo eventual erro no tocante à aplicação da pena, matéria afeta à competência do juiz-presidente). Esta apelação contra decisões do júri é um recurso de fundamentação vinculada, ou seja, recai sobre o apelante o ônus de invocar um dos fundamentos dentre aqueles relacionados no inciso III do art. 593, ficando a análise do juízo ad quem restrita à fundamentação invocada pelo recorrente. Portanto, se a parte invocar uma das alíneas, não pode o Tribunal julgar com base em outra.158 Exemplificando, se o recorrente interpõe uma apelação sob o argumento de que teria havido nulidade após a pronúncia (CPP, art. 593, III, “a”), não é possível que o Tribunal dê provimento ao recurso por entender que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos (CPP, art. 593, III, “d”). A propósito, eis o teor da Súmula 713 do STF: “O efeito devolutivo da apelação contra decisões do Júri é adstrito aos fundamentos de sua interposição”.159 158. Segundo parte da doutrina, “não pode também o recorrente, após ter restringido na petição a sua impugnação a determinada hipótese, ampliar nas razões o âmbito da devolução do recurso para incluir outra, quando já supe- rado o prazo legal de interposição da apelação. Nada impediria, contudo, à parte de, ainda no prazo, acrescentar à impugnação outra matéria, suplementando o primeiro recurso com outro”. (GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance. Recursos no processo penal. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 99). 159. No sentido de que o recurso de apelação de decisão do Júri tem caráter restrito, razão pela qual o Tribunal ad quem só pode conhecer das alegações suscitadas na irresignação, não sendo lícito o reconhecimento,em des- favor do réu, de nulidades processuais que não foram formalmente arguidas pelo Ministério Público, sob pena MANUAL DE PROCESSO PENAL – Renato Brasileiro de Lima1822 Apesar de se tratar, a apelação interposta contra decisões do Júri, de recurso de funda- mentação vinculada, a omissão do apelante em não indicar, no momento da interposição do recurso, as alíneas que fundamentam o apelo, representa mera irregularidade, não podendo o direito de defesa do acusado ficar cerceado por um formalismo exacerbado. Portanto, é possível, por ocasião das razões de apelação, se tempestivas, sanar o vício de não terem sido indicados, na petição de apelo, os fundamentos do pedido de reforma da decisão de tribunal do júri.160 De acordo com o art. 593, inciso III, caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias das deci- sões do Tribunal do Júri, quando: a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia: o dispositivo fala em nulidade após a pronún- cia porquanto, se anterior a ela, a nulidade deve ter sido impugnada por meio do Recurso em Sentido Estrito eventualmente interposto contra a pronúncia (CPP, art. 581, IV). Isso, todavia, não significa dizer que a parte fica impedida de alegar nulidade anterior à pronúncia, o que é plenamente possível, mas desde que não se trate de vício sujeito à preclusão, ou sanável pelos atos processuais posteriores. De fato, em se tratando de nulidade relativa, sabe-se que, não ar- guida oportunamente, dar-se-á preclusão. Logo, se uma nulidade relativa anterior à pronúncia não foi impugnada em eventual recurso em sentido estrito, a preclusão impedirá a apreciação da matéria em eventual apelação interposta contra a sentença do Júri. Lado outro, na hipótese de nulidade absoluta, é sabido que esta pode ser arguida a qualquer momento, já que não está sujeita à preclusão. Logo, ainda que anterior à pronúncia, uma nulidade absoluta pode ser ar- guida em eventual apelação interposta contra decisão do júri. Evidentemente, se esta nulidade já havia sido arguida em anterior recurso em sentido estrito interposto contra a pronúncia, tendo o Tribunal negado provimento à referida impugnação, a matéria estará protegida pelo manto da coisa julgada, impossibilitando nova discussão da matéria no recurso de apelação. Exemplificando, suponha-se que, a despeito do oferecimento de denúncia pelo Ministério Público imputando a prática de um homicídio doloso em conexão com um crime de calúnia, o juiz sumariante delibere pela pronúncia do acusado em relação a ambos os delitos, sem perceber que a acusação fora feita em relação à calúnia – crime de ação penal de iniciativa privada – pela parte ilegítima – Ministério Público. Ora, se o acusado for levado a julgamento perante o júri e condenado pelas duas infrações, é evidente que a parte prejudicada poderá interpor apelação, postulando o reconhecimento da nulidade absoluta e ab initio no tocante ao crime de ação penal privada, nos termos do art. 564, inciso II, do CPP. São vários os exemplos de nulidades que podem ocorrer após a pronúncia, tais como a inexistência do número mínimo de 15 (quinze) jurados (CPP, art. 463, caput), acusado indefeso em plenário, quebra da incomunicabilidade dos jurados, etc. Apesar de o art. 593, III, alínea “a”, do CPP, nada dizer quanto à espécie de nulidade, entende-se que é cabível apelação para impugnar a presença de nulidades absolutas e relativas, com a ressalva de que, em relação a estas, deve se verificar se não teria havido prévia preclusão, ou seja, se houve a impugnação logo depois de anunciado o julgamento e apregoadas as partes ou logo após sua ocorrência (CPP, art. 571, V e VIII). Perceba-se que o reconhecimento de nulidade após a pronúncia por ocasião do julgamento da apelação nada tem a ver com o mérito da decisão dos jurados. Logo, uma vez reconhecida a nulidade, impõe-se a realização de novo julgamento ou a renovação dos atos inquinados de nulidade, sem que se possa falar em violação à soberania dos veredictos. Essa hipótese de ca- bimento da apelação contra decisões do júri pode ser utilizada mais de uma vez. de infringência ao princípio da non reformatio in pejus: STJ, 5ª Turma, HC 48.375/GO, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 02/02/2006, DJ 06/03/2006 p. 424. Na mesma linha: STJ, 5ª Turma, HC 100.518/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 26/08/2010, DJe 04/10/2010; STJ, 5ª Turma, HC 175.993/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 06/09/2011, DJe 21/09/2011. 