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39 Adrenocorticosteroides e antagonistas adrenocorticais e s T u D o D e C A s o George P. Chrousos, MD Um homem de 19 anos queixa-se de anorexia, fadiga, ton- tura e perda de peso de oito meses de duração. A médica que o examina constata hipotensão postural e vitiligo (áre- as despigmentadas da pele) moderado e solicita exames de sangue de rotina. Ela verifi ca a presença de hiponatremia, hiperpotassemia e acidose, fazendo-a suspeitar de doen- ça de Addison. A médica realiza um teste de estimulação- -padrão com ACTH 1-24, que revela uma resposta in- sufi ciente do cortisol plasmático, compatível com insufi - ciência suprarrenal primária. O diagnóstico de doença de Addison autoimune é estabelecido, e o paciente deve ini- ciar uma reposição dos hormônios que ele não consegue produzir. Como esse paciente deveria ser tratado? Que precauções ele deve tomar? Os hormônios adrenocorticais de ocorrência natural consis- tem em moléculas de esteroides sintetizadas e liberadas pelo córtex da suprarrenal. Tanto os corticosteroides naturais como os sintéticos são utilizados no diagnóstico e no tratamento de distúrbios da função suprarrenal. São também empregados – com mais frequência e em doses muito mais altas – no trata- mento de uma variedade de distúrbios inflamatórios e imuno- lógicos. A secreção dos esteroides adrenocorticais é controlada pela liberação hipofisária de corticotrofina (hormônio adrenocorti- cotrófico, ACTH, de adrenocorticotropic hormone). A secreção de aldosterona, o hormônio de retenção de sal, é influenciada principalmente pela angiotensina. A corticotrofina exerce algu- mas ações que não dependem de seu efeito na secreção adreno- cortical. Entretanto, sua importância farmacológica como agen- te anti-inflamatório e seu uso na avaliação da função suprarrenal dependem de sua ação secretora. A farmacologia da corticotrofi- na é discutida no Capítulo 37 e será revista aqui apenas de modo sucinto. Os inibidores da síntese ou os antagonistas da ação dos esteroides adrenocorticais são importantes no tratamento de várias condições. Esses fármacos são descritos no final deste capítulo. C A P Í T U L O � Adrenocorticosteroides O córtex da suprarrenal libera uma grande quantidade de es- teroides na circulação. Alguns apresentam atividade biológica mínima e atuam principalmente como precursores, ao passo que outros ainda não tiveram sua função estabelecida. Os este- roides hormonais podem ser classificados como esteroides que exercem efeitos importantes no metabolismo intermediário e na função imune (glicocorticoides); esteroides que possuem principalmente uma atividade de retenção de sal (mineralocor- ticoides); e aqueles que apresentam atividade androgênica ou estrogênica (ver Capítulo 40). Nos humanos, o principal glico- corticoide é o cortisol, e o mineralocorticoide mais importante é a aldosterona. Do ponto de vista quantitativo, a desidroepian- drosterona (DHEA, de dehydroepiandrosterone), em sua for- ma sulfatada (DHEAS), é o principal androgênio suprarrenal. Entretanto, a DHEA e dois outros androgênios suprarrenais, a androstenediona e o androstenediol, são androgênios fracos, já o androstenediol é um potente estrogênio. A androstenedio- na pode ser convertida em testosterona e estradiol nos tecidos extrassuprarrenais (Figura 39-1). Os androgênios suprarrenais constituem os principais precursores endógenos do estrogênio nas mulheres após a menopausa e em algumas pacientes mais jovens com deficiência ou ausência da função ovariana. CAPÍTuLo 39 Adrenocorticosteroides e antagonistas adrenocorticais 681 GLiCoCorTiCoiDes De oCorrÊNCiA NATurAL; CorTisoL (HiDroCorTisoNA) Farmacocinética O cortisol (também denominado hidrocortisona, composto F) exerce uma ampla variedade de efeitos fisiológicos, incluindo regulação do metabolismo intermediário, função cardiovas- cular, crescimento e imunidade. Sua síntese e secreção estão estreitamente reguladas pelo sistema nervoso central (SNC), que é muito sensível à retroalimentação negativa dos níveis circulantes de cortisol e glicocorticoides exógenos (sintéticos). O cortisol é sintetizado a partir do colesterol (como mostra a Figura 39-1). Os mecanismos que controlam sua secreção são discutidos no Capítulo 37. No adulto normal, e na ausência de estresse, são secretados 10 a 20 mg de cortisol por dia. A velocidade de secreção segue um ritmo circadiano (Figura 39-2), governado por pulsos de ACTH que alcançam um pico nas primeiras horas da manhã e após as refeições. No plasma, o cortisol liga-se às proteínas cir- culantes. A globulina de ligação dos corticosteroides (CBG, de corticosteroid-binding globulin), uma α2 globulina sintetizada pelo fígado, liga-se a cerca de 90% do hormônio circulante em circunstâncias normais. O restante encontra-se na forma livre CH3 C O O2 Acetato Colesterol (ACTH?) NADPH HO CH3 C O O CH2OH C O O CH2OH C O O HO Corticosterona CH2OH C O O HO CHO Aldosterona 11-desoxi- corticosterona Progesterona Pregnenolona CH3 C O OH HO 17-hidroxi- pregnenolona O HO Desidroepi- androsterona O O ∆4-androsteno- 3,17-diona Testosterona Estradiol Via dos androgênios e estrogênios Via dos glicocorticoides Via dos mineralocorticoides CH3 C O OH O 17-hidroxi- progesterona C O OH O 11β-desoxi- cortisol 17α-hidroxilase (P450c17) 3β-desidrogenase ∆5,∆4-isomerase NAD+ 11β-hidroxilase (P450c11) 21α-hidroxilase (P450c21) 17, 20-liase CH2OH C O OH O HO Cortisol CH2OH FiGurA 39-1 Esquema das principais vias na biossíntese dos hormônios adrenocorticais. Os principais produtos secretores estão sublinha- dos. A pregnenolona é o principal precursor da corticosterona e da aldosterona, e a 17-hidroxipregnenolona é o principal precursor do cortisol. As enzimas e os cofatores para as reações em cada uma das colunas estão indicados à esquerda e, a partir da primeira coluna, na parte superior da figura. Quando ocorre deficiência de determinada enzima, a produção de hormônio é bloqueada nos pontos indicados pelas barras som- breadas. (Reproduzida, com autorização, de Ganong WF: Review of Medical Physiology, 22nd ed. McGraw-Hill, 2005. Copyright © The McGraw-Hill Companies, Inc.) 682 seÇÃo Vii Fármacos endócrinos (cerca de 5 a 10%) ou frouxamente ligada à albumina (cerca de 5%), estando disponível para exercer seus efeitos nas células- -alvo. Quando os níveis plasmáticos de cortisol ultrapassam 20 a 30 mcg/dL, ocorre saturação da CBG, e a concentração de cor- tisol livre aumenta com rapidez. A CBG aumenta durante a gra- videz e em caso de administração de estrogênio, bem como no hipertireoidismo. Ocorre diminuição da CBG em consequência de hipotireoidismo, defeitos genéticos em sua síntese e estados de deficiência de proteína. A albumina tem grande capacidade de ligação, porém baixa afinidade pelo cortisol, e, para fins prá- ticos, o cortisol ligado à albumina deve ser considerado livre. Os corticosteroides sintéticos, como a dexametasona, ligam-se, em grande parte, à albumina, e não à CBG. A meia-vida do cortisol na circulação normalmente é de cerca de 60 a 90 minutos, podendo aumentar quando se admi- nistra hidrocortisona (a preparação farmacêutica do cortisol) em grandes quantidades, ou na presença de estresse, hipotireoi- dismo ou doença hepática. Apenas 1% do cortisol é excretado em sua forma inalterada na urina como cortisol livre; cerca de 20% do cortisol convertido em cortisona pela 11-hidroxieste- roide-desidrogenase no rim e em outros tecidos dotados de re- ceptores de mineralocorticoides (ver adiante) antes de alcançar o fígado. A maior parte do cortisol é metabolizada no fígado. Cerca de um terço do cortisol é produzido diariamente é excre- tado na urina como metabólitos de di-hidroxicetona e medido como 17-hidroxiesteroide (ver Figura 39-3 para a numeração dos carbonos). Muitos metabólitos do cortisol são conjugados com ácido glicurônico ou sulfato nas hidroxilas C3 e C21 no fí- gado; a seguir, sãoexcretados na urina. Em algumas espécies (p. ex., o rato), a corticosterona cons- titui o principal glicocorticoide. A corticosterona liga-se menos firmemente à proteína; por conseguinte, é metabolizada mais rapidamente. As vias de sua degradação assemelham-se às do cortisol. Farmacodinâmica A. Mecanismo de ação Os efeitos conhecidos dos glicocorticoides são mediados, em sua maioria, por receptores de glicocorticoides amplamente distribuídos. Essas proteínas são membros da superfamília de receptores nucleares, que incluem os receptores de esteroides, esterol (vitamina D), hormônio tireoidiano, ácido retinoico e muitos outros receptores com ligantes desconhecidos ou ine- xistentes (receptores órfãos). Todos esses receptores interagem com os promotores dos genes-alvo e regulam a sua transcrição (Figura 39-4). Na ausência do ligante hormonal, os receptores de glicocorticoides são principalmente citoplasmáticos, encon- trando-se em complexos oligoméricos com proteínas de cho- que térmico (hsp, de heat-shock proteins). A mais importante dessas proteínas consiste em duas moléculas de hsp90, embo- ra outras proteínas (p. ex., hsp40, hsp70, FKBP5) certamente estejam envolvidas. O hormônio livre no plasma e no líquido intersticial penetra na célula e liga-se ao receptor, induzindo alterações na conformação, que possibilitam a sua dissociação das proteínas de choque térmico. O complexo ligante-receptor é então transportado ativamente até o núcleo, onde interage com o DNA e as proteínas nucleares. Na forma de homodíme- ro, liga-se a elementos do receptor de glicocorticoides (GRE, de glucocorticoid receptor elements) nos promotores dos genes responsivos. O GRE é constituído de duas sequências palindrô- micas que se ligam ao dímero hormônio-receptor. Além de sua ligação ao GRE, o receptor ligado ao ligante também forma complexos com outros fatores de transcri- ção e influencia sua função, como AP1 e fator nuclear capa-B (NF-κB), que atuam sobre promotores