@import url(https://fonts.googleapis.com/css?family=Source+Sans+Pro:300,400,600,700); Museologia Social: a origem dos ecomuseusEmbora seja sempre arriscado traçar origens, é interessante refletir sobre o que impulsionou a criação dos primeiros ecomuseus e como isso reverbera na criação e manutenção de ecomuseus hoje. Podemos, para nortear, evidenciar algumas questões: O que estava acontecendo quando os primeiros ecomuseus foram surgindo? Que tipo de discussão acontecia sobre museus à época em que os ecomuseus surgem? Quais foram os primeiros ecomuseus conhecidos? Qual a história deles? Isso é importante porque nos faz pensar sobre o contexto vivido à época e o nosso, e nos leva a questionar se os ecomuseus que atenderam demandas anteriores conseguem ainda atender as demandas do século XXI. De acordo com Dominique Poulot em seu livro Museu e Museologia, o termo ecomuseu é forjado por Hugues de Varine e Georges Henri Rivière, durante a 9ª Conferência Geral do ICOM (Conselho Internacional de Museus) de 1971, e emerge da ideia de um patrimônio ligado a uma comunidade a um meio ambiente. O autor continua explicando que:\u201cOs ecomuseus pretendem ser, então, o espelho em que uma população se olha para se reconhecer nesse espaço, no qual ela procura a explicação do território a que está vinculada, conectada com [a história] das populações precedentes.\u201d (Poulot, 2013).Mas para compreendermos as raízes históricas dos ecomuseus, é necessário sempre falarmos da nova museologia, que como vimos na unidade anterior, é a teoria museológica pautada na necessidade de alinhar os objetivos do museu às necessidades da população, especialmente daquela do entorno.Ao final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) há um \u201cprocesso intenso de questionamento a respeito da função social de uma instituição considerada até então estática e distanciada de uma sociedade em constante ebulição\u201d (Vasconcellos, 2006). Em função de uma série de fatores, nota-se uma reivindicação no que diz respeito à democratização cultural, que busca \u201cromper o muro do isolamento dos museus com a sociedade e torná-los mais participativos e interativos para a população que os sustentava\u201d (Vasconcellos, 2006).O francês Hugues de Varine situa os primeiros passos dessa Nova Museologia em finais dos anos 1960, como os eventos de maio de 1968 na Europa, e uma gradual tomada de consciência na América Latina da necessidade de libertação de tutela econômica e de sua própria identidade. Os museólogos começam a refletir, discutir e afirmar o papel político dos museus, principalmente nas conferências de 1971 e 1972, na França, e na Mesa Redonda de Santiago em 1972, no Chile.De acordo com a pesquisadora Márcia Bertotto (2015) foi especialmente a Mesa Redonda de Santiago que teve um papel decisivo nas discussões posteriores, pois \u201creforçou a ideia de que a política ditatorial que envolveu o Brasil e o Chile e o desenvolvimento econômico importante em ambos são aspectos relevantes a serem avaliados quando se fala em política cultural\u201d não apenas no Brasil, mas na América Latina.É dentro desse contexto, em que surge mais do que antes, uma necessidade de participação e afirmação comunitária, e que noção de patrimônio, e mesmo de museu, são revistas, que surgem os primeiros ecomuseus. O termo ecomuseu, foi cunhado pelo francês Hugues de Varine, em 1971, de acordo com Bruno Brulon, em um almoço em Paris, \u201conde estavam reunidos, além dele, Georges Henri Rivière, como consultor permanente do Icom, e Serge Antoine, conselheiro do ministro do Meio Ambiente, para discutir alguns aspectos da organização da Conferência do Icom daquele ano, que aconteceria em Paris, Dijon e Grenoble, quando se falaria pela primeira vez sobre esse conceito impreciso.\u201d (Brulon, 2015). Varine definiu o termo em um artigo em 1978. Para ele,\u201cO ecomuseu é uma instituição que administra, estuda, explora, com fins científicos, educativos e, em geral, culturais, o patrimônio global de uma determinada comunidade, compreendendo a totalidade do ambiente cultural e natural dessa comunidade. Por essa razão, o ecomuseu é um instrumento de participação popular no planejamento do território e no desenvolvimento comunitário. Para tanto, o ecomuseu emprega todos os recursos e métodos de que dispõe para fazer com que essa comunidade apreenda, analise, critique e domine de maneira livre e responsável os problemas que se apresentam a ela com todos os domínios da vida. O ecomuseu utiliza essencialmente a linguagem dos objetos, do quadro da vida real cotidiana, das situações concretas. Ele é, antes de tudo, um fator almejado de mudanças.