160. Nessa linha: STJ, 6ª Turma, HC 149.966/RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 18/10/2012. TÍTULO 14 • RECURSOS 1823 b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados: a primeira hipótese ocorre quando a sentença, apesar de estar em conformidade com a decisão dos jurados, apresenta-se contrária ao texto expresso da lei. A título de exemplo, em fiel obser- vância ao quanto decidido pelos jurados, o juiz presidente impõe ao acusado o cumprimento de 12 (doze) anos de reclusão pela prática de crime de homicídio qualificado, porém determina o cumprimento da pena em regime integralmente fechado, afrontando o art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90, com redação determinada pela Lei nº 11.464/07, que diz que a pena por crimes hediondos e equiparados será cumprida inicialmente em regime fechado. A segunda hipótese a que se refere a alínea “b” do inciso III do art. 593 ocorre quando houver dissonância entre o que decidiram os jurados e o que constou da sentença. Exemplifi- cando, se os jurados reconheceram a prática de homicídio qualificado por motivo torpe, ao juiz presidente não é dado condenar o acusado por homicídio simples. Como se percebe, essa hipótese de cabimento de apelação não afronta o veredicto dos jurados. Cuida, sim, de um erro do juiz togado, que pode ser corrigido diretamente pela Instân- cia Superior. Portanto, é perfeitamente possível que esse equívoco na aplicação da pena seja reformado pelo juízo ad quem, sem necessidade de se proceder a novo julgamento. Não por outro motivo dispõe o art. 593, § 1º, do CPP, que se a sentença do juiz presidente for contrária à lei expressa ou divergir das respostas dos jurados aos quesitos, o tribunal ad quem fará a devida retificação. c) erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança: o erro estará presente quando houver equívoco do juiz na estipulação da pena ou da medida de segurança, como, por exemplo, se fixar a pena abaixo do mínimo legal, ou se, em vez de aplicar a medida de segurança de internação (CP, art. 96, I), determinar a sujeição a tratamento ambulatorial, quando este for inteiramente desajustado ao caso. A injustiça, por sua vez, decor- rerá de inadequada individualização da pena ou aplicação da medida de segurança em face dos elementos de prova existentes, como sucederia com a fixação de pena-base elevada sem a justa valoração de aspectos favoráveis ao condenado.161 Nos mesmos moldes que a alínea anterior, esta hipótese de cabimento de apelação contra decisão do júri também diz respeito, exclusivamente, à atuação do juiz presidente, não impor- tando em ofensa à soberania dos veredictos. Afinal, se compete ao presidente fixar a pena base e impor, se for o caso, a medida de segurança cabível (CPP, art. 492, inciso I, alíneas “a”, “b” e “c”, e inciso II, “c”, respectivamente), é evidente que eventual erro por ele praticado é passível de imediata correção pelo Tribunal. Exemplificando, se a pena aplicada pelo juiz presidente ocorrer em patamar muito acima do mínimo legal, apesar de as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal serem amplamente favoráveis ao acusado, é possível que o Tribunal determine a retificação da pena. Nessa linha, diz o art. 593, § 2º, do CPP, que se o Tribunal der provimento à apelação interposta com fundamento nesta hipótese, retificará a aplicação da pena ou da medida de segurança. Se ao juízo ad quem é permitido fazer a correção do erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança, sem que se possa arguir ofensa à soberania dosveredic- tos, o mesmo não se pode dizer quanto à exclusão ou inclusão de qualificadoras, privilégios, causas de aumento ou de diminuição de pena expressamente admitidos pelos jurados. Afinal, tal matéria diz respeito à tipicidade derivada, integrante do crime doloso contra a vida, cuja competência pertence, com exclusividade, aos jurados. Fosse possível ao Tribunal reformar a decisão nesses pontos, não haveria mera retificação da pena, mas evidente desrespeito à sobe- rania dos veredictos. 161. GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance. Recursos no processo penal. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 101 MANUAL DE PROCESSO PENAL – Renato Brasileiro de Lima1824 A propósito, o art. 483, incisos IV e V, do CPP, prevê expressamente que aos jurados devem ser formulados quesitos indagando sobre a existência de causa de diminuição de pena alegada pela defesa, circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecida na pronún- cia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação. Ora, se tais matérias são expressamente analisadas pelos jurados, não é possível que a Instância Superior determine sua exclusão ou inclusão, retificando a pena, sob pena de patente violação à soberania dos veredictos. O que o Tribunal pode e deve fazer, caso tenha havido oportuna impugnação nesse sentido, é determinar que o reconhecimento pelos jurados de tal qualificadora, causa de aumento ou de diminuição de pena é manifestamente contrária à prova dos autos, submetendo o acusado a novo julgamento pelo júri, com fundamento no art. 593, III, “d”, do CPP. Nesse ponto, convém destacar que, por força da Lei nº 11.689/08, a presença de agravan- tes e atenuantes não é mais quesitada aos jurados. Na verdade, segundo o art. 492, I, “b”, ao proferir sentença condenatória, deve o juiz presidente considerar as circunstâncias agravantes ou atenuantes alegadas nos debates. Portanto, se a competência para o reconhecimento de agravantes e atenuantes não é mais dos jurados, mas sim do juiz presidente, forçoso é concluir que, doravante, é plenamente possível que o juízo ad quem determine a exclusão ou inclusão de tais circunstâncias e retifique a pena. Em tal hipótese, a soberania dos veredictos não será vulnerada pelo aumento ou diminuição da pena determinado pela instância recursal, já que esta reforma recairá sobre uma decisão do juiz togado, que cometeu erro ou injustiça no tocante à aplicação (ou não) de tais circunstâncias. d) decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos:162 para que seja cabível apelação com base nessa alínea e, de modo a se compatibilizar sua utilização com a soberania dos veredictos, é necessário que a decisão dos jurados seja absurda, escandalosa, arbitrária e totalmente divorciada do conjunto probatório constante dos autos. Portanto, decisão manifestamente contrária à prova dos autos é aquela que não encontra nenhum apoio no con- junto probatório, é aquela que não tem apoio em nenhuma prova, é aquela que foi proferida ao arrepio de tudo que consta dos autos, enfim, é aquela que não tem qualquer prova ou elemento informativo que a suporte ou justifique, e não aquela que apenas diverge do entendimento dos juízes togados a respeito da matéria.163 A título de exemplo, suponha-se que, durante toda a instrução probatória, tenha o acusado confessado que atirou no ofendido, causando sua morte, mas que o fez em legítima defesa. Não obstante, por ocasião da votação dos quesitos, os jurados reconhecem a negativa de autoria, absolvendo o acusado (CPP, art. 483, § 1º). Nesta hipótese, não há como negar que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, autorizando a interposição de apelação com base no art. 593, III, “d”, do CPP, a fim de que novo julgamento seja realizado (CPP, art. 593, § 3º). Lado outro, se 02 (duas) testemunhas são ouvidas em juízo e reconhecem o acusado como o suposto autor dos disparos de arma de fogo que causaram a morte da vítima, ao passo que outros 02 (dois) depoentes confirmam que o acusado estava em uma festa no exato momen- to em que o crime foi perpetrado, eventual decreto absolutório ou condenatório não deve ser considerado manifestamente contrário à prova dos autos, já que os jurados simplesmente terão aderido a uma das versões apresentadas. Neste caso, por força da soberania dos veredictos, a 162. Quanto à subsistência do cabimento da apelação interposta pela acusação com base no art. 593, III, alínea “d”, do CPP, diante da inserção do quesito absolutório genérico do art. 483, III, do CPP, remetemos o leitor ao título atinente ao Procedimento do Júri, mais precisamente ao tópico relativo à “ordem dos quesitos” (item. 12.3). 163. No sentido de que a suficiência (ou não) de um único depoimento para a prolação do juízo condenatório é ma- téria constitucionalmente afeta ao tribunal do júri e infensa à reforma pelo tribunal de justiça, ao qual não cabe a valoração da prova: STF, 1ª Turma, Rcl 29.621 AgR/MT, Rel. Min. Luiz Fux, j. 25/06/2019, DJe 213 30/09/2019. TÍTULO 14 • RECURSOS 1825 decisão dos jurados deve ser mantida, sobretudo se considerarmos que os jurados julgam segundo sua íntima convicção, sem a necessidade de fundamentar seus votos.164 Assim, optando os jurados, bem ou mal, por uma das versões trazidas aos autos, não há falar em decisão inteiramente divorciada da prova existente no processo. Logo, existindo prova a sustentar a tese adotada em plenário pelos jurados, não é possível que o Tribunal ad quem desconstitua a escolha dos jurados, procedendo à interpretação que, sob sua ótica, coaduna-se melhor com a hipótese dos autos, sob pena de ferir a soberania dos veredictos. Não por outro motivo, em caso concreto no qual os acusados foram absolvidos pelo Conselho de Sentença, que reconheceu terem eles agido por erro de tipo invencível (CP, art. 20), porquanto imaginaram estar atirando em um animal em vez de nas pessoas que haviam adentrado a sua propriedade, concluiu o STJ terem os jurados optado por uma das versões conflitantes, consubstanciada nos interrogatórios, depoimentos e laudos acostados aos autos, daí por que seria inviável reconhecer a existência de decisão manifestamente contrária à prova dos autos.165 Se, todavia, no julgamento de apelação interposta com fundamento no art. 593, III, “d”, do CPP, o Tribunal ad quem, apesar de não se tratar de decisão manifestamente contrária à prova dos autos, determinar equivocadamente a realização de novo julgamento, será cabível recurso extraordinário, recurso especial ou habeas corpus, a fim de que seja mantida a decisão do Conselho de Sentença, preservando-se