que não contêm GRE, contribuindo para a regulação da transcrição de seus genes res- ponsivos. Esses fatores de transcrição exercem amplas ações so- bre a regulação de fatores de crescimento, citocinas pró-infla- matórias, entre outros, e medeiam, em grande parte, os efeitos anticrescimento, anti-inflamatórios e imunossupressores dos glicocorticoides. Foram identificados dois genes para o receptor de corti- coides: um deles codifica o receptor de glicocorticoides (GR) clássico, e o outro codifica o receptor de mineralocorticoides (MR). A junção (splicing) alternativa do pré-mRNA do recep- tor de glicocorticoides humano gera duas isoformas altamente homólogas, denominadas hGRα e hGRβ. O GRα humano é o receptor de glicocorticoides clássico ativado por ligante que, em seu estado ligado ao hormônio, modula a expressão dos genes responsivos aos glicocorticoides. Por outro lado, o hGRβ não se liga aos glicocorticoides e é inativo em nível transcricional. Todavia, o hGRβ é capaz de inibir os efeitos do hGRα ativado por hormônio sobre os genes responsivos a glicocorticoides, desempenhando a função de um inibidor endógeno fisiologi- camente relevante da ação dos glicocorticoides. Recentemen- te, foi constatado que as duas transcrições alternativas do hGR 8 h 8 h Amostra de 24 horas 20 h Noite 8 h 8 h Sensibilidade tecidual circadiana aos glicocorticoides/ acetilação do GR C or tis ol s ér ic o S en si bi lid ad e do te ci do -a lv o ao s gl ic oc or tic oi de s A ce til aç ão d o G R no s te ci do s- al vo Normal Acetilação do GR Sensibilidade do tecido-alvo aos glicocorticoides 20 h Noite FiGurA 39-2 Variação circadiana do cortisol plasmático durante o dia de 24 horas (painel superior). A sensibilidade dos tecidos aos glicocorticoides também é circadiana, porém é inversa à do cortisol, com baixa sensibilidade no final da manhã e alta sensibilidade à tarde e no início da noite (painel inferior). A sensibilidade dos tecidos aos glicocorticoides está inversamente relacionada com a da acetilação do receptor de glicocorticoides (GR) pelo fator de transcrição CLOCK; o receptor acetilado apresenta uma diminuição de atividade tran- scricional. (Adaptada, com autorização, de Nader N, Chrousos GP, Kino T: Inte- ractions of the circadian CLOCK system and the HPA axis. Trends Endocrinol Metab 2010;21:277. Copyright Elsevier.) CAPÍTuLo 39 Adrenocorticosteroides e antagonistas adrenocorticais 683 apresentam oito locais de iniciação de tradução distintos, isto é, em uma célula humana, pode haver até 16 isoformas de GRα e GRβ, que podem formar até 256 homodímeros e heterodíme- ros com diferentes atividades transcricionais e, possivelmente, não transcricionais. Essa variabilidade sugere que essa impor- tante classe de receptores de esteroides tem atividades estocás- ticas complexas. Além disso, mutações raras no hGR podem re- sultar em resistência parcial aos glicocorticoides. Os indivíduos acometidos apresentam secreção aumentada de ACTH, devido à retroalimentação hipofisária reduzida e anormalidades endó- crinas adicionais (ver adiante). A isoforma do GR, que é o protótipo, consiste em cerca de 800 aminoácidos e pode ser dividida em três domínios funcio- nais (ver Figura 2-6). O domínio de ligação dos glicocorticoi- des localiza-se na extremidade carboxiterminal da molécula. O domínio de ligação do DNA localiza-se no meio da proteína e contém nove resíduos de cisteína. Essa região dobra-se em uma estrutura em “dois dedos”, estabilizada por íons zinco conecta- dos às cisteínas, formando dois tetraedros. Essa parte da molé- cula liga-se aos GRE que regulam a ação dos glicocorticoides sobre os genes regulados por esses hormônios. Os dedos de zin- co representam a estrutura básica por meio da qual o domínio de ligação do DNA reconhece sequências específicas de ácidos nucleicos. O domínio aminoterminal está envolvido na ativida- de de transativação do receptor e aumenta sua especificidade. A interação dos receptores de glicocorticoides com os GRE ou outros fatores de transcrição é facilitada ou inibida por várias famílias de proteínas, denominadas correguladores de recepto- res de esteroides, divididos em coativadores e correpressores. Os correguladores desempenham essa função ao atuar como pontes entre os receptores e outras proteínas nucleares e ao expressar atividades enzimáticas, como histona acetilase ou desacetilase, que alteram a conformação de nucleossomos e o potencial de transcrição dos genes. Entre 10 e 20% dos genes expressos em uma célula são regu- lados pelos glicocorticoides. O número e a afinidade dos recep- tores do hormônio, o comprimento dos fatores de transcrição e dos correguladores e os eventos pós-transcrição determinam a especificidade relativa das ações desses hormônios em várias células. Os efeitos dos glicocorticoides são principalmente de- vidos a proteínas sintetizadas a partir do mRNA transcrito por seus genes-alvo. Alguns dos efeitos dos glicocorticoides podem ser atribuí- dos à sua ligação aos receptores de mineralocorticoides. Com efeito, os MR ligam-se à aldosterona e ao cortisol com afinidade semelhante. O efeito mineralocorticoide dos níveis mais eleva- dos de cortisol é evitado em alguns tecidos (p. ex., rim, cólon, glândulas salivares) pela expressão da 11β-hidroxiesteroide de- sidrogenase 2, a enzima responsável pela biotransformação ao derivado 11-ceto (cortisona), que possui ação mínima sobre os receptores de aldosterona. O GR também interage com outros reguladores da função celular. Uma dessas moléculas é o CLOCK-BMAL-1, um dímero de fator de transcrição expresso em todos os tecidos, que gera o ritmo circadiano de secreção do cortisol (Figura 39-2) no núcleo supraquiasmático do hipotálamo. O CLOCK é uma acetiltransfe- rase que acetila a região de dobradiça do GR, neutralizando a ati- vidade de transcrição e, dessa maneira, tornando os tecidos-alvo O OH CH2OH H3C H3C HO OC Cortisol (hidrocortisona)Betametasona Prednisolona Triancinolona (acetonida em azul) 1 2 3 4 5 6 7 8 13 14 15 16 1712 11 9 19 18 20 21 10 O OH CH2OH H3C H3C CH3 HO OC 1 2 3 4 5 6 7 8 13 14 15 16 1712 11 9 19 18 20 21 10 O H F O O CH2OH H3C H3C CH3 CH3 HO OC C 1 2 3 4 5 6 7 8 13 14 15 16 1712 11 9 19 18 20 21 10 F H H OH CH2OH H3C H3C HO OC 1 2 3 4 5 6 7 8 13 14 15 16 1712 11 9 19 18 20 21 10 O FiGurA 39-3 Estruturas químicas de vários glicocorticoides. Os derivados acetonida-substituídos (p. ex., triancinolona acetonida) apre- sentam atividade de superfície aumentada e mostram-se úteis na dermatologia. A dexametasona é idêntica à betametasona, exceto pela configuração do grupo metila em C16: na betametasona, a configuração é beta (projetando-se para cima a partir do plano dos anéis); na dexametasona, é alfa. 684 seÇÃo Vii Fármacos endócrinos resistentes aos glicocorticoides. Conforme ilustrado na Figura 39-2, no painel inferior, o ritmo de sensibilidade dos tecidos-alvo aos glicocorticoides gerado está em fase inversa com o das con- centrações circulantes de cortisol, explicando a maior sensibili- dade do organismo à administração de glicocorticoides à tarde. O GR também interage com o NF-kB, um regulador da produ- ção de citocinas e outras moléculas envolvidas na inflamação. Os efeitos imediatos, como supressão inicial do ACTH hi- pofisário por retroalimentação, ocorrem dentro de poucos mi- nutos e são muito rápidos para serem explicados com base na transcrição gênica e na síntese de proteínas. Não se sabe como esses efeitos são mediados. Entre os mecanismos propostos estão efeitos diretos nos receptores de membrana celular para os efeitos hormonais ou não genômicos do receptor de glico- corticoide clássico ligado a hormônio. Os supostos receptores de membrana podem ser totalmente diferentes dos receptores intracelulares conhecidos. Por exemplo, estudos recentes im- plicaram os receptores de membrana acoplados à proteína G na resposta dos neurônios glutamatérgicos aos glicocorticoides em ratos. Além disso, foi constatado que todos os receptores de esteroides (com exceção dos MR) apresentam modelos de palmitoilação, que possibilitam a adição enzimática de palmi- tato e a localização aumentada dos receptores na vizinhança das membranas plasmáticas. Esses receptores estão disponíveis para interações diretas com várias proteínas citoplasmáticas ou asso- ciadas à membrana e exercem efeitos sobre elas, sem a necessi- dade de entrada no núcleo e indução de ações transcricionais. B. efeitos fisiológicos Os glicocorticoides apresentam efeitos disseminados, visto que influenciam a função da maioria das células do organismo. As principais consequências metabólicas da secreção ou da admi- nistração de glicocorticoides decorrem das ações diretas desses hormônios na célula. Entretanto, alguns efeitos importantes resultam de respostas homeostáticas da insulina e do gluca- gon. Embora muitos desses efeitos dos glicocorticoides estejam relacionados com a dose e sejam intensificados quando se ad- ministram grandes quantidades para fins terapêuticos, existem também outros efeitos – denominados permissivos – sem os quais muitas funções normais tornam-se deficientes. Assim, por exemplo, a resposta do músculo liso vascular e brônquico às catecolaminas apresenta-se diminuída na ausência de cor- tisol, sendo restaurada por quantidades fisiológicas desse gli- cocorticoide. De modo semelhante, as respostas lipolíticas das células adiposas às catecolaminas, ao ACTH e ao hormônio do crescimento são atenuadas na ausência de glicocorticoides. Pré- mRNA NúcleoCitoplasma mRNA Proteína Resposta GRE DNA Mecanismo de transcrição (RNA-polime- rase, etc.) R R* R* R* R* R S (Instável) S S S S S S S Hsp90 Hsp90 x CBG Dímero de esteroide-receptor (ativado) (Edição) FiGurA 39-4 Modelo da interação de um esteroide, S (p. ex., cortisol), e seu receptor, R, com os eventos subsequentes observados em uma célula-alvo. O esteroide está presente no sangue na forma ligada à globulina de ligação