\u201dNo livro Raízes do Futuro, escrito em 2012 e publicado no Brasil em 2013, o autor menciona que o termo se tornou uma expressão cujo sentido é diferente dependendo de quem o diz, e que se tornou \u201cuma dessas palavras-valise em que cada um pode colocar o que quiser\u201d. Isso se deve ao fato de muitas iniciativas de museus que são entre si diferentes encontram na concepção de ecomuseu sua afirmação teórico-metodológica. Mais adiante, o autor revisita o termo (cuja invenção é dada a ele, em suas próprias palavras, completamente por acaso), e sintetiza o que percebeu em cerca de 30 anos de palavra e prática. O quadro abaixo é a reprodução de sua síntese. Síntese da Ecomuseologia, por Hugues de Varine (2013) Isso posto, percebemos em todos os argumentos que os ecomuseus têm na participação comunitária seu principal elemento. É ela que vai ser, nessa estrutura, a maior representante no que diz respeito ao patrimônio no qual está inserida. Vasconcellos (2006) diz que o \u201cecomuseu significa um roteiro que visa retraçar a trajetória de um determinado período da história daquela comunidade, integrando-a ao seu significado no presente.\u201d (Sobre isso falaremos mais detalhadamente na unidade 3, na seção Patrimônio, Desenvolvimento e Museus). Para Marlene Suano (1986) a maior vantagem dos ecomuseus é a não-retirada dos objetos que são importantes para a comunidade e sua recolocação em vitrines de museus, alheios à ela, uma vez que a noção de coleção é substituída pela noção de patrimônio, e que pertence à comunidade onde está inserido.O primeiro ecomuseu a ser considerado como tal foi o Écomusée du Creusot Montceau-les-Mines, que no começo dos anos de 1970 fez parte de um projeto de museu dedicado à história industrial da cidade. Diferente do que seria metodologicamente construído em um museu tradicional, em Creusot a comunidade se envolveu na proposta de criação e gestão do ecomuseu, tornando-se ativa para o funcionamento do mesmo. Com a direção de Marcel Évrard, que havia se instalado em Creusot e possuía experiência na montagem de exposições, o ecomuseu teve ainda o apoio de Varine e de Georges Henri Rivière. Ecomuseu Creusot. Imagem disponível em Ecomusée Creusot Montceau « Montceau News | L'information de Montceau les Mines et sa region Varine foi um dos grandes responsáveis por tornar o ecomuseu - tanto o conceito quanto o Creusot - conhecido mundialmente, uma vez que na qualidade de consultor do ICOM, ele teve contato com museus e museólogos de todo o mundo. Ele explica que o ecomuseu do Creusot foi considerado um instrumento de desenvolvimento, principalmente para conhecer e dar uso aos recursos patrimoniais.Em outros países, iniciativas similares às de Creusot também aconteciam. Em Portugal, em 1982, a Câmara Municipal do Seixal criou, nas antigas instalações da Torre da Marina (Arrentela), o Ecomuseu Municipal do Seixal \u201cassumindo como linhas estruturantes da sua programação a atividade referente ao território concelhio, a conservação dinâmica do património, sempre que possível in situ, e a interação com formas de participação da população e das comunidades na vida municipal.\u201dÉ interessante perceber como os ecomuseus se apresentam de fato como instrumentos de e para a mudança. Explorando o canal do Ecomuseu do Seixal você poderá notar que ele está intensamente envolvido em questões políticas e sociais da comunidade, como a construção de hospitais, restauração viária, além da criação e fortalecimento de projetos educativos. Outro ponto a ser considerado é a ideia do patrimônio em uso. Falaremos disso com mais detalhes na unidade 3, mas cabe destacar que as embarcações tradicionais que compõem o patrimônio do Ecomuseu do Seixal \u201centre abril e outubro de cada ano, aproximadamente, segundo as condições atmosféricas, as embarcações tradicionais do Ecomuseu são utilizáveis pelo público, efetuando passeios no Tejo\u201d. No Brasil surge em 1987 o Ecomuseu de Itaipu, em Foz do Iguaçu que tem como território a área de atuação da usina e busca preservar a região em que ela foi implantada. Mais tarde, em 1995, surge o Ecomuseu de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, \u201cque engloba todo o bairro de Santa Cruz, no extremo oeste da cidade do Rio de Janeiro, perfazendo uma área de 125 km².\u201dSão muitas ainda as iniciativas que poderíamos elencar aqui. Os ecomuseus se afirmaram nos últimos quarenta anos como um instrumento de ativismo e inserção popular em tomadas de decisões. Para tanto, é fundamental que sejam de fato ligados à comunidade na qual existem, comunidade esta que precisa reconhecer e se reconhecer no patrimônio que pertence a ela.
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