a soberania de seus veredictos. Essa decisão manifestamente contrária à prova dos autos, que desafia a apelação prevista na alínea “d” do inciso III do art. 593 do CPP, pode estar relacionada tanto ao fato principal, à autoria, às causas excludentes da ilicitude ou da culpabilidade, como versar sobre questão se- cundária, como o reconhecimento de uma qualificadora, causa de aumento ou de diminuição da pena. Assim, por exemplo, se os jurados, de forma manifestamente contrária à prova dos autos, reconhecem que o agente praticou o crime de homicídio doloso impelido por relevante valor moral, apesar de o acusado ter confessado na fase policial e em juízo que praticou o crime por conta de uma briga de trânsito, é cabível a apelação. Portanto, como as qualificadoras, causas de aumento e de diminuição de pena compõem o tipo penal no homicídio doloso (tipicidade derivada), se o Tribunal entender que seu reconhecimento pelos jurados se deu de maneira contrária à prova dos autos, deve o juízo ad quem cassar a decisão para que outro julgamento seja realizado. Fosse possível que o Tribunal de Justiça (ou TRF) corrigisse a pena imposta para afastar qualificadoras, causas de aumento ou de diminuição de pena, haveria patente violação à soberania dos veredictos, porquanto um Tribunalcomposto por juízes togados estaria afastando 164. Portanto, se o Conselho de Sentença, após os debates, acolher uma das versões existentes nos autos, exercendo sua soberania, não se pode falar em decisão manifestamente contrária à prova dos autos. Nesse sentido: STJ, 6ª Turma, HC 120.967/MS, Rel. Min. Nilson Naves, j. 03/12/2009, DJe 24/05/2010. E ainda: STJ, 5ª Turma, REsp 779.518/MT, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 17/08/2006, DJ 11/09/2006. Para o STJ (6ª Turma, HC 141.598/GO, Rel. Min. Og Fernandes, j. 17/05/2011), se, a despeito da presença de laudo pericial nos autos apontando que o acusado era, à época dos fatos, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, os jurados optarem por condenar o acusado, ao argumento de que a prova testemunhal evidenciaria sua imputabilidade, não se afigura cabível a apelação prevista no art. 593, III, “d”, do CPP, porquanto a decisão do Conselho não teria contrariado todo o conjunto probatório constante dos autos, já que havia elementos para se afastar a conclusão produzida pelos experts. 165. STJ, 6ª Turma, HC 70.962/SP, Rel. Min. Nilson Naves, j. 04/03/2008, DJe 22/09/2008. Portanto, se o Tribu- nal do Júri, com base no depoimento de testemunhas ouvidas em juízo, concluir que o acusado cometera homicídio privilegiado, não pode o Tribunal de Justiça substituir esse entendimento, por reputar existentes outras provas mais robustas no sentido contrário ao da tese acolhida, sob pena de violação à soberania dos veredictos: STF, 2ª Turma, HC 85.904/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 13/02/2007, DJe 47 28/06/2007. Na mesma linha: STJ, 6ª Turma, REsp 690.927/CE, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 13/03/2007, DJ 26/03/2007 p. 309. MANUAL DE PROCESSO PENAL – Renato Brasileiro de Lima1826 aspectos relativos à tipicidade derivada expressamente admitidos pelos jurados, com indevida invasão ao mérito da decisão, o que é vedado ao juízo ad quem.166 No caso em que o Tribunal, em apelação, determinar a realização de novo júri em razão do reconhecimento de que a decisão dos jurados fora manifestamente contrária à prova dos autos, não é possível que se conceda às partes o direito de inovar no conjunto probatório mediante a apresentação de novo rol de testemunhas a serem ouvidas em plenário. Afinal, a preparação pre- vista no art. 422 do CPP, que consiste, entre outras coisas, na apresentação do rol de testemunhas que irão depor em plenário, é ato antecedente ao julgamento em si. Praticado o referido ato de preparação – que não se confunde com o ato de julgamento propriamente dito –, ocorrerá, em regra, a sua preclusão consumativa. Dessa maneira, tendo sido provida apelação tão somente para a realização de novo julgamento, não será possível repetir a realização de outro ato (o de preparação), que já fora consumado, sendo cabível proceder apenas ao novo julgamento do acu- sado. Além do mais, se o Tribunal ad quem determina um novo julgamento por estar convencido de que o veredicto exarado pelo Conselho de Sentença anterior seria manifestamente contrário à prova dos autos, deve o novo Júri realizar uma nova análise sobre o mesmo acervo de provas anteriormente analisado. Caso contrário, estar-se-ia, no novo Conselho de Sentença, diante do primeiro juízo de valoração de prova inédita – que não fora valorada no primeiro julgamento – sem que fosse possível outro pleito de anulação desse novo julgamento com base no art. 593, III, d, do CPP, visto que a norma contida na parte final do § 3º do aludido dispositivo impede a interposição de segunda apelação fundamentada no mesmo motivo.167 Há posição minoritária na doutrina que entende que o disposto no art. 593, III, alínea “d”, do CPP é inconstitucional, sob o argumento de que, por força da soberania dos veredictos, não é possível que um tribunal superior composto por juízes togados determine a realização de novo julgamento, sob a justificativa de manifesto desrespeito à prova dos autos. Prevalece, todavia, a orientação de que é inconcebível que uma decisão manifestamente contrária à prova dos autos não possa ser revista por meio de recurso, o que poderia inclusive caracterizar afronta ao princípio do duplo grau de jurisdição, previsto implicitamente na Constituição Federal, e explicitamente na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. 