dos corticosteroides (CBG), porém penetra na célula como molécula livre. O receptor intracelular está ligado a proteínas estabilizadoras, incluindo duas moléculas de proteína de choque término 90 (hsp90) e várias outras, incluindo FKBP5, designadas como “X” na figura. Esse complexo receptor é incapaz de ativar o processo de transcrição. Quando o complexo liga-se a uma molécula de cortisol, forma-se um complexo instável, e a hsp90 e as moléculas associadas são liberadas. Nesse estágio, o complexo esteroide-receptor tem a capacidade de sofrer dimerização, entrar no núcleo, ligar-se ao elemento de resposta dos glico- corticoides (GRE) na região reguladora do gene e regular a transcrição pela RNA-polimerase II e por fatores de transcrição associados. Diversos fatores reguladores (que não estão ilustrados) podem participar, facilitando (coativadores) ou inibindo (correpressores) a resposta ao esteroide. O mRNA resultante é editado e exportado para o citoplasma para a produção de proteína, que irá produzir a resposta hormonal final. Uma alter- nativa para a interação do complexo esteroide-receptor com um GRE consiste em uma interação com a função de outros fatores de transcrição e sua alteração, como o NF-kB no núcleo das células. CAPÍTuLo 39 Adrenocorticosteroides e antagonistas adrenocorticais 685 C. efeitos metabólicos Os glicocorticoides exercem importantes efeitos relacionados com a dose sobre o metabolismo dos carboidratos, das proteí- nas e dos lipídeos. Os mesmos efeitos são responsáveis por al- guns dos efeitos colaterais graves associados ao uso desses hor- mônios em doses terapêuticas. Os glicocorticoides estimulam a gliconeogênese e a síntese de glicogênio em jejum e são necessá- rios para a ocorrência de ambos os processos. Estimulam tam- bém a fosfoenolpiruvato-carboxicinase, a glicose-6-fosfatase e a glicogênio sintase, bem como a liberação de aminoácidos durante o catabolismo muscular. Os glicocorticoides aumentam os níveis séricos de glicose e, portanto, estimulam a liberação de insulina e inibem a captação de glicose pelas células musculares, ao mesmo tempo em que estimulam a lípase sensível ao hormônio e, portanto, a lipólise. A secreção aumentada de insulina estimula a lipogênese e, em menor grau, inibe a lipólise, com consequente aumento efetivo na deposição de gordura, em conjunto com aumento na libera- ção de ácidos graxos e de glicerol na circulação. Os resultados finais dessas ações são mais evidentes em je- jum, quando o suprimento de glicose a partir da gliconeogê- nese, a liberação de aminoácidos pelo metabolismo muscular, a inibição da captação periférica de glicose e a estimulação da lipólise contribuem, todos eles, para a manutenção de um su- primento adequado de glicose para o cérebro. D. efeitos catabólicos e antianabólicos Apesar de os glicocorticoides estimularem a síntese de RNA e de proteínas no fígado, eles exercem efeitos catabólicos e an- tianabólicos nos tecidos linfoide e conectivo, no músculo, na gordura periférica e na pele. Os glicocorticoides, em quantida- des suprafisiológicas, provocam redução da massa muscular e fraqueza e adelgaçamento da pele. Os efeitos catabólicos e antianabólicos no osso constituem a causa da osteoporose na síndrome de Cushing e representam uma importante limita- ção no uso terapêutico em longo prazo desses hormônios. Nas crianças, os glicocorticoides reduzem o crescimento. Esse efeito pode ser parcialmente evitado pela administração de hormônio do crescimento em altas doses, porém isso não é recomendado. e. efeitos anti-inflamatórios e imunossupressores Os glicocorticoides reduzem radicalmente as manifestações da inflamação. Essa propriedade resulta de seus efeitos profundos na concentração, na distribuição e na função dos leucócitos pe- riféricos, bem como de seus efeitos supressores nas citocinas e quimiocinas inflamatóriase em outros mediadores da inflama- ção. A inflamação, independentemente de sua causa, caracteri- za-se por extravasamento e infiltração de leucócitos no tecido afetado. Esses eventos são mediados por uma complexa série de interações de moléculas de adesão dos leucócitos com aquelas que se encontram nas células endoteliais, que são inibidas pe- los glicocorticoides. Após a administração de uma dose única de glicocorticoide de ação curta, a concentração de neutrófilos na circulação aumenta, ao passo que ocorre redução dos linfócitos (células T e B), monócitos, eosinófilos e basófilos. As alterações tornam-se máximas em seis horas e dissipam-se em 24 horas. O aumento na contagem de neutrófilos é devido ao seu maior influxo para o sangue a partir da medula óssea e sua migração diminuída dos vasos sanguíneos, com consequente redução no número de células no local de inflamação. A redução das conta- gens de linfócitos, monócitos, eosinófilos e basófilos circulantes resulta de seu movimento do leito vascular para o tecido linfoide. Os glicocorticoides também inibem as funções dos macró- fagos teciduais e de outras células apresentadoras de antígeno. Verifica-se uma redução na capacidade dessas células de respon- der a antígenos e mitógenos. O efeito nos macrófagos é particu- larmente acentuado e limita a capacidade de fagocitar e destruir microrganismos, bem como de produzir o fator de necrose tu- moral α, a interleucina-1, as metaloproteinases e o ativador do plasminogênio. Tanto os macrófagos como os linfócitos produ- zem menos interleucina-12 e interferona-γ, que são indutores importantes da atividade das células Th1 e da imunidade celular. Além de seus efeitos na função dos leucócitos, os glicocor- ticoides influenciam a resposta inflamatória ao inibir a fosfoli- pase A2, reduzindo, assim, a síntese de ácido araquidônico, o precursor das prostaglandinas e leucocitrienos, e do fator de ativação das plaquetas. Por fim, os glicocorticoides diminuem a expressão da cicloxigenase-2, a forma induzível dessa enzi- ma, nas células inflamatórias, com consequente diminuição da quantidade de enzima disponível para a produção de prosta- glandinas (ver Capítulos 18 e 36). Os glicocorticoides provocam vasoconstrição quando apli- cados diretamente à pele, possivelmente ao suprimir a desgra- nulação dos mastócitos. Além disso, diminuem a permeabili- dade capilar ao reduzir a quantidade de histamina liberada dos basófilos e mastócitos. Os efeitos anti-inflamatórios e imunossupressores dos gli- cocorticoides decorrem, em grande parte, das ações anterior- mente descritas. Nos seres humanos, a ativação do complemen- to não é alterada, porém seus efeitos são inibidos. A produção de anticorpos pode ser reduzida por grandes doses de este- roides, embora não seja afetada por doses moderadas (p. ex., 20 mg/dia de prednisona). Os efeitos anti-inflamatórios e imunossupressores desses agentes são amplamente úteis do ponto de vista terapêutico, porém são também responsáveis por alguns de seus efeitos ad- versos mais graves (ver adiante). F. outros efeitos Os glicocorticoides exercem efeitos importantes no sistema nervoso. A insuficiência suprarrenal provoca acentuada re- dução do ritmo alfa do eletrencefalograma e está associada à depressão. Os glicocorticoides em quantidades aumentadas costumam produzir distúrbios do comportamento dos seres humanos: no início insônia e euforia; posteriormente, depres- são. Os glicocorticoides em grandes doses podem aumentar a pressão intracraniana (pseudotumor cerebral). Os glicocorticoides, quando administrados de forma crôni- ca, suprimem a liberação hipofisária de ACTH, hormônio do crescimento, hormônio estimulante da tireoide e hormônio lu- teinizante. Os glicocorticoides em grandes doses têm sido associados ao desenvolvimento de úlcera péptica, possivelmente pela su- pressão da resposta imune local contra o Helicobacter pylori. Além disso, promovem a redistribuição da gordura do corpo, com aumento da gordura visceral, facial, da nuca e supraclavi- cular. Parecem antagonizar o efeito da vitamina D na absorção de cálcio. Os glicocorticoides também exercem efeitos impor- tantes no sistema hematopoiético. Além de seus efeitos nos leu- cócitos, eles aumentam o número de plaquetas e de eritrócitos. A deficiência de cortisol resulta em comprometimento da função renal (particularmente da filtração glomerular), aumen- to da secreção de vasopressina e capacidade diminuída de ex- cretar uma carga hídrica. 686 seÇÃo Vii Fármacos endócrinos Os glicocorticoides também apresentam efeitos importan- tes no desenvolvimento dos pulmões fetais. Na verdade, as alte- rações estruturais e funcionais que ocorrem nos pulmões pró- ximo a termo, incluindo a produção do material ativo sobre a superfície pulmonar necessário para a respiração (surfactante), são estimuladas pelos glicocorticoides. CorTiCosTeroiDes siNTÉTiCos Os glicocorticoides tornaram-se agentes importantes no tra- tamento de inúmeros distúrbios inflamatórios, imunológicos, hematológicos, entre outros. Essa aplicação estimulou o desen- volvimento de muitos esteroides sintéticos com atividade anti- -inflamatória e imunossupressora. Farmacocinética Os esteroides farmacêuticos em geral são sintetizados a partir do ácido cólico obtido de bovinos ou de sapogeninas esteroides encontradas em plantas. Modificações adicionais desses este- roides levaram à comercialização de um grande grupo de este- roides sintéticos com características especiais, que são impor- tantes do ponto de vista tanto farmacológico como terapêutico (Tabela 39-1; Figura 39-3). O metabolismo dos esteroides suprarrenais de ocorrência na- tural foi discutido anteriormente. Quando administrados por via oral, os corticosteroides sintéticos (Tabela 39-1) são, na maioria dos casos, absorvidos com rapidez e de modo completo. Embora sejam transportados e metabolizados de forma semelhante aos esteroides endógenos, existem diferenças importantes. A introdução de alterações na molécula de glicocorticoide influencia sua afinidade pelos receptores de glicocorticoides e de mineralocorticoides, bem como a afinidade de ligação às proteí- nas, a estabilidade da cadeia lateral, a taxa de eliminação e os pro- dutos metabólicos. A halogenação na posição 9, a insaturação da ligação D1-2 do anel A e a metilação na posição 2 ou 16 prolongam a meia-vida em mais de 50%. Os compostos D1 são excretados na forma livre. Em alguns casos, o agente é administrado como pro- fármaco; por exemplo, a prednisona é rapidamente convertida no produto ativo, prednisolona, no organismo. Farmacodinâmica As ações dos esteroides sintéticos assemelham-se às do cortisol (ver anteriormente). Eles se ligam a proteínas receptoras in- tracelulares específicas e produzem os mesmos efeitos, porém apresentam diferentes razões entre potência glicocorticoide e mineralocorticoide (Tabela 39-1). fArmAcologiA clínicA A. Diagnóstico e tratamento das alterações da função suprarrenal 1. Insuficiência adrenocortical a. Crônica (doença de Addison) – A insuficiência adrenocor- tical crônica caracteriza-se por fraqueza, fadiga, perda de peso, hipotensão, hiperpigmentação e incapacidade de manter o ní- vel de glicemia em jejum. Nesses indivíduos, estímulos nocivos mínimos, traumáticos ou infecciosos podem produzir insufi- ciência suprarrenal aguda com choque circulatório e até mes- mo morte. Na insuficiência suprarrenal primária, devem-se admi- nistrar cerca de 20 a 30 mg de hidrocortisona ao dia, com au- mento da quantidade durante períodos de estresse. Embora a TABeLA 39-1 Alguns corticosteroides naturais e sintéticos comumente prescritos para uso geral Fármaco Atividade1 Dose oral equivalente (mg) Formas disponíveisAnti-inflamatória Tópica Retenção de sal Glicocorticoides de ação curta a média Hidrocortisona (cortisol) 1 1 1 20 Oral, injetável, tópica Cortisona 0,8 0 0,8 25 Oral Prednisona 4 0 0,3 5 Oral Prednisolona 5 4 0,3 5 Oral, injetável Metilprednisolona5 5 0,25 4 Oral, injetável Meprednisona2 5 0 4 Oral, injetável Glicocorticoides de ação intermediária Triancinolona 5 53 0 4 Oral, injetável, tópica Parametasona2 10 0 2 Oral, injetável Fluprednisolona2 15 7 0 1,5 Oral Glicocorticoides de ação longa Betametasona 25-40 10 0 0,6 Oral, injetável, tópica Dexametasona 30 10 0 0,75 Oral, injetável, tópica Mineralocorticoides Fludrocortisona 10 0 250 2 Oral Acetato de desoxicorticosterona2 0 0 20 Injetável, pellets* 1Potência relativa à hidrocortisona. 2Fora dos Estados Unidos. 3Triancinolona acetonida: até 100. *N. de R.T. Pequena pílula ovoide ou em forma de bastão, contendo hormônio esteroide, implantada sob a pele para liberação lenta de sua substância. CAPÍTuLo 39 Adrenocorticosteroides e antagonistas adrenocorticais 687 hidrocortisona exiba alguma atividade mineralocorticoide, isso deve ser suplementado por uma quantidade apropriada de hor- mônio de retenção de sal, como a fludrocortisona. Os glicocor- ticoides sintéticos de ação longa e desprovidos de atividade de retenção de sal não devem ser administrados a esses pacientes. b. Aguda – Quando há suspeita de insuficiência adrenocortical aguda, deve-se instituir imediatamente o tratamento. A terapia consiste em grandes quantidades de hidrocortisona por via pa- renteral, além de correção das anormalidades hidroeletrolíticas e tratamento dos fatores precipitantes. O succinato ou fosfato sódico de hidrocortisona, em doses de 100 mg por via intravenosa, é administrado a cada oito ho- ras, até que o paciente fique estável. Em seguida, a dose é redu- zida de modo gradual até ser alcançada uma dose de manuten- ção dentro de cinco dias. A administração de hormônio de retenção de sal é reinicia- da quando a dose total de hidrocortisona estiver reduzida para 50 mg/dia. 2. Hipo e hiperfunção adrenocorticais a. Hiperplasia suprarrenal congênita – Esse grupo de distúr- bios caracteriza-se por defeitos específicos na síntese de corti- sol. Em gestações com alto risco de hiperplasia suprarrenal con- gênita, o feto pode ser protegido de anormalidades genitais pela administração de dexametasona à mãe. O defeito mais comum consiste em diminuição ou ausên- cia de atividade da P450c21 (21α-hidroxilase).* Como pode ser observado na Figura 39-1, esse distúrbio levaria a uma diminui- ção da síntese de cortisol, com consequente aumento compen- satório na liberação de ACTH. A glândula suprarrenal torna-se hiperplásica e produz quantidades anormalmente grandes de precursores, como a 17-hidroxiprogesterona, que podem ser desviados para a via dos androgênios, levando à virilização e podendo resultar em genitália ambígua no feto de sexo femini- no. O metabolismo desse composto no fígado resulta em preg- nanetriol, que em geral é excretado em grandes quantidades na urina de pacientes com esse distúrbio, podendo ser utilizado para estabelecer o diagnóstico e monitorar a eficácia da repo- sição de glicocorticoide. Entretanto, o método mais confiável para a detecção do distúrbio consiste na resposta aumentada da 17-hidroxiprogesterona plasmática à estimulação do ACTH. Se o defeito for observado na 11-hidroxilação, são produ- zidas grandes quantidades de desoxicorticosterona e, como esse esteroide possui atividade mineralocorticoide, verifica-se o desenvolvimento de hipertensão, com ou sem alcalose hipo- potassêmica. Quando a 17-hidroxilação encontra-se deficiente nas glândulas suprarrenais e nas gônadas, ocorre também hipo- gonadismo. Entretanto, são formadas quantidades aumentadas de 11-desoxicorticosterona, e os sinais e os sintomas associados a um excesso de mineralocorticoides – como hipertensão e hi- popotassemia – também são observados. Quando examinado pela primeira vez, o lactente com hiper- plasia suprarrenal congênita pode apresentar crise suprarrenal aguda, devendo ser tratado conforme já descrito, com o uso de soluções eletrolíticas apropriadas e uma preparação intraveno- sa de hidrocortisona em doses para situações de estresse. Uma *Os nomes dados às enzimas de síntese dos esteroides suprarrenais in- cluem os seguintes: P450c11 (11β-hidroxilase), P450c17 (17α-hidroxila- se), P450c21 (21α-hidroxilase). vez estabilizado o paciente, inicia-se a administração de hidro- cortisona oral, 12 a 18 mg/m2/dia, em duas doses fracionadas diferentes (dois terços pela manhã e um terço no final da tarde). A dosagem é ajustada para possibilitar o crescimento e a matu- ração óssea normais e evitar qualquer excesso de androgênios. A terapia com prednisona em dias alternados também tem sido usada para obter maior supressão do ACTH, sem aumentar a inibição do crescimento. Deve-se administrar também fludro- cortisona por via oral, em uma dose de 0,05 a 0,2 mg/dia, com adição de sal para manter a normalidade da pressão arterial, da atividade da renina plasmática e dos eletrólitos. b. Síndrome de Cushing – A síndrome de Cushing costuma resultar de hiperplasia suprarrenal bilateral secundária a um adenoma hipofisário secretor de ACTH (doença de Cushing); todavia, em certas ocasiões, é causada por tumores ou por hiper- plasia nodular da glândula suprarrenal, ou pela produção ectó- pica de ACTH por outros tumores. As manifestações são aque- las associadas à presença crônica de glicocorticoides em excesso. Quando a hipersecreção de glicocorticoide é pronunciada e pro- longada, os aspectos mais notáveis consistem em face pletórica e arredondada e obesidade do tronco. A perda proteica pode ser significativa e inclui debilitação muscular; adelgaçamento da pele, estrias de cor púrpura e equimoses fáceis na pele, cica- trização deficiente de feridas; e osteoporose. Outros distúrbios graves incluem transtornos mentais, hipertensão e diabetes. Esse distúrbio é tratado por remoção cirúrgica do tumor produtor de ACTH ou cortisol, irradiação do tumor hipofisário ou ressecção de uma ou de ambas as glândulas suprarrenais. Esses pacientes devem receber grandes doses de cortisol durante e após o proce- dimento cirúrgico. No dia da cirurgia, podem ser administradas doses de até 300 mg de hidrocortisona solúvel, na forma de infu- são intravenosa contínua. A dose precisa ser reduzida lentamen- te até níveis normais de reposição, visto que uma rápida redução da dose pode provocar sintomas de abstinência, incluindo febre e dor articular. Caso o paciente tenha sido submetido à suprar- renalectomia, a manutenção em longo prazo assemelha-se àque- la já descrita para a insuficiência suprarrenal. c. Resistência primária generalizada aos glicocorticoides (síndrome de Chrousus) – Essa condição genética rara esporá- dica ou familiar costuma ser causada por mutações inativadoras do gene do receptor de glicocorticoides. O eixo hipotálamo-hi- pófise-suprarrenal (HHSR) passa a hiperfuncionar na tentativa de compensar o defeito, e a produção aumentada de ACTH re- sulta em níveis circulantes elevados de cortisol e seus precurso- res, como corticosterona e 11-desoxicorticosterona com ativi- dade mineralocorticoide, bem como androgênios suprarrenais. Esses níveis aumentados podem resultar em hipertensão, com ou sem alcalose hipopotassêmica, e hiperandrogenismo, ex- presso na forma de virilização e puberdade precoce em crianças e na forma de acne, hirsutismo, calvície de padrão masculino e irregularidades menstruais (principalmente oligoamenorreia e hipofertilidade) em mulheres. A terapia para essa síndrome consiste em altas doses de glicocorticoides sintéticos, como de- xametasona, sem atividade mineralocorticoide inerente. Essas doses são tituladas para normalizar a produção de cortisol, seus precursores e androgênios suprarrenais. d. Aldosteronismo – Em geral, o aldosteronismo primário resulta da produção excessiva de aldosterona por um adeno- ma suprarrenal. Entretanto, pode resultar também da secreção 688 seÇÃo Vii Fármacos endócrinos anormal por glândulas hiperplásicas ou de tumor maligno. Os achados clínicos de hipertensão, fraqueza e tetania estão rela- cionados com a perda renalcontínua de potássio, que leva à hipopotassemia, alcalose e elevação das concentrações séricas de sódio. Essa síndrome também pode ser produzida em distúr- bios da biossíntese de esteroides suprarrenais devido à secreção excessiva de desoxicorticosterona, corticosterona ou 18-hidro- xicorticosterona – todos compostos com atividade mineralo- corticoide inerente. Diferentemente dos pacientes com aldosteronismo secun- dário (ver adiante), esses pacientes apresentam níveis baixos (suprimidos) de atividade da renina plasmática e de angiotensi- na II. Quando tratados com acetato de fludrocortisona (0,2 mg por via oral, 2 vezes/dia, durante 3 dias) ou acetato de desoxi- corticosterona (20 mg/dia por via intramuscular durante três dias – não disponível nos Estados Unidos), os pacientes não conseguem reter o sódio, e a secreção de aldosterona não é sig- nificativamente reduzida. O distúrbio, quando leve, pode não ser detectado quando os níveis séricos de potássio são usados para triagem. Entretanto, pode ser detectado por uma razão aumentada entre aldosterona e renina plasmática. Em geral, os pacientes melhoram quando tratados com espironolactona, um agente bloqueador dos receptores de aldosterona, sendo a res- posta a esse fármaco de importância diagnóstica e terapêutica. 