678/92, art. 8º, nº 2º, alínea “h”). De mais a mais, é bom lembrar que, ao dar provimento à apelação com base na alínea “d” do inciso III do art. 593, o Tribunal de Justiça (ou Tribunal Regional Federal) não estará substituindo a decisão dos jurados, mas apenas reconhecendo o equívoco manifesto na apreciação da prova e determinando a realização de outro julgamento pelo Júri. Em síntese, o juízo ad quem estará proferindo mero juízo de cassação (juízo rescindente), não de reforma (juízo rescisório), reservando ao Tribunal do Júri, juízo natural da causa, novo julgamento.168 166. No sentido de que as circunstâncias qualificadoras, devidamente reconhecidas pelo Plenário do Júri, somente podem ser excluídas, em sede de apelação, com base no art. 593, III, “d”, do Código de Processo Penal, quando absolutamente improcedentes, sem amparo nos elementos dos autos, sob pena de o juízo ad quem imiscuir-se na competência constitucional do Tribunal do Júri, atentando contra a soberania dos veredictos: STJ, 6ª Turma, REsp 785.122/SP, Rel. Min. Og Fernandes, j. 19/10/2010, DJe 22/11/2010. No sentido de que o Tribunal ad quem, ao julgar a apelação interposta com fundamento no art. 593, III, d, do CPP, na eventualidade de concluir que a qualificadora reconhecida pelo Júri é manifestamente contrária à prova dos autos, não pode, desde logo, afastá-la e reduzir a pena, mas sim cassar o julgamento para que outro seja realizado: STJ, 6ª Turma, REsp 702.223/MT, Rel. Min. Celso Limongi, j. 01/06/2010, DJe 28/06/2010. E também: STJ, 6ª Turma, REsp 981.057/SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Informativo nº 455 do STJ, 8 a 12 de novembro de 2010. 167. STJ, 5ª Turma, HC 243.452/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 26/02/2013, DJe 12/03/2013. 168. No sentido de que o princípio constitucional da soberania dos veredictos não é violado pela determinação de realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri quando a decisão é manifestamente contrária à prova dos autos: STF, 1ª Turma, HC 102.004/ES, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 11/05/2010, DJe 025 07/02/2011; STF, 2ª Turma, HC 76.994/RJ, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 12/05/1998, DJ 26/06/1998; STF, 2ª Turma, HC 94.052/PR, Rel. Min. Eros Grau, j. 14/04/2009, DJe 152 13/08/2009. TÍTULO 14 • RECURSOS 1827 Segundo o art. 593, § 3º, in fine, do CPP, não se admite segunda apelação com base na alínea “d” do inciso III do art. 593, pouco importando se a decisão seguinte é a mesma ou diferente da anterior. Essa norma, ao impedir que a parte se utilize do recurso de apelação para exame do mesmo propósito de anterior apelo interposto, prima pela segurança jurídica, porquanto impede a utilização do expediente recursal como maneira de eternizar a lide criminal. Assim, não sendo a apelação da defesa admitida por corresponder ao segundo recurso pelo mesmo fundamento (contrariedade à prova dos autos), não há falar em cerceamento de defesa.169 Portanto, no segundo julgamento, do qual não poderão fazer parte os jurados que atuaram no júri anterior (CPP, art. 449, I, e súmula nº 206 do STF), independentemente do resultado, a decisão proferida pelo Tribunal do Júri será definitiva, haja vista a impossibilidade de nova apelação sob o mesmo fundamento (CPP, art. 593, § 3º, in fine). Logo, ressalvada a interposi- ção de apelação com base nas outras hipóteses do art. 593, III, pode-se dizer que, na hipótese de o veredicto proferido no segundo julgamento ser absolutório, operando-se o trânsito em julgado da decisão, a garantia da soberania dos veredictos será absoluta, visto que não se admite revisão criminal pro societate. No entanto,em se tratando de decreto condenatório ou absolutório impróprio com trânsito em julgado, ainda se pode cogitar do ajuizamento de revisão criminal. A expressão pelo mesmo motivo constante do art. 593, § 3º, in fine, do CPP, deve ser compreendida como mesma hipótese de cabimento, ou seja, o mesmo fundamento legal. Logo, conhecida uma primeira apelação interposta com base na alínea “d” do inciso III do art. 593 do CPP, uma vez realizado novo julgamento perante o Júri, não se afigura cabível nova apelação com base na mesma hipótese. Isso, no entanto, não significa dizer que o acusado não possa ser julgado mais de duas vezes pelo Tribunal do Júri. De fato, se o Tribunal ad quem determinar a realização de novo julgamento por entender que o primeiro foi contrário à prova dos autos, não será cabível nova apelação com base na alínea “d” do inciso III do art. 593, mas é perfei- tamente possível a interposição de apelação sob o argumento de que este segundo júri estaria contaminado por nulidade (CPP, art. 593, III, “a”). Nesta hipótese, reconhecida a nulidade pelo Tribunal, seria determinada a realização de um terceiro julgamento. Na mesma linha, se uma apelação foi interposta com fundamento nas alíneas “a” (nulidade) e “d” (decisão manifestamente contrária à prova dos autos) do inciso III do art. 593, o juízo ad quem julgará primeiro a alínea “a”, por ser prejudicial da outra. Em caso de provimento, ficará prejudicado o julgamento com fundamento na alínea “d”. Logo, havendo novo julgamento, po- derá haver nova apelação com fundamento na alínea “d”, já