3. Uso dos glicocorticoides para fins diagnósticos Algumas vezes, é necessário suprimir a produção de ACTH para identificar a fonte de determinado hormônio, ou para estabelecer se sua produção é influenciada pela secreção de ACTH. Nessas circunstâncias, é conveniente utilizar uma subs- tância muito potente, como a dexametasona, visto que o uso de pequenas quantidades reduz a possibilidade de confusão na interpretação das dosagens hormonais no sangue ou na urina. Por exemplo, se for obtida uma supressão completa com a ad- ministração de 50 mg de cortisol, a excreção urinária de 17-hi- droxicorticosteroides será de 15 a 18 mg/24 h, visto que um terço da dose administrada é recuperado na urina, na forma de 17-hidroxicorticosteroide. Se for usada uma dose equivalente a 1,5 mg de dexametasona, a excreção urinária será de apenas 0,5 mg/24 h e os níveis sanguíneos estarão baixos. O teste de supressão da dexametasona, que é utilizado para o diagnóstico da síndrome de Cushing, também tem sido empregado para o diagnóstico diferencial de estados psiquiá- tricos depressivos. Como teste de triagem, a dexametasona, na dose de 1 mg, é administrada por via oral às 11 horas da noite, e obtém-se uma amostra de plasma na manhã seguin- te. Nos indivíduos normais, a concentração de cortisol pela manhã costuma ser inferior a 3 mcg/dL, ao passo que na sín- drome de Cushing o nível costuma ser superior a 5 mcg/dL. Os resultados não são confiáveis no paciente com depressão, ansiedade, doença concomitante e outras condições estressan- tes, ou nos casos em que o paciente faz uso de uma medicação que aumenta o catabolismo da dexametasona no fígado. Para distinguir o hipercortisolismo causado por ansiedade, depres- são e alcoolismo (pseudossíndrome de Cushing) da síndrome de Cushing genuína, efetua-se um teste combinado, que con- siste na administração de dexametasona (0,5 mg por via oral a cada 6 horas durante 2 dias), seguida de um teste-padrão com hormônio liberador de corticotrofina (CRH, de corticotropin- -releasing hormone) (1 mg/kg por infusão intravenosa, na for- ma de bolo, 2 horas após a última dose de dexametasona). Em pacientes cujo diagnóstico de síndrome de Cushing foi clinicamente estabelecido e confirmado pelo achado de excre- ção urinária elevada de cortisol livre, a supressão com grandes doses de dexametasona ajuda a distinguir os pacientes com síndrome de Cushing daqueles que apresentam tumores do córtex da suprarrenal, produtores de esteroides ou síndrome de ACTH ectópico. Administra-se dexametasona em uma dose oral de 0,5 mg a cada seis horas durante dois dias, seguida de 2 mg por via oral a cada seis horas durante dois dias, e obtém-se uma amostra de urina para determinação do cortisol ou de seus metabólitos (teste de Liddle), ou administra-se dexametasona em dose única de 8 mg às 11 horas da noite, com determinação dos níveis plasmáticos de cortisol às 8 horas da manhã seguinte. Nos pacientes com doença de Cushing, o efeito supressor da dexametasona costuma produzir uma redução de 50% nos ní- veis hormonais. Nos pacientes em que não ocorre supressão, o nível de ACTH estará baixo na presença de tumor suprarrenal produtor de cortisol, estando elevado em pacientes com tumor produtor de ACTH ectópico. B. Corticosteroides e estimulação da maturação pulmonar no feto A maturação dos pulmões no feto é regulada pela secreção fetal de cortisol. O tratamento da mãe com grandes doses de glicocor- ticoides reduz a incidência da síndrome do desconforto respira- tório em prematuros. Quando o parto é antecipado antes de 34 semanas de gestação, utiliza-se comumente a betametasona por via intramuscular, na dose de 12 mg, seguida de uma dose adicio- nal de 12 mg em 18 a 24 horas. A betametasona é escolhida, visto que a ligação desse corticosteroide às proteínas maternas e seu metabolismo placentário são menores que os do cortisol, pos- sibilitando uma maior transferência através da placenta para o feto. Um estudo de mais de 10.000 lactentes nascidos com 23 a 25 semanas de gestação indicou que a exposição aos corticosteroides exógenos antes do nascimento reduziu a taxa de mortalidade e evidências de comprometimento do neurodesenvolvimento. C. Corticosteroides e distúrbios não suprarrenais Os análogos sintéticos do cortisol mostram-se úteis no trata- mento de um grupo diversificado de doenças não relaciona- das com qualquer distúrbio conhecido da função renal (Ta- bela 39-2). Nesses distúrbios, a utilidade dos corticosteroides é uma função de sua capacidade de suprimir as respostas in- flamatórias e imunes e de alterar a função dos leucócitos, con- forme descrito anteriormente (ver também Capítulo 55). Esses agentes mostram-se úteis em distúrbios nos quais a resposta do hospedeiro constitui a causa das principais manifestações da doença. Nos casos em que a resposta inflamatória ou imu- ne é importante para controlar o processo patológico, a terapia com corticosteroide pode ser perigosa, porém é justificada para impedir a ocorrência de lesão irreversível em consequência de uma resposta inflamatória – quando esses fármacos são usados em associação à terapia específica para a doença. Como os corticosteroides em geral não são curativos, o pro- cesso patológico pode progredir, apesar da supressão das mani- festações clínicas. Por conseguinte, a terapia crônica com esses fármacos deve ser instituída com muita cautela e apenas nos casos em que a gravidade da doença justifica seu uso, uma vez esgotadas as medidas menos perigosas. Em geral, deve-se procurar controlar o processo mórbido com o uso de glicocorticoides de ação média a intermediária, CAPÍTuLo 39 Adrenocorticosteroides e antagonistas adrenocorticais 689 Toxicidade Os benefícios obtidos com o uso de glicocorticoides variam de modo considerável. Em todos os pacientes, o uso desses fár- macos deve ser cuidadosamente avaliado em relação aos efei- tos disseminados exercidos em todas as partes do organismo. Os principais efeitos indesejáveis dos glicocorticoides resultam de suas ações hormonais, produzindo o quadro clínico da sín- drome de Cushing iatrogênica (ver adiante). Quando os glicocorticoides são usados por um curto perío- do de tempo (< 2 semanas), não é comum observar a ocorrência de efeitos colaterais graves, mesmo com o uso de doses consi- deradas grandes. Entretanto, em certas ocasiões, observa-se a ocorrência de insônia, alterações do comportamento (princi- palmente hipomania) e úlceras pépticas agudas, mesmo depois de apenas alguns dias de tratamento. A pancreatite aguda cons- titui um efeito adverso agudo raro, porém grave, dos glicocor- ticoides em altas doses. A. efeitos metabólicos Os pacientes aosquais são administradas doses diárias de 100 mg ou mais de hidrocortisona (ou a quantidade equivalente de esteroide sintético), por mais de duas semanas, sofrem, em sua maioria, uma série de alterações designadas como síndrome de Cushing iatrogênica. A taxa de desenvolvimento da síndrome é uma função da dose e da constituição genética do paciente. O contorno arredondado do rosto, a ocorrência de tumefação, o depósito de gordura e a pletora costumam ser observados (face de lua cheia). De modo semelhante, a gordura tende a ser redistribuída dos membros para o tronco, a nuca e a fossa su- praclavicular. Ocorre maior crescimento de pelos finos na face, nas coxas e no tronco. Pode-se verificar o aparecimento de acne pontilhada induzida por esteroides, e observa-se a ocorrência de insônia e aumento do apetite. No tratamento de distúrbios perigosos ou incapacitantes, essas alterações podem não exi- gir a suspensão da terapia. Todavia, as alterações metabólicas subjacentes que as acompanham podem ser muito graves no momento de sua manifestação. A degradação contínua de pro- teínas e o desvio de aminoácidos para a produção de glicose aumentam as necessidades de insulina e, com o passar do tem- po, resultam em ganho de peso, depósito de gordura visceral, miopatia e perda muscular, adelgaçamento da pele com estrias e equimoses, hiperglicemia e, por fim, osteoporose, diabetes e necrose asséptica do quadril. A cicatrização de feridas também está comprometida nessas circunstâncias. Quando presente, o diabetes é tratado com dieta e insulina. Com frequência, esses pacientes mostram-se resistentes à insulina, porém raramente desenvolvem cetoacidose. Em geral, as dietas dos pacientes tra- tados com corticosteroides devem ser hiperproteicas e enrique- cidas com potássio. B. outras complicações Outros efeitos colaterais graves dos glicocorticoides incluem úlceras pépticas e suas consequências. Os achados clínicos as- sociados a determinados distúrbios, particularmente infecções bacterianas e micóticas, podem ser