que tal hipótese não foi conhecida nem julgada no recurso anterior. Ainda em relação ao disposto no art. 593, § 3º, in fine, do CPP, é bom lembrar que pouco importa qual parte interpôs o recurso primeiro. Portanto, se o Ministério Público recorre de um decreto absolutório e invoca o art. 593, III, “d”, vindo o Tribunal a determinar novo julgamento, que culmina com a condenação do acusado, não poderá agora a Defesa apelar sob o argumento de que teria havido manifesta divergência com a prova. Ainda que não houvesse previsão legal nesse sentido, essa vedação é evidente. Afinal, se o primeiro julgamento absolutório do júri foi considerado manifestamente contrário à prova dos autos pelo Tribunal de Justiça, daí por que foi cassada a decisão, submetendo-se o acusado a novo julgamento, na hipótese de ser proferido um decreto condenatório pelo segundo júri, tal decisão não será considerada manifestamente contrária à prova dos autos pelo juízo ad quem, sob pena de o Tribunal contrariar o quanto decidido por ele mesmo na apelação anteriormente apreciada. 169. STJ, 6ª Turma, HC 114.328/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 14/06/2011. MANUAL DE PROCESSO PENAL – Renato Brasileiro de Lima1828 2.4. Aspectos procedimentais da apelação 2.4.1. Forma A apelação pode ser interposta por petição ou por termo nos autos (CPP, art. 587, caput). No processo penal militar, todavia, a apelação só pode ser interposta por petição (CPPM, art. 529, caput), o que também ocorre no âmbito dos juizados especiais criminais (Lei nº 9.099/95, art. 82, § 1º). Ao contrário do recurso em sentido estrito, que é geralmente processado por instrumento, a apelação é encaminhada à instância superior nos próprios autos do processo. Por isso, ante a possibilidade de extravio dos autos originais, determina o art. 603 do CPP que, quando in- terposta no interior, deverá o escrivão tirar o traslado das principais peças do processo, com observância do disposto no art. 564, II, do CPP, assim como da intimação da sentença e da interposição da apelação. Se houver mais de um acusado, e não houverem todos sido julgados, ou não tiverem to- dos apelado, o art. 601, § 1º, do CPP, determina que caberá ao apelante promover extração do traslado dos autos, o qual deverá ser remetido à instância superior no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data da entrega das últimas razões de apelação, ou do vencimento do prazo para a apresentação das do apelado. 2.4.2. Prazo Segundo o art. 593, caput, do CPP, a apelação deve ser interposta no prazo de 5 (cinco) dias. De acordo com a súmula nº 428 do Supremo, “não fica prejudicada a apelação entregue em cartório no prazo legal, embora despachada tardiamente”. Interposta a apelação, os autos serão conclusos ao magistrado para o juízo de admissibili- dade. Denegada a apelação, será cabível recurso em sentido estrito (CPP, art. 581, XV). Preenchidos seus pressupostos, a impugnação será recebida pelo juízo a quo, que deve notificar as partes – primeiro o recorrente, depois o recorrido – para apresentação das razões e contrarrazões recursais, cada qual no prazo de 08 (oito) dias, salvo nos processos de con- travenções penais, em que o prazo será de 3 (três) dias (CPP, art. 600, caput). Em que pese o art. 600, caput, in fine, do CPP, prever o prazo de 3 (três) dias para apresentação de razões e contrarrazões nos processos de contravenções, é bom lembrar que o processo e julgamento de tais infrações penais está afeto aos juizados especiais criminais. Em sede de Juizados, a apelação deve ser interposta no prazo de 10 (dez) dias, por petição escrita, da qual constarão as razões e o pedido do recorrente (Lei nº 9.099/95, art. 82, § 1º). Apesar de o art. 600, caput, do CPP, sugerir que o prazo de 08 (oito) dias para apresenta- ção das razões recursais corra de maneira automática após a interposição do recurso, prevalece o entendimento no sentido de que sua fluência só terá início após a notificação do recorrente para essa finalidade. No âmbito processual penal militar, o prazo para apresentação de razões e contrarrazões é de 10 (dez) dias para cada parte, sucessivamente (CPPM, art. 531, caput). 2.4.3. Processamento Assinado o termo de apelação, o apelante e, depois dele, o apelado, terão o prazo de 8 (oito) dias cada um para oferecer razões e contrarrazões. Se houver assistente, este arrazoará, no prazo de 3 (três) dias, após o Ministério Público. Se a ação penal for movida pela parte ofendida, o Ministério Público terá vista dos autos, no prazo de 3 (três) dias. Para fins de apresentação de suas razões e contrarrazões, acusação e defesa devem poder retirar os autos do cartório. Por isso, reputamos que o dispositivo do art. 600, § 3º, do CPP, TÍTULO 14 • RECURSOS 1829 não foi recepcionado pela Constituição Federal. Segundo tal dispositivo, quando forem dois ou mais os apelantes ou apelados, os prazos serão comuns. Ao dizer que os prazos serão comuns, o dispositivo em questão afirma, implicitamente, que os autos deverão permanecer em cartório. A nosso juízo, a concessão de prazo comum aos defensores dos acusados para apresentação de razões ou contrarrazões viola a ampla defesa e o contraditório, porquanto deixa de lado a regra da paridade de armas. De fato, se o Ministério Público tem 8 (oito) dias para apresentar suas razões, igual prazo há de ser assegurado à defesa, independentemente do número de apelantes ou apelados. Ademais, a impossibilidade de se