mascarados pelos corticos- teroides, de modo que os pacientes devem ser monitorados com cuidado, a fim de evitar contratempos sérios quando se administram grandes doses. A miopatia grave é mais frequen- te em pacientes tratados com glicocorticoides de ação longa. A administração desses compostos tem sido associada a náuse- as, tontura e perda de peso em alguns pacientes. O tratamento TABeLA 39-2 Algumas indicações terapêuticas para o uso de glicocorticoides em distúrbios não suprarrenais Distúrbio exemplos Reações alérgicas Edema angioneurótico, asma, picadas de abelhas, dermatite de contato, reações medicamentosas, rinite alérgica, doença do soro, urticária Distúrbios vasculares do colágeno Arterite de células gigantes, lúpus eritematoso, síndromes mistas do tecido conectivo, polimiosite, polimialgia reumática, artrite reumatoide, arterite temporal Doenças oculares Uveíte aguda, conjuntivite alérgica, coroidite, neurite óptica Doenças gastrintestinais Doença inflamatória intestinal, espru não tropical, necrose hepática subaguda Distúrbios hematológicos Anemia hemolítica adquirida, púrpura alérgica aguda, leucemia, linfoma, anemia hemolítica autoimune, púrpura trombocitopênica idiopática, mieloma múltiplo Inflamação sistêmica Síndrome do desconforto respiratório agudo (a terapia prolongada com dose moderada acelera a recuperação e diminui a mortalidade) Infecções Síndrome do desconforto respiratório agudo, sepse Condições inflamatórias dos ossos e das articulações Artrite, bursite, tenossinovite Náuseas e vômitos Uma grande dose de dexametasona reduz os efeitos eméticos da quimioterapia e da anestesia geral Distúrbios neurológicos Edema cerebral (são administradas grandes doses de dexametasona a pacientes após cirurgia do cérebro, a fim de minimizar o edema cerebral no período pós-operatório), esclerose múltipla Transplante de órgãos Prevenção e tratamento da rejeição (imunossupressão) Doenças pulmonares Pneumonia por aspiração, asma brônquica, prevenção da síndrome do desconforto respiratório do lactente, sarcoidose Distúrbios renais Síndrome nefrótica Doenças da pele Dermatite atópica, dermatoses, líquen simples crônico (neurodermatite localizada), micose fungoide, pênfigo, dermatite seborreica, xerose Doenças da tireoide Exoftalmia maligna, tireoidite subaguda Outros Hipercalcemia, doença das montanhas como a prednisona e a prednisolona (Tabela 39-1), bem como todas as medidas auxiliares possíveis para manter a dose baixa. Quando houver possibilidade, deve-se utilizar a terapia em dias alternados (ver adiante). O tratamento não deve ser reduzido nem interrompido abruptamente. Quando se antecipa uma te- rapia prolongada, é útil a obtenção de radiografias do tórax, bem como de um teste tuberculínico, visto que a terapia com glicocor- ticoides pode ativar a tuberculose dormente. É preciso considerar a presença de diabetes, úlcera péptica, osteoporose e transtornos psicológicos, e deve-se avaliar a função cardiovascular. O tratamento para a rejeição de transplante constitui uma aplicação muito importante dos glicocorticoides. A eficácia desses agentes baseia-se em sua capacidade de reduzir a expres- são de antígenos do tecido enxertado, retardar a revasculariza- ção e interferir na sensibilização dos linfócitos T citotóxicos e na geração de células formadoras de anticorpos. 690 seÇÃo Vii Fármacos endócrinos desses efeitos consiste em mudar os fármacos, reduzir a dose e aumentar o aporte de potássio e de proteína. Podem ocorrer hipomania ou psicose aguda, em particular nos pacientes que recebem doses muito grandes de corticoste- roides. A terapia em longo prazo com esteroides de ações in- termediária e longa está associada à depressão e ao desenvolvi- mento de cataratas subcapsulares posteriores. Nesses pacientes, indica-se um acompanhamento psiquiátrico, bem como exa- mes periódicos com lâmpada de fenda. É comum ocorrer ele- vação da pressão intraocular, e pode haver desenvolvimento de glaucoma. Além disso, ocorre hipertensão intracraniana benig- na. Com doses de 45 mg/m2/dia ou mais de hidrocortisona ou seu equivalente, ocorre atraso do crescimento em crianças. Os glicocorticoides de ações média, intermediária e longa exibem maior potência de supressão do crescimento do que o esteroide natural em doses equivalentes. Quando administrados em doses superiores às quantidades fisiológicas, os esteroides como a cortisona e a hidrocortisona, que exercem efeitos mineralocorticoides além dos efeitos gli- cocorticoides, provocam certo grau de retenção de sódio e de líquido e perda de potássio. Em pacientes com funções cardio- vascular e renal normais, esses efeitos levam ao desenvolvimen- to de alcalose hipoclorêmica hipopotassêmica e a uma elevação da pressão arterial. Em pacientes com hipoproteinemia, doença renal ou doença hepática, pode ocorrer também edema. Em pacientes com doença cardíaca, até mesmo pequenos graus de retenção de sódio podem resultar em insuficiência cardíaca. Esses efeitos podem ser minimizados com o uso de esteroides sintéticos que não provocam retenção de sal, com a restrição de sódio e com o uso criterioso de suplementos de potássio. C. supressão suprarrenal Quando se administram corticosteroides por mais de duas se- manas, pode ocorrer supressão suprarrenal. Se o tratamento se estender por várias semanas a meses, o paciente deve receber terapia suplementar apropriada em caso de estresse menor (au- mento de duas vezes na dose, durante 24 a 48 horas) ou estresse intenso (aumento de até dez vezes na dose, durante 48 a 72 ho- ras), como traumatismo acidental ou cirurgia de grande porte. Se houver a necessidade de reduzir a dose de corticosteroides, isso deve ser feito de modo lento e gradual. Se for necessário in- terromper a terapia, o processo de redução deve ser muito lento quando a dose alcança níveis de reposição. Podem ser necessá- rios 2 a 12meses para que o eixo hipotálamo-hipófise-suprar- renal funcione adequadamente, e a normalização dos níveis de cortisol pode exigir outros 6 a 9 meses. A supressão induzida por glicocorticoides não representa um problema hipofisário, e o tratamento com ACTH não diminui o tempo necessário para que ocorra normalização da função. Se a dose for reduzida com muita rapidez em pacientes em uso de glicocorticoides para o tratamento de determinada do- ença, os sintomas do distúrbio podem reaparecer ou sua inten- sidade pode aumentar. Entretanto, os pacientes sem distúrbios subjacentes (p. ex., pacientes cirurgicamente curados da doença de Cushing) também irão desenvolver sintomas com rápidas reduções dos níveis de corticosteroides. Esses sintomas con- sistem em anorexia, náuseas, vômitos, perda de peso, letargia, cefaleia, dor articular ou muscular e hipotensão postural. Em- bora muitos desses sintomas possam refletir uma verdadeira deficiência de glicocorticoides, eles também podem ocorrer na presença de níveis plasmáticos normais ou até mesmo elevados de cortisol, sugerindo uma dependência de glicocorticoides. Contraindicações e precauções A. Precauções especiais Os pacientes que recebem glicocorticoides devem ser cuida- dosamente monitorados quanto ao possível desenvolvimento de hiperglicemia, glicosúria, retenção de sódio com edema ou hipertensão, hipopotassemia, úlcera péptica, osteoporose e in- fecções ocultas. A dose deve ser mantida o mais baixo possível, e deve-se utilizar uma administração intermitente (p. ex., em dias alter- nados) quando for possível obter resultados terapêuticos satis- fatórios com esse esquema. Mesmo os pacientes mantidos com doses consideradas baixas de corticosteroides podem necessitar de terapia suplementar em situações de estresse, como procedi- mentos cirúrgicos, doença intercorrente ou acidentes. B. Contraindicações Os glicocorticoides devem ser usados com muita cautela em pa- cientes com úlcera péptica, doença cardíaca ou hipertensão com insuficiência cardíaca, certas doenças infecciosas, como varicela e tuberculose, psicose, diabetes, osteoporose ou glaucoma. seleção do fármaco e esquemas de dosagem As preparações de glicocorticoides diferem nos efeitos anti- -inflamatórios e mineralocorticoides relativos, na duração de ação, no custo e nas formulações disponíveis (Tabela 39-1), e esses fatores devem ser levados em consideração na escolha do fármaco que irá ser utilizado. A. ACTH versus esteroides adrenocorticais Em pacientes com glândulas suprarrenais normais, o ACTH era usado para induzir a produção endógena de cortisol, a fim de obter efeitos semelhantes. Todavia, exceto nos casos em que se pretende obter um aumento dos androgênios, o uso do ACTH como agente terapêutico foi abandonado. As circunstâncias em que o ACTH foi considerado mais efetivo do que os glicocor- ticoides provavelmente foram decorrentes da administração de quantidades menores de corticosteroides do que as produzidas pelas doses de ACTH. B. Dosagem Ao determinar o esquema posológico a ser utilizado, o médi- co precisa considerar a gravidade da doença, a quantidade do fármaco necessária para obter o efeito desejado e a duração da terapia. Em algumas doenças, a quantidade necessária para manter o efeito terapêutico desejado é menor do que a dose ne- cessária para produzir o efeito inicial. A menor dosagem possí- vel capaz de produzir o efeito necessário deve ser determinada pela diminuição gradual da dose até a observação de um peque- no aumento nos sinais e sintomas. Quando há necessidade de manter níveis plasmáticos conti- nuamente elevados de corticosteroides para suprimir o ACTH, é imprescindível o uso de uma preparação parenteral de absor- ção lenta ou pequenas doses orais a intervalos frequentes. Ob- serva-se a situação oposta em relação ao uso de corticosteroide no tratamento de distúrbios inflamatórios e alérgicos. A mesma quantidade total administrada em algumas doses pode ser mais efetiva quando fornecida em inúmeras doses menores ou em uma forma parenteral de