retirar os autos do cartório dificultaria a atuação da defesa, que teria que elaborar suas razões mediante consulta dos autos na secretaria do juízo. Na visão da doutrina, é plenamente possível que as partes requeiram a juntada de quais- quer documentos por ocasião da apresentação de razoes e contrarrazões. Afinal, salvo os casos expressos em lei – a única restrição ao momento para a juntada de documentos constante do CPP é aquela do art. 479 do CPP –, as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo, nos termos do art. 231 do CPP. Todavia, se os documentos forem oferecidos nas contrarrazões, deve o juiz determinar que o apelante se manifeste sobre eles. Caso tenham sido juntados pelo apelante, o apelado terá a oportunidade de se manifestar sobre eles em sede de contrarrazões.170 De acordo com o art. 600, § 4º, do CPP, se o apelante declarar, na petição ou no termo, ao interpor apelação, que deseja arrazoar na superiorinstância, serão os autos remetidos ao tribunal ad quem onde será aberta vista às partes, observados os prazos legais, notificadas as partes pela publicação oficial. Há quem entenda que essa faculdade pode ser exercida por qualquer parte. A nosso ver, se a apelação for interposta pelo Promotor de Justiça, as razões devem ser apresentadas obrigato- riamente na 1ª instância, já que tal órgão ministerial não atua junto aos Tribunais. Portanto, o permissivo do art. 600, § 4º, do CPP, não pode ser utilizado pelo Ministério Público. De todo modo, na hipótese de as razões serem apresentadas pela Defesa na 2ª instância, os autos devem retornar à comarca de origem, para que o Promotor Natural do caso ofereça contrarrazões. 2.4.4. Competência para o julgamento A competência para o julgamento da apelação recai sobre as Câmaras dos Tribunais de Justiça e Turmas dos Tribunais Regionais Federais.171 2.5. Efeitos Como todo e qualquer recurso, a apelação é dotada de efeito devolutivo, transferindo o conhecimento da matéria impugnada à instância superior, objetivando a reforma, a invalidação, a integração ou o esclarecimento da decisão impugnada. Enquanto o recurso em sentido estrito e o agravo em execução são dotados de efeito regres- sivo (iterativo ou diferido), autorizando o juízo de retratação, a apelação não permite que o juízo a quo reexamine sua decisão. Essa vedação encontra fundamento no princípio segundo o qual a competência do magistrado se esgota no exato instante em que profere sua decisão, daí por que não lhe seria lícito modificar sua decisão posteriormente, ainda que houvesse impugnação das partes. Nessa linha, como consta do art. 494 do novo CPC, publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la para corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou retificar erros de cálculo, ou por meio de embargos de declaração. 170. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 33ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. p. 465. 171. Para mais detalhes acerca da possibilidade de julgamento monocrático da apelação pelo Relator, remetemos o leitor ao princípio da colegialidade. MANUAL DE PROCESSO PENAL – Renato Brasileiro de Lima1830 A depender do caso concreto, a apelação pode ter efeito extensivo: a decisão do recurso interposto por um dos acusados no caso de concurso de agentes, desde que fundada em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos demais (CPP, art. 580). Em relação ao efeito suspensivo da apelação, sua presença (ou não) depende da espécie de decisão, senão vejamos: a) sentença absolutória própria: de acordo com o art. 596, caput, do CPP, a apelação da sentença absolutória não impedirá que o acusado seja posto imediatamente em liberdade. Na mesma linha, segundo o art. 386, parágrafo único, I, do CPP, na sentença absolutória, o juiz mandará, se for o caso, pôr o acusado em liberdade. Como se percebe, a sentença absolutória própria acarreta a imediata soltura do acusado, efeito este que não depende do trânsito em julgado e também não está condicionado à interposição de apelação pela acusação. Portanto, pode-se dizer que a apelação contra sentença absolutória própria não é dotada de efeito suspensivo; b) sentença absolutória imprópria: segundo o art. 386, parágrafo único, III, do CPP, na sentença absolutória imprópria, o juiz aplicará medida de segurança, se cabível. Como a execução dessa medida pressupõe o trânsito em julgado da sentença que a impôs (LEP, art. 171), e tendo em conta que a interposição de apelação obsta o trânsito em julgado, conclui-se que a apelação da sentença absolutória imprópria é dotada de efeito suspensivo indireto – diz-se indireto porquanto, apesar de não haver dispositivo legal atribuindo efeito suspensivo à apelação nesse caso, sua interposição retarda a ocorrência de coisa julgada, impedindo-se, em consequência, a execução da medida de segurança.172 É bom esclarecer que é plenamente possível que, no curso do processo ou na própria sentença absolutória imprópria, ocorra a aplicação da medida cautelar diversa da prisão prevista no art. 319, inciso VII, do CPP, com redação determinada pela Lei nº 12.403/11: internação provisória. Da mesma forma que se afigura possível a decretação da prisão preventiva no curso do processo (CPP, art. 387, § 1º), também se apresenta viável que o juiz decrete a internação provisória do acusado. Evidentemente, essa internação provisória jamais poderá ser aplicada como efeito automático decorrente da constatação da inimputabilidade