absorção lenta. Os distúrbios autoimunes graves que comprometem órgãos vitais precisam ser tratados de modo agressivo, e um tratamen- to insuficiente é tão perigoso quanto um tratamento intensivo. Para minimizar o depósito de imunocomplexos e o influxo de leucócitos e macrófagos, é necessário administrar inicialmente CAPÍTuLo 39 Adrenocorticosteroides e antagonistas adrenocorticais 691 1 mg/kg/dia de prednisona em doses fracionadas. Essa dose é mantida até a obtenção de uma resposta das manifestações gra- ves. A seguir, a dose pode ser gradualmente reduzida. Quando há necessidade de grandes doses por períodos pro- longados, pode-se recorrer à administração do composto em dias alternados após a obtenção de um controle. Nos casos em que se utiliza esse esquema, quantidades muito grandes (p. ex., 100 mg de prednisona) algumas vezes podem ser administradas com efeitos colaterais menos pronunciados, devido a um perío- do de recuperação entre cada dose. A transição para um esque- ma em dias alternados pode ser efetuada após obtenção do con- trole do processo mórbido. A transição deve ser feita de modo gradual, com medidas de suporte adicionais entre as doses. Ao escolher um fármaco para uso em grandes doses, é acon- selhável administrar um esteroide sintético de ação média ou in- termediária, com pouco efeito mineralocorticoide. Se possível, o fármaco deve ser administrado em dose única pela manhã. C. Formas posológicas especiais A terapia local, como preparações tópicas para doenças cutâ neas, formas oftálmicas para doenças oculares, injeções intra-articu- lares para doenças articulares, esteroides inalados para asma e enemas de hidrocortisona para tratamento da colite ulcerativa, constitui uma maneira de fornecer grandes quantidades de este- roides ao tecido acometido, com redução dos efeitos sistêmicos. Foi constatado que o dipropionato de beclometasona e vá- rios outros glicocorticoides – principalmente budesonida, flu- nisolida e furoato de mometasona, administrados na forma de aerossóis – são extremamente úteis no tratamento da asma (ver Capítulo 20). O dipropionato de beclometasona, a triancinolona acetoni- da, a budesonida, a flunisolida e outros fármacos estão dispo- níveis na forma de aerossóis nasais para o tratamento tópico da rinite alérgica. Esses fármacos são efetivos em doses (uma ou duas aplicações de aerossol, 1, 2 ou 3 vezes ao dia) que, na maioria dos pacientes, resultam em níveis plasmáticos dema- siado baixos para influenciar a função suprarrenal ou exercer qualquer outro efeito sistêmico. Os corticosteroides incorporados em pomadas, cremes, loções e aerossóis são extensamente usados em dermatologia. Essas pre- parações são discutidas de modo mais detalhado no Capítulo 61. Recentemente, novos comprimidos de hidrocortisona de liberação programada foram desenvolvidos para o tratamen- to de reposição de pacientes addisonianos e com hiperplasia suprarrenal congênita. Esses comprimidos produzem níveis plasmáticos de cortisol que se assemelham àqueles secretados normalmente de modo circadiano. minerAlocorticoides (Aldoste- ronA, desoxicorticosteronA, fludrocortisonA) Nos seres humanos, a aldosterona é o mineralocorticoide mais importante. Todavia, pequenas quantidades de desoxicorticos- terona (DOC) também são formadas e liberadas. Embora as quantidades normalmente sejam insignificantes, a DOC teve importância terapêutica no passado. Suas ações, seus efeitos e seu metabolismo assemelham-se qualitativamente aos descritos mais adiante para a aldosterona. A fludrocortisona, um corti- costeroide sintético, é o hormônio de retenção de sal mais co- mumente prescrito. Aldosterona A aldosterona é sintetizada principalmente na zona glomerular do córtex suprarrenal. Sua estrutura e síntese estão ilustradas na Figura 39-1. A taxa de secreção da aldosterona está sujeita a várias influências. O ACTH produz uma estimulação mode- rada de sualiberação, porém esse efeito não persiste por mais de alguns dias no indivíduo normal. Embora a aldosterona seja apenas um terço tão efetiva quanto o cortisol na supressão do ACTH, as quantidades de aldosterona produzidas pelo córtex da suprarrenal e suas concentrações plasmáticas são insuficien- tes para exercer qualquer controle de retroalimentação signifi- cativo da secreção de ACTH. Na ausência de ACTH, a secreção de aldosterona diminui para cerca da metade da taxa normal, indicando que outros fatores, como a angiotensina, são capazes de manter e talvez regular sua secreção (ver Capítulo 17). Além disso, é possível demonstrar a existência de variações independentes entre a se- creção de cortisol e a de aldosterona por lesões efetuadas no sistema nervoso, como a descerebração, que reduz a secreção de cortisol, ao mesmo tempo em que aumenta a de aldosterona. A. efeitos fisiológicos e farmacológicos A aldosterona e outros esteroides com propriedades mineralo- corticoides promovem a reabsorção de sódio da parte distal do túbulo contorcido distal e dos túbulos coletores corticais, frou- xamente acoplados à excreção de íons potássio e hidrogênio. Em geral, verifica-se também um aumento da reabsorção de só- dio nas glândulas sudoríparas e salivares, bem como na mucosa gastrintestinal e nas membranas celulares. Os níveis excessivos de aldosterona produzidos por tumores ou em decorrência de superdosagem com outros mineralocorticoides sintéticos resul- tam em hipopotassemia, alcalose metabólica, aumento do volu- me plasmático e hipertensão. Os mineralocorticoides atuam por meio de sua ligação ao receptor de mineralocorticoides no citoplasma das células-alvo, particularmente as células principais dos túbulos contorcidos distais e túbulos coletores do rim. O complexo fármaco-recep- tor ativa uma série de eventos semelhantes aos descritos ante- riormente para os glicocorticoides e ilustrados na Figura 39-4. É interessante assinalar que esse receptor tem a mesma afini- dade pelo cortisol, que está presente em concentrações muito mais altas no líquido extracelular. A especificidade pelos mi- neralocorticoides no rim parece decorrer, pelo menos em par- te, da presença da enzima 11β-hidroxiesteroide-desidrogenase tipo 2, que converte o cortisol em cortisona. Esta última apre- senta baixa afinidade pelo receptor e é inativa como minera- locorticoide ou glicocorticoide no rim. O principal efeito do receptor de aldosterona consiste em aumento da expressão da Na+/K+-ATPase e do canal epitelial de sódio (CENa). B. Metabolismo Nos indivíduos normais com ingestão moderada de sal na dieta, a aldosterona é secretada em uma taxa de 100 a 200 mcg/dia. Os níveis plasmáticos no homem (em repouso e decúbito dorsal) são de cerca de 0,007 mcg/dL. A meia-vida da aldosterona inje- tada em quantidades muito pequenas é de 15 a 20 minutos, e o hormônio não parece ligar-se firmemente às proteínas séricas. O metabolismo da aldosterona assemelha-se ao do cortisol, e aparecem cerca de 50 mcg/24 h na urina, na forma de tetra- -hidroaldosterona conjugada. Cerca de 5 a 15 mcg/24 h são ex- cretados na forma livre ou como 3-oxo glicuronídeo. 692 seÇÃo Vii Fármacos endócrinos Desoxicorticosterona (DoC) A DOC, que também serve como precursor da aldosterona (Fi- gura 39-1), normalmente é secretada em quantidades de cerca de 200 mcg/dia. Quando injetada na circulação humana, apre- senta uma meia-vida de cerca de 70 minutos. As estimativas preliminares de sua concentração no plasma são de aproxima- damente 0,03 mcg/dL. O controle de sua secreção difere da- quele da aldosterona, visto que a secreção de DOC encontra-se principalmente sob o controle do ACTH. Embora a resposta ao ACTH seja intensificada pela restrição dietética de sódio, devi- do a adaptações, uma dieta com baixo teor de sal não aumenta a secreção de DOC. Essa secreção pode aumentar acentuada- mente em certas condições anormais, como carcinoma adre- nocortical e hiperplasia suprarrenal congênita com atividade reduzida de P450c11 ou P450c17. Fludrocortisona A fludrocortisona, um potente esteroide com atividade tanto glicocorticoide como mineralocorticoide, é o mineralocorticoi- de mais amplamente usado. Doses orais de 0,1 mg, 2 a 7 vezes por semana, exercem poderosa atividade de retenção de sal e são usadas no tratamento da insuficiência adrenocortical asso- ciada à deficiência de mineralocorticoides. Essas doses são mui- to pequenas para exercer quaisquer efeitos anti-inflamatórios ou anticrescimento importantes. AndrogÊnios suPrArrenAis O córtex da suprarrenal secreta grandes quantidades de DHEA e quantidades menores de androstenediona e testosterona. Embora se acredite que esses androgênios possam contribuir para o processo normal de maturação, eles não estimulam nem sustentam as principais alterações puberais dependentes de an- drogênios nos seres humanos. Estudos recentes sugerem que a DHEA e seu sulfato podem exercer outras ações fisiológicas importantes. Se isso for correto, esses resultados provavelmente decorrem da conversão periférica da DHEA em androgênios mais potentes ou em estrogênios e de uma interação com recep- tores de androgênios e de estrogênios, respectivamente. Outros efeitos podem ser exercidos por uma interação com os recep- tores de GABAA e glutamato no cérebro ou com um receptor nuclear em vários locais centrais e periféricos. O uso terapêu- tico da DHEA tem sido explorado em seres humanos, porém a substância já foi adotada com entusiasmo pouco crítico por membros da cultura de drogas nos esportes e cultura de suple- mentos vitamínicos e alimentares. Foram relatados os resultados de um estudo clínico da DHEA controlado com placebo em pacientes com lúpus erite- matoso sistêmico, bem como aqueles de um estudo de reposi- ção de DHEA em mulheres com insuficiência suprarrenal. Em ambos os estudos, foi constatado um pequeno efeito benéfico, com melhora significativa da doença no primeiro estudo e uma sensação claramente maior de bem-estar no segundo. As ações androgênicas ou estrogênicas da DHEA poderiam explicar os efeitos do composto em ambas as situações. Por outro lado, não há evidência que sustentem o uso de DHEA para aumentar a força muscular e melhorar a memória. � AntAgonistAs dos Agentes AdrenocorticAis inibidores dA síntese e AntAgonistAs dos glicocorticoides Os inibidores da síntese de esteroides atuam em várias etapas diferentes, e um antagonista dos glicocorticoides atua no nível do receptor. NH2 O O C2H5 Metirapona CH3 CH3 OCH2CH3C CH2 C C N N CH Mitotano CI C H H CI CI CI CI Cetoconazol NN Aminoglutetimida N H O O O N N O CI FiGurA 39-5 Alguns bloqueadores adrenocorticais. Em virtude de sua toxicidade, vários desses compostos não estão mais disponíveis nos Estados Unidos. CAPÍTuLo 39 Adrenocorticosteroides e antagonistas adrenocorticais 693 Aminoglutetimida A aminoglutetimida (Figura 39-5) bloqueia a conversão do colesterol em pregnenolona (ver Figura 39-1) e provoca uma redução na síntese de todo os esteroides hormonalmente ati- vos. Tem sido utilizada em associação com dexametasona ou hidrocortisona para reduzir ou eliminar a produção de estro- gênios em pacientes com carcinoma de mama. O fármaco foi bem tolerado em uma dose de 1 g/dia; entretanto, com doses mais altas, a letargia e a erupção cutânea foram efeitos comuns. Hoje, o uso da aminoglutetimida em pacientes com câncer de mama foi suplantado pelo tamoxifeno ou por outra classe de fármacos, os inibidores da aromatase (ver Capítulos 40 e 54). A aminoglutetimida pode ser utilizada com metirapona ou ceto- conazol para reduzir a secreção de esteroides em pacientes com síndrome de Cushing causada por câncer adrenocortical que não responde ao mitotano. A aminoglutetimida aparentemente também aumenta a depuração de alguns esteroides. Foi demonstrado que o fárma- co intensifica o metabolismo da dexametasona, reduzindo sua meia-vida de 4 a 5 horas para 2 horas.Cetoconazol O cetoconazol, um derivado imidazólico e antifúngico (ver Ca- pítulo 48), é um inibidor potente e não seletivo da síntese de es- teroides suprarrenais e gonadais. Esse composto inibe a clivagem da cadeia lateral do colesterol, as enzimas P450c17, C17,20-liase, 3β-hidroxiesteroide-desidrogenase e P450c11, que são necessá- rias para a síntese de hormônios esteroides. A sensibilidade das enzimas P450 ao cetoconazol em tecidos de mamíferos é bem menor do que a necessária para o tratamento de infecções fún- gicas, de modo que seus efeitos inibitórios na biossíntese de este- roides são observados apenas em altas doses. O cetoconazol tem sido utilizado no tratamento de pacien- tes com síndrome de Cushing de várias etiologias. A admi- nistração de doses de 200 a 1.200 mg/dia tem produzido uma redução dos níveis hormonais e melhora clínica em alguns pa- cientes. Esse fármaco produz certo grau de hepatotoxicidade e deve ser iniciado em uma dose de 200 mg/dia, que é lentamente aumentada em 200 mg/dia, a cada 2 a 3 dias, até uma dose diá- ria total de 1.000 mg. etomidato O etomidato [R-1-(1-etilfenil)imidazol-5-etil éster] é um fár- maco singular usado para indução de anestesia geral e sedação. Em doses sub-hipnóticas de 0,1 mg/kg/h, esse fármaco inibe a esteroidogênese suprarrenal em nível da 11β-hidroxilase e tem sido usado como única medicação parenteral disponível no tra- tamento da síndrome de Cushing grave. Metirapona A metirapona (Figura 39-5) é um inibidor relativamente seleti- vo da 11-hidroxilação de esteroides, que interfere na síntese de cortisol e de corticosterona. Na presença de hipófise normal, observa-se um aumento compensatório na liberação hipofisá- ria de ACTH e secreção suprarrenal de 11-desoxicortisol. Essa resposta fornece uma medida da capacidade da adeno-hipófise de produzir ACTH e foi adaptada para uso clínico como exame complementar. Embora a toxicidade da metirapona seja bem menor que a do mitotano (ver adiante), o fármaco pode provo- car tontura e distúrbios gastrintestinais transitórios. Esse agente não tem sido amplamente usado no tratamento da síndrome de Cushing. Entretanto, quando administrada em doses de 0,25 g, duas vezes ao dia, a 1 g, quatro vezes ao dia, a metirapona pode reduzir a produção de cortisol para níveis normais em alguns pacientes com síndrome de Cushing endógena. Por conseguin- te, a metirapona pode ser útil no tratamento de manifestações graves de excesso de cortisol, enquanto a causa do distúrbio está sendo determinada, ou em combinação com radioterapia ou tratamento cirúrgico. A metirapona é a única medicação inibidora das glândulas suprarrenais que pode ser administrada a mulheres grávidas com síndrome de Cushing. Os principais efeitos colaterais observados consistem em retenção de sal e de água e hirsutismo, em consequência do desvio do precursor 11-desoxicortisol para a síntese de DOC e androgênios. A metirapona é comumente utilizada em provas de fun- ção suprarrenal. Os níveis sanguíneos de 11-desoxicortisol e a excreção urinária de 17-hidroxicorticoides são determinados antes e depois da administração do composto. Em condições normais, verifica-se um aumento de duas vezes ou mais na excreção urinária de 17-hidroxicorticoides. Com frequência, administra-se uma dose de 300 a 500 mg a cada quatro horas, em um total de seis doses, e efetuam-se coletas de urina no dia anterior e no dia seguinte ao tratamento. Em pacientes com síndrome de Cushing, a obtenção de uma resposta normal à metirapona indica que o excesso de cortisol não é devido à pre- sença de carcinoma ou adenoma suprarrenal secretor de corti- sol, visto que a secreção por esses tumores provoca supressão do ACTH e atrofia do córtex da suprarrenal normal. A função hipofisária também pode ser avaliada pela admi- nistração de metirapona, em uma dose oral de 2 a 3 g à meia- -noite, com determinação dos níveis de ACTH ou de 11-de- soxicortisol em amostras de sangue coletadas às 8 horas da manhã, ou comparando-se a excreção urinária de 17-hidroxi- corticosteroides no período de 24 horas antes e depois da ad- ministração do fármaco. Em pacientes com lesões suspeitas ou comprovadas da hipófise, esse procedimento é uma maneira de avaliar a capacidade da glândula de produzir ACTH. A metira- pona foi retirada do mercado nos Estados Unidos, porém está disponível mediante solicitação em caso de necessidade. Trilostano O trilostano é um inibidor da 3β-17-hidroxiesteroide-desidro- genase que interfere na síntese dos hormônios suprarrenais e gonadais, sendo comparável à aminoglutetimida. Os efeitos co- laterais do trilostano são predominantemente gastrintestinais; ocorrem efeitos colaterais em cerca de 50% dos pacientes em uso de trilostano e aminoglutetimida. Não há resistência cru- zada nem superposição dos efeitos adversos desses compostos. O trilostano não está disponível nos Estados Unidos. Abiraterona A abiraterona é o mais recente inibidor da síntese de esteroi- des a ser aprovado. A abiraterona bloqueia a 17α-hidroxilase (P450c17) e a 17,20-liase (Figura 39-1) e, previsivelmente, re- duz a síntese de cortisol nas glândulas suprarrenais e de esteroi- des gonadais nas gônadas. Ocorre um aumento compensatório na síntese de ACTH e de aldosterona, porém isso pode ser evi- tado pela administração concomitante de dexametasona. A abi- raterona é um profármaco esteroide ativo por via oral, que está aprovado para o tratamento de câncer de próstata refratário. Mifepristona (ru-486) A pesquisa de um antagonista dos receptores de glicocorticoi- des finalmente teve sucesso no início da década de 1980, com 694 seÇÃo Vii Fármacos endócrinos o desenvolvimento do 19-noresteroide 11β-aminofenil-subs- tituído, denominado RU-486, posteriormente mifepristona. Diferentemente dos inibidores enzimáticos já discutidos, a mi- fepristona é um antagonista farmacológico do receptor de este- roides. Esse composto apresenta forte atividade antiprogestina e, no início, foi sugerido como agente contraceptivo-contra- gestivo. A mifepristona, quando administrada em altas doses, exerce atividade antiglicocorticoide ao bloquear o receptor de glicocorticoides, em virtude de sua ligação a esses receptores com alta afinidade, causando (1) certa estabilização do comple- xo hsp-receptor de glicocorticoides e inibição da dissociação do receptor ligado a RU-486 das proteínas chaperonas hsp; e (2) alteração da interação do receptor de glicocorticoides com cor- reguladores, favorecendo a formação de um complexo transcri- cionalmente inativo no núcleo da célula. O resultado consiste em inibição da ativação do receptor de glicocorticoides. A meia-vida da mifepristona é, em média, de 20 horas. Essa meia-vida é mais longa que a de muitos agonistas glicocorticoi- des tanto naturais como sintéticos (a dexametasona tem meia-vi- da de 4 a 5 horas). Ocorre excreção de menos de 1% da dose diá- ria na urina, sugerindo um papel mínimo dos rins na depuração desse composto. A meia-vida plasmática longa da mifepristona resulta de sua ligação extensa e forte às proteínas plasmáticas. Menos de 5% do composto encontra-se na forma livre quando o plasma é analisado por diálise de equilíbrio. A mifepristona pode ligar-se à albumina e à glicoproteína ácida α1, mas não exibe qualquer afinidade pela globulina de ligação dos corticosteroides. Nos humanos, a mifepristona provoca resistência generali- zada aos glicocorticoides. Quando administrada por via oral a vários pacientes com síndrome de Cushing causada por produ- ção ectópica de ACTH ou por carcinoma suprarrenal, a mife- pristona foi capaz de reverter o fenótipo cushingoide, eliminar a intolerância aos carboidratos, normalizar a pressão arterial, corrigir a supressão dos hormônios tireoidianos e gonadais e melhorar as sequelas psicológicas do hipercortisolismo nesses pacientes. No momento, esse uso da mifepristona só pode ser recomendado para pacientes inoperáveis com secreção ectópica de ACTH ou com carcinoma suprarrenal
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