ou semi-imputabilidade do acusado. Na verdade, para além da presença do fumus comissi delicti – prova da existência do crime e indícios de autoria – e do periculum libertatis – necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais (CPP, art. 282, I) –, a internação provisória do acusado somente poderá ser decretada nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração. Nesse caso, a apelação contra a sentença absolutória imprópria não terá o condão de impedir a imediata execução da medida cautelar, cabendo ao acusado impetrar habeas corpus de modo a impugnar sua internação provisória. Por fim, ape- sar de o art. 596, parágrafo único, do CPP, estabelecer que a apelação da sentença absolutória imprópria não suspende a execução da medida de segurança provisoriamente aplicada (antes do trânsito em julgado da sentença), é importante registrar que, atualmente, não existe mais a medida de segurança provisória, a qual foi abolida pela reforma da Parte Geral do Código Penal (Lei nº 7.209/84) e pela Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84); c) sentença condenatória: até bem pouco tempo atrás, caso o acusado não fosse primário ou não tivesse bons antecedentes, a apelação contra sentença condenatória não tinha efeito sus- pensivo (revogado art. 594 do CPP). A despeito da crítica de grande parte da doutrina, os dois dispositivos eram considerados válidos pelos Tribunais Superiores. Basta ver, nesse sentido, o teor da súmula nº 9 do STJ: “A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência”. Esse panorama começou a mudar a partir de importante julgado do Supremo, no qual restou consolidado que o exercício do direito ao 172. STJ, 5ª Turma, HC 226.014/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 19/04/2012, DJe 30/04/2012. TÍTULO 14 • RECURSOS 1831 duplo grau de jurisdição independe do recolhimento à prisão.173 Diante da decisão proferida pelo Supremo, o próprio STJ alterou seu entendimento. Segundo a redação da súmula nº 347 do STJ, “o conhecimento do recurso de apelação do réu independe de sua prisão”. Como se percebe, a edição dessa nova súmula acaba por cancelar, tacitamente, o disposto na súmula nº 9 do STJ. Superada tal questão, convém lembrar que, pelo menos de acordo com o teor do art. 597 do CPP, a apelação contra sentença condenatória também não teria efeito suspensivo nas seguintes hipóteses: a) no caso de aplicação provisória de interdições de direito e de medidas de segurança (arts. 374 e 378 do CPP); b) no caso de suspensão condicional da pena. Ocorre que, no primeiro caso, a reforma de 1984 pela Lei nº 7.210 aboliu a aplicação provisória de interdições de direito e de medidas de segurança; no segundo caso, se a audiência admonitória, a partir de quando se efetiva a suspensão, por força do art. 160 da LEP, ocorre perante o juízo da execução, conclui-se que o art. 597 perdeu aplicabilidade, já que o recurso cabível contra decisões do juízo da execução é o agravo em execução. Por fim, quanto ao recurso do assistente, convém lembrar que sua impugnação não é dotada de efeito suspensivo, mesmo naquelas hipóteses em que o Código lhe atribuir tal efeito. É o que diz o art. 598, caput, in fine, do CPP.3. PROTESTO POR NOVO JÚRI 3.1. Revogação pela Lei nº 11.689/08 Como se sabe, o protesto por novo júri foi extinto pela Lei nº 11.689/08 (art. 4º). Sem embargo da extinção do protesto por novo júri, como ainda não há uma decisão definitiva do Supremo acerca da subsistência (ou não) de tal recurso quanto aos crimes cometidos antes da entrada em vigor da Lei nº 11.689/08, fazemos a opção por abordar o referido recurso neste livro. 3.2. Pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade recursal do revogado protesto por novo júri Trata-se de recurso privativo da defesa, objetivando a realização de novo julgamento, que podia ser utilizado uma única vez, a ser interposto quando o acusado fosse condenado, no âmbito do Tribunal do Júri, pela prática de um único delito, seja ele doloso contra a vida ou não, à pena de reclusão por tempo igual ou superior a 20 (vinte) anos. A propósito, confira-se a redação do revogado art. 607, caput, do CPP: “O protesto por novo júri é privativo da defesa, e somente se admitirá quando a sentença condenatória for de reclusão por tempo igual ou superior a 20 (vinte) anos, não podendo em caso algum ser feito mais de uma vez”. Como o próprio nome já sugere – protesto por novo júri –, referido recurso só podia ser interposto no âmbito do Tribunal do Júri. Não era possível, portanto, a interposição do recurso no julgamento de competência originária dos Tribunais, ainda que a imputação versasse sobre crime doloso contra a vida (v.g., Promotor de Justiça do Estado de São Paulo julgado perante o TJ/SP pela prática de homicídio doloso). Para que o protesto por novo júri pudesse ser utilizado pela defesa, o acusado devia ter sido condenado pela prática de um único delito à pena igual ou superior a 20 (vinte) anos de reclusão. Apesar de o revogado art. 607 do CPP nada dizer nesse sentido, chegava-se a tal conclusão em virtude do teor do revogado art. 608 do CPP, que previa que o protesto por novo júri não impediria a interposição da apelação, quando, pela mesma sentença, o acusado tivesse sido condenado por outro crime, em que não coubesse aquele protesto. 173. STF, Pleno, HC 84.078/MG, Rel. Min. Eros Grau, j. 05/02/2009, DJe